Licitações E Contratos Na área Da Saúde: Peculiaridades E Responsabilidade Do Advogado Público d4i2p

o em 04 mai. 2020.

72 Art. 8º Esta Lei vigorará enquanto estiver vigente o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, observado o disposto no art. 4º-H desta Lei.

73 Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se aos atos realizados durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

74 Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6.625MC4.pdf. o em 25 nov. 2020.

75 Art. 24. É dispensável a licitação:

I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

76 Art. 1º A istração pública dos entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos fica autorizada a:I - dispensar a licitação de que tratam os incisos I e II do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, até o limite de:

a) R$ 100.000,00 (cem mil reais), para obras e serviços de engenharia, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizados conjunta e concomitantemente; e

b) R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), para outros serviços e compras, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço ou de compra de maior vulto, que possam ser realizados de uma só vez;

77 Art. 145. Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços.

§ 1º A antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.

§ 2º A istração poderá exigir a prestação de garantia adicional como condição para o pagamento antecipado.

§ 3º Caso o objeto não seja executado no prazo contratual, o valor antecipado deverá ser devolvido.

4. A RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO PÚBLICO E A NECESSIDADE DA INTERDISCIPLINARIDADE

4.1 DIMENSÃO CONSTITUCIONAL E INFRALEGAL DA ADVOCACIA PÚBLICA

O Constituinte de 1988 entendeu ser necessário estabelecer as diretrizes da Advocacia Pública em âmbito federal e estadual na segunda seção do capítulo destinado às funções essenciais à justiça na Constituição da República.

Isso demonstra a um só tempo a valorização dos membros da Advocacia Pública como também a importância da profissionalização dessas carreiras, que, conforme ficará demonstrado neste capítulo, exercem não apenas a consultoria e representação judicial dos entes federados, mas também o controle de legalidade dos atos istrativos.

Importante ressaltar as diferentes expressões da Advocacia Pública no cenário jurídico nacional. Inicialmente, deve ser destacada a inexistência de uniformidade de tratamento, ao contrário do que ocorre no Parquet e na Defensoria Pública.

A Advocacia Pública foi criada, inicialmente, para defender o ente federado em juízo, não havendo um cuidado em deferir a esses profissionais o poder/dever de fiscalizar internamente a legalidade dos atos istrativos.

Nesse sentido, torna-se fácil compreender o porquê de inexistir uma norma jurídica única que estabelecesse os contornos dessa carreira, deixando para que cada ente federado estipulasse a melhor forma de disciplinar os seus serviços de assessoria jurídica.

A União possui como órgão central de atuação jurídica, que é a Advocacia Geral da União, composta por Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional, Procuradores Federais e Procuradores do Banco Central.

Nota-se que o art. 131 da CRFB apenas menciona expressamente as duas primeiras carreiras acima citadas. Da mesma maneira, a Lei Complementar nº 73/1993, ao regulamentar a normativa constitucional, não citou os Procuradores Federais e do Banco Central.

Assim sendo, entende-se que apenas o serviço jurídico da istração direta federal foi adequadamente abordado pelo diploma normativo infralegal, de forma que toda a istração indireta ficará, no primeiro momento, sem cobertura jurídica formalmente disciplinada.

Dessa forma, cada Autarquia e Fundação Pública Federal possuía um órgão jurídico subordinado hierarquicamente ao titular da instituição, não havendo, portanto, uma unidade técnica nas orientações prestadas em sede de assessoria jurídica, ou tese única a ser defendida nos Tribunais Regionais Federais.

Havia notório prejuízo ao istrado, ao Estado e ao . Cite-se, como exemplo, o istrado que, ao pleitear istrativamente determinado pedido frente à UFF (Universidade Federal Fluminense), poderia receber parecer jurídico diametralmente oposto ao recebido por cidadão em igualdade de condições, mas que pleiteara junto à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O também ficará em situação desconfortável, porque embora possuísse a benesse de estar hierarquicamente acima do assessor jurídico, não

sabia se a decisão istrativa de fato gozava de respaldo jurídico majoritário ou baseava-se em pensamento isolado do seu parecerista.

Ao Estado, lato sensu, o prejuízo era ainda mais evidente. Inicialmente, pelo descrédito dos istrados em relação à istração Pública Federal e, por consequência, ao governo. Isso porque o cidadão médio não entende a distinção da istração indireta para direta, as colocando tudo sob o mesmo manto – Governo Federal. Assim sendo, o istrado, ao receber respostas antagônicas de órgãos federais, necessariamente ava a ter uma imagem ruim e pouco profissional do Governo Federal.

Em seguida, nota-se o prejuízo econômico causado pela falta de uniformidade nas representações judiciais. Isso porque os Tribunais, ao se depararem com teses homogêneas da Advocacia Pública, percebem que se trata na verdade da expressão jurídica do próprio Poder Executivo, havendo, em muitos casos, a aplicação do Princípio da Deferência.

Essa robustez inexiste quando há pareceres jurídicos internos conflitantes e teses judiciais esparsas, assemelhando-se a particulares que batem à porta do Judiciário, vez ou outra, ao contrário do Estado, litigante mais presente nos Tribunais nacionais.

Isto posto, o Senhor Presidente da República no ano de 2001 editou a Medida Provisória 2.229-43, que criava os cargos de Procurador Federal e Procurador do Banco Central do Brasil⁷⁸.

A Lei nº 10.480, editada no ano seguinte, estruturou a Procuradoria Geral Federal, de forma a deixar mais claro que integrava o órgão jurídico único, Advocacia Geral da União.

Dessa forma, embora os Procuradores Federais permanecessem prestando assessoria jurídica aos titulares das pessoas jurídicas da istração indireta, sua vinculação formal e hierárquica ou ao Advogado Geral da União⁷ .

Ultraadas quase duas décadas, pode-se notar o grau de profissionalismo que a Advocacia Geral da União alcançou e como isso trouxe benefícios ao Estado. Apenas no primeiro semestre de 2019, o órgão economizou mais de 200 bilhões de reais aos cofres federais⁸ .

O mesmo não pode ser notado nos demais entes federados. Em relação aos Estados⁸¹, nota-se uma dificuldade em concretizar a unidade de representação. Já nos Municípios, a falta de norma constitucional dificultou ainda mais essa tarefa.

Em relação aos Estados, a Carta Maior foi tímida na regulação, estipulando apenas que a representação judicial e assessoria jurídica dos Estados e Distrito Federal seriam de responsabilidade dos Procuradores dos Estados.

Dessa forma, restaram algumas questões. A primeira delas trata-se, como no caso da União, das entidades da istração indireta de personalidade jurídica de direito público. Também, como no caso federal, o tratamento que deveria ser conferido aos profissionais e órgãos já existentes. Por fim, e não menos importante, a autonomia de cada ente federado para regular o tema.

Pois bem, em relação às Autarquias e Fundações, como é notório, gozam de personalidade jurídica distinta em relação aos entes federados. Nesse sentido, o sucesso alcançado na esfera federal não necessariamente se repetiria em sede estadual.

Cite-se o exemplo dos DETRANs. Não seria, em tese, viável que seu Presidente entendesse que possuir um corpo jurídico próprio seria mais adequado aos interesses dessa instituição.

O mesmo pode ser compreendido no caso de agências reguladoras estaduais, fundações públicas com finalidades altamente específicas ou até mesmo consórcios interestaduais fundados sob o formato de Autarquia, conforme a Lei nº 11.107/2005.

Nesse sentido, vamos ao encontro do ponto específico da regulação dos serviços jurídicos estaduais, qual seja, a autonomia dos estados federados, claramente esculpida no art. 25 da Lei Maior e o seu confronto com o estabelecido no art. 132 do mesmo diploma normativo.

Sendo assim, é no mínimo plausível entender aceitável a interpretação constitucional que defere ao legislador estadual a competência para decidir sobre a forma que será exercida a assistência jurídica e representação judicial dos entes públicos da istração indireta.

Ressalte-se, uma vez mais, que o art. 132 da Constituição da República aborda tão somente a istração direta, e que o art. 25 da Lei Maior confere ao legislador derivado decorrente e legislador ordinário estadual a competência para definir como ocorrerá o seu autogoverno, autoistração e auto-organização no seio do Estado-Membro.

Outrossim, há uma dificuldade prática no caso dos estados: o destino que seria ofertado aos servidores públicos que já exerciam a advocacia nesses entes da istração indireta.

Enquanto na União escolheu-se o caminho da cooperação e diálogo entre as partes envolvidas, respeitando os profissionais que durante anos exerceram esse múnus público e ouvindo o interesse das entidades públicas, nos Estados, por sua vez, optou-se pelo uso da força institucional do órgão jurídico central.

Explica-se: em âmbito federal, como já abordado anteriormente, os ocupantes desses cargos aram a integrar a carreira de Procurador Federal com o mesmo status e remuneração dos Advogados da União, continuando sua atividade técnica de forma livre, mas agora com o respaldo de um órgão único.

Nota-se que os Procuradores Federais foram absorvidos e inseridos como membros da Advocacia da União, assim como seus pares, os Procuradores do Banco Central do Brasil.

Entretanto, nos Estados Federados não é esse o caminho seguido, até o momento. Isso porque não há a intenção de absorver esses profissionais como seus pares, mas tão somente extinguir os cargos jurídicos das entidades da istração indireta.

Infelizmente, isso ocorre por uma questão de cunho privado dos membros das PGEs e não pelo interesse dos próprios entes federados. Fato esse facilmente comprovado quando se observa os autores da ADI 5215/2019.

A referida Ação de Controle de Constitucionalidade será adequadamente abordada à frente, mas no momento interessa saber que foi iniciada por pleito da prestigiada Associação Nacional dos Procuradores dos Estados, a ANAPE, não configurando como parte nenhum estado federado.

Pois bem, o pleito da unicidade de representação jurídica nos Estados foi construído durante anos e, com o sucesso alcançado na esfera federal, trouxe mais robustez à causa.

Entretanto, o pleito demonstrou-se aberto demais, ao ponto de tentar-se extinguir toda e qualquer representação judicial estadual. Porém, no âmbito estadual possuímos órgãos como as Procuradorias Universitárias (cite-se PGUERJ e PGUSP), Procuradorias das Assembleias Legislativas e Procuradorias dos Tribunais de Contas.

Nesse sentido haveria de ocorrer, no mínimo, uma composição de interesse entre os membros e os órgãos representados, não havendo qualquer razoabilidade em extinguir um órgão jurídico dessa envergadura e conferir aos seus membros o ofício de auxiliares dos Procuradores dos Estados.

Pois bem, esse conflito de interesse e de poder culminou nas ADIs 4449, 5215 e 5262, relatadas pelos Ministros Marco Aurélio, Roberto Barroso e Cármen Lúcia, respectivamente.

Ressalte-se, uma vez mais, que todas foram impetradas pela associação de classe dos Procuradores dos Estados (ANAPE) em face de leis estaduais dos seguintes entes federados: Alagoas, Roraima e Goiás. Em nenhumas delas o governador integrou o polo ativo da demanda.

Em razão da similitude dos casos abordados, os processos foram reunidos, após decisão dos respectivos Ministros relatores. O plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 28 de março de 2019, julgou todas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade mencionadas, ocorrendo o transito em julgado no dia 20

de novembro do mesmo ano.

O mérito da lide residia no alcance normativo do art. 132 da Constituição da República e se o Princípio da Unicidade de representação estava realmente implícito e aplicável às Autarquias e Fundações Públicas.

O Supremo Tribunal Federal foi uníssono, afirmando categoricamente que sim. Dessa forma, não haveria que se falar em autonomia dos entes federados em legislar de forma diferente às suas pessoas jurídicas da istração indireta.

Durante o julgamento foi abordado, como não poderia ser diferente, o sucesso da União ao reunir todas as carreiras sob o manto da Advocacia Geral da União.

A título de conhecimento, sublinhe-se que dois dos três relatores eram Procuradores dos Estados antes de integrarem a Suprema Corte, a saber: Min. Cármen Lúcia (AGE-MG) e Min. Luís Roberto Barroso (PGE-RJ).

Em verdade, pouco ou quase nada se abordou sobre o fato de Autarquias e Fundações possuírem personalidade jurídica distinta dos entes federados instituidores ou mesmo da autonomia dos Estados, principalmente o poder de auto-organização decorrente da Constituição da República.

Restou evidente no julgamento que os Ministros decidiam qual a melhor forma de organização jurídica para istração Pública, e não se a decisão de separação era autorizada pela Lei Maior.

Entretanto, limites eram necessários, sobretudo pelo posicionamento da ANAPE de não aceitar os demais advogados públicos no seio das Procuradorias dos Estados. Esses limites foram devidamente mencionados na prolação dos votos, de forma a não restar dúvidas sobre o alcance da decisão do plenário da Suprema Corte brasileira.

Assim sendo, restou-se decidido que as Assembleias Legislativas e Tribunais de Contas, ambos pertencentes ao Poder Legislativo, estavam implicitamente autorizados pela Constituição da República a possuírem corpo jurídico próprio.

Isso porque seria comum que essas instituições tivessem interesses institucionais contrapostos ao ente federado, e naturalmente desejariam que seus advogados fossem independentes do corpo jurídico do Poder Executivo.

Outra ressalva, a única expressamente inserida na Constituição da República, mais precisamente no art. 69 do ADCT, aborda os órgãos de consultoria jurídica já existentes na data de promulgação da Lei Maior⁸².

Por fim, ressaltou-se ainda o caso das Procuradorias Universitárias. Esse destaque ocorreu por conta do art. 207 da Constituição da República, que garante a denominada Autonomia Universitária⁸³.

A lógica em muito se aproxima da utilizada na aceitação de corpo jurídico próprio às Assembleias Legislativas. Isso porque, em muitos casos, as Universidades Públicas necessitam litigar contra o ente federado onde se situam, justamente para garantirem a sua autonomia constitucional.

Apenas o Estado, por meio de atos normativos ou istrativos, possui poder

suficiente para colocar em risco a autonomia conferida às Universidades pelo Constituinte Originário.

Cite-se o exemplo mencionado pelo Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto: quando o Estado não rea as verbas garantidas pela lei orçamentária, caberá ao corpo jurídico da Universidade tutelar judicialmente esse interesse.

É igualmente válido que as Universidades desejem que esses advogados integrem os seus quadros de servidores e não a Procuradoria Geral do Estado, evitando-se, assim, conflito de interesse e possível interferência negativa nessa defesa institucional.

Reforçou-se a esse argumento os reconhecidos trabalhos exercidos pelas Procuradorias Gerais da USP e da UERJ, havendo menção expressa desse fator nos votos do Ministro Luís Roberto Barroso.

Portanto, restou decidido que caberia às Procuradorias Gerais dos Estados a consultoria jurídica e representação judicial dos estados federados, com exceção dos já existentes durante a promulgação da Constituição, Tribunais de Contas, Assembleias Legislativas e Universidades Estaduais.

a-se, agora, à análise das Procuradorias Municipais. O Constituinte Originário pouco abordou quanto à Advocacia Pública federal, em relação à estadual apenas um artigo, mas em relação à municipal em nada contribuiu. Esse silêncio, eloquente ou não, possui uma razão simplória e fática: a imensa desigualdade entre os cinco mil municípios existentes em nosso país.

Nesse diapasão, números ajudam a entender a questão material que deságua no

tratamento jurídico concedido à questão, ou melhor, a ausência dele. O Município de São Paulo possui 12.325.232 (doze milhões, trezentos e vinte e cinco mil, duzentos e trinta e dois) habitantes, de acordo com a estimativa do IBGE⁸⁴. Por sua vez, o Município de Serra da Saudade, em Minas Gerais, possui menos de 800 (oitocentos) habitantes, de acordo com a mesma fonte de pesquisa.

Embora constitucionalmente ambos os municípios possuam as mesmas competências istrativas e legislativas estipuladas na Lei Maior, qualquer outra comparação é inviável.

A complexidade e relevância econômica dos temas trabalhados nos municípios podem, muitas vezes, não justificar uma Procuradoria robusta e dispendiosa, e essa diferença na capacidade arrecadatória certamente levou o Constituinte Originário a não abordar as Procuradorias Municipais.

Infelizmente, ao que tudo indica, a Constituinte andou mal nesse ponto. Isso porque poderia estabelecer a necessidade de uma Procuradoria profissional em todos os municípios, ainda que com baixa remuneração, da mesma forma como ocorre com os Vereadores e Prefeitos dos referidos entes.

Seria uma forma de controle eficaz dos atos istrativos municipais, com o investimento proporcional à realidade local. Ressalte-se que a maioria dos brasileiros vive nas capitais e que essas cidades também não possuem a obrigatoriedade constitucional de estabelecerem uma Procuradoria Municipal.

Conclui-se que, de todos os entes, os municípios carecem, em especial os menores, do reconhecimento da necessidade de possuir uma Advocacia Pública profissional e atuante, como já alcançado pelos Estados e União.

4.2 NATUREZA JURÍDICA DO PARECER JURÍDICO

A tradicional classificação dos atos istrativos realiza a subdivisão em atos normativos, atos ordinatórios, atos negociais, atos enunciativos e atos punitivos.

Em breve síntese, os normativos são impositivos de regras de caráter geral e abstrato. Os ordinatórios são de caráter interno da istração, baseados no Poder Hierárquico do agente público estipulante.

Os negociais são manifestação de vontade do Estado, aceitando a proposta manifestada por particulares. Reserva-se aos atos punitivos a imposição de sanções legalmente estipuladas.

a-se à análise dos atos enunciativos, que possuem como característica primordial sua natureza declaratória. Nesse sentido, o agente promulgador de ato enunciativo apenas reconhece formalmente uma situação previamente existente.

Nesse sentido, são exemplos clássicos de atos enunciativos as certidões, declarações, atestados e apostilamento de informações nas fichas funcionais dos servidores ou na fiscalização de contratos.

A doutrina nacional estipulou que o parecer jurídico produzido pela Advocacia Pública possui a mesma natureza dos demais atos acima citados, de forma que são classificados como enunciativos.

Bem verdade que o parecer jurídico reconhece uma situação de direito previamente existente e analisa as possibilidades legais aplicáveis ao caso. Entretanto, afirmar que esse ato é meramente enunciativo seria o mesmo que conferir a todas as sentenças judiciais a natureza estritamente declaratória.

Não restam dúvidas que sentenças possuem uma base declaratória, mas sua principal característica é a condenação à obrigação de dar, fazer ou não fazer. No mesmo sentido deve ser interpretado o parecer jurídico elaborado por advogado público.

Faz-se necessário continuar o estudo abordando a aplicação prática do parecer jurídico nas decisões istrativas.

4.3 APLICAÇÃO PRÁTICA DO PARECER JURÍDICO NA ISTRAÇÃO PÚBLICA

Abordada a natureza tradicionalmente defendida pela doutrina nacional, o a elaborar a natureza jurídica prática do parecer jurídico na istração Pública Nacional.

A prática demonstra que as decisões istrativas em órgãos que são detentores de uma Procuradoria profissionalizada, em qualquer das esferas da istração, são na sua esmagadora maioria no mesmo sentido do parecer lavrado pela assessoria jurídica.

Isso ocorre por diversos fatores. O primeiro, a meu ver, é o grande número de atos istrativos vinculados. Em breve síntese, são aqueles que a lei ou ato normativo infralegal não confere ao qualquer grau de subjetividade⁸⁵.

Comprovando-se que o istrado logrou êxito em preencher todos os requisitos normativos, o deferimento do ato é obrigatório por parte do Estado. Cite-se, como exemplo, a concessão de aposentadoria para segurado da previdência social.

Preenchidos o tempo de contribuição e/ou idade mínima prevista, a manifestação jurídica da Procuradoria Federal será no sentido de concessão do direito pleiteado, cabendo ao tão somente a autorizativa do ato.

Note-se que, no dia a dia da istração, são muitos os exemplos dessa espécie de ato: homologação de licitação, concessão de benefício social, concessão de direitos provenientes do regime jurídico único do servidor público, licença para construção, entre outros.

Entretanto, há alguns casos em que o Procurador é chamado a opinar diante de um caso concreto e de soluções múltiplas, inseridos na discricionariedade do . Pode-se citar: contratações diretas, ou seja, sem processo licitatório, recursos istrativos interpostos por empresas licitantes, termos de cooperação com outros entes istrativos e minutas de atos normativos.

Classicamente, há duas espécies de contratação direta, a dispensa de licitação do art. 24 da Lei nº 8.666/93, e a inexigibilidade de competição, exemplificada no art. 25 do mesmo diploma. Em razão da pandemia de Covid-19, foi criada mais uma espécie pela Lei nº 13.979/2020.

Pois bem, em todas as espécies acima mencionadas há a obrigatoriedade da escuta do advogado público. Na lei geral, a exigência está contida no art. 38, parágrafo único⁸ , enquanto na lei especial a norma que assim dispõe está inserida no art .4º-K⁸⁷.

Nesse sentido, o parecer jurídico tem natureza obrigatória, ou seja, embora não vincule o , este tem o dever de consultar sua assessoria jurídica antes da tomada de decisão.

Na prática istrativa, nota-se que, na imensa maioria das vezes, o parecer jurídico é seguido pelo , sendo verdadeira fundamentação do ato decisório.

Em verdade, nota-se alguns casos em que o limita-se a dar conhecimento do parecer ao interessado, como se aquele ato fosse a decisão istrativa. Isso ocorre por alguns motivos. Entre os mais nobres está a deferência ao conhecimento técnico do advogado público, sobretudo quando integrante de um órgão jurídico profissionalizado, composto por membros concursados e com estrutura adequada ao desenvolvimento da atividade jurídica.

Outrossim, ocorre quando o profissional do direito é pessoa da confiança do gestor público, itido por nomeação em cargo comissionado, sendo lógico que o nomeante prestará uma maior consideração à opinião do parecerista nomeado.

Entretanto, há um fator primordial para a decisão do de seguir o parecer jurídico, sendo esse fator, infelizmente, menos nobre. Trata-se do medo da punição dos órgãos de controle, tais como Tribunais de Contas e Ministério Público.

Este fator já é objeto de estudo pela doutrina nacional, sob o nome de “Direito istrativo do medo”. Esse controle exorbitante dos órgãos acima citados, quando não causa a paralisia decisória, gera as decisões remissivas aos pareceres jurídicos.

Um exemplo de exceção à regra acima citada consiste nos pareceres precedentes aos atos normativos. Nesse sentido, não é incomum que Chefes do Poder Legislativo deem continuidade ao processo legislativo mesmo com manifestação jurídica contrária, bem como que o Chefe do Poder Executivo sancione projeto de lei, considerado por seu jurídico como inconstitucional. Isso ocorre pelas forças políticas envolvidas e pelo juízo de discricionariedade envolvidos.

Assim sendo, pode o Chefe do Poder Executivo entender que mais vale

sancionar a lei, e utilizar sua presunção de validade até que seja afastada sua eficácia pelo Poder Judiciário, a vetá-la e ficar desprovido de seus efeitos prematuramente. Sobretudo porque o mesmo órgão que concedeu o parecer jurídico opinando pela inconstitucionalidade do então projeto de lei terá, por dever de ofício, de defender sua validade no Judiciário.

Note-se que isso ainda é possível, tendo em vista que não prosperou, até a presente data, a tese de responsabilização do Legislativo e do Chefe do Executivo na aprovação de leis inconstitucionais, até mesmo nas denominadas “inconstitucionalidades chapadas”.

Nota-se então que, na prática, na imensa maioria dos casos o parecerista influi decisivamente na decisão istrativa a ser tomada, havendo algo próximo a uma delegação de poderes, mas sem as formalidades necessárias para tal.

O parecer jurídico, quando seguido pelo , possui uma natureza de fundamentação decisória e não mero ato declaratório, enunciativo, como a doutrina clássica estipula.

Essa situação não prevista nem planejada pelo legislador constituinte e infraconstitucional gera, por consequência, a necessidade de reclassificação do parecer jurídico como mero ato enunciativo.

Não sendo um mero ato enunciativo, é necessário estudar a responsabilidade do parecerista na elaboração de sua manifestação jurídica, precipuamente quando o ato decisório, embasado no parecer, é objeto de apuração dos órgãos de controle externo.

4.4 RESPONSABILIDADE DO PARECERISTA

Ressaltado o papel fundamental do parecer jurídico no processo istrativo brasileiro, inicia-se o estudo sobre a responsabilidade pessoal do advogado público ao proferi-lo, subsidiando, assim, a decisão istrativa.

Devido à importância do tema, é importante ressaltar todos os seus aspectos jurídicos, sendo certo que há posicionamento legal, doutrinário e jurisprudencial das Cortes de Contas, bem como do Supremo Tribunal Federal.

Entende-se cabível abordar, em primeiro plano, o enquadramento legal do instituto, em seguida o doutrinário, para ao cabo analisar o posicionamento jurisprudencial das Cortes de Contas e do Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, destaca-se a Lei Federal nº 8.906/1994, conhecida como Estatuto da Advocacia. Esclareça-se, desde então, que os advogados públicos estão submetidos ao estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como às leis específicas que regulam suas próprias carreiras.

O art. 32 do Estatuto da Advocacia estabelece a responsabilidade do profissional que agir com dolo ou culpa, sendo este o primeiro parâmetro jurídico a iluminar o tema.

Não restam dúvidas sobre a responsabilidade do parecerista que elabora peça jurídica de forma a dolosamente prejudicar o ente istrativo ao qual deve lealdade. Cite-se o exemplo do Procurador que, sabendo ser o caso de licitação,

opina pela dispensa do procedimento concorrencial de forma a permitir a contratação direta de empresa fraudulenta.

Esse advogado público comete não apenas falta funcional e profissional, mas também ilícito penal ao agir como partícipe do crime capitulado no art. 89 da Lei nº 8.666/93, cuja pena ficará especialmente agravada sob a égide da Lei nº 14.133/91.⁸⁸

O mesmo enquadramento concedido aos advogados foi aplicado a todos os servidores técnicos chamados a opinar em processos istrativos, como notase da alteração trazida na LINDB pelo art. 28: “O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

Entretanto, a definição de erro grosseiro continua ausente das normas legais estrito sensu, tendo sido sua conceituação estabelecida, em âmbito federal, pelo Decreto nº 9.830/2019.

A referida norma infralegal conceituou o erro grosseiro como aquele que pode ser tido como inescusável, caracterizado por um elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia, seja na forma comissiva, seja como omissão.

Importante trazer ao estudo a visão doutrinária sobre o instituto, iniciando pela lição do ilustre Professor Carvalho Filho, que defende uma posição mais conservadora em relação à punibilidade dos pareceristas. Leia-se:

De tudo isso resulta que o agente que emite o parecer não pode ser considerado solidariamente responsável com o agente que produziu o ato istrativo

final, decidindo pela aprovação do parecer. A responsabilidade do parecerista pelo fato de ter sugerido mal somente lhe pode ser atribuída se houver comprovação indiscutível de que agiu dolosamente, vale dizer, com o intuito predeterminado de cometer improbidade istrativa. Semelhante comprovação, entretanto, não dimana do parecer em si, mas, ao revés, constitui ônus daquele que impugna a validade do ato em função da conduta de seu autor. Não nos parece correto, portanto, atribuir, a priori, responsabilidade solidária a servidores pareceristas quando opinam, sobre o aspecto formal ou substancial (em tese), pela aprovação ou ratificação de contratos e convênios, tal como exigido no art. 38 da Lei nº 8.666/1993 (Estatuto dos Contratos e Licitações), e isso porque o conteúdo dos ajustes depende de outras autoridades istrativas, e não dos pareceristas. Essa responsabilidade não pode ser atribuída por presunção e só se legitima no caso de conduta dolosa, como já afirmado, ou por erro grosseiro injustificável. Daí julgarmos digna de aplausos norma legal que afaste a presunção de responsabilidade.

Note-se que há uma conexão entre o pensamento do renomado autor istrativista e o posicionamento normativo apresentado neste trabalho, seja o legalmente estipulado pelo Estatuto da OAB e LINDB, seja pelo regulamento federal do tema.

Por outro lado, o clássico doutrinador Marçal Justen Filho entende que o parecerista pode ser punido ao não observar os posicionamentos doutrinários e jurisprudências majoritários, em uma posição mais próxima ao estabelecido pelo Tribunal de Contas da União, como ainda será observado neste trabalho. Veja-se:

Em todos os casos, não se ite que o parecer teria cunho meramente “opinativo”, tal como se o emitente de um parecer fosse um inimputável, não subordinado ao dever de formular a melhor e mais adequada manifestação possível. O que se deve ressaltar é que o emitente de um parecer não pode ser punido nem responsabilizado por adotar uma dentre diversas interpretações ou soluções possíveis e teoricamente equivalentes. Cabe ao autor de um parecer examinar com cautela todas as circunstâncias do caso concreto, apontando as

possíveis divergências e revelando conhecimento técnico e jurídico sobre os fatos, a ciência e a lei. A opção por uma dentre diversas alternativas dotadas de idêntico respaldo não comporta responsabilização, mesmo que o parecer seja obrigatório e de cunho vinculante. Mas a escolha por uma solução desarrazoada, tecnicamente indefensável, incompatível com os fatos concretos, não respaldada pela doutrina e pela jurisprudência acarreta a responsabilização de seu autor ainda que o parecer seja facultativo e não vinculante. Enfim, a natureza obrigatória ou vinculante do parecer pode agravar a responsabilização do emissor de um parecer mal elaborado e defeituoso, mas não significa a punibilidade para um parecer bem fundamentado, ainda que tenha manifestado entendimento que não venha a ser reputado como o mais adequado e correto.

Estudadas as normas sobre o tema e os posicionamentos doutrinários, a-se à análise das decisões dos Tribunais de Contas.

Pois bem, em acórdão recente de nº 13.375/2020, prolatado pela 1ª Câmara sob a relatoria do Ministro Benjamin Zymler, foi proferido o seguinte posicionamento:

O parecer jurídico que não esteja fundamentado em razoável interpretação da lei, contenha grave ofensa à ordem pública ou deixe de considerar jurisprudência pacificada do TCU pode ensejar a responsabilização do seu autor, se o ato concorrer para eventual irregularidade praticada pela autoridade que nele se embasou.

Nota-se que o conteúdo do instituto continua como tipo aberto (“razoável interpretação da Lei”, “grave ofensa a ordem pública”), sendo certo que, ao ver do TCU, caberá à Corte decidir se o Procurador infringiu ou não esses limites.

O mais relevante, no entanto, foi o posicionamento que estabeleceu como baliza para responsabilidade do parecerista o não atendimento à sua jurisprudência

pacífica, trazendo mais insegurança ao parecerista e ao público. Isso porque, o que seria jurisprudência pacífica? Apenas as súmulas do TCU, ou também os acórdãos reiterados mas não sumulados?

Note-se que o Tribunal de Contas da União analisa contratos federais, analisados pela profissionalíssima Advocacia Geral da União. A partir dessa decisão estaria o membro da AGU obrigado a seguir o posicionamento da Corte de Contas, ainda que entendesse haver outro mais vantajoso ao Governo Federal e, por consequência, aos istrados.

Esse posicionamento é frontalmente contrário ao decidido pelo STF, no Mandado de Segurança nº 35.196/2019. Nesse MS, resta claro que não cabe ao advogado público uma posição meramente burocrática, sem qualquer poder criativo. Leia-se:

Em primeiro lugar, o parecerista estaria menos propenso a trazer teses inovadoras, ainda que razoáveis, das quais poderia advir soluções mais adequadas ao interesse público em concreto. Em vez de viabilizar políticas públicas, o advogado público se tornaria um mero burocrata, atando-se a procedimentos mais longos, difíceis e custosos. Esse engessamento não acarreta retorno em moralidade pública, mas em ineficiência.

Não é razoável punir istrativamente um parecerista por pensar diferente das Cortes de Contas. Isto porque, há divergência entre os TCEs e TCU, bem como entre AGU e PGEs, faz parte do Direito nacional, assim como ocorre entre Tribunais do Poder Judiciário.

Cite-se o exemplo já trazido no capítulo sobre as contratações excepcionais no enfrentamento ao Covid-19, onde a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro entendia ser necessária a publicação do avençado em Diário oficial,

enquanto a Advocacia Geral da União opinava pela desnecessidade, bastando a publicação em site oficial do Governo Federal.

Outro exemplo, agora de divergência entre Cortes de Contas, pode ser encontrado no TCE/PE, que, no acórdão 1.446/2017, entendeu que as contratações diretas de escritórios de advocacia por inexigibilidade prescindiam de singularidade, enquanto o TCU possui jurisprudência pacífica em sentido oposto (acórdãos 2.436 e 2.761/2020).

Importante ressaltar que muitas vezes a divergência encontra-se na interpretação dos fatos e não na aplicação do Direito, fato esse que aconteceu no Mandado de Segurança 35.196/2019. O parecerista entendeu aplicável o reequilíbrio econômico do contrato, por ter interpretado que determinado fato era extraordinário e, portanto, permitiria a aplicação do art. 65, alínea “d” da Lei nº 8.666/93.

Cabe ao público, indicado por membro político detentor de mandato auferido pelo voto popular, decidir, embasado em parecer jurídico, se algo é ou não imprevisível, ou previsível com consequências incalculáveis.

Afirmar o oposto afrontaria a própria Constituição da República, justamente em um de seus pilares, a separação dos poderes. Isso porque causaria verdadeira transferência do poder decisório do Executivo ao Legislativo, considerando que as Cortes de Contas, de acordo com o art. 71 da Lei Maior, são órgãos auxiliadores do Poder Legislativo em sua função fiscalizatória. Note-se que a função é de fiscalizar, não de substituir o Executivo nas decisões.

Apreciar fatos istrativos e a partir deles aplicar o Direito é função inerente ao Poder Executivo, não sendo possível que outro órgão do aparelho estatal decida e puna o tão somente por pensar diferente, ainda que tenha

respeitado a lei.

Frise-se que descumprir a lei permite a punição por qualquer dos poderes: Executivo por meio de sanções istrativas, Legislativo por multas e outras medidas restritivas aplicáveis pelos Tribunais de Contas, e até mesmo privação de liberdade pelo Judiciário.

Ocorre que o TCU, no acórdão sob análise, visa punir o parecerista tão somente por pensar diferente da sua própria jurisprudência istrativa, considerando que as Cortes de Contas não integram o Poder Judiciário.

Ressalte-se que apenas ao Supremo Tribunal Federal foi concedido, pela Constituição da República, o poder de editar súmulas vinculantes, que possuem o condão de submeter a istração Pública aos seus comandos normativos.

Incabível a interpretação que amplia essa possibilidade a qualquer outro órgão da República, justamente porque seria uma afronta à separação dos poderes prevista no art. 2º da Constituição brasileira, estipulada como princípio fundamental do nosso país.

O Supremo Tribunal Federal possui alguns acórdãos sobre o tema, havendo duas decisões em sede de mandado de segurança que são norteadoras para o estudo em questão.

Inicia-se pelo Mandado de Segurança 24.631/2008-STF, relatado à época pelo Ministro Joaquim Barbosa, que estabelece as espécies de parecer jurídico existentes em nosso ordenamento jurídico.

No acórdão proferido pelo Tribunal Pleno da Suprema Corte, foi estabelecida a seguinte classificação quanto à natureza dos pareceres: facultativo, obrigatório e vinculante.

A Corte Maior entendeu que quando o submete a questão ao parecerista, sem que haja qualquer obrigação normativa nesse sentido, configura o denominado parecer facultativo.

Esse parecer, por não ser exigido por norma jurídica, em nada altera o poder decisório do gestor, razão pela qual não caberia nenhuma responsabilização do advogado público por seu posicionamento profissional. Esclareça-se que a responsabilidade do gestor continua intacta, já que a ele era facultado decidir em sentido diverso.

Em seguida, há a classificação do parecer obrigatório. que ocorre quando determinado ato normativo, em regra a lei, determina que o gestor público deva submeter a questão ao crivo do seu departamento jurídico.

Exemplo clássico seria o art. 38, parágrafo único da Lei nº 8.666/93, que determina a obrigatoriedade da consulta por parte do gestor público. Caso decida de forma diversa ao estipulado na peça jurídica, deve fundamentar e submetê-lo novamente à sua assessoria jurídica.

Por fim, há o parecer jurídico vinculante, que ocorre quando a lei determina que o ato istrativo decisório deve ser no mesmo sentido da manifestação elaborada pelo advogado público.

Nesses casos, conforme entendeu o plenário do STF, ocorre a partilha decisória, tendo em vista que o ato istrativo é complexo e precisa necessariamente do parecer jurídico para seu completo aperfeiçoamento e validade.

Note-se que o STF não distinguiu a responsabilidade do parecerista pelo seu teor subjetivo, dolo ou culpa, mas sim pelas obrigações estabelecidas pelo legislador aos integrantes da istração Pública.

Assim sendo, o parecerista seria responsável tão somente quando a lei determinasse que seu ato era imprescindível para a confecção da decisão istrativa, e a manifestação se deu ao arrepio das normas jurídicas vigentes.

Note-se que aqui o STF não afirma que nos pareceres jurídicos opinativos e obrigatórios o advogado público está isento de qualquer sanção, mas tão somente que não cabe sua punição civil, principalmente pelas Cortes do Conta.

Nos pareceres não vinculantes, o Procurador pode ser punido pela OAB ao manifestar-se com culpa (erro grosseiro) ou por sua respectiva instituição. Isso fica claro no seguinte posicionamento do Ministro Joaquim Barbosa:

De qualquer sorte, minhas conclusões no presente caso acompanham o entendimento firmado no Ms 24.073, ressalvando apenas que considero inadequado, no caso, invocar unicamente as normas do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), pois entendo que a Advocacia pública, a rigor, se submete a regime diferenciado, que mescla características do regime jurídico dessa profissão liberal com as do regime jurídico dos servidores a que se submetem também os advogados públicos.

O STF, em sede de outro mandado de segurança, de nº 35.196/2019, estabeleceu alguns critérios para responsabilização pela conduta culposa do agente jurídico.

Inicia-se afirmando que apenas o erro grosseiro será capaz de causar a responsabilidade do parecerista, de forma a deixar claro que não será qualquer conduta culposa que permitirá essa possibilidade.

Tal preocupação tem por base, como expressamente abordado no acórdão, evitar que o parecerista seja responsável solidário das decisões gerenciais e/ou politicas do público, devendo-se, assim, evitar uma interpretação extensiva do art. 32 do Estatuto da Advocacia, bem como do art. 28 da LINDB, leia-se:

Com o veto aos parâmetros estabelecidos no §1º do artigo 28 na LINDB, a delimitação do conceito de erro grosseiro mantem-se candente, de modo que a densidade normativa da expressão mantem-se a cargo da doutrina e da jurisprudência judicial e istrativa. No entanto, o posicionamento do Tribunal de Contas da União tampouco tem se mostrado homogêneo, oscilando entre a classificação tripartite de erro leve, sem qualificação e grosseiro, sendo este associado à culpa grave (Tomada de Contas Especial da FUNASA, Ac. nº 2.391/18) e a atuação lastreada em “especial zelo” ou na figura do “ médio”. (Tomada de Contas Especial da Petrobras, Ac. Nº 2.677/18)

Razoável e proporcional o posicionamento da Suprema Corte. Dessa forma, pode-se concluir que, embora o Tribunal de Contas da União pretenda aplicar punições aos advogados públicos apenas por discordarem de seus posicionamentos decisórios, o Judiciário entende que apenas a lei pode impor sanção aos pareceristas, em total respeito ao art. 5º, II da Lei Maior.

Por último, importante trazer como fica a disciplina na nova Lei de Licitações,

que já se encontra em vigor, embora as normativas anteriores só venham a ser revogadas no prazo de dois anos a partir de primeiro de abril de 2021.

Inicialmente, a nova redação chama atenção por ter suprimido o termo “aprovadas”, presente no parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666, que dispunha que as licitações, contratos, convênio e ajustes devem ser “examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da istração”.

A redação do art. 53 da Lei nº 14.133 de 2021 prevê que o órgão de assessoramento jurídico “realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação”, o que se aplica tanto aos processos licitatórios como aos casos de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos, nos termos do parágrafo 4º.

Nesse sentido, é possível defender que a supressão do vocábulo “aprovar” pela nova lei constitui argumento que evidencia a ausência de responsabilidade do parecerista nas contratações, uma vez que, apesar de o parecer de análise jurídica ainda ser obrigatório, não cabe ao advogado público decidir definitivamente pela contratação, contrariando, portanto, alguns entendimentos das Cortes de Contas.

O art. 10 da nova lei constitui outro argumento que pode afastar a tese de responsabilidade ao prever que, se os agentes públicos atuarem em observância ao parecer jurídico exarado nos termos legais, sua eventual defesa judicial e extrajudicial ficará a cargo da Advocacia Pública.

Em que pese a duvidosa constitucionalidade dessa previsão, por ingerência da União nas atribuições das Procuradorias estaduais e municipais que se encontram fora de sua competência, cabe interpretação do art. 10 no sentido de que os agentes públicos podem optar por não seguir o parecer.

Desse modo, o melhor entendimento é de que o parecer jurídico exarado pelo advogado público, apesar de obrigatório, não vincula o , que pode, motivadamente, decidir de modo diverso e não enseja a responsabilidade do parecerista, mantendo a linha dos entendimentos jurisprudenciais já comentados.

Na prática, a tendência é que os pareceres sejam seguidos ainda com mais frequência, tendo em vista a possibilidade de serem os es defendidos pelos advogados públicos se assim procederem.

Sobre o assunto, cabe ainda comentar a relevância dos vetos presidenciais em alguns dispositivos do art. 53. Em sua redação original, a Lei nº 14.133/2021 continha previsão de que o parecer jurídico que desaprovasse a continuidade da contratação poderia ser rejeitado pela autoridade istrativa, que nesse caso responderia pessoal e exclusivamente por eventuais irregularidades, nos termos do art. 53, §2º.

Tal previsão, contudo, foi vetada pelo Presidente da República, sob o argumento de que o dispositivo daria margem à interpretação de que, como regra geral, haveria responsabilidade do parecerista por atos de gestão, o que contraria a jurisprudência, conforme exposto no presente capítulo, além de gerar insegurança na atividade de assessoramento jurídico.

As razões de veto trazem ainda a justificativa de que “o dispositivo desestimula o gestor a tomar medidas não chanceladas pela assessoria jurídica, mesmo que convicto da correção e melhor eficiência dessas medidas, o que pode coibir avanços e inovações. ”

Outro dispositivo vetado pelo Presidente foi o parágrafo 6º do art. 53, que

dispunha acerca da fixação de responsabilidade civil regressiva do membro da Advocacia Pública em casos de dolo ou fraude na elaboração do parecer jurídico. Tal veto foi motivado pela existência de outras normas legais que já continham disposições semelhantes e não foram revogadas com o advento da nova Lei de Licitações, quais sejam, o Estatuto da OAB e o art. 184 do C.

Por fim, cabe destacar que, pela redação do art. 53, §1º da nova Lei de Licitações e Contratos, não resta mais dúvida de que o órgão de assessoramento jurídico da istração realizará controle prévio de legalidade e juridicidade da contratação como um todo e não apenas da minuta contratual.

Esse pode vir a ser um argumento utilizado pelo Ministério Público e pelos Tribunais de Contas para tentar atribuir responsabilidade ao parecerista, no sentido de que a análise jurídica aprovaria todo o processo de contratação e não apenas a minuta apresentada.

Contudo, por todo o exposto nesse capítulo e considerando que a nova Lei de Licitações poderia, se quisesse, ter expressamente previsto novas hipóteses de responsabilidade do advogado público, o entendimento que deve prevalecer é a responsabilidade civil do parecerista apenas nos casos de dolo na elaboração do parecer jurídico, em respeito à repartição de funções, à inviolabilidade do advogado por seus atos técnicos e à própria eficiência istrativa que restaria comprometida caso o advogado público tivesse receio de emitir suas opiniões jurídicas e o gestor de contrariá-las.

4.5 NECESSIDADE DA INTERDISCIPLINARIDADE E PRÁTICAS USUAIS

Conforme demonstrado neste estudo, em muitas ocasiões o Procurador é chamado a opinar em atos de decisões não vinculados, tais como dispensa de licitação, recursos istrativos e termos de cooperação.

Também foi abordado caso em que a simples interpretação de fato processual divergente do que foi compreendido pelo Tribunal de Contas da União ensejou a responsabilidade do parecerista, apenas revertida no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Dessa forma, é imprescindível afirmar a necessidade da interdisciplinaridade para correta prestação da assessoria jurídica na tomada de decisão istrativa do órgão público.

Nesse sentido, havendo recurso istrativo em face de decisão técnica que inabilitou uma empresa de insumos hospitalares por não atender as qualificações mínimas exigidas no edital do certame, terá poucas chances de receber um parecer jurídico favorável em caso de inexistência de adequado e técnico ao parecerista.

Explica-se: o advogado público, sem conhecimentos técnicos adequados para opinar sobre a correção ou não da decisão da comissão licitatória que considerou a empresa inabilitada, pouco poderá fazer no caso concreto.

Havendo afirmação que o produto da amostra apresentada não logrou êxito em atingir os padrões mínimos exigidos, apenas poderá produzir peça jurídica opinando pela improcedência do pleito empresarial.

O público, fundamentado pelo parecer jurídico, em regra julgará desfavoravelmente o recurso istrativo apresentado, muitas vezes também sem deter o conhecimento técnico necessário para avaliar o posicionamento da comissão licitante.

Por isso, há a necessidade de estruturar as Procuradorias com profissionais de diversas áreas, por meio de concurso público, tais como médicos, engenheiros, contadores, assistentes sociais etc.

Dessa forma, ao chegar a peça recursal para análise do parecerista, ele poderia solicitar o posicionamento dos profissionais do próprio órgão jurídico, que poderiam produzir relatórios de forma mais independente e subsidiar assim adequadamente o advogado público e consequentemente o gestor, gerando uma decisão istrativa mais justa.

Nesse âmbito é importante ressaltar um ponto da vida prática. Em diversas oportunidades, aquele que produz o parecer técnico opinando pela aprovação ou não de determinado produto, será justamente o profissional que irá usá-lo em seu departamento. Isso causa, em algumas oportunidades, a perda da imparcialidade necessária. E frise-se, não por haver necessariamente qualquer tipo de conluio entre o profissional e empresas participantes, mas sim pelo mau hábito de tratar a coisa pública como se privada fosse.

Ocorre que, por diversas vezes, o profissional possui uma marca que entende mais adequada para o seu serviço, seja pela qualidade, seja por sua capacitação pessoal em utilizá-la. De outra giro, é muito comum que o servidor tenha repulsa

por determinada marca, ou por seu representante comercial. Lembre-se, mais uma vez, que a prática em muito se distingue das normas jurídicas, sobretudo porque estas são do mundo do “dever ser” e não do “ser”.

Muitas marcas ou representantes exclusivos possuem um péssimo pós venda, ou não prestam adequadamente o serviço pelo qual foram contratadas, mas que ainda não foram sancionadas pelo Poder Público por todos os motivos já elencados no segundo capítulo deste trabalho.

Isso causa um mal-estar entre o servidor público que irá gerir no dia a dia o serviço contratado ou utilizar o bem objeto do certame e muitas vezes influenciará na sua capacidade de produzir um parecer técnico imparcial, que subsidiará o parecer jurídico, que por sua vez será fundamento da decisão istrativa daquele órgão público.

O que se propõe neste momento às Procuradorias sempre existiu no Poder Judiciário, na figura do perito judicial, sendo este da confiança do magistrado para avaliar técnica e imparcialmente o objeto da lide.

Enquanto a Advocacia Pública não possui essa estrutura, algumas medidas paliativas são praticadas por esses profissionais. Entre as que demonstram maior grau de sucesso prático, está a pré-aprovação de determinados produtos.

Assim sendo, no termo de referência do edital será apresentado um rol de marcas já qualificadas, e qualquer empresa que vença o certame e apresente uma das marcas descritas não precisará submeter a amostra para aprovação.

Note-se que isso em nada prejudica a competitividade do certame. Em primeiro

lugar, porque qualquer empresa que trabalhe com as marcas pode participar isonomicamente. Em segundo lugar, caso o produto não seja daquela marca, não há impedimento para participar, apenas terá que enviar uma amostra para a comissão técnica avaliar.

Outro expediente utilizado é a uniformidade da comissão técnica que irá avaliar todas as contratações de determinado órgão público, evitando-se, assim, que seja avaliado por quem irá utilizar o objeto.

A dificuldade prática desse último expediente é a já usualmente conhecida e igualmente negligenciada falta de recursos humanos qualificados para função.

Cite-se o exemplo do cateter para cirurgia cardíaca. Dificilmente haverá um órgão público que possua um especialista nesse material, que não trabalhe diretamente no departamento cirúrgico.

Outrossim, o advogado público pode utilizar o tradicional ofício ao departamento que proferiu o parecer técnico objeto de recurso, reando as questões técnicas suscitadas e informando a necessidade de responder objetivamente se a amostra alcançou ou não os padrões mínimos exigidos, independentemente de sentimentos pessoais, demonstrando, assim, que há um controle interno de legalidade sobre os atos praticados.

Entretanto, essas medidas são apenas paliativas, sendo necessário implementar Procuradorias com meios de prestar uma adequada assessoria jurídica aos es.

Para isso outros profissionais são necessários, de forma a permitir que o parecer

jurídico, que não é meramente enunciativo como já abordado neste trabalho, detenha uma base sólida e permita ao gestor público uma decisão de qualidade, e que ao Judiciário seja ofertada a possibilidade de aplicar o Princípio da Deferência em possíveis lides sob o objeto licitado.

78 Art. 37. São atribuições dos titulares do cargo de Procurador Federal:

I - a representação judicial e extrajudicial da União, quanto às suas atividades descentralizadas a cargo de autarquias e fundações públicas, bem como a representação judicial e extrajudicial dessas entidades;

II - as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos à União, em suas referidas atividades descentralizadas, assim como às autarquias e às fundações federais;

79 Art. 14. O Advogado-Geral da União editará os atos necessários dispondo sobre a competência, a estrutura e o funcionamento da Procuradoria-Geral Federal, bem como sobre as atribuições de seus titulares e demais integrantes.

80 Disponível em: https://agu.jusbrasil.com.br/noticias/733581271/agu-garanter-2372-bilhoes-para-os-cofres-publicos-no-primeiro-semestre. o em 05 dez. 2020.

81 Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases,

exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

82 Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.

83 Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, istrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

84 Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103estimativas-de-populacao.html?edicao=28674&t=resultados. o em 10 dez. 2020.

85 Para Bandeira de Mello (2008) “Atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamentos da istração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a istração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma.” E continua: “Atos ‘discricionários’, pelo contrário, seriam os que a istração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão, segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles.”

86 Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo istrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:

Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da istração.

87 Art. 4º-K. Os órgãos de controle interno e externo priorizarão a análise e a manifestação quanto à legalidade, à legitimidade e à economicidade das despesas decorrentes dos contratos ou das aquisições realizadas com fundamento nesta Lei.

88 Art. 337-E. itir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

CONCLUSÃO

As contratações realizadas pelo Sistema Único de Saúde, em muitos casos, são baseadas em normas consideradas excepcionais, tais como a dispensa e inexigibilidade do procedimento licitatório.

Isso ocorre por diversos fatores, conforme demonstrado neste trabalho, entretanto o principal motivo é a necessidade de proteger o maior valor jurídico tutelado pelo mundo ocidental, a vida.

No caso da pandemia de Sars-Cov-2, algumas normas, ainda mais específicas, foram necessárias para o enfrentamento dessa calamidade. Isso trouxe agilidade ao procedimento, mas também alguma insegurança jurídica aos gestores brasileiros.

Ao considerar que, assim como em momentos de pandemia, também em situação ordinária muitas contratações públicas no setor de saúde possuem peculiaridades, nota-se a necessidade de instituir um órgão jurídico com estrutura profissional, visando assim estabelecer um controle interno de legalidade adequado.

Este livro propõe deixar como resultado a reflexão sobre o porquê de existir tantas compras diretas, seja por dispensa de licitação, seja por inexigibilidade, no universo da saúde pública nacional, mesmo em casos de notória necessidade e previsibilidade, bem como a possibilidade de mudanças procedimentais e legais visando diminuir os casos de inexigibilidade de licitação, a melhoria nas

aplicações de penalidades istrativas às empresas inadimplentes e o papel fundamental da Advocacia Pública nesse processo.

A partir do estudo sobre as legislações específicas para situação excepcional causada pelo altíssimo número de pessoas acometidas com o Covid-19 no ano de 2020, buscou-se propor quais dessas regras poderiam ser utilizadas em momentos de normalidade, visando uma maior celeridade e desburocratização nas contratações públicas.

A Advocacia Pública possui um papel central em todas as contratações públicas e, por consequência, em qualquer das mudanças que venham a ocorrer nesse procedimento. Isso porque possui o papel constitucional de assessorar juridicamente o gestor público, representar o ente público em juízo e manifestarse em todos os casos de compras, com ou sem procedimento licitatório.

Ao estabelecer um órgão jurídico dotado de profissionalismo, ou seja, a partir de concurso público para os membros, adequada estrutura de trabalho e assessoria de profissionais detentores de outros saberes científicos, é possível uma solução mais justa aos istrados e contratados, diminuindo-se, assim, a judicialização das demandas e promovendo um controle de legalidade mais apurado.

Este trabalho encontra limites no senso comum, bem como no esvaziamento dos poderes conferidos ao Executivo no texto da Constituição da República de 1988, a partir de uma sobreposição dos órgãos de controle externo.

O senso comum entendeu que os gestores são, em sua maioria, inoperantes ou desonestos, e por isso os Tribunais de Contas e Ministérios Públicos devem sempre agir, muitas vezes apenas por discordarem do mérito istrativo, ainda que legalmente estipulado.

Isso causa um temor aos bons gestores, que receiam ser processados ao tomarem decisões istrativas, ainda que necessárias, mas que não são as idealizadas pelo legislador ou tidas como as melhores pelos órgãos de controle externo.

Dessa forma, em muitas ocasiões o Parquet ignora as dificuldades práticas enfrentadas pelo Poder Executivo, muitas vezes geradas por erros de outra gestão, e decidem ajuizar ação civil pública em face justamente do gestor atuante.

Esse excesso começa a ser percebido pelo Poder Judiciário nacional, entretanto, mudanças normativas e culturais ainda são necessárias para garantir que profissionais gabaritados aceitem a missão de gerenciar o bem público, sem o medo da punição por decisões tidas como inevitáveis ao analisar o problema concreto e a repercussão social de seus atos.

Outro limite deste estudo decorre da questão temporal, ou melhor, da falta dela. Ao analisar as compras realizadas com base nas legislações especiais da pandemia, não existem, no momento, todos os elementos e consequências práticas desses contratos.

Por isso, pode haver necessidade de novos estudos sobre o tema. Não apenas pelas novidades causadas pelas legislações especiais e suas consequências, mas também pela instituição completa dos órgãos jurídicos de assessoramento aos gestores.

Considerando a decisão do STF em sede de ADI 5215/2019, será necessário o estudo de como as Procuradorias Universitárias Estaduais, dos Tribunais de Contas e das Assembleias Legislativas contribuíram para o melhor controle da

legalidade dos atos istrativos, ainda na fase interna, bem como para melhor solução das controvérsias entre istrados e empresas contratadas por esses órgãos públicos de natureza especial.

No mesmo sentido, será necessário, no futuro próximo, um estudo mais detalhado das Procuradorias Municipais, em especial nas pequenas e médias cidades do Brasil, tendo em vista o papel central desses órgãos, embora ainda negligenciados por boa parte dos gestores locais.

Este trabalho foi desenvolvido a partir da vivência prática na advocacia pública consultiva, especificamente destinada a contratações para o Sistema Único de Saúde.

A prática demonstrou que regras e condutas adotadas para outros setores da istração Pública não são pertinentes quando os valores tutelados são a vida e dignidade humana, justamente por não serem íveis de equívocos ou atrasos burocráticos.

O ano de 2020 foi tristemente marcado na história da humanidade, com altíssimos números de infectados e mortos pelo Covid-19 e com muitas dificuldades práticas em todas as profissões.

Um ano de aprendizado e superação, onde profissões muitas vezes desvalorizadas em solo nacional mostraram sua real importância no momento que mais se precisou.

Profissionais de saúde, tais como técnicos de enfermagem, enfermeiros, fisioterapeutas, maqueiros, foram e estão sendo fundamentais para manutenção

da humanidade, ainda que continuem sem o devido reconhecimento, ao menos, remuneratório.

Ao Direito foi conferido o papel coadjuvante, como não poderia ser diferente. Nesse papel, a Advocacia Pública atuou da melhor forma possível, visando o controle interno de legalidade dos atos praticados, não apenas por dever de ofício, mas também em respeito aos profissionais de saúde que estavam atuando na linha de frente da pandemia, bem como aos brasileiros que foram infectados ou mortos por essa triste doença.

Espera-se que os tempos ordinários voltem com celeridade, e quando isso acontecer, o Direito voltará a ter papel de destaque na sociedade, visando a pacificação social, por meio da resolução dos conflitos interpessoais e do cidadão em face ao Estado.

Em tempos de normalidade, muitas normas produzidas pela necessidade de enfrentar a calamidade pública mencionada podem vir a ser utilizadas para melhoria do serviço público de saúde por meio de maior agilidade e desburocratização.

A profissionalização da Advocacia Pública mostra-se necessária para momentos ordinários e especificamente para momentos de crises, onde há a demanda por advogados públicos qualificados, bem como de servidores especializados, aptos a darem uma pronta resposta ao gestor público e, por consequência, a toda a sociedade.

Dessa forma, o Poder Judiciário poderá utilizar adequadamente o Princípio da Deferência, respeitando as decisões legitimamente escolhidas pelo , motivadas tecnicamente, ainda que a juízo do magistrado não sejam as melhores para a situação em concreto.

Portanto, é necessário analisar as dificuldades práticas das contratações públicas na área da saúde, ponderar a legislação excepcionalmente aplicada no momento de pandemia do Covid-19 e reconhecer o papel da Advocacia Pública Nacional para, dessa maneira, melhorar de forma concreta a prestação de saúde à população brasileira.

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