Este livro é dedicado aos meu pais, Antonio e Silvana, os maiores apoiadores da minha jornada.
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
1. INTRODUÇÃO
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS
2.3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
2.4 CATÁLOGO ABERTO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
2.5 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO
2.6 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL: UM PANORAMA A PARTIR DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA À ATUALIDADE.
3. DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: A TRADIÇÃO DA CIVIL LAW NO DIREITO BRASILEIRO, A INFLUÊNCIA DA COMMON LAW E O ATIVISMO JUDICIAL.
3.1 A TRADIÇÃO DA CIVIL LAW E SUA ADOÇÃO NO BRASIL
3.2 HÁ UM PROCESSO DE COMMONLAWLIZAÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO?
3.3 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA
3.4 RECEPÇÕES TEÓRICAS EQUIVOCADAS
3.5 ATIVISMO JUDICIAL
4. DIREITOS FUNDAMENTAIS ARGUMENTATIVAMENTE ARTICULADOS COMO LIMITE HERMENÊUTICO À FUNÇÃO CRIATIVA NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
4.1 A LIMITAÇÃO ÀS RESTRIÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS (TEORIA DOS LIMITES DOS LIMITES)
4.1.1 A cláusula de reserva legal ou princípio da reserva de lei restritiva
4.1.2 A proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais
4.1.3 Da proporcionalidade
4.1.4 O dever de razoabilidade
4.1.5 O princípio do não retrocesso social e a dignidade da pessoa humana como limites dos limites
4.2. DOS LIMITES INTERPRETATIVOS OU HERMENÊUTICOS
4.2.1 O Direito como regras do jogo em Hart
4.2.2 Os limites semânticos do texto constitucional
4.2.3 A resposta adequada à Constituição de Lenio Streck
4.3 ENTRE RESTRIÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS E ATIVISMOS JUDICIAIS: UMA ANÁLISE A PARTIR DE DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
4.3.1 O caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 178
4.3.2 A Reclamação 4.335/AC
4.3.3 O caso do Habeas Corpus 126.292/SP
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Landmarks
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Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
O Brasil a por um momento de crescente judicialização dos conflitos, da política e das questões sociais em geral, inundando o Poder Judiciário com diversas demandas das mais diferentes origens a partir de conflitos de toda ordem. Esse fenômeno da judicialização pode ser atribuído, dentre outros motivos, ao extenso rol de direitos contemplados na Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã, a primeira Carta democrática a ser promulgada após um conturbado período de ditadura civil-militar.
No mesmo o, à medida que aumenta o número de demandas levadas ao Poder Judiciário, emerge uma crescente preocupação acerca dos limites capazes de serem opostos à atuação do Poder Judiciário quanto à resolução dessas controvérsias em vista de um potencial decisionismo arbitrário e, também, acerca da atuação do Estado frente aos particulares, no que concerne ao respeito dos direitos fundamentais.
Deve ser observado que esta ampla judicialização dos conflitos tem elevado o Poder Judiciário a um status de superpoder dentro da República nacional, sobretudo diante da grave crise política, institucional e social pela qual o país a no momento, resultando em uma extensa descrença em face das instâncias políticas tradicionais, com seus representantes eleitos democraticamente para o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Assim, opera-se uma transferência desta representatividade para uma instância de poder judiciária, para a qual o atendimento de demandas políticas não representa uma prioridade em termos institucionais, fenômeno que fragiliza a tripartição de poderes, diante de uma sobrevalorização das capacidades do Poder Judiciário de atender as demandas e anseios de uma nação em profunda crise.
Frente a este cenário, o Supremo Tribunal Federal tem emergido como a instância mais contundente dentro de uma verdadeira “queda de braço” instaurada entre os poderes da República, tornando-se a instância decisória máxima dentro do país, tendo em conta que os fatos de relevância significativa na vida pública brasileira acabam por desaguar, cedo ou tarde, naquela Corte Constitucional.
Pelas mesmas razões, o Supremo Tribunal Federal tem sido colocado sob os holofotes dos meios de comunicação de maneira intensa, especialmente pela transmissão de seus julgamentos ao vivo por meio da TV Justiça, o que leva a uma difusa compreensão dos cidadãos brasileiros acerca do papel que o colegiado está desempenhando neste momento turbulento, sem olvidar o processo de constitucionalização do Direito que cada vez mais incrementa o papel decisório desta Corte, desde a promulgação do Texto Maior de 1988.
É daí que se extrai a relevância da presente pesquisa para o meio jurídico, diante do destaque recente que o Supremo Tribunal Federal e suas decisões vêm recebendo nos últimos anos, não mais apenas entre os operadores do direito, mas por parte de toda a sociedade brasileira.
Podem ser traçadas as origens do destaque recebido pelo Supremo desde o ano de 2012, com o julgamento da Ação Penal 470, comumente chamada “Processo do Mensalão”. Desde então o STF tem sido alçado a um posto de protagonismo dentro das instituições nacionais mais proeminentes, circunstância reforçada pelo fato de o seu trabalho estar sendo acompanhado de maneira bem próxima pelos cidadãos brasileiros diante da possibilidade de serem acompanhadas as sessões de julgamento ao vivo, sem olvidar a intensa cobertura midiática realizada pelos grandes veículos brasileiros de comunicação, não estando mais esta limitada a um pequeno nicho de mídia especializada, tampouco sob o formato de um jargão especializado infenso ao entendimento comum das pessoas.
A relevância do papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal também tem sido objeto de controvérsias no âmbito da atuação das demais instâncias políticas do país. Isto foi observado exemplarmente no ano de 2015, ocasião em que a indicação do nome do jurista Luiz Edson Fachin (atual Ministro do STF) esteve ameaçada de ser rejeitada pelo Senado Federal pela primeira vez, desde o ano de 1894. Tal ameaça de rejeição se deu em razão do momento político vivido pelo país e da consequente pressão de parcela da sociedade exercida sobre os Senadores, em observância ao destaque recebido pelo STF. Este momento denota uma mudança de posição acerca da função que o Tribunal exerce no país, bem como indica o impacto que os Ministros da Suprema Corte conduzem com suas decisões.
Todavia, para além das questões relativas ao que os juízes estão decidindo, há a necessidade de se observar o que está sendo decidido e como está se decidindo, ou seja, o conteúdo e os fundamentos destas decisões. É com esta preocupação que se propõe o presente tema a ser abordado nesta dissertação, uma vez que a observância do conteúdo das decisões oriundas do Supremo Tribunal Federal – em vista da eficácia vinculante dos veredictos da jurisdição constitucional – surge como uma inquietação que deve ser concernente a toda a sociedade brasileira.
Deve ser observado que em um Estado Democrático de Direito o combate à ocorrência de arbitrariedades deve ser uma das principais proteções ou tutelas em nome da sociedade, de maneira que os direitos fundamentais e as garantias constitucionais devem ser observados e respeitados pelo Estado em todas as instâncias dos poderes da República.
Ademais, no âmbito acadêmico, a relevância do tema proposto se mostra manifesto, mormente em face das dificuldades que têm sido enfrentadas na efetivação de limitações decisórias no âmbito normativo, observada em simultâneo a necessidade de garantia de independência funcional dos magistrados, a qual deve ser assegurada. Em um momento de crise e descrença nas instâncias políticas da República e de protagonismo do Poder Judiciário,
possibilidades constritivas de sua atuação tampouco têm sido vistas com bons olhos pela sociedade, eis que o senso comum interpreta quaisquer projetos de limitação oriundos do Poder Legislativo como tentativas de assegurar impunidade na aplicação das leis, especialmente as de natureza penal.
Todavia, quando se fala em limitação do Poder Judiciário e do Supremo Tribunal Federal, em particular esta limitação não deve ser compreendida como uma ingerência indevida no desempenho de suas competências constitucionais, mas sim uma espécie de aprimoramento funcional para que o Supremo, enquanto órgão máximo da justiça nacional, cumpra legitimamente seu papel de Guardião da Constituição. Portanto, as limitações íveis de serem opostas às decisões emanadas do Poder Judiciário devem estar calcadas na análise de sua justificação, fundamentação e no respeito aos direitos fundamentais.
Diante desta perspectiva, o que irá se buscar nesta obra é demonstrar que o Supremo Tribunal Federal não detém o monopólio da Constituição Federal sem qualquer refreio crítico e, portanto, que a Constituição não é o que o Supremo diz que ela é sem mais ou sob a batuta de veredictos arbitrários. É necessário reconhecer a autoridade do texto constitucional e garantir a eficácia dos direitos fundamentais, sem que estes sejam relativizados injustificadamente pela pena decisória do Supremo Tribunal Federal em suas decisões corriqueiras e paradigmáticas. Ademais, não se pode itir que o Supremo restrinja direitos fundamentais sem que sejam respeitados claramente os critérios e parâmetros impostos pela própria Constituição.
De fato, há a necessidade de contenção e limitação do poder da nossa Suprema Corte, através do represamento interpretativo por meio da fiscalização qualitativa do conteúdo decisório vertido nos seus pronunciamentos, de maneira a impedir que as decisões do Tribunal incorram em arbitrariedades, que podem ser ainda mais nefastas para o Estado Democrático de Direito.
Outrossim, a criação de constrangimentos epistemológicos e a exigência de
respeito às regras do jogo democrático, pautadas na autoridade normativa da Constituição Federal, devem ser referenciais exigidos em nome de uma sociedade que almeje a construção de uma verdadeira identidade democrática, sustentada pelos direitos fundamentais. Tais restrições só podem ser efetuadas mediante a apresentação de limites às decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal, sendo estes limites o objeto do presente estudo.
Para tanto, na primeira parte desta obra, empreenderemos uma abordagem a respeito dos principais fatores a serem explorados na argumentação de fundo, partindo do processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, avançando para a teoria dos direitos fundamentais, sua recepção pela Constituição Federal, além da análise sobre a doutrina protetiva de um catálogo aberto de direitos fundamentais. De igual sorte, abordaremos as origens da jurisdição constitucional, ando pelo debate acerca de quem deveria exercer a função de “Guardião da Constituição”, surgido inicialmente na Alemanha, bem como um breve apanhado acerca do processo de formação do atual modelo de jurisdição constitucional existente no Brasil. Trata-se, portanto, de um capítulo de cunho eminentemente histórico que visa delinear o estado da arte no qual se encontram os principais temas objeto deste estudo e como estes avançaram até o ponto onde atualmente nos inserimos.
No segundo capítulo, abordaremos alguns dos principais desafios que estão sendo enfrentados pela jurisdição constitucional brasileira na atualidade, contextualizando os fenômenos que estão sendo observados e como estes estão afetando o direito brasileiro. De início, abordaremos a aproximação das tradições jurídicas da civil law e da common law, verificando a existência ou não de um processo de commonlawlização do direito brasileiro. Consideraremos elementos descritivos acerca do fenômeno da judicialização da política e como este tem se intensificado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, para além dos desafios oriundos dos novos paradigmas da jurisdição constitucional e dos problemas advindos das recepções teóricas equivocadas vindas do estrangeiro. Vislumbra-se aqui como todos estes fenômenos contribuem para a construção de um ideário ativista de hipertrofia do Poder Judiciário, ponderando acerca de suas origens e consequências.
Por final, no terceiro capítulo, abordaremos a possibilidade do estabelecimento de limites às restrições impostas casuisticamente aos direitos fundamentais por meio das decisões judiciais, tanto sob a perspectiva normativa quanto pela perspectiva interpretativa ou hermenêutica, bem como de que maneira esta temática tem sido enfrentada no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, abordaremos primeiramente os requisitos para a restrição de direitos fundamentais sob a perspectiva delineada pela teoria dos limites dos limites, sopesando cada um dos critérios nela impostos. Após, investigaremos os limites interpretativos ou hermenêuticos sob três perspectivas, a primeira delas formulada por H. L. A. Hart no âmbito da percepção do Direito como regras do jogo; a segunda oriunda da necessidade de observância dos limites semânticos do texto constitucional; a terceira referente à proposta formulada por Lenio Streck nos moldes de uma resposta adequada à Constituição. Por derradeiro, com base nestas proposições, abordaremos três decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal referentes à temática, realizando uma análise crítica de seus fundamentos.
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Com o ar dos anos e a evolução da sociedade, consolidou-se, a partir do século XVIII, a ideia da existência de uma constituição formal, sendo esta compreendida como expressão do poder constituinte formal. Para a materialização deste entendimento, foi essencial a compreensão da existência de valores tão caros para uma sociedade que estes deveriam estar expressos na Lei Maior que rege aquela coletividade¹.
Estes valores expressos na Constituição de um Estado podem dizer respeito a diversos aspectos do próprio Estado, como por exemplo, a forma de governo, questões orçamentárias, organização interna, dentre outros assuntos.
No entanto, há aquele conjunto de direitos que são essenciais à existência da própria sociedade e dos indivíduos que nela se inserem, sendo denominados de direitos fundamentais. Esses direitos se encontram positivados dentro da Constituição de um Estado soberano, sendo derivados diretamente do prisma da dignidade da pessoa humana e dizem respeito àquilo que consagra efetivamente um Estado Democrático de Direito.
No Brasil, a afirmação dos direitos fundamentais enquanto valor a ser protegido só foi possível com a redemocratização do país após mais de 20 anos de ditadura militar, em que puderam ser observados os efeitos nefastos que a ausência de democracia e o desrespeito às liberdades e garantias individuais podem acarretar dentro de uma sociedade².
No processo de abertura política, cresceu o anseio por dotar o Brasil de uma
nova ordem constitucional que substituísse aquela outorgada em 1967, e em 1969, e que visava proteger unicamente os interesses da ditadura imposta³, uma nova Constituição que defendesse os valores democráticos e as liberdades individuais. Com esse espírito, foi convocada uma Assembleia Nacional Constituinte cujo longo e extenso trabalho culminou na Constituição Federal de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”.
Seguindo a tendência ditada pela nova Constituição, de construção e manutenção de uma democracia sustentável fundada na dignidade da pessoa humana, e buscando ampliar o espectro de proteção aos direitos fundamentais, o Brasil ratificou em 1992 a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que serve como uma das bases do sistema interamericano de proteção aos Direitos Humanos.
A Constituição Federal de 1988, portanto, representou um grande avanço no que diz respeito ao reconhecimento e valorização dos direitos fundamentais dentro do ordenamento jurídico brasileiro, podendo-se dizer, inclusive, que foi a primeira vez que a matéria foi tratada com a devida relevância por parte do constitucionalismo brasileiro, conforme explica Ingo Wolfgang Sarlet:
[...] De certo modo, é possível afirmar-se que, pela primeira vez na história do constitucionalismo brasileiro, a matéria foi tratada com a merecida relevância. Além disso, inédita a outorga aos direitos fundamentais, pelo direito constitucional positivo vigente, do status jurídico que lhes é devido e que não obteve o merecido reconhecimento ao longo da evolução constitucional, muito embora se deva reconhecer que somente ao longo do tempo e de modo variável a depender de cada ordem constitucional os direitos fundamentais am a fruir de um regime jurídico-constitucional reforçado e efetivamente compatível com sua condição.⁴
Todavia, muitas transformações ocorreram na sociedade brasileira, nos últimos 30 anos. Mudanças estas que vão desde questões econômicas e políticas,
derivadas essencialmente das posições adotadas pelo legislador constituinte quando da elaboração do texto constitucional, bem como mudanças advindas das novas tecnologias e dos novos fenômenos sociais, os quais não poderiam ser previstos pelo legislador.
Desde o ano de 2013, em função das crises enfrentadas pelo Brasil – destacandose a crise política, a crise econômica, a crise financeira e a crise social – os direitos fundamentais vêm sendo objeto de muitas discussões e questionamentos.
Nesta situação de crise, nossa Constituição Federal vem sofrendo uma ampla gama de ataques por certos setores da sociedade, especialmente aqueles identificados por Lenio Luiz Streck como predadores externos do Direito, no caso, a moral, a política e a economia, que elegeram os direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição como os “vilões” que impedem o progresso do país, sob o argumento de que estes “engessam o crescimento” e “estão presos ao ado”⁵.
No entanto, prestes a completar 30 anos, nossa Constituição Federal ainda pode ser considerada vanguardista e à frente de seu tempo, observada a realidade brasileira atual. Fato este que pode ser comprovado pelas críticas formuladas às liberdades e garantias, os quais demonstram que a mentalidade que permeia nossa Constituição e os direitos fundamentais nela previstos estavam mais consolidados na mente daqueles legisladores de 30 anos atrás do que na mente da sociedade brasileira contemporânea .
Todavia, evidentemente, existem falhas íveis de serem apontadas em nosso texto constitucional. Dado o seu caráter excessivamente analítico, sua grande extensão e a quantidade de matérias diversas abordadas, há a abertura de margem para o surgimento de lacunas que necessitam ser preenchidas, sendo que a elevação de diversas matérias de menor relevância ao status de norma constitucional acarreta a frequente ocorrência de conflito entre estas normas.
Porém, para a adequada solução destes conflitos, deve ser reconhecida a importância da autoridade dada pelo constituinte originário aos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal, cujo ideário vislumbrou estes direitos como ferramentas para a efetivação de um Estado Democrático e Social de Direito.
Assim, para a solução da crise geral enfrentada pelo Brasil neste momento, é essencial a valorização de nossa Constituição e, em especial, sua atenção dispensada aos direitos fundamentais, para que não cedamos frente aos predadores externos do direito, ou mesmo aos predadores internos, como por exemplo, os juízos morais e o autoritarismo interpretativo, servindo o crítico momento vivido atualmente de pretexto para o retrocesso na prática desses expedientes predatórios.
2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS
A noção da Constituição enquanto norma suprema dentro de um ordenamento jurídico está profundamente atrelada à ideia de que os valores mais caros ao ser humano devem ser resguardados no documento jurídico com força vinculativa máxima, sendo decorrentes diretamente da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa humana.
A respeito dos direitos fundamentais, explica Ingo Wolfgang Sarlet:
[...] Se torna difícil sustentar que direitos humanos e direitos fundamentais (pelo menos no que diz com a sua fundamentação jurídico-positiva constitucional ou internacional, pois evidentes as diferenças apontadas) possam ser a mesma coisa, a não ser, é claro, que se parte de um acordo semântico no sentido de que direitos humanos e fundamentais são expressões sinônimas, atentando-se, contudo, para as devidas distinções em se tratando de dimensão internacional e nacional, quando for o caso. Assim, os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem com as Constituições nas quais foram reconhecidos e assegurados e é sob tal perspectiva [...] que deverão ser prioritariamente analisado [...]⁷.
Uadi Lâmmego Bulos define direitos fundamentais como:
Os direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns
casos, não sobrevive.⁸
Por sua vez, eis a definição trazida por Dimitri Dimoulis:
Direitos Fundamentais são direitos subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), garantidos por normas de nível constitucional que limitam o exercício do poder estatal. Esta definição indica os sujeitos da relação criada pelos direitos fundamentais (pessoa vs. Estado), a finalidade desses direitos (limitações do poder Estatal) e sua posição no sistema jurídico (supremacia constitucional ou fundamentalidade formal.
Portanto, temos que os direitos fundamentais dizem respeito ao reconhecimento daqueles direitos que são mais preciosos para que o ser humano possa viver e se desenvolver com dignidade, sendo a base de um Estado Democrático de Direito.
São características dos direitos fundamentais: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, concorrência, efetividade, interdependência e complementaridade¹ .
A maior parte dos doutrinadores, que se filia à corrente tradicionalista¹¹ acerca da origem dos direitos fundamentais, refere que o primeiro documento limitativo do poder do Estado seria a Magna Carta Libertatum, assinada em 1215 por João, Rei da Inglaterra. Todavia, como este documento fora imposto pela nobreza inglesa ao Rei, visando resguardar apenas o interesse desta classe, há outros estudiosos que apontam a Bill of Rights, promulgada em 1688 na Inglaterra, como importante marco para os direitos fundamentais, observado que estendeu aos comuns aquelas garantias anteriormente conferidas à nobreza e ao clero¹².
Nos dias de hoje, não obstante a sua importância, a amplitude dada ao alcance dos direitos fundamentais gera profundas discussões acerca de uma gama de aspectos ligados à sua natureza e a suas implicações em todo o ordenamento jurídico.
Há que se destacar que até a denominação correta a ser adotada quando tratamos dos direitos fundamentais tem gerado controvérsias, visto que são utilizadas diversas outras expressões, como por exemplo, “direitos humanos”, “direitos do homem”, “liberdades individuais” e “liberdades públicas”. Na doutrina, há quem entenda, contudo, que essas diferenças terminológicas importam em diferenças conceituais; de sorte que, ainda que se tratem de expressões interligadas e que se aproximam em significado, seu conteúdo é diverso.
Desta forma, é importante destacar que no Brasil a Constituição de 1988 adotou a expressão “direitos e garantias fundamentais” para nomear o seu Título II, não obstante utilize outras denominações em outras partes do seu texto.
Conforme Ingo Wolfgang Sarlet, a adoção desta expressão inovadora e genérica por parte da Constituição Federal abrange todas as demais espécies de direitos fundamentais, em específico os direitos e deveres individuais e coletivos, os direitos sociais, a nacionalidade, os direitos políticos e regramento dos partidos políticos, sendo que a utilização desta expressão pelo legislador constitucional se deve à inspiração na Constituição alemã de 1949, bem como na Constituição portuguesa de 1976¹³.
De qualquer sorte, ainda que os termos estejam interligados, uma distinção importante deve ser feita no que diz respeito à diferença entre “direitos humanos” e “direitos fundamentais”. Ainda que os termos sejam recorrentemente utilizados como sinônimos pelo senso comum, há uma distinção entre eles que pode ser facilmente explicada: os direitos fundamentais são
aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados dentro do âmbito constitucional de um determinado Estado.
Neste sentido, explica José Joaquim Gomes Canotilho:
Os direitos consagrados e reconhecidos pela constituição designam-se, por vezes, direitos fundamentais formalmente constitucionais, porque eles são enunciados e protegidos por normas com valor constitucional formal (normas que têm a forma constitucional. A Constituição ite (art. 16), porém, outros direitos fundamentais constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional. Em virtude de as normas que os reconhecem e protegem não terem a forma constitucional, estes direitos são chamados de direitos materialmente fundamentais.¹⁴
Da mesma forma, em relação à necessidade de distinção semântica e conceitual dos termos “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, explica Ingo Wolfgang Sarlet:
Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais“) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira, e, diga-se de agem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de um determinado Estado, ao o que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). A consideração de que o termo “direitos humanos” pode ser equiparado ao de “direitos naturais” não nos parece correta uma vez que a própria positivação em normas de direito internacional, de acordo com a lúcida lição de Bobbio, já revelou, de forma incontestável, a dimensão
histórica e relativa dos direitos humanos, que assim se desprenderam - ao menos em parte (mesmo para os defensores de um jusnaturalismo) – da ideia e um direito natural. Todavia, não devemos esquecer que na sua vertente histórica, os direitos humanos (internacionais) e fundamentais (constitucionais) radicam no reconhecimento, pelo direito positivo, de uma série de direitos humanos considerados como tais aqueles outorgados a todos os homens pela sua mera condição humana -, mas, neste caso de direitos não positivados.¹⁵
De outra parte, a evolução dos direitos fundamentais ao longo dos anos desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituições implicou em mudança de conteúdo e titularidade. Neste contexto de mudança histórica dos direitos fundamentais, ou-se a falar na existência de três gerações dos direitos fundamentais¹ , sendo que ainda há parte da doutrina que defenda a existência de uma quarta geração, e alguns outros, de posições mais isoladas, a postular a existência de uma quinta e sexta geração.
Além disto, esta denominação tradicionalmente utilizada de gerações dos direitos fundamentais recebe críticas por parte da doutrina mais moderna, visto que o reconhecimento de novos direitos fundamentais devem ser compreendidos como um processo cumulativo e complementar, e não um processo de substituição, como estaria a implicar o conceito de diferentes gerações dos direitos fundamentais, de sorte que para estes doutrinadores a denominação de “dimensões dos direitos fundamentais” é a mais adequada.¹⁷
Assim, a primeira dimensão dos direitos fundamentais diz respeito àqueles direitos fundamentais inspirados pelo pensamento burguês-liberal do século XVIII, que buscavam uma esfera de autonomia pessoal resistente às expansões do Poder do Estado. Estes direitos possuem um cunho individualista, sendo chamados de direitos de defesa e tem por característica principal a busca de uma autonomia individual frente ao poder exercido pelo Estado em face do indivíduo¹⁸.
São enquadrados na primeira dimensão dos direitos fundamentais os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, direitos estes que possuem profunda inspiração jusnaturalista, bem como as chamadas liberdades de expressão coletiva, em que se incluem as liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, os direitos ao voto e a ser votado, o direito à igualdade este compreendido enquanto igualdade formal – e, ainda, algumas garantias processuais, como devido processo legal, habeas corpus e direito de petição.
Em relação aos direitos fundamentais de segunda dimensão, esses se caracterizam por se tratarem de prestações positivas do Estado, e não mais abstenções por parte do mesmo como se tratam os direitos fundamentais de primeira dimensão.
Conforme Ingo Wolfgang Sarlet:
O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia de seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera de liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um “direito de participar do bem-estar social.¹
Assim, os direitos fundamentais de segunda dimensão, chamados de direitos sociais, dizem respeito à assistência social, saúde, educação, trabalho e lazer. Cumpre destacar que estes direitos possuem cunho prestacional positivo por parte do Estado.
Oportuno salientar que o princípio da igualdade, entendido enquanto igualdade material, opera de maneira direta nestes direitos, na medida em que dizem respeito a direitos à prestação e reconhecimento de liberdades sociais, sendo chamados de direitos sociais não por serem direitos de coletividades, mas sim por estarem diretamente ligados a reivindicações de justiça social.
Ainda se encontram dentro da esfera dos direitos fundamentais de segunda dimensão as denominadas “liberdades sociais”, nas quais se encontram o direito de sindicalização, o direito de greve, assim como os direitos fundamentais dos trabalhadores, como por exemplo, férias, repouso semanal, dentre outros.
Em relação aos direitos fundamentais de terceira dimensão, esses têm por principal característica serem direitos de titularidade coletiva ou difusa. Dessa forma, não possuem como titular o homem-indivíduo, mas sim uma coletividade, destinando-se a proteger grupos humanos, como a família, o povo ou a nação. Encontram-se consagrados entre os direitos fundamentais de terceira dimensão o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação.
Estes direitos de terceira dimensão surgem a partir das novas reivindicações da humanidade, frente à evolução da tecnologia e os impactos que esta exerce sobre o mundo, ao constante estado de beligerância das potências e à descolonização posterior à segunda guerra mundial² .
Estes direitos fundamentais de terceira dimensão vêm sendo progressivamente reconhecidos. Inicialmente, no âmbito do direito internacional, por meio de tratados e convenções que operam neste sentido; em um segundo momento, sendo consagrados nas Constituições de alguns países, como Chile, Coréia do Sul²¹ e Brasil²².
Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:
A nota distintiva destes direitos de terceira dimensão reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela, a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que pese ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção. A atribuição da titularidade de direitos fundamentais ao próprio Estado e Nação (direitos à autodeterminação, paz e desenvolvimento) tem suscitado sérias dúvidas no que concerne à própria qualificação de grande parte destas reivindicações como autênticos direitos fundamentais. Compreende-se, portanto, porque os direitos da terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços em escala até mesmo mundial para sua efetivação.²³
Além destas dimensões, que são recorrentemente referidas e aceitas pela doutrina e pela maior parte das constituições democráticas modernas, há ainda uma parcela de doutrinadores que refere a existência de mais dimensões dos direitos fundamentais.
Uadi Lammêgo Bulos refere a existência desta quarta dimensão, denominando-a como direitos dos povos, com as seguintes características:
O tempo em que estamos vivendo revela alterações na vida e no comportamento dos homens. Nesse contexto, os direitos sociais das minorias, os direitos econômicos, os coletivos, os difusos, os individuais homogêneos aram a conviver com outros de notória importância e envergadura. Referimo-nos aos direitos fundamentais de quarta geração, relativos à informática, softwares, biociências, eutanásia, alimentos transgênicos, sucessão dos filhos gerados por inseminação artificial, clonagens, dentre outros acontecimentos ligados à engenharia genética. Paulatinamente, o Judiciário brasileiro tem-se deparado
com esses direitos, os quais são filhos do processo de globalização do Estado neoliberal.”²⁴
Por sua vez, Paulo Bonavides argumenta acerca da existência de uma quarta dimensão de direitos fundamentais, oriunda de uma globalização política, radicada na teoria dos direitos fundamentais - em resposta à globalização neoliberal, cujo desígnio se revela a perpetuação de um status quo de dominação – sendo esta a única globalização que interessa aos povos de periferia²⁵
Neste sentido, cumpre destacar a seguinte lição acerca dos direitos fundamentais de quarta dimensão:
São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. [...]Os direitos de quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem todavia, removêla – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico² .
Por sua vez, Ingo Wolfgang Sarlet entende que esta ala da doutrina, que arrola os direitos contra a manipulação genética e pela mudança de sexo como integrantes da quarta dimensão, está meramente reproduzindo e estabelecendo com uma nova roupagem reivindicações anteriormente deduzidas nos clássicos direitos de liberdade²⁷.
Assim, observadas sumariamente a natureza, as características e a evolução dos direitos fundamentais ao longo da história e a sua materialização dentro das constituições democráticas, amos a analisar esses direitos fundamentais dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
2.3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A respeito dos direitos fundamentais no Brasil, cumpre destacar que sua afirmação enquanto valores a serem protegidos ou a ser possível somente após o fim da ditadura civil-militar que vigorou no país por mais de 20 anos, no período compreendido entre os anos de 1964 e 1985.
Na busca da substituição deste cenário marcado pelo autoritarismo que havia sido vivenciado durante o período ditatorial, a reabertura política do país ava pela necessidade de construção de uma nova Constituição, amparada na defesa de valores democráticos e liberdades individuais. Imbuído deste espírito democrático e calcado no movimento constitucionalista contemporâneo, houve a convocação de uma assembleia nacional constituinte cujo produto de seu trabalho resultou na Constituição Federal de 1988.
Cumpre, no entanto, fazer uma ressalva acerca do método de eleição dos representantes eleitos para a atuação naquela Assembleia Constituinte. A falta de uma eleição exclusiva de representantes para a elaboração da Constituição Federal pode ser apontada como o primeiro percalço enfrentado, sendo este ível de crítica em face da ausência de legitimidade democrática pela escolha de representantes que não atuariam exclusivamente na elaboração do texto constitucional, posteriormente continuando a exercer mandatos legislativos.
Sobre o processo de elaboração da Constituição, algumas informações relevantes merecem ser trazidas:
Em que pesem todos os argumentos esgrimidos impugnando a legitimidade do processo Constituinte deflagrado no governo José Sarney, não restam dúvidas de que as eleições livres que resultaram na instalação da Assembleia Nacional Constituinte (ou Congresso-Constituinte), em 1º de fevereiro de 1987, propiciam um debate sem precedentes na história nacional sobre o que viria a ser conteúdo da Constituição vigente, na redação final que lhe deu o Constituinte. Embora não haja condições de reproduzir com minúcias o desenvolvimento dos trabalhos da Assembleia presidida pelo Deputado Ulysses Guimarães, importa registrar aqui a dimensão gigantesca deste processo. O anteprojeto elaborado pela Comissão de Sistematização, presidida pelo Deputado Bernardo Cabral, continha 501 artigos e atraiu cerca de 20.700 emendas. Menos expressiva mas ainda assim significativa por tratar-se do exercício de modalidade de democracia participativa, é a constatação de que o projeto foi objeto de 122 emendas populares, estas subscritas por no mínimo 30.000 eleitores.²⁸
O resultado desse esforço conjunto deflagrado foi a Constituição Federal de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”. O ministro Cezar Peluso refere que este cognome foi dado à Constituição brasileira pelos seguintes fatores:
A Carta de 1988 ficou conhecida como “Constituição Cidadã” por ter traduzido uma espécie de novo pacto para a democracia em substituição a extensos períodos de instabilidade institucional e ditaduras militares”. Nesse sentido, além de documento jurídico, a Constituição de 1988 incorporou a promessa política da construção e manutenção de uma democracia sustentável após um período longo em que o Brasil foi marcado mais por governos de exceção que por regimes democráticos.²
A Constituição Federal de 1988 pode ser classificada como, dentre outras classificações possíveis, rígida, exigindo um processo legislativo diferenciado para que possa ser modificada, e analítica, na medida em que busca explicar da maneira mais clara possível quais os direitos estão sendo nela contemplados³ . Sendo que este caráter rígido da Constituição revela certa desconfiança do constituinte em relação ao legislador infraconstitucional, visando proteger as
reivindicações e conquistas marcados na Constituição em face de uma eventual supressão ou deterioração por parte dos poderes constituídos derivados e decorrentes³¹.
Desta forma, os direitos fundamentais receberam especial atenção por parte do legislador constitucional originário, que buscou ao longo do Título II da Constituição Federal de 1988 elencar uma série de direitos, explicando de forma detalhada sua abrangência, sem limitar de qualquer forma outros direitos fundamentais que possam ser eventualmente contemplados.
Há de ser destacado que a doutrina realiza uma distinção entre direitos fundamentais e garantias fundamentais, enquanto a Constituição Federal de 1988 optou pela terminologia única, “Direitos e Garantias fundamentais”.
Para Ruy Barbosa, a diferença entre direitos e garantias fundamentais pode ser esclarecida da seguinte forma:
As disposições meramente declaratórias são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas as garantias, ocorrendo não raro juntar-se na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito.³²
Assim, a partir do artigo 5º da Constituição Federal o legislador constituinte ou a enumerar uma série de garantias que visam instrumentalizar os direitos fundamentais dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Primeiramente, no artigo 5º e seus incisos, são consagradas as garantias
fundamentais gerais, que proíbem abusos de poder e toda a forma de violação dos direitos assegurados pela Constituição. São exemplos dessas garantias previstas no artigo 5º a legalidade, a liberdade, a inafastabilidade do controle judicial, o juiz e o promotor natural, o devido processo legal, o contraditório e a publicidade dos atos processuais.
Após esses preceitos iniciais, há as garantias fundamentais específicas, as quais instrumentalizam os direitos fundamentais e fazem prevalecer as garantias fundamentais gerais. São através dessas garantias fundamentais específicas que os titulares encontram o procedimento, a forma, a técnica e o meio pelo qual se possa exigir a proteção de seus direitos. Encontram-se albergados nesta categoria de garantias fundamentais específicas o habeas corpus, a ação popular, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data, ação civil pública. Sendo todos estes institutos de tutela constitucional destinados a proteger os direitos fundamentais, sendo colocados a serviço do indivíduo ou das coletividades.
Dentro do título II da Constituição Federal os direitos e garantias fundamentais se encontram distribuídos da seguinte forma: os direitos individuais e coletivos estão no artigo 5º, os direitos sociais³³ no artigo 6º, os direitos à nacionalidade no artigo 12, os direitos políticos nos artigos 14 e 16 e, por fim, os direitos dos partidos políticos no artigo 17. Além desta configuração básica de dispositivos aqui delineada, há outros direitos fundamentais dispersos ao longo do texto da Constituição Federal, como por exemplo o princípio da anterioridade tributária, presente no art. 150, III, “b”, da Constituição Federal.
Em relação à titularidade destes direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela Constituição, o caput do artigo 5º estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil todo aquele catálogo elencado a seguir nos incisos deste mesmo artigo 5º. Não obstante tal previsão, tanto a doutrina quanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, através de interpretação sistemática da Constituição Federal, vem reconhecendo a aplicabilidade destes direitos aos estrangeiros não residentes do território nacional, aos apátridas e,
também, às pessoas jurídicas. Foi esse o entendimento consagrado pelo Ministro Celso de Mello no julgamento do HC 94.016/SP³⁴.
Outrossim, este elastério interpretativo de direitos emana do artigo 5º, §2º, da Constituição Federal, aliado ao modelo de concretização difuso-concentrado do texto constitucional, para o qual todo o juiz é magistrado da Constituição, cabendo a ele otimizar as normas constitucionais e filtrar as leis e aplicações eventualmente inconstitucionais.
De outra parte, há que se destacar que nossa Constituição Federal possui um notório caráter pluralista devido à ampla gama de influências que ela sofreu na sua elaboração, tendo sido formadas diversas comissões visando tratar de assuntos diversos a serem abordados dentro da nova Constituição.
Assim, no momento da redação final do texto constitucional foi necessário conciliar uma série de propostas constitucionais elaboradas separadamente, fruto de sua posição compromissária, buscando acolher e conciliar posições e reivindicações que nem sempre se encontram em sintonia, e buscar uma unidade entre todas estas para que houvesse uma coesão de conteúdo.
No entanto, por maior que tenha sido o esforço feito pelo legislador constitucional para que houvesse uma unidade constitucional, há elementos não harmônicos ao longo do texto constitucional, em grande parte devido a sua extensão. São, ao todo, 246 artigos e 74 disposições constitucionais transitórias. Isso, sem contar as emendas constitucionais posteriores, que em 2018, 30 anos após a entrada em vigência da Constituição Federal, já somam 99 emendas, sendo a mais recente publicada em 14/12/2017.
No âmbito dos direitos fundamentais, esse pluralismo constitucional também pode ser observado, uma vez que, assim como na Constituição de Portugal, o
legislador constituinte não aderiu expressamente a uma única corrente doutrinária, ou mesmo, se restringiu a apenas uma teoria dos direitos fundamentais. Essa contingência histórica implicou diretamente na formatação do catálogo de direitos fundamentais presentes em nossa Constituição.
Dentre as inovações mais importantes trazidas pela Constituição Federal, se destaca aquela prevista no art. 5º, § 1º, que determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata, excluindo a possibilidade de um conteúdo meramente decorativo dessas normas e destacando o status jurídico diferenciado que os direitos fundamentais possuem dentro de nosso ordenamento jurídico, status este que pode ser constatado ao se verificar que os direitos e garantias fundamentais encontram-se entre as cláusulas pétreas da Constituição Federal elencadas no art. 60, § 4º, não sendo suscetíveis de modificação diminutiva ou extintiva por parte do poder constituinte derivado.
Em relação ao catálogo de direitos fundamentais positivados na Constituição Federal, importou numa expansão sem precedentes na história dos direitos fundamentais na história das constituições brasileiras. Foram contemplados os direitos fundamentais das três dimensões comumente aceitas pelos doutrinadores que tratam sobre a matéria e até mesmo alguns daqueles direitos fundamentais que são enquadrados na quarta dimensão, ainda que em relação a estes seja necessária uma maior cautela na verificação de sua efetivação constitucional³⁵.
Todavia, também há críticas que devem ser feitas em relação ao trabalho realizado pelo legislador constituinte na elaboração da Constituição de 1988.
Dentre as críticas que podem ser feitas, a ausência de uma técnica legislativa adequada, bem como a falta de rigor científico na elaboração do texto constitucional podem ser apontadas como algumas das deficiências do catálogo de direitos fundamentais em nossa Constituição, uma vez que, inspecionando este catálogo, podemos apontar contradições e a ausência de tratamento lógico
da matéria, gerando problemas de ordem hermenêutica. Tal circunstância pode ser observada na redação do caput do art. 5º, seguido de 77 incisos, bem como do art. 6º que refere de maneira genérica os direitos sociais básicos, sem a devida explicitação de seu conteúdo³ .
No entanto, ainda que haja problemas de ordem técnica na elaboração do texto final da Constituição, estes problemas não são razão para que se deixe de lado a mens legis³⁷, a qual aponta, sem dúvida alguma, para o resguardo da maior quantidade possível de direitos fundamentais, com o fito de assegurar a manutenção do Brasil como um Estado Democrático de Direito fundado na dignidade da pessoa humana.
2.4 CATÁLOGO ABERTO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Para que possamos entender a ideia do catálogo aberto de direitos fundamentais, primeiramente devemos analisar o aspecto relativo à dupla fundamentalidade, em sentido formal e material. Este aspecto está ligado à noção conceitual de que direitos fundamentais são opções jurídicas reconhecidas e consagradas dentro do direito constitucional de um Estado.
O aspecto da fundamentalidade formal se encontra atrelado ao direito constitucional positivo, tratando-se da inserção dos direitos fundamentais dentro do ordenamento constitucional de um Estado, seja de maneira implícita ou explícita, caracterizado, em especial, por três elementos: presentes na constituição escrita, se encontram no topo da hierarquia normativa de um ordenamento jurídico; enquanto normas constitucionais, estão submetidas aos limites formais e materiais da reforma constitucional, sendo estes o procedimento qualificado e as cláusulas pétreas; são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente os agentes públicos e privados.
Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:
No seu conjunto, como se percebe, tais elementos apontam para um regime jurídico qualificado, no sentido de reforçado e diferenciado em relação ao que se verifica no caso de outras normas da constituição, que, por exemplo, não são (pelo menos não todas da mesma forma) diretamente aplicáveis e não são, de regra, protegidas na condição de limites materiais ao poder de reforma constitucional³⁸
Por sua vez, a fundamentalidade material diz respeito ao conteúdo dos direitos e se estes contêm, ou não, disposições fundamentais acerca da sociedade e do Estado com enfoque na pessoa humana. Assim, o simples fato de a Constituição denominar certos direitos como fundamentais não os fazem automaticamente fundamentais, pelo menos não em seu conteúdo fundamental. Da mesma forma, podem ser direitos fundamentais aqueles que não estejam expressamente previstos no Título II da Constituição Federal Brasileira, mormente em face do disposto no parágrafo segundo do artigo 5º, que estabelece que os direitos e garantias previstos na Constituição não excluem outros que possam ser extraídos do regime e dos princípios por ela adotados bem como de tratados internacionais de que o Brasil toma parte.
Assim, se há direitos que podem ser considerados materialmente fundamentais por seu conteúdo diferenciado, ligado diretamente à dignidade da pessoa humana e da disposição presente no parágrafo segundo do art. 5º, encontramos o e necessário para compreender a abertura do catálogo de direitos fundamentais dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
A ideia de um catálogo aberto de direitos fundamentais não é nova dentro da história constitucional do Brasil, estando de acordo com uma previsão que já existia na Constituição de 1891, e que foi mantida em todas as constituições brasileiras seguintes. Sendo esta previsão inspirada na IX Emenda Constitucional da Constituição dos Estados Unidos da América³ .
Ao tratar do catálogo aberto de direitos fundamentais, Alexandre de Moraes assevera que também são direitos fundamentais aqueles direitos e garantias expressos na Constituição Federal que não se encontram no artigo 5º, cujo rol é meramente exemplificativo, uma vez que eles podem estar expressamente previstos noutros ambientes do texto constitucional⁴ .
Por sua vez o Supremo Tribunal Federal reconheceu a abertura material do catálogo de direitos fundamentais, bem como a limitação material da reforma
constitucional nestes casos, no julgamento da ADI 939-7/DF em 1994, quando reconheceu como cláusula pétrea a garantia do cidadão prevista no art. 150, III, b da Constituição Federal que consagra o princípio da anterioridade tributária.
Na ocasião, o STF entendeu que a tentativa do Poder Público de subtrair a garantia da anterioridade tributária expresso na Constituição poder meio da Emenda Constitucional nº 3, de 1993 se deparou com obstáculo, tendo em vista o disposto no art. 60, §4º, IV da Constituição Federal.
No julgamento em questão, o Ministro Celso de Mello referiu em seu voto que:
itir que a união no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda à constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados.⁴¹
Por sua vez Paulo Gustavo Gonet Branco tece algumas considerações de cautela acerca dos direitos fundamentais que não estejam expressamente previstos na Constituição:
É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da Carta e direitos materialmente fundamentais que estão fora da lista. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser assim tidos, a depender da análise do seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição. A sua fundamentalidade decorre da sua referência a posições jurídicas ligadas ao valor da dignidade humana; em vista da sua importância, não podem ser deixados à disponibilidade do legislador ordinário.
O entendimento de que é possível, a partir das normas do próprio catálogo dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais elementares da Lei Maior, deduzir a existência de outros direitos fundamentais não constitui novidade na tradição constitucional brasileira.⁴²
No mesmo sentido o posicionamento de Uadi Lammêgo Bulos, para quem a previsão do parágrafo segundo do artigo 5º contempla o princípio da não tipicidade constitucional, se tratando de um “portal que propicia o ingresso no ordenamento jurídico de normas que disporão sobre outras normas”⁴³, sendo portador de uma norma de sobredireito, semelhante à natureza da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Para o autor, a natureza e o objetivo desta previsão em nossa Constituição indicam:
Trata-se de uma norma de competência, cuja missão é fomentar o nascimento de um ordenamento jurídico supraconstitucional, que pouco a pouco está surgindo e muito em breve se expandirá, como tem ocorrido em diversos países europeus, notadamente pela influência da União Europeia⁴⁴
Outra previsão importante é aquela que se encontra no parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que tratados internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados no Congresso Nacional mediante quórum qualificado, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais⁴⁵.
2.5 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO
Há muito vem sendo discutido acerca da jurisdição constitucional e do papel que esta exerce no Brasil, em especial neste momento de grandes turbulências e descrédito na política pelo qual nosso país a. De sorte que muita esperança se tem depositado nos integrantes do nosso Supremo Tribunal Federal para que exerçam um papel que não lhes cabe, sendo extravagante daquele expressamente definido no texto constitucional.
Nossa Lei Maior define em seu artigo 102 que a função precípua do Supremo Tribunal Federal é realizar a guarda da Constituição. De sorte que o texto constitucional expressamente refere que cumpre ao STF exercer o papel de “Guardião da Constituição”. Mas em que momento surgiu essa expressão? Em qual sentido? E de qual maneira essa ideia de existência de um guardião veio aportar em nossa Constituição Federal?
Com efeito, a ascensão da importância da jurisdição constitucional não é um fenômeno novo, sendo decorrente da mudança de concepção de Constituição ocorrida a partir da consolidação da ideia de um Estado Constitucional de Direito, acontecimento este reflexo direto dos fatos ocorridos a partir do final da 2ª Guerra Mundial⁴ .
Antes da consolidação deste novo paradigma vigorava um modelo identificado por Luigi Ferrajoli como “Estado Legislativo de Direito”, em que a Constituição era mera proclamação política que visava inspirar o Poder Legislativo, não sendo as normas estabelecidas na Constituição autoaplicáveis, ficando a cargo de desenvolvimento regulamentador e concretizador pelas funções legislativa e executiva do Estado⁴⁷.
Por sua vez, o controle de constitucionalidade das leis pelo Judiciário, conforme entendido hoje, inexistia na grande maioria dos países, e onde existia era tímido e pouco relevante⁴⁸. Nesta senda cumpre destacar o controle de constitucionalidade já existente nos Estados Unidos da América à época e, com menor relevância, no próprio Brasil, importado da experiência americana.
Acerca do Estado Constitucional de Direito, cumpre destacar a importância desta mudança de concepção acerca do que se entende por Constituição e o que ela representa, como instrumento para efetivação de uma Democracia, em sua acepção contemporânea, conforme muito bem destacado por Luís Roberto Barroso:
No Estado constitucional de direito, a Constituição a a valer como norma jurídica. A partir daí ela não apenas disciplina o modo de produção das leis e atos normativos, como estabelece determinados limites para o seu conteúdo, além de impor deveres de atuação ao Estado. Nesse novo modelo, vigora a centralidade da Constituição e a supremacia judicial, como tal entendida a primazia de um tribunal constitucional ou suprema corte na interpretação final e vinculante das normas constitucionais.⁴
Por sua vez, por jurisdição constitucional Hans Kelsen entende que é “a garantia jurisdicional da Constituição”, e que se trata de “um elemento do sistema de medidas técnicas que têm por fim garantir o exercício regular das funções estatais” ⁵ . Trata-se, por conseguinte, de uma outorga de poderes a um órgão jurisdicional para examinar a adequação das leis e demais atos em relação ao texto constitucional⁵¹.
Tal definição, cunhada por Kelsen, tem origem em um debate histórico travado entre ele e Carl Schmitt, no começo do século XX, na Alemanha, acerca de a quem caberia exercer o papel de Guardião da Constituição.
Para se entender melhor a origem deste debate e sua importância para a compreensão da jurisdição constitucional na acepção que possui hoje - e, também, as razões pelas quais a jurisdição constitucional brasileira foi concebida da maneira com que se encontra atualmente formatada em nossa Constituição - é fundamental entender o panorama histórico que estava desenhado à época da disputa epistemológica travada e as implicações resultantes das posições tomadas pelos juristas.
Com efeito, podem-se remontar as origens do debate sobre quem deveria ser o Guardião da Constituição à primeira metade do século XX, no período conturbado compreendido entre o fim da Primeira Guerra Mundial e o começo da Segunda Guerra Mundial, particularmente levando-se em conta a situação da Alemanha.
Com a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial e a posterior abdicação do Kaiser Wilhelm II, o Império Alemão (Deutsches Reich) foi dissolvido dando lugar à República de Weimar. O antigo império, governado por meio de uma monarquia constitucional, foi então convertido em uma república parlamentarista, com a missão de reerguer o país derrotado e severamente fragilizado economicamente em razão das rigorosas imposições feitas pelo Tratado de Versalhes⁵².
Foi neste cenário que foi elaborada a Constituição da República de Weimar, promulgada em 1919. A partir de então, se iniciou o debate acerca de a quem caberia a guarda desta Constituição, tendo como atores desta contenda dois dos principais juristas do período, Hans Kelsen e Carl Schmitt, homens com histórias, biografias e opiniões bastante diversas.
Carl Schmitt, jurista e professor de forte criação católica, não obstante os trabalhos produzidos em sua vida, talvez seja mais lembrado por aqueles que
analisam sua biografia por sua vinculação ao Partido Nazista, sendo considerado um dos principais teóricos nazistas do período e um dos responsáveis por dar aporte intelectual ao regime instaurado na Alemanha naquele momento⁵³.
Sua tese de habilitação, denominada “O Valor do Estado e o Significado do Indivíduo”, concluída em 1914, é de grande relevância para a compreensão de seu pensamento. Carl Schmitt era um dos principais expoentes do estatalismo⁵⁴ e firme defensor de um Estado forte, elevado e glorificado, sendo contrário às conquistas liberais do século XIX.
Sua Tese de Habilitação, concluída em 1914, denomina-se O Valor do Estado e o Significado do Indivíduo. Essa obra é de grande importância para se demarcar uma característica de Schmitt.
Schmitt era expoente de um estatalismo, defensor de um Estado forte que é exaltado e glorificado, ao mesmo tempo em que se contrapunha a qualquer conquista do constitucionalismo liberal do século XIX.⁵⁵
Por sua vez, Hans Kelsen foi um jurista e filósofo austríaco, de ascendência judaica, considerado um dos mais importantes e influentes estudiosos do Direito no século XX. Sua importância acadêmica transcendeu a teoria legal, contemplando a filosofia política e a teoria social, bem como sua influência pode ser sentida nos campos da filosofia, ciência jurídica, sociologia, teoria do Estado e relações internacionais, sendo um dos principais expoentes do chamado positivismo jurídico.
Com relação ao pensamento de Kelsen, sua obra mais famosa é a “Teoria Pura do Direito”. Os seguintes trechos da obra, referentes à interpretação, são pertinentes ao estudo:
Quando o Direito é aplicado por um órgão jurídico, este necessita de fixar o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar estas normas. A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior. Na hipótese em que geralmente se pensa quando se fala de interpretação, na hipótese da interpretação da lei, deve responder-se à questão de saber qual o conteúdo que se há de dar à norma individual de uma sentença judicial ou de uma resolução istrativa, norma essa a deduzir da norma geral da lei na sua aplicação a um caso concreto. Mas há também uma interpretação da Constituição, na medida em que de igual modo se trate de aplicar esta - no processo legislativo, ao editar decretos ou outros atos constitucionalmente imediatos - a um escalão inferior; [...] Existem duas espécies de interpretação que devem ser distinguidas claramente uma da outra: a interpretação do Direito pelo órgão que o aplica, e a interpretação do Direito que não é realizada por um órgão jurídico mas por uma pessoa privada e, especialmente, pela ciência jurídica.⁵
Acerca da determinação na aplicação do Direito, Kelsen afirma:
Esta determinação nunca é, porém, completa. A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato através do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato. [...] Daí resulta que todo o ato jurídico em que o Direito é aplicado, quer seja um ato de criação jurídica quer seja um ato de pura execução, é, em parte, determinado pelo Direito e, em parte, indeterminado.⁵⁷
A partir destas curtas premissas é possível verificar, de maneira bastante clara, as diferenças de vida, história e, por igual, as respectivas maneiras de pensar o Direito que permeavam estes dois interlocutores em seu debate sobre a quem
caberia a guarda da Constituição.
O debate propriamente dito se iniciou quando Kelsen proferiu conferência sobre “a natureza e o desenvolvimento da Justiça Constitucional”, onde defendeu o cabimento e a necessidade de um Tribunal independente, sendo este responsável por apreciar a conformação das leis diante da Constituição. Foi o surgimento da concepção alargada de justiça constitucional autônoma, em substituição à noção limitada de justiça do Estado, que predominava nos estudos constitucionais alemães.
Então, Carl Schmitt publicou seu artigo intitulado “O guardião da Constituição” (Der Hüter der Verfassung), no qual defendeu que a guarda caberia ao Presidente do Reich, asseverando que a Constituição lhe conferia poderes excepcionais para realizar sua defesa. Criticou a criação ou reconhecimento de um Tribunal Constitucional, afirmando que isto transferiria poderes de legislação para o judiciário, politizando-o e desajustando o equilíbrio do sistema constitucional. O líder seria um idôneo defensor da Constituição, poder neutro, que estaria acima dos titulares dos direitos políticos de caráter decisivo ou influente⁵⁸.
Kelsen então escreve seu artigo “Quem deve ser o guardião da Constituição?” (Wer soll der Hüter der Verfassung sein?)⁵ , em que rebateu os argumentos de Carl Schmitt. Fundamentando-se no entendimento de que ninguém pode ser juiz em causa própria, afirmou a necessidade de criar uma instituição por meio da qual seja controlada a conformidade de certos atos do Estado frente à Constituição, particularmente do Parlamento e do governo, sustentando que tal controle, obviamente, não poderia ser confiado a um dos órgãos que devem ser controlados .
Foi dito, à época, que Carl Schmitt havia sido vitorioso em sua argumentação, observada a decisão proferida pelo Tribunal do Estado, no caso “Prússia vs. Reich”, de 25 de outubro de 1932, em que se negara a definir os limites de atuação do Presidente do Reich e de seu chanceler, deixando-os livres para
agirem contra as instituições democráticas que ainda funcionavam em Weimar naquele momento.
Todavia, esta vitória não se mostrou definitiva. Três meses após a decisão proferida pelo Tribunal, Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha, sem romper com nenhum aspecto de legalidade vigente à época.
Neste sentido, destaca Gilmar Ferreira Mendes no prefácio da edição brasileira de “O Guardião da Constituição”:
Concretizava-se, em certo sentido, a previsão de Schmitt: O sistema político de Weimar permitiria que seu maior inimigo assumisse o poder e destruísse, de dentro do sistema, todo o regime constitucional de 1919.
A história parecia dar alguma razão a Kelsen! ¹
Ademais, em um contexto fático-histórico como aquele, o sistema proposto por Kelsen de jurisdição constitucional acabou sendo adotado na maior parte dos países democráticos, ao longo da segunda metade do século XX, denotando a importância do pensamento de Kelsen para estes regimes democráticos e o alçando ao status de um dos mais importantes juristas no período pós-Segunda Guerra Mundial.
2.6 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL: UM PANORAMA A PARTIR DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA À ATUALIDADE.
Com efeito, no período compreendido entre o “descobrimento” do Brasil pelos portugueses e a proclamação da República, não houve, no Brasil, jurisdição constitucional propriamente dita.
Inicialmente, durante o período imediatamente posterior à chegada dos portugueses nas terras da América, o território brasileiro de então era terra-semlei, onde vigoravam as feitorias, e a lei era aquilo que o feitor dizia que era. Assim, não havia controle legal sobre o que estava acontecendo na nova terra neste momento inicial, limitando-se as atividades aqui exercidas à extração, armazenamento e transporte de Pau-Brasil com destino ao Velho Mundo ².
Posteriormente, foi dada a largada para um processo progressivo de concentração de poder sob o comando da Coroa Portuguesa, visando a colonização e a exploração das terras descobertas. Este foi um tempo de intensa violência e de profundo abuso da terra e dos povos que aqui há muito habitavam antes da chegada dos portugueses. Tal processo atingiu ápice com a fuga da família real portuguesa para o Brasil durante o período das guerras napoleônicas, quando a Corte Real foi transferida de Lisboa para o Brasil, procedendo, posteriormente, na criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves ³.
Veio, então, a independência do Brasil da Coroa Portuguesa, em razão da tentativa por parte do Reino de Portugal de transformar o Brasil novamente em uma colônia, resultando na independência do país e surgimento do Império do Brasil. Juntamente com o Império, veio a primeira Constituição do Brasil, em 1824, tendo sido adotado um controle dos demais poderes por meio de um
“Poder Moderador”, o qual era concedido ao Imperador.
No período do Império, compreendido entre 1824 a 1889, cumpre destacar que o Brasil não conheceu controle de constitucionalidade das leis. De fato, a Constituição de 1824 não previa qualquer sistema semelhante aos modelos de controle de constitucionalidade contemporâneos. O parlamento tinha amplos poderes, já que, além de elaborar as leis, podia interpretá-las, suspendê-las ou revogá-las e, ainda, era responsável por exercer a função de guarda da Constituição. A função de manutenção de equilíbrio entre os poderes era efetuada pelo Poder Moderador, detido pelo Imperador do Brasil, que podia suspender magistrados, conforme previsto no art. 101 da Constituição do Império do Brasil.
Oportuno salientar que a Constituição de 1824 foi influenciada pelo constitucionalismo forjado nas lutas políticas da Europa continental, nos séculos XVIII e XIX, que buscava a limitação do poder discricionário dos monarcas formada pela volonté générale do Parlamento ⁴.
Ademais, o constitucionalismo, no Brasil, começou de maneira meramente aparente, tendo em vista que o imperador conduzia o país de maneira despótica, por meio deste poder moderador a ele concedido, tendo perante si um judiciário servil e um parlamento débil, suscetível às investidas do governo central. Tal quadro favorecia a manutenção do regimento autoritário, comandado diretamente pelo Imperador, de maneira quase absolutista, não se tratando, portanto, de uma monarquia governada constitucionalmente ⁵.
O controle de constitucionalidade só viria a ser introduzido no Brasil por meio da Constituição de 1891, Constituição esta advinda da proclamação da República, por influência de Ruy Barbosa que copiou o modelo de controle de constitucionalidade vigente nos Estados Unidos da América.
Acerca deste modelo americano, cumpre destacar que ele nasceu a partir da doutrina de Alexander Hamilton, em seus Federalist Papers publicados em fins do século XVIII, aplicados em casos isolados nos tribunais estaduais americanos. Posteriormente, este sistema foi consolidado a partir do caso Marbury vs. Madison, julgado pela Suprema Corte americana em 1803 .
O caso Marbury vs. Madison foi determinante para a manutenção do federalismo nos Estados Unidos da América, tendo a Suprema Corte americana protegido este de uma crise iminente, por meio do controle de constitucionalidade. No caso, antes de julgar o mérito da causa, a Suprema Corte analisou a constitucionalidade de uma lei, assentando que não era de sua competência apreciar o mérito da questão. A partir desta decisão, foi implementado definitivamente nos Estados Unidos o controle de constitucionalidade das leis ⁷.
Com a proclamação da República, pouco foi modificado no Brasil no que se refere à configuração do Estado. Em verdade, a figura do Imperador foi meramente substituída pela nova figura do presidente, em uma imitação malfeita do sistema presidencialista constituído nos EUA do século XVIII ⁸.
Da mesma forma, copiando-se novamente o modelo americano, foi então criado o Supremo Tribunal Federal e introduzido o controle difuso de constitucionalidade. Contudo, diante das necessidades de manutenção dos antigos quadros monárquicos na nova república, foram colocados no Tribunal os antigos membros do Supremo Tribunal de Justiça, para que aplicassem as inovações constitucionais, as quais desconheciam .
Acerca desta nova Constituição e da criação do Supremo Tribunal Federal, cumpre destacar o seguinte trecho da obra de Nelson Jobim:
O Supremo Tribunal Federal e o Poder Judiciário nacional pelos republicanos
tinham a função de salvaguarda da federação, de um lado, da unidade nacional pela via do recurso extraordinário, porque assegurava a preservação da legislação federal por sobre a legislação dos estados, a preservação da Constituição Federal por sobre a Constituição dos Estados; e, de outro lado, assegurava, também, a não aplicação sem necessidade de debate legislativo revogatório da legislação infraconstitucional contrária à Constituição Republicana. Os Juízes aram então a ser instrumentos da República para assegurar a manutenção de uma legislação infraconstitucional que estivesse conforme às regras republicanas. (...) essa análise que procura ver na criação do controle da constitucionalidade do Brasil nada acadêmica, mas sim uma necessidade política dos republicanos para assegurar a vigência republicana, uma vez que eles tinham resolvido o problema de elaborar a Constituição Republicana pelo Regimento Alvim, que assegurou a hegemonia do Partido Republicano na Assembleia Constituinte de 91. Mas eles não podiam prosseguir na exclusão dos quadros monárquicos, eles precisavam exatamente caminhar pela inclusão dos quadros monárquicos, e essa inclusão só se daria pelo processo eleitoral subsequente, pela Lei 35. Mas o risco era grande. Portanto, com risco grande, vamos nos preservar. Preserva-se de que forma? Institui-se um poder da República que não tem assento na vontade popular para ser o árbitro do conflito político entre monarquistas e republicanos na elaboração da legislação infraconstitucional.⁷
Desta maneira o papel reservado aos juízes pela nova Constituição era de grande relevância. Tal relevância vinha desde a edição do Decreto nº 848/1890, pelo qual foi instituída a Justiça Federal no Brasil e representava, pelo menos no plano normativo, a primeira aparição da jurisdição constitucional no Brasil.
Lenio Streck, por sua vez, aponta para os problemas da introdução deste sistema de controle de constitucionalidade difuso no Brasil:
O maior problema desta nossa embrionária forma de controle de constitucionalidade decorrida do fato de que não havia como dar efeito erga omnes e vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal. Explicando: nos
Estados Unidos, modelo que nos inspirou, vige o sistema jurídico denominado common law, onde, através da doutrina do stare decisis, cada decisão da Supreme Court tem efeito vinculante. Observe-se que o stare decisis é regra costumeira, na medida em que não consta nem na Constituição e nem nos statues (leis escritas). Assim, se a Supreme Court, ao examinar um recurso – porque somente por recurso um case de índole constitucional chega até lá, pela inexistência do controle concentrado de constitucionalidade – decidir que determinada lei ou dispositivo de lei é inconstitucional, pela regra do stare decisis nenhum juiz ou tribunal inferior poderá voltar a aplicar a tal lei ou dispositivo. Estará, pois, vinculado ao precedente, mecanismo cujo funcionamento já foi delineado em capítulo específico. No nascedouro da República, pois, embora praticantes do modelo de direito romano-germânico, optamos pelo controle difuso de constitucionalidade, sem qualquer mecanismo que estendesse o efeito da decisão para o restante da sociedade. Ou seja, formal e tecnicamente, a decisão do Supremo Tribunal Federal, até o ano de 1934, ficava às partes contendoras. Mesmo que o STF, apreciando recurso extraordinário, julgasse inconstitucional uma lei, qualquer outro juiz ou tribunal poderia continuar a aplica-la, exatamente pela ausência de um mecanismo que fizesse com que a decisão do Supremo Tribunal Federal alcançasse todo o sistema jurídico.⁷¹
Buscando trazer soluções a estes problemas foi elaborada a Constituição de 1934, sendo esta nova carta fruto das revoluções ocorridas entre 1930 e 1932. Este novo texto constitucional foi inspirado na Constituição de Weimar e também na carta republicana espanhola de 1931⁷².
No âmbito da jurisdição constitucional brasileira, a Constituição de 1934 buscou resolver o problema da efetividade das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, instituindo a previsão para que o Senado Federal suspendesse, por meio de uma resolução, a execução de lei que fosse declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, de sorte que conferiria eficácia geral às decisões tomadas em sede de controle concreto de constitucionalidade.
Todavia, na visão de Lenio Streck, esta nova previsão não foi suficiente para resolver o problema da efetividade das decisões do Supremo Tribunal Federal:
A evidência, [...], a ausência de um mecanismo de controle concentrado de constitucionalidade do correspondente efeito erga omnes denotava a índole liberal-individualista do sistema jurídico, que relegava a Constituição a um plano secundário, alçando a legislação infraconstitucional, construída para a regulação das relações privadas, a um lugar de comando das relações sociais. Desse modo, o controle de constitucionalidade difuso mantido pela Constituição de 1934 não acompanhou o viés social constante no corpo da Constituição, inspirada na Constituição de Weimar, a qual, se sabe, ao lado da Constituição do México de 1917, inaugura uma nova fase do constitucionalismo no mundo. Ou seja, o componente social da Constituição ficou incompatível com a forma de controle de constitucionalidade, pela falta de um mecanismo de dar efeito erga omnes com efeito ex tunc e pela ausência de um controle concentrado de constitucionalidade. O o à jurisdição constitucional postou-se como um obstáculo das metas da Constituição de 1934⁷³.
Oportuno destacar, ainda, outra inovação trazida pela Constituição de 1934, a instituição da cláusula de reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade de uma lei. Assim, para a declaração de inconstitucionalidade de uma lei se fazia necessária a maioria absoluta dos membros do Tribunal, de maneira a afastar a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de uma lei com maioria simples e quórum reduzido.
Todavia, a Carta de 1934 não vigeu por muito tempo. Em 1937, Getúlio Vargas outorgou uma nova Constituição, de notório caráter autoritário, visando a manutenção do regime por ele estabelecido. Desta forma, houve uma concentração demasiada de poder nas mãos do Presidente e uma redução significativa de garantias constitucionais⁷⁴.
Desta forma, no plano da jurisdição constitucional, foi mantida a fórmula do
controle difuso de constitucionalidade, mas sem a previsão de remessa ao Senado. Todavia, foi inserida uma cláusula que possibilitava o veto de decisões do Supremo Tribunal Federal que declarassem a inconstitucionalidade de leis, por parte do Congresso Nacional.
Tal mecanismo se efetivava através da submissão da decisão que declarava a inconstitucionalidade da lei para que esta fosse apreciada pelo Congresso Nacional, que poderia, em caso de confirmação por 2/3 dos votos, em cada uma das casas, manter a vigência desta.
Tal previsão se aplicava nos casos em que, “a juízo do Presidente da República fosse relevante/necessária para o bem estar do povo, à promoção ou defesa do interesse nacional de alta monta, poderia o Chefe do poder Executivo submetê-la novamente ao parlamento”⁷⁵. Na prática, uma vez que o parlamento permaneceu fechado durante todo período compreendido como Estado Novo, significava que Getúlio Vargas tinha poder de veto sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal⁷ .
No que tange à Constituição de 1946 e o controle de constitucionalidade nela previsto, este se tratou, basicamente, de uma reedição da Constituição de 1934. Foi reestabelecido o modelo de controle difuso, com a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade por meio de quórum qualificado e maioria absoluta dos membros do tribunal. Esta Constituição teve basicamente a mesma inspiração daquela de 1934 e buscou a valorização dos ideais democráticos e a repressão a investidas autoritárias.
Então, em 1965, posteriormente ao golpe militar de 1964 e à instauração de uma ditadura no país, houve a maior modificação, até aquele momento, no modelo de controle de constitucionalidade existente no Brasil.
Foi a partir dali que houve a introdução do modelo de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, de matriz kelseniana; modelo este que ou a conviver ao lado do modelo difuso já adotado, desta maneira criando um sistema híbrido.
Antes de adentrar nas características e especificações deste novo modelo criado – que pode ser denominado de um modelo “confuso”⁷⁷ - é possível conjecturar que os principais problemas até hoje enfrentados em sede de controle de constitucionalidade decorrem desse peculiar modelo misto adotado desde meados da década de sessenta do século ado.
Problemas estes que decorrem, principalmente, da mistura de sistemas de matrizes teóricas completamente distintas, conforme pudemos verificar do panorama anteriormente traçado, pela justaposição pura e simples de sistemas importados com diferentes realidades.
Com relação às principais inovações trazidas por este novo modelo, podemos destacar a possibilidade de controle de constitucionalidade de leis municipais em face das Constituições dos Estados da federação, efetuado pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, previsão esta que persiste até hoje.
Além disso, a possibilidade de representação de inconstitucionalidade por parte do Procurador-Geral da República representou o início do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil.
Alguns consideram paradoxal que o controle concentrado tenha sido instituído pelo regime militar, tendo em vista que a fiscalização de constitucionalidade se presta principalmente para proteção e garantia de direitos fundamentais.
Porém, conforme explica Lenio Luiz Streck, não foi mero acaso que este controle tenha sido instituído pelos militares; em verdade, se tratava justamente de um instrumento de proteção do próprio regime naquele momento:
Não vejo parado no proceder do regime militar. Ao contrário, a preocupação dos militares era justamente estabelecer um mecanismo rápido e eficaz para evitar que juízes e tribunais, com pensamento democrático, mediante decisões de controle difuso de constitucionalidade obstaculizassem ações do establishment. Não se deve esquecer que a Constituição de 1946, quando da aprovação EC 16/45, longe estava de seu texto original. Além disso, o próprio regime preparava uma nova Constituição. Desse modo, o controle concentrado, naquele momento, representava um meio para manter o controle do sistema jurídicojudiciário, uma vez que, como se viu logo em seguida, o próprio Supremo Tribunal Federal sofreu pesadas baixas⁷⁸.
Ademais, este modelo de controle concentrado não tinha papel relevante naquele contexto, observado que somente o Procurador-Geral da República tinha legitimidade para apresentar a representação de inconstitucionalidade. Uma vez que este agente público era nomeado pelo Presidente da República, e a ele estava submetido o processo, na prática significava que o Procurador-Geral se submetia à vontade do Poder Executivo.
Outrossim, é a partir deste momento histórico que o controle de constitucionalidade brasileiro a a se assemelhar ao modelo kelseniano, com a adoção do controle concentrado de constitucionalidade, no qual o Supremo Tribunal Federal exerce o papel de “Guardião da Constituição” preconizado por Kelsen, sendo a sua particularidade a adoção efetuada em um período de ruptura democrática⁷ .
No período compreendido entre 1965 e 1986, o modelo de jurisdição constitucional existente no Brasil permaneceu praticamente inalterado. As mudanças ocorridas não tiveram impacto substancial capaz de alterar o
panorama delineado. Houve pequenos avanços e retrocessos, com a retirada e reintrodução, em diferentes momentos ao longo destes 20 anos, de características de nossa jurisdição constitucional que já se faziam presentes nos momentos anteriores⁸ .
A título de exemplificação destes institutos, se pode citar a manutenção do controle de constitucionalidade difuso nos moldes das constituições anteriores na Carta de 1967, a introdução da possibilidade de controle de constitucionalidade de lei municipal pelo Tribunal de Justiça do Estado, adicionado em 1969, a possibilidade de concessão de medida cautelar em representação de constitucionalidade, positivando entendimento que já era consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal e previsto no seu Regimento Interno e a introdução da ação de interpretação de direito federal, no ano 1977, que representou a introdução do efeito vinculante no direito brasileiro, com previsão de que a partir da publicação da ementa do julgado, esta seria vinculante, implicando a sua não observância em negativa de vigência do texto interpretado⁸¹
Foi então, a partir de 1985, que se iniciou o processo de abertura política, crescendo o anseio por dotar o Brasil de uma nova Constituição que substituísse aquela outorgada em 1967 e 1969⁸² e que visava proteger unicamente os interesses da ditadura imposta, por uma nova Constituição que defendesse os valores democráticos e liberdades individuais.
Com a Constituição de 1988, o controle de constitucionalidade no Brasil, foi significativamente fortalecido com o aumento de ações de (in)constitucionalidade e, principalmente, com o aumento do número de legitimados para a proposição destas ações, retirando o controle concentrado do monopólio do Procurador-Geral da República.
Primeiramente, a representação de inconstitucionalidade foi rebatizada de ação direta de inconstitucionalidade. Sendo este o modelo de provação de controle concentrado por excelência, estendeu-se a possibilidade de ajuizamento da ação,
conferindo legitimidade, além do Procurador-Geral da República, a órgãos do Poder Legislativo, chefes do Poder Executivo, inclusive dos Estados, bem como a entes privados, como por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil, partidos políticos e órgãos sindicais⁸³.
Além destes dois institutos, foi criada a Ação Declaratória de Constitucionalidade, por força da Emenda nº 03/93, que dava maior força àquilo que acontecia quando do julgamento de improcedência da ação direta de inconstitucionalidade. Inicialmente continha um rol mais de legitimados para a sua proposição, posteriormente ampliado pela Emenda Constitucional nº 45/2004⁸⁴.
Acerca da Ação Declaratória de Constitucionalidade destaca Gilmar Mendes:
A Emenda Constitucional n. 3, de 17 de março de 1993 disciplinou o instituto, firmando a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, processo cuja decisão definitiva de mérito possuí eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Executivo e Judiciário. Conferiuse legitimidade ativa ao Presidente da República, à Mesa do Senado Federal, à Mesa da Câmara dos Deputados e ao Procurador-Geral da República. Considerando a subida introdução do instituto, cumpre agora cogitar se representa ele um novum no modelo brasileiro de Controle de Constitucionalidade⁸⁵.
Ademais, o autor discorda que esse instituto seja de todo inovador, referindo que o dispositivo constitucional mantém a imprecisão da fórmula adotada na Emenda Constitucional nº 16/65:
Em verdade o dispositivo não inova. Tal como anotado [...], a imprecisão da
fórmula adotada na Emenda n. 16/65 – representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral – não conseguia esconder o propósito inequívoco do legislador constituinte, que era permitir, “desde logo, a definição da controvérsia constitucional sobre leis novas”. Entendida a representação de inconstitucionalidade como instituto de conteúdo dúplice ou de caráter ambivalente, mediante o qual Procurador-Geral da República tanto poderia postular a declaração de inconstitucionalidade da norma como defender a declaração de sua constitucionalidade, afigurar-se-ia legítimo sustentar, com maior ênfase e razoabilidade, a tese relativa à obrigatoriedade de o Procurador-Geral submeter a questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, quando isso lhe fosse solicitado⁸ .
Outra novidade trazida foi a ação de descumprimento de preceito fundamental trazida pela Lei 9.882/99, sobre a qual se pode destacar:
O dispositivo em tela é inovador na história constitucional brasileira, sem qualquer precedente nas Constituições anteriores. A doutrina brasileira divergiu acerca da origem do instituto, mormente na comparação com o recurso constitucional alemão. O próprio Supremo Tribunal Federal, na apreciação do Agravo Regimental no Mandado de Segurança nº 22.427-5, deu a entender que arguição de descumprimento de preceito fundamental guarda semelhança com o Verfassungsbeschwerde (recurso constitucional) alemão. Na verdade, comparando-se o modelo constitucional alemão com o brasileiro, tem-se que a existência de processos diversos ressalta uma importante diferença entre as duas Cortes de uma perspectiva processual. A ordem constitucional brasileira não conhece processos como conflito entre órgãos (Organsteitgkeit) nem instrumento com múltiplas funções como o recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). [...]Mesmo que arguição de descumprimento de preceito fundamental brasileiro não guarde essa similitude stricto sensu com o recurso constitucional alemão, é importante que se retirem lições do instituto tedesco. Dito de outro modo, assim como ocorre no direito alemão através do recurso constitucional, a arguição de descumprimento fundamental prevista na Constituição do Brasil é instrumento
relevante de proteção dos direitos fundamentais⁸⁷.
Ainda, merecem ser destacados o Mandado de Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, que buscam tornar possível o exercício de um direito constitucionalmente assegurado, que não esteja sendo efetivamente garantido. A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão busca tornar efetiva a norma constitucional, declarando a existência de mora, dando ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias⁸⁸. Por sua vez, o Mandado de Injunção tem por objeto o não cumprimento do dever constitucional de legislar que, de alguma maneira, afeta concretamente direitos assegurados constitucionalmente, ou seja, a ausência de uma norma regulamentadora que torne inviável o exercício de liberdades e direitos constitucionais, bem como das prerrogativas inerentes à cidadania⁸
Como se vê, a Constituição de 1988 emprestou grande prestígio ao controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, criando diversos institutos visando a efetivação e proteção da vasta gama de direitos fundamentais positivados na “Constituição Cidadã”.
Cumpre destacar, ainda, as modificações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45/2004, principalmente para o controle difuso de constitucionalidade, que tinha permanecido praticamente inalterado desde 1934.
A Emenda Constitucional nº 45/2004 introduziu o regime de Repercussão Geral nos recursos extraordinários, estabelecendo como condição de issibilidade do recurso a necessidade de demonstração de questão constitucional de suficiente relevância para que esta seja apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.
Acerca da Repercussão Geral, cumpre referir:
A Emenda Constitucional n. 45/2005 (Reforma do Judiciário) consagrou, no art. 102, § 3º, da Constituição, o instituto da Repercussão Geral. A Lei n. 11.418, de 19-12-2006, definiu a disciplina processual desse novo instituto. O recurso extraordinário a, assim, por uma mudança significativa, havendo de sofrer o criva da issibilidade referente à Repercussão Geral. A adoção do instituto maximiza a feição objetiva do recurso extraordinário. [...]Pode-se dizer que o escopo da instituto é maximização da feição objetiva do recurso extraordinário, característica que bem pode servir ao propósito republicano de dar coerência e integridade ao direito. Em outras palavras, a repercussão geral deve ser assimilada como um instituto que otimiza a aplicação direito democraticamente produzido, assegurando a sua melhor interpretação na lente da coerência de princípios .
E, por final, o aspecto mais controverso trazido pela Emenda Constitucional nº 45, a possibilidade de edição de Súmula Vinculante. Este instituto foi trazido ao nosso ordenamento jurídico visando justamente solucionar o problema, anteriormente mencionado, de falta de eficácia das decisões do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade, de sorte que a Súmula Vinculante foi tomada como instrumento capaz de corrigir esta deficiência.
Todavia, conforme afirma Elival da Silva Ramos, a criação da Súmula Vinculante acabou dando ao STF verdadeiro poder normativo, uma vez que a sua edição se afigura mais como um ato de pura criação do Direito, substituindo, portanto, o legislador, do que de aplicação do Direito propriamente dito, por parte do Poder Judiciário ¹.
De outra parte, Mauricio Martins Reis aponta esta tese de equiparação entre Súmula Vinculante e poder normativo como controversa, referindo que a simples existência de Súmula Vinculante não afasta a esfera hermenêutica na aplicação do direito, assinalando:
É equivocado concluir em caráter incondicional pela nota da subsunção o direito judicial tributário dos precedentes obrigatórios, tampouco no formato preconizado pela doutrina de Didier [...]. Mais uma vez repita-se a obrigatoriedade de se fundamentar a pertinência da súmula vinculante ao caso concreto. Conquanto se cogite de aplicação de ofício pelo juízo sem maiores considerações de ordem argumentativa, por entender incidente o teor da súmula ao caso concreto, à parte prejudicada não será cerceado o direito de manifestar as suas razões de inconformidade, seja para demandar fundamentos de uma eventual decisão carente de justificativa, seja para comprovar tratar-se de situação específica de distinguishing ou overruling. As súmulas vinculantes não consistem em breviários de casos fáceis [...], porém possuem um nível de especificidade aplicativa derivada de sua natureza jurisprudencial, onde previamente já ocorreu, no contexto da applicatio, a concretização da resposta constitucionalmente adequada enquanto critério de posterior vinculação para casos análogos. Daí porque os respectivos termos haverão de ser determinados para o fim de se aclarar a tese normativa prevalente, cuja eventual incompetência comunicativa para efeito de se distinguir o marco jurídico determinante naquele precedente poderá ser contornada mediante a análise dos motivos determinantes (contexto decisório) contidos nos correspondentes acórdãos configuradores ².
Por final, cumpre destacar que o Código de Processo Civil de 2015 trouxe inovações de grande relevância para o direito jurisprudencial. Conforme assinala Alexandre de Freitas Câmara, o sistema de precedentes brasileiro, pensado no C de 2015, é construído para que haja uniformidade de decisões em causas idênticas, sobretudo no que diz respeito às chamadas demandas repetitivas; prescrevendo a legislação processual que a jurisprudência dos tribunais deve ser estável, íntegra e coerente, na forma do art. 926 ³.
No mesmo sentido, assinalam Luís Roberto Barroso e Patrícia Perrone Campos Mello, que o C de 2015 foi responsável por concluir a trajetória que havia sido iniciada ainda na vigência do C de 1973 na busca da criação de um sistema de precedentes no direito processual brasileiro ⁴.
Acerca deste sistema de precedentes presente no C de 2015, os autores afirmam que:
Nele se instituiu um sistema amplo de precedentes vinculantes, prevendo-se a possibilidade de produção de julgados com tal eficácia não apenas pelos tribunais superiores, mas igualmente pelos tribunais de segundo grau. Nessa linha, o art. 927 do novo Código definiu, como entendimentos a serem obrigatoriamente observados pelas demais instâncias: (i) as súmulas vinculantes, (ii) as decisões proferidas pelo STF em sede de controle concentrado da constitucionalidade, (iii) os acórdãos proferidos em julgamento com repercussão geral ou em recurso extraordinário ou especial repetitivo, (iv) os julgados dos tribunais proferidos em incidente de resolução de demanda repetitiva e (v) em incidente de assunção de competência, (vi) os enunciados da súmula simples da jurisprudência do STF e do STJ e (vii) as orientações firmadas pelo plenário ou pelos órgãos especiais das cortes de segundo grau. [...] O art. 988 do novo Código previu, por sua vez, a possibilidade de utilização da reclamação para cassar decisões divergentes de todos os entendimentos e precedentes indicados como obrigatórios pelo art. 927, ressalvados apenas as hipóteses de descumprimento de súmulas simples e de orientações firmadas pelo pleno e pelos órgãos especiais dos tribunais ⁵.
Feitas estas considerações acerca do papel conferido pela Constituição Federal de 1988 aos direitos fundamentais e à jurisdição constitucional, aremos a tratar com maior profundidade acerca da influência exercida pela importação de sistemas e teorias jurídicas de tradições jurídicas distintas da tradição brasileira, bem como se estas importações têm sido determinantes para o aprofundamento do fenômeno do ativismo judicial que tem sido verificado na última década.
1 GONET BRANCO, Paulo Gustavo. in MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de
direito constitucional – 8 ed. rev. e atual.– São Paulo : Saraiva, 2013. p. 307.
2 Oportuno destacar que no período democrático anterior, este compreendido entre 1946 a 1964, a Constituição vigente à época, datada de 1946, também buscou acrescentar, ainda que timidamente, direitos fundamentais minúsculas ao ordenamento jurídico, podendo ser destacada a inclusão da inafastabilidade do controle judicial e a afirmação dos direitos trabalhistas. (SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 235-236)
3 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional – 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 927
4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015. p. 64.
5 Lenio Luiz Streck refere que o Direito possui uma autonomia intrínseca a ele; sendo que esta autonomia é tendente a ser abalada por dois tipos de predadores: Os predadores internos e os predadores externos. Neste sentido: “Autonomia do direito não pode implicar indeterminabilidade desse mesmo direito construído democraticamente. Se assim se pensar, a autonomia será substituída – e esse perigo ronda a democracia a todo tempo – exatamente por aquilo que a gerou: o pragmatismo político nos seus mais diversos aspectos, que vem colocando historicamente o direito em permanente ‘estado de exceção’, o que, ao fim e ao cabo, representa o próprio declínio do ‘império do direito’ (alguém tem dúvida de que essa questão é retroalimentada permanentemente, mormente nos países de modernidade tardia como o Brasil?)”. (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 370.)
6 Neste sentido, pode-se destacar a reforma trabalhista aprovada em 2016, cuja justificativa se encontra calcada na “[...] importância [..], de valorização da negociação coletiva, que vem no sentido de garantir o alcance da negociação coletiva e dar segurança ao resultado do que foi pactuado entre trabalhadores e empregadores”, conforme exposto no PL 6.787/2016. (Todavia, o art. 7º, XXVI já prevê a prevalência da negociação coletiva sobre a legislação, desde que esta seja mais benéfica para o trabalhador. Assim, uma vez que a CF já estabelece a prevalência da negociação coletiva sobre a legislação posta quando esta for mais benéfica para o trabalhador, observado o caput do art. 7º em questão, a única conclusão possível de ser inferida da alteração legislativa em questão é que esta visa a prevalência da negociação coletiva sobre a legislação, também, no caso desta prejudicar o trabalhador e privilegiar o empregador. A pergunta que se faz é: Se o legislador constitucional originário estabeleceu os direitos trabalhistas presentes no art. 7º como direitos fundamentais e previu expressamente que as negociações coletivas só valeriam sobre a legislação trabalhista infraconstitucional caso estas fossem mais benéficas, o legislador não fez uma opção em detrimento de outra valorizando os direitos fundamentais do trabalhador em detrimento de outra posição de valorização do mercado e do empregador externada pelos parlamentares hoje?
7 SARLET, 2013. p. 35.
8 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 2 ed. – São Paulo : Saraiva, 2008. p 404.
9 DIMOULIS, Dimitri. In Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005 / Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – AJURIS; Coord. Ingo Wolfgang Sarlet. – Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed., 2006. p. 72.
10 GONET BRANCO in MENDES, 2013. p.315 e seguintes.
11 De origem jusnaturalista, esta corrente de pensamento defende a existência de preceitos de Direitos válidos para todos os tempos e espaços pois, independem da vontade dos homens, decorrendo da própria natureza humana. Conforme Miguel Reale: “A Escola do Direito Natural ou do Jusnaturalismo distingue-se da concepção clássica do Direito Natural aristotélico-tomista por este motivo principal: enquanto para Santo Tomás primeiro se dá a “lei” para depois se pôr o problema do “agir segundo a lei”, para aquela corrente põe-se primeiro o “indivíduo” com o seu poder de agir, para depois se pôr a “lei”. Para o homem do Renascimento o dado primordial é o indivíduo, como ser capaz de pensar e de agir. Em primeiro lugar, está o indivíduo, com todos os seus problemas, com todas as suas exigências. É da autoconsciência do indivíduo que vai resultar a lei.” (REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19 ed. – São Paulo : Saraiva, 2002. P. 645-646)
12 PEREZ LUÑO, Antonio E. Derechos Fundamentales. 8 ed. – Madrid : Tecnos, 2004. p. 34-35.
13 SARLET, 2015. p. 28.
14 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed: Coimbra - Livraria Almedina. p. 528
15 SARLET, 2015. p. 29-30.
16 MENDES, 2013. p. 155.
17 SARLET. 2015. p. 45.
18 Ibid.
19 SARLET. 2015. p. 46.
20 SARLET, 2013. p. 262-263.
21 A Coréia do Sul consagrou em sua carta constitucional o direito de todos a alcançar a felicidade, vinculando esse direito à obrigação do Estado em confirmar e garantir os direitos fundamentais individuais. (RUBIN, Beatriz. O direito à busca da felicidade. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 16 – jul./dez. 2010. p. 38)
22 SARLET, 2015. p.48-49.
23 SARLET, 2015. p. 49.
24 BULOS, 2008, p. 407.
25 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 589.
26 BONAVIDES, 2012. p. 590.
27 SARLET, 2015. p. 106.
28 Ibid. p. 64.
29 PELUZO, Cesar. Constituição, direitos fundamentais e democracia: O papel das supremas cortes. Disponível em:
ado em 04/06/2020
30 GONET BRANCO in MENDES, 2013. p. 290.
31 Oportuno salientar que, conforme Alexandre de Moraes, a Constituição Federal pode ser apontada como super-rígida “uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, § 4.° - cláusulas pétreas)”. (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional - 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2003. p. 32.)
32 BARBOSA, Ruy. Republica: teoria e prática, Petrópolis, Vozes, apud José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo. - 40. ed., rev. e atual! até a Emenda Constitucional n. 95, de 15.12.2016. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 360.
33 Cumpre destacar que, referente aos direitos sociais, estes também se fazem presentes no artigo 193 e seguintes da Constituição Federal.
34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 94016, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/09/2008, DJe-038 DIVULG 26-022009 PUBLIC 27-02-2009 EMENT VOL-02350-02 PP-00266 RTJ VOL-0020902 PP-00702
35 “É de se ressaltar que, ao menos parcial e embrionariamente, alguns destes direitos [considerados de quarta dimensão], notadamente os direitos à democracia, ao pluralismo e à informação, se encontram consagrados em nossa Constituição, de modo especial no preambulo e no Título dos Princípios Fundamentais, salientando-se, todavia, que a democracia erigida à condição de princípio fundamental pelo Constituinte de 1988 é representativa, com alguns ingredientes, ainda que tímidos, de participação direta.” (SARLET, 2015. p. 51)
36 Ibid. p. 69.
37 Conforme aponta sco Ferrara, a hermenêutica tradicional cometia um equívoco ao prescrever como finalidade precípua a busca da vontade do legislador (mens legislatoris), defendendo que o ofício do intérprete seria aferir o sentido objetivo da lei, pois a lei não é o que o legislador “quis” ou “quis dizer”, mas apenas aquilo que ele disse pela forma de lei. (FERRARA, sco. Interpretação e aplicação das leis. Coimbra: Armênio Amado, Editor, Sucessor, 1963. p. 135-136.)
38 SARLET, 2013. p. 280.
39 SARLET, 2013. p. 280.
40 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação
constitucional. 7 ed. – São Paulo: Atlas, 2007. p. 406.
41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 939, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp? docTP=AC&docID=266590> ado em 31 de maio de 2018.
42 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. in MENDES, 2013, p. 171.
43 BULOS, 2007, p. 554
44 Ibid.
45 VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: Uma leitura da Jurisprudência do STF. – São Paulo : Malheiros, 2006. p. 42.
46 BARROSO., Luís Roberto. Jurisdição Constitucional: A Tênue Fronteira Entre o Direito e a Política. Disponível em:
ado em 18/07/2020.
47 FERRAJOLI, Luigi. In CARBONELL, MIGUEL. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotto, 2009. p. 15-17.
48 BARROSO. Op.Cit.
49 BARROSO. Op.Cit.
50 KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo : Martins Fontes, 2003. p. 123.
51 Ibid. p. 124.
52 Conforme muito bem observado por John Maynard Keynes em 1919 ao integrar a comitiva britânica na Conferência de Paris, dando origem a obra que é considerada por muitos sua Magnum opus “As Consequências Econômicas da Paz”.
53 DIAS ALVES, Adamo. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo. Carl Schmitt: um teórico da exceção sob o estado de exceção. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte. n. 105. jul./dez. 2012.
54 “O estatalismo de Schmitt negava as garantias dos direitos individuais do paradigma liberal, entendendo que o Estado, ao estabelecer o direito por meio de seu soberano, não pode itir a autonomia individual dos cidadãos.” (Ibid.)
55 Ibid.
56 KELSEN, Hans, Teoria pura do direito. 6ª ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1998. p. 387.
57 Ibid.
58 SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. Belo Horizonte : Del Rey, 2007.
59 O livro em questão foi lançado em edição brasileira com o título “Jurisdição Constitucional”, compilando juntamente outros textos de Kelsen sobre o tema.
60 KELSEN, 1998. p. 388.
61 MENDES, Gilmar Ferreira. In SCHMITT. 2007. p. XIII.
62 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. 4. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2014. p. 460-461.
63 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. 4. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2014. P.476.
64 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 331 e seguintes.
65 Ibid. p. 332.
66 BONAVIDES, 2012. p. 312.
67 MENDES, 2013. p. 1162.
68 STRECK, 2004. p. 339-348.
69 Ibid.
70 JOBIM, Nelson. O papel do Supremo Tribunal Federal no atual momento político brasileiro. Anais do Seminário “O Supremo Tribunal Federal na História Republicana”. Brasília : Dupligrafica, 2002. p. 13-26.
71 STRECK, 2004. p. 341.
72 Ibid. p. 345.
73 STRECK, 2004. p. 346.
74 SARLET, 2013. p. 233.
75 STRECK, 2004. p. 349.
76 STRECK, 2014. p. 514.
77 A referência a um controle “confuso” de constitucionalidade é feita a partir da junção das terminologias de controle concentrado e difuso e a consequente problemática que emerge da mistura destes dois modelos oriundos de tradições diversas e com características distintas e que nem sempre convivem de maneira harmônica.
78 STRECK, 2004. p 355.
79 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012. p. 21.
80 STRECK, 2004. p.519
81 STRECK, 2004. p.522.
82 A Constituição de 1967 foi diretamente inspirada por aquela de 1937, incorporando a ela suas características essenciais. Nela não se fala em democracia, sendo utilizado o termo “regime representativo”. Dentre suas previsões pode ser destacada a centralização do poder na União e no Presidente
da República, a aprovação de leis por decurso de prazo, a possibilidade da expedição de decretos-leis por parte do Presidente da República relativos à segurança nacional e finanças e a redução da autonomia individual, com a permissão da suspensão de direitos e garantias constitucionais. Posteriormente, o AI 5 suprimiu ainda mais direitos ao atribuir ao executivo a possibilidade de suspender direitos políticos e cassar mandatos eletivos, a suspensão de habeas corpus em casos de crimes políticos e o afastamento do controle judicial dos atos praticados com base no AI. Por final, a EC1 de 1969 substituiu quase integralmente o texto de 1967, ampliando os poderes de exceção e consolidando a Ditadura instalada. (SARLET, 2013, p. 237-238)
83 Acerca da pertinência temática para a proposição de ADin: “Ao longo dos anos de vigência da nova Carta, e independentemente de qualquer norma expressa, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou uma distinção entre duas categorias de legitimados: (i) os universais, que são aqueles cujo papel institucional autoriza a defesa da Constituição em qualquer hipótese; e (ii) os especiais, que são os órgãos e entidades cuja atuação é restrita às questões que repercutem diretamente sobre sua esfera jurídica ou de seus filiados e em relação às quais possam atuar com representatividade adequada. São legitimados universais: o Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional. Os legitimados especiais compreendem o Governador de Estado, a Mesa de Assembleia Legislativa, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.” (BARROSO, 2012. p. 55.)
84 STRECK. 2014. P. 864.
85 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 6. ed., 2.tir. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 116.
86 MENDES. 2014. P. 116-117.
87 STRECK, Lenio L; MENDES, Gilmar F. Comentário ao artigo 102, § 1º. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; _________; SARLET, Ingo W.; _________ (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo : Saraiva/Almedina, 2013. p. 1389.
88 MENDES, 2013. p. 1351.
89 MENDES, 2013. p. 1379.
90 STRECK, Lenio L; MENDES, Gilmar F. Comentário ao artigo 102, § 3º. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; _________; SARLET, Ingo W.; _________ (Coords.). 2013. p. 1406-1407.
91 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 309-312.
92 REIS, M. Mauricio. Precedentes obrigatórios e sua adequada compreensão interpretativa: de como as súmulas vinculantes não podem ser o “bode expiatório” de uma hermenêutica jurídica em crise. Revista de Processo - vol. 220/2013 | p. 207 - 228 - Jun / 2013.
93 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro – 2. ed. – Sâo Paulo: Atlas, 2016. p. 428-429.
94 BARROSO, Luís Roberto; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Trabalhando com uma nova lógica:
A ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/artigo-trabalhando-logica-ascensao.pdf> o em: 10/10/2018.
95 Ibid.
3. DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: A TRADIÇÃO DA CIVIL LAW NO DIREITO BRASILEIRO, A INFLUÊNCIA DA COMMON LAW E O ATIVISMO JUDICIAL.
Na primeira parte desta obra vislumbramos a especial atenção que a Constituição Federal conferiu aos direitos fundamentais, enumerando muito especialmente um extenso catálogo de direitos em seu Título II, além de contemplar alguns outros ao longo do texto da Constituição; não obstante, o catálogo ali apresentado não é taxativo, havendo uma abertura material para que outros direitos fundamentais possam ser agregados, demonstrando a preocupação constituinte para que nenhum direito fundamental restasse alijado na então nova ordem constitucional democrática.
De igual sorte, se pode verificar que o constituinte conferiu especial papel ao Poder Judiciário para a manutenção e efetivação destes direitos fundamentais, conferindo ao Supremo Tribunal Federal o papel de guardião da Constituição, sem olvidar da adoção do modelo híbrido de constitucionalidade. Ou seja, foi adotado tanto o modelo de controle concentrado de constitucionalidade, pelo qual um tribunal constitucional realiza o controle de constitucionalidade das leis em face da Constituição, quanto o modelo de controle difuso, pelo qual é conferido a cada magistrado e tribunal a possibilidade de realizar o controle de constitucionalidade, no caso concreto
Todavia, um efeito colateral deste papel de extrema relevância conferido pela Constituição ao Poder Judiciário tem sido o aumento da judicialização dos conflitos . Tal judicialização pode ser atribuída, dentre outros aspectos, à tradição brasileira de existência uma jurisdição única ⁷, sendo de competência exclusiva do Poder Judiciário dirimir os conflitos surgidos entre os particulares e
o Estado, tanto no âmbito do controle da istração, quando na fiscalização de constitucionalidade das leis. Outrossim, desde a promulgação da Constituição de 1988, o cidadão brasileiro dispõe de um rol de instrumentos de controle do Estado, sem equiparação com nenhum outro sistema jurídico, facilitando o o direto do cidadão ao Poder Judiciário ⁸.
Desde então, têm-se observado dois fenômenos de maneira recorrente no Brasil, ambos como consequência direta deste papel de protagonismo conferido ao Poder Judiciário pela Constituição Federal e da atividade jurisdicional intensa oriunda da ampla e massiva judicialização dos conflitos: a judicialização da política e o ativismo judicial.
Não obstante se tratem de fenômenos ou eventos distintos, o ativismo judicial e a judicialização da política têm sido tratados no Brasil como se fossem sinônimos, circunstância esta que se mostra equivocada ao realizar-se uma análise apurada das respectivas incidências, sobretudo ao se ponderar quais são os limites íveis de serem opostos a esta função criativa da jurisdição, compreendendose esta função criativa como a ocorrência de ativismos judiciais.
Todavia, antes de se adentrar especificamente nos aspectos referentes à função criativa da jurisdição, essencialmente se faz necessário perscrutar como o ativismo judicial se desenvolveu no Brasil, mostrando-se fundamental compreender o papel que a aproximação de nossa tradição jurídica romanogermânica com a tradição anglo-saxônica de direito tem exercido na relação entre as fontes do direito, bem como compreender a relevância que as decisões tomadas pelos tribunais aram a ostentar no sistema jurídico vigente.
3.1 A TRADIÇÃO DA CIVIL LAW E SUA ADOÇÃO NO BRASIL
Preliminarmente à apresentação das características da tradição jurídica romanogermânica ou, ainda, da denominada família da civil law, tradição esta a qual o Brasil se encontra historicamente vinculado, serão efetuadas considerações acerca da diferença existente entre os sistemas jurídicos e as tradições jurídicas predominantes no mundo.
Acerca desta distinção entre tradições jurídicas e sistemas jurídicos, cumpre destacar o seguinte ensinamento de John Henry Merryman:
[...] Um sistema jurídico na acepção em que o termo é aqui empregado, é um conjunto de instituições legais, processos e normas vigentes. Neste sentido, pode-se dizer que há nos Estados Unidos um sistema jurídico federal e cinquenta sistemas jurídicos estaduais; ou, que há sistemas jurídicos próprios a cada uma das demais nações; ou ainda, que há distintos sistemas jurídicos em organizações como a União Europeia ou as Nações Unidas. Em um mundo organizado em estados soberanos e organizações de estados, há tantos sistemas jurídicos quantos forem os estados e organizações internacionais .
Com efeito, a tradição da civil law é cronologicamente mais antiga do que a tradição da common law, remontando as suas origens à Lei das Doze Tábuas, do ano de 450 a. C. Todavia, apesar de ser este o documento mais antigo e marco inicial desta tradição jurídica, o posto de documento mais importante na formação destra tradição jurídica pertence ao Corpus Iuris Civilis, compilação de leis elaborada pelo imperador romano Justiniano no século VI, visando unificar o direito vigente no Império Romano, através da codificação das leis, opiniões dos jurisconsultos e da doutrina¹ .
Desta forma, a partir desta experiência romana foram estabelecidos os quatro pilares que aram a caracterizar a tradição romano-germânica: o fenômeno da codificação, a criação do direito por meio de aparelhos legislativos, a racionalização integral do fenômeno jurídico e as fontes do direito¹ ¹.
Após a queda do imperador Justiniano, sua compilação de leis entrou em desuso, até ser resgatada no século XI, na primeira universidade de Bolonha, quando o Corpus Iuris Civilis foi redescoberto e estudado, devido a sua grande qualidade intelectual e, a partir deste momento, ele se estabeleceu como matriz do que veio a ser chamada de tradição jurídica da civil law¹ ².
Oportuno salientar que a civil law, sobretudo no tocante à sua adoção pela tradição jurídica brasileira, se encontra atrelada à influência exercida pelos juristas portugueses e italianos, dos quais se herdou um modelo de jurisdição calcado na figura do iudex romano, bem como do direito justinianeu vulgarizado, não tendo recebido a concessão dos interditos pretorianos que dão sustento aos países filiados à common law, contribuindo para a formação de um modelo de juiz que se encontra limitado à declaração de direitos¹ ³.
De igual sorte, a respeito do direito romano, Ovídio A. Baptista da Silva assinala que é fundamental compreender o conceito de jurisdição romano, pois este é o verdadeiro paradigma que demarca e condiciona os demais conceitos com os quais a ciência processual moderna elabora suas categorias¹ ⁴.
Em um momento histórico posterior, ao longo dos séculos XIX e XX¹ ⁵, com o advento da concepção de soberania nacional e o surgimento dos Estados modernos, sobretudo na Europa continental, tal entendimento veio a ser fortemente vinculado à ideia de um poder centralizado. De maneira simultânea, o estudo do direito realizado nas universidades europeias neste período encontrava-se profundamente atrelado a esta tradição romana, calcada no estudo
do Corpus Iuris Civilis, de sorte que a importância de regras escritas foi determinante na formação destes Estados de Direito, sobretudo no tocante ao fenômeno da codificação¹ .
De fato, a codificação foi determinante, pois implicou no fim da fragmentação do direito e variedade de costumes, conferindo coerência e sistematização aos ordenamentos jurídicos que se formaram, corrigindo as distorções que ocorriam ao se efetuarem compilações de legislação produzida de maneira esparsa. Foi em decorrência deste fenômeno que surgiram as grandes codificações europeias, como por exemplo o Código Napoleônico, do ano de 1804, e o Código Civil alemão, do ano de 1900¹ ⁷.
De outra parte, para a caracterização do que vem a ser tradicionalmente a civil law, uma de suas principais características, é aquela denominada de “denial of judicial law-making”, ou seja, a impossibilidade de criação do direito por meio de decisões judiciais. Isto significa que o direito é emanado das leis produzidas por meio destes órgãos legislativos, sendo este um ponto central que separa as tradições da civil law e da common law.
Esta proibição de criação do direito por meio das decisões judiciais oriundas de tribunais é fruto da busca empreendida pela civil law pela racionalização máxima do fenômeno jurídico. Tal aspiração se deve, também, a outro elemento histórico importante oriundo da experiência europeia; com a queda do Absolutismo, houve uma tentativa consciente de suplantação completa da figura unipessoal plenipotenciária do monarca pelo modelo representativo de uma assembleia soberana, proveniente do povo e não restrita aos pequenos círculos da fidalguia¹ ⁸. Assim, ao transferir para o parlamento o poder de criação das leis, o que se buscou foi a criação de sistemas coerentes e racionais para que as regras fossem elaboradas em termos prévios, gerais e abstratos, conducente à racionalização máxima do fenômeno jurídico, ainda que tal racionalização não esteja imune a falhas¹ .
Neste sentido, cumpre destacar:
O sistema dos direitos românicos é um sistema relativamente racional e lógico, porque foi ordenado, considerando as regras substantivas do direito, graças à obra das universidades e do legislador. Subsistem nele, sem sombra de dúvida, numerosas contradições e anomalias devidas à História ou que se explicam por considerações de ordem prática. Os direitos da família romano-germânica estão longe de uma ordenação puramente lógica, mas realizou-se um grande esforço nesse sentido para simplificar o seu conhecimento. O direito inglês, pelo contrário, foi ordenado, sem qualquer preocupação lógica, nos quadros que eram impostos pelo processo;¹¹
Assim sendo, resta claro que a legislação escrita é a principal fonte do direito na tradição da civil law. Isto significa dizer que o fundamento pelo qual se estrutura o sistema de justiça dos países que se vinculam a esta tradição jurídica é o direito que está posto legislativamente e não aquele que é construído a partir do caso concreto.
Não obstante, ainda que não seja fonte primária do direito, mesmo na tradição romano-germânica é reconhecido o papel de fonte suplementar às decisões judiciais oriundas dos tribunais, devendo ser observado que também esses pronunciamentos decisórios possuíam função importante na experiência romana, uma vez que foi por meio do trabalho empreendido pelos jurisconsultos romanos na interpretação das leis e de outras fontes do direito que se mostrou possível a elaboração e formulação da norma jurídica¹¹¹.
Nesta senda, por uma perspectiva mais estrita, as decisões judiciais não se apresentam como fonte formal de direito na civil law, mormente se as decisões dos tribunais fossem vinculantes aos demais julgadores, porquanto estaria sendo violado o princípio que veda ao judiciário o exercício da atividade legislativa. Sob esta perspectiva, em tese, se chega à conclusão de que nenhum juiz se encontra vinculado pela decisão proferida por qualquer outro órgão jurisdicional
na tradição da civil law, de maneira que, mesmo que o órgão máximo tenha se pronunciado sob determinada questão, não estariam as instâncias inferiores obrigadas a seguir este entendimento¹¹².
Todavia, não obstante seja esta a perspectiva delineada sob um ponto de vista teórico e histórico, na prática não é isto o que ocorre. Em verdade, embora não se esteja diante de uma vinculação obrigatória aos precedentes, por meio de uma regra formal, o que se observa é que as decisões judiciais exercem um papel de influência tanto em relação aos juízes quanto aos demais operadores jurídicos. De fato, as decisões judiciais são publicadas no mundo da civil law, razão pela qual tanto o juiz se baseia nas decisões proferidas anteriormente ao examinar um caso, como as partes se utilizam de casos anteriores para embasar a sua pretensão. Por tais reflexos, mesmo não possuindo caráter vinculante na civil law, evidencia-se o caráter persuasório das decisões judiciais¹¹³.
Além disso, ainda há o relevante papel exercido pelos doutrinadores no âmbito da civil law, observado que enquanto derivado da tradição romana, os professores assumem um papel de destaque nesta tradição jurídica. De fato, embora a lei seja o fundamento que estrutura os sistemas oriundos da civil law e os legisladores detenham o papel de produção dessas leis, não se pode olvidar que os responsáveis por teorizar sobre as leis produzidas foram e têm sido os doutrinadores. Eles igualmente se encarregam de delinear cientificamente os institutos jurídicos, os preceitos do positivismo legislativo, da separação dos poderes e a concepção moderna de Estado-nação, bem como o estilo, a forma e o conteúdo das codificações, além de influenciarem no papel conferido aos magistrados. Assim, não se mostra exagerado afirmar que a tradição da civil law é uma tradição do direito dos professores¹¹⁴.
Em uma tradição que tem por característica a legislação escrita, os professores desempenharam uma função muito importante ao longo de sua história. Esse traço repercute desde os jurisconsultos romanos, que auxiliavam os juízes e pretores, e eram tidos como especialistas no Direito, sendo considerados os fundadores da tradição da doutrina¹¹⁵. De sorte que se mostra coerente que
tenham sido estes os responsáveis por estabelecer as fórmulas interpretativas gerais oriundas de valorações visando conferir uniformidade para conceitos vagos ou ambíguos, determinado os standards jurídicos que pautaram esta tradição¹¹ .
Feitas estas breves considerações históricas, bem como devidamente apresentados os elementos que caracterizam a tradição da civil law, imperioso observar o modo como o Brasil se vinculou historicamente a esta tradição, bem como investigar alguns elementos peculiares que alimentaram o sistema jurídico brasileiro, resultando no modelo de ordenamento jurídico que se encontra instaurado no nosso país, mormente após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1998.
Por certo, o Brasil possui um sistema amparado na legislação escrita, cuja estruturação se dá a partir de um sistema de leis devidamente hierarquizadas e positivadas, tendo como fundamento a nossa Constituição da República. Desta maneira, o Brasil possui uma Constituição escrita – cujas características foram apresentadas na primeira parte deste trabalho – e diversas codificações infraconstitucionais, compilações legislativas e ampla produção legislativa esparsa.
A legislação infraconstitucional ou ordinária, por meio da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, é expressa no tocante ao primado da legislação posta sobre as demais fontes do direito, determinando que ao magistrado só cabe recorrer às outras fontes de direito diante da insuficiência legislativa. Esta é a prescrição do art. 4º da LINDB que determina que o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, quando a lei for omissa.
Da mesma forma, deve ser ressaltado o papel fundamental que a doutrina exerceu na formação do direito brasileiro; foi pelas mãos dos professores que o direito brasileiro recebeu seu conteúdo denso e se desenvolveu ao longo do
tempo e, até hoje, se faz referências aos grandes mestres do ado ao se retomar conceitos e teorias por eles apresentados. Tal circunstância pode ser verificada a partir da leitura dos votos dos magistrados integrantes de tribunais, que frequentemente fazem referências à doutrina para apresentar conceitos e fundamentar teses¹¹⁷.
Todavia, deve ser salientado que, não obstante o prestígio histórico conferido à doutrina no direito pátrio, estando, portanto, alinhado à nossa tradição histórica, hodiernamente se tem observado uma grande reprodução de ementas de tribunais superiores em corpos de julgados, como se isto fosse capaz de fundamentar ou embasar um argumento apresentado ou, ainda, uma tentativa de legitimar os precedentes invocados, algo que não se mostra coerente com o nosso ordenamento jurídico.
Salienta-se, ainda, que o direito brasileiro nega, historicamente, a possibilidade de criação do direito pelos juízes, mostrando-se esse o elemento mais importante para a caracterização de nossa tradição como civil law, inexistindo uma sistemática de vinculação aos precedentes.
Assim, em nosso ordenamento jurídico, de acordo com nossa história, estão presentes todos os elementos tradicionais que caracterizam a civil law, quais sejam, o primado da legislação escrita sobre os costumes e a negativa de possibilidade de produção de direito por meio das decisões judiciais e a aversão a um sistema de precedentes vinculante.
Todavia, tem se observado no Brasil um crescente movimento no sentido de importação de conceitos oriundos da common law e sua introdução em nosso direito pátrio, não obstante nossa vinculação histórica à família da civil law e suas características aqui evidenciadas. De fato, desde a introdução de um modelo de controle de constitucionalidade difuso inspirado no modelo do judicial review americano, no final do século XIX – conforme devidamente apresentado e elaborado na primeira parte deste trabalho – até o que se denominou de “sistema
de precedentes” no Código de Processo Civil de 2015, paulatinamente se tem constatado o prestígio conferido aos sistemas da common law, razão pela qual surge a indagação: estaria o direito brasileiro ando por um fenômeno de commonlawlização dos seus institutos?
3.2 HÁ UM PROCESSO DE COMMONLAWLIZAÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO?
Inicialmente, a questão relativa à existência de um processo de commonlawlização do direito brasileiro pode parecer algo peculiar e até mesmo surpreendente; no entanto, a observação das inovações legislativas que consagram dispositivos pouco ortodoxos dentro de nosso ordenamento jurídico e também as importações de teorias alienígenas realizadas pelos doutrinadores pátrios têm produzido situações singulares que dão amparo a esta interrogação. Assim, almeja-se contemplar as razões pelas quais o Poder Judiciário tem assumido um local de protagonismo inédito dentro da sociedade brasileira, inclusive recorrendo a teses oriundas da common law para justificar a aplicação de uma função criativa da jurisdição.
Destarte, conforme demonstrado anteriormente, o Brasil se encontra historicamente ligado à tradição da civil law, no entanto tem incorporado, de maneira progressiva, elementos, sistemas e teorias oriundas de países que se encontram vinculados à tradição da common law, tradição esta onde a criação do direito a partir do caso concreto é a regra, além do que a possibilidade de criação do direito pelos tribunais, assentada em um sistema de precedentes, possui uma longa trajetória histórica, bastante distinta da nossa.
De fato, o questionamento acerca da existência de uma aproximação das tradições da civil law e da common law não é algo novo, pois em verdade Franz Wieacker já apontava, na década de 1960, para a ocorrência deste fenômeno, quando os países anglo-saxônicos começaram a aderir a certos tipos de codificações, súmulas de jurisprudência ou limitações às funções criativas dos tribunais¹¹⁸.
No Brasil, por sua vez, se tem apontado que a instituição da possibilidade de edição de súmulas vinculantes por parte do Supremo Tribunal Federal, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 45, bem como a busca de vinculação das instâncias inferiores em relação às decisões emanadas dos tribunais superiores seriam os primeis os dados rumo a um sistema commonlawlizado do direito brasileiro.
A partir desta concepção, conforme defende Fredie Didier Jr, o Brasil não estaria mais atrelado nem à tradição da civil law, muito menos à tradição da common law, mas sim a um modelo híbrido e peculiar, de natureza única, denominado especificamente de brazillian law¹¹ .
Neste sentido, cumpre destacar os apontamentos formulados pelo mencionado jurista:
O sistema jurídico brasileiro tem uma característica muito peculiar, que não deixa de ser curiosa: temos um direito constitucional de inspiração estadunidense (daí a consagração de uma série de garantias processuais, inclusive, expressamente, do devido processo legal) e um direito infraconstitucional (principalmente o direito privado) inspirado na família romano-germânica (França, Alemanha e Itália, basicamente). Há controle de constitucionalidade difuso (inspirado no judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco). Há inúmeras codificações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo, constrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais extremamente com plexo (súmula vinculante, súmula impeditiva, julgamento modelo para causas repetitivas etc.; [...]), de óbvia inspiração no common law. Embora tenhamos um direito privado estruturado de acordo com o modelo do direito romano, de cunho individualista, temos um microssistema de tutela de direitos coletivos dos mais avançados e complexos do mundo; como se sabe, a tutela coletiva de direitos é uma marca da tradição jurídica do common law [...]¹² .
Não nos parece, todavia, que estas questões pontuadas sejam responsáveis por
criar uma nova tradição jurídica. Conforme demonstrado anteriormente, o Brasil esteve alinhado ao longo da história à tradição da civil law; todavia, o que se observa é a “invasão” do direito brasileiro por teorias estrangeiras, em especial aquelas oriundas de países da tradição da common law, as quais se mostram dissociadas de nossa tradição histórica, o que vem criando sérios problemas de ordem hermenêutica, sobretudo quando usadas para conferir ainda mais poder aos juízes e tribunais, alçando estes à condição de um “superpoder” da República.
No tocante em específico ao modelo de controle de constitucionalidade existente no Brasil – cuja evolução e caracterização foi explicitada na primeira parte deste trabalho – cumpre destacar que a circunstância de o controle de constitucionalidade difuso estar presente em nosso ordenamento se faz justamente por uma expressa disposição constitucional, sendo este modelo difuso o primeiro modelo adotado no Brasil. Por outra banda, deve-se apontar que o modelo estadunidense de controle de constitucionalidade não se encontra diretamente atrelado ao que caracteriza a tradição da common law, eis que formado muitos séculos após a formação histórica da common law na Inglaterra¹²¹.
Ademais, há estudiosos que entendem que o fenômeno da commonlawlização é um evento que se justifica diante do prestígio que paulatinamente vem sendo conferido às decisões judiciais e à jurisprudência, o que importaria em um reconhecimento da função criadora da jurisdição, nos moldes concebidos na common law:
[...] Hodiernamente, em face da globalização – a qual, para o bem ou para o mal, indiscutivelmente facilitou as comunicações - observa-se um diálogo mais intenso entre as famílias romano-germânicas e a da common law, onde uma recebe influência direta da outra. Da common law para civil law, há, digamos assim, uma crescente simpatia por algo que pode ser definido como uma verdadeira “commonlawlização” no comportamento dos operadores nacionais, modo especial, em face das já destacadas facilidades de comunicação e pesquisa
postas, na atualidade, a disposição da comunidade jurídica. Realmente, a chamada “commonlawlização” do direito nacional é o que se pode perceber, com facilidade, a partir da constatação da importância que a jurisprudência, ou seja, as decisões jurisdicionais, vêm adquirindo no sistema pátrio, particularmente através do crescente prestigiamento da corrente de pensamento que destaca a função criadora do juiz.¹²²
Novamente, a problemática exposta não nos parece devidamente capaz de demonstrar que estamos diante de um fenômeno de commonlawlização do direito brasileiro, mas sim do uso desmedido de decisões judiciais oriundas dos tribunais como fonte de amparo para outras decisões judiciais. De maneira que o problema não se revela com sendo oriundo da fonte do direito, mas sim de sua aplicação pelos seus operadores, em especial pelo Poder Judiciário nacional.
A partir deste questionamento, alusivo à importância conferida às decisões judiciais no Brasil em tempos presentes, premente se faz contextualizar o papel desempenhado por um sistema de precedentes nos países vinculados à tradição da common law, e se há alguma similitude entre este sistema de precedentes típico da common law com aquilo que vem sendo observado no Brasil, bem como com o que foi referido como sendo um sistema de precedentes no novo Código de Processo Civil de 2015.
O ponto central que embasa o sistema de precedentes existente nos países filiados à common law se encontra assentado a partir da doutrina do stare decisis, expressão derivada do brocardo latino stare decisis et non quieta movere. Isso importa na vinculação, através do precedente, tanto no plano vertical, devendo uma Corte inferior respeitar a decisão proferida anterior de uma Corte Superior, como a vinculação horizontal, o que significa que a Corte deve respeitar a decisão anterior proferida por ela própria, ainda que sua composição interna tenha sido alterada.
No caso do Brasil, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, que
instituiu a súmula vinculante, parte da doutrina começou a referir que esta emenda teria introduzido em nosso ordenamento jurídico a regra do stare decisis e o precedente judicial oriundos da common law¹²³.
Todavia, uma análise mais profunda e detida da questão demonstra diferenças substanciais no tocante à sumula vinculante e ao stare decisis, cumprindo destacar a este respeito:
Com a instituição da súmula vinculante no Brasil, tem sido comum associá-la ao stare decisis, como se fosse instrumento análogo ao precedente norte-americano. A súmula vinculante, instituto do civil law, distingue-se dos precedents do common law, precisamente porque o sistema do stare decisis é um dos elementos substanciais aptos a estabelecer diferença entre o civil law e o common law. No nosso sistema (civil law) vigora a primazia da lei, sendo dela que o juiz, fundamentadamente, extrai os princípios necessários para a solução da causa¹²⁴.
Por outro lado, diante deste quadro, se ou a defender e justificar variadas teses ao mesmo tempo, ainda que estas fossem contraditórias entre si, como por exemplo, para além das súmulas vinculantes, a atribuição de efeito vinculante às decisões dos tribunais superiores, o atributo de conferir efeito vinculante à motivação adotada pelas decisões dos tribunais superiores, a equiparação de efeito erga omnes em vista do efeito vinculante, a objetivação do controle difuso de constitucionalidade e até mesmo a objetivação dos julgamentos das lides apreciadas pelo Superior Tribunal de Justiça¹²⁵.
Todavia, ao se considerar a tradição da common law, seu sistema de precedentes e o stare decisis, verifica-se que não é possível que se pretenda a instituição de tais mecanismos no Brasil simplesmente por intermédio de alterações legislativas. Tal obstáculo se deve em virtude de que estes cânones e traços não foram simplesmente instituídos e consolidados nos países da common law do dia para a noite. Ao revés, estes preceitos são decorrentes do próprio desenvolvimento histórico desta tradição e de suas comunidades, de maneira que
nestes locais o respeito ao precedente é possível a despeito de qualquer obrigação legal ou constitucional¹² , porquanto a sua adoção encontra-se imbricada à própria tradição jurídica daquele povo¹²⁷.
Teresa Arruda Alvim Wambier aponta que o sentido e a função dos precedentes nos países que seguem a tradição da common law se revelam muito mais próximos do posto que a lei ocupa nos países da civil law, do que propriamente da posição ocupada pelas decisões judiciais emanadas das cortes na tradição romano-germânica. Isto se dá porque nos países da common law os precedentes encarnam o papel de principal diretiva de conduta dos cidadãos, orientação que de maneira correlata é executada na civil law pela própria legislação escrita¹²⁸.
Deste modo, a sistemática dos precedentes na common law não trata apenas da singela reprodução destes precedentes de maneira autômata e destituída de reflexão e crítica. Em verdade, nestes países os precedentes também precisam ser interpretados, da mesma forma que, em nossa tradição, a lei carece de interpretação, de forma que há uma grande convergência ocorrente nesses processos interpretativos¹²
Segundo preconiza Georges Abboud, a doutrina dos precedentes é produto da evolução histórica da filosofia da common law, amparada na primazia do caso concreto e na dimensão histórica da fenomenologia jurídica. Essa linha judicial, é moldada a partir da aplicação de uma regra ou princípio jurídico em diversos casos análogos, sendo este o fundamento de existência e validade destas regras ou princípios jurídicos aplicados¹³ .
Portanto, conforme este autor, nos países da common law, o sistema de precedentes e as decisões proferidas pelos tribunais não se apresentam como simples exemplos da aplicação de regras e princípios, mas são a prova de existência destes dentro da sociedade e sua recepção por parte do Judiciário, de maneira que o juiz da common law tem a obrigação de encontrar o direito na análise do caso concreto e declará-lo¹³¹.
Nesse sentido, no sistema de precedentes da common law, o que forma o precedente não é a simples reprodução da decisão anteriormente proferida pelo tribunal, senão a sua ratio decidendi. Conforme ensina Rupert Cross, na tradição da common law, a ratio decidendi de um caso é qualquer regra de direito expressamente ou implicitamente tratada pelo juiz, como o necessário para chegar à sua conclusão, concernindo a linha de raciocínio adotada por ele ou a parte necessária da direção ao júri¹³².
Portanto, aqueles elementos que compõem o julgamento, mas que não são determinantes para o seu resultado, não constituindo como proposição necessária e indispensável para a sua solução, são chamados de obter dictum. Tais proposições não possuem o condão de vincular os demais tribunais, mas devem ser analisados sempre em face da ratio decidendi. Desta forma, os obter dictum são os fatos ou motivações dos julgadores que de maneira indireta contribuíram para que se chegasse ao raciocínio derradeiro do julgado¹³³.
Na tradição da common law, o respeito ao precedente judicial é, acima de tudo, um imperativo de ordem moral para os juízes e, também, para os advogados, possibilitando que o sistema opere de maneira estável, previsível e isonômica a despeito do que qualquer lei imponha ao magistrado. De maneira que Neil Duxbury, ao analisar o precedente na tradição da common law, afirma que estes possuem força e são respeitados, sobretudo porque respeitá-los é algo essencialmente correto. Raphael A. Akanmidu, por sua vez, corrobora que o precedente é um instrumento de ordem moral responsável por moldar o caráter geral do sistema judiciário, controlando a índole e o temperamento do juiz individual¹³⁴.
Outrossim, o atual contexto decisório de os juízes brasileiros se reportarem aos precedentes de jurisprudência de maneira indiscriminada e sem qualquer critério mais apurado, reportando-se sem adequada técnica às decisões de instâncias superiores, não pode ser confundido com a arraigada doutrina do precedente típica da tradição jurídica da common law. Conforme visto, o precedente judicial
da common law em nada se mostra semelhante à jurisprudência dotada de efeito vinculante ou ao instituto das súmulas vinculantes¹³⁵.
Assim, o que se verifica é que essas inovações legislativas, bem como as importações de teorias oriundas da common law, não merecem ser qualificadas como um fenômeno de commonlawlização do direito brasileiro, mas sim como uma tentativa de reprodução artificial de uma cultura jurídica completamente diversa de nossa tradição romano-germânica, o que acaba por criar sérios problemas de ordem hermenêutica.
Apesar de possuirmos uma tradição jurídica calcada na supremacia da lei e da racionalidade jurídica sob o império da legalidade, não se mostra possível a instituição de institutos culturalmente arraigados noutros contextos jurídicos pela simples força da norma jurídica promulgada, como se isto fosse capaz de resolver todos os problemas que aqui encontramos no tocante à aplicação do direito, buscando soluções em uma tradição que evoluiu neste sentido ao longo de séculos.
Neste sentido, assinala Lenio Streck acerca da impossibilidade de aplicação destas teses oriundas da common law, referindo à inexistência de guarida constitucional ou dogmática destas afirmações:
[...] Tive a pachorra de recorrer a todo C para ver se encontrava guarida dogmática para teses commonlistas e/ou defensores de Cortes de Precedentes e/ou defensores de que as Cortes de Vértice emitam teses gerais e abstratas (ou contendo os casos pré-interpretados). Não é difícil demonstrar que essas teses não somente não encontram guarida na teoria do Direito como na própria dogmática¹³ .
Cumpre ainda salientar que a questão que nos parece mais crucial neste ponto
não se dá em razão da ineficiência de nossa tradição jurídica, uma vez que a tradição jurídica da civil law busca alcançar esta mesma previsibilidade através do postulado da lei escrita e da correlata racionalidade. A pretensão de ambicionar aqui em nossa cultura jurídica por uma doutrina do precedente ou da valorização do direito oriundo dos tribunais como maneira de estabilizar sistema de justiça nacional não nos parece, destarte, adequado.
3.3 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA
Com efeito, é inequívoca a existência de um essencial relacionamento entre o direito e a política. Todavia, se mostra uma tarefa muito mais complicada delimitar a extensão desse vínculo, observada a complexidade das relações que se estabelecem a partir de ambos, tidos como elementos fundamentais na concepção contemporânea no âmbito de um Estado constitucional e democrático de Direito.
Luís Roberto Barroso, em uma tentativa de elucidar as diferenças e semelhanças entre as duas figuras, opta por uma analogia, referindo que o ativismo judicial e a judicialização da política são “primos”, oriundos da mesma família e que frequentam os mesmos locais, porém não possuem as mesmas origens¹³⁷.
Para Lenio Streck, por seu turno, a política pode ser caracterizada como um dos predadores externos do direito, ao lado da economia e da moral, capaz de abalar a autonomia que o autor considera intrínseca ao direito¹³⁸. No entanto, ele considera inexorável o fenômeno da judicialização da política, definindo-o como componente contingencial da democracia sob a perspectiva constitucional¹³ .
Por sua vez, Luís Roberto Barroso aponta para a existência de uma perspectiva dual na relação entre Direito e Política, segundo a qual haveria uma situação de relativa autonomia entre os dois elementos, porém ambígua, na relação dinâmica de o Direito ser e não ser Política. Segundo a perspectiva abordada pelo autor, o Direito é Política em face dos seguintes aspectos: a sua criação é fruto da vontade da maioria, manifestada através da Constituição e das leis; a sua aplicação não se encontra dissociada da realidade política e dos efeitos que produz no meio social e dos sentimentos e esperanças dos cidadãos; os juízes não são seres desprovidos de memória e desejos, livres do próprio inconsciente e
de qualquer ideologia e, por consequência, sua subjetividade normalmente interfere sobre os juízos de valor que formula. Todavia, ao mesmo tempo, o Direito não é política, porque ele não pode ser submisso às noções do que é justo e correto aos olhos de quem detém, no momento, o poder¹⁴ .
Em uma crítica à posição de Luís Roberto Barroso, Clarissa Ti aponta que este posicionamento se apresenta como contraditório, se mostrando uma tarefa árdua encontrar nele elucidações acerca do papel que a Política ocupa frente ao Direito. Sob esta perspectiva, Ti refere que o ponto central do texto de Barroso é elucidar a diferenciação entre a judicialização da política e o ativismo judicial; todavia, conforme a crítica ora formulada, o autor não se mostra capaz de elucidar a questão. O ponto central que releva a incapacidade de esclarecimento das relações entre ativismo judicial e judicialização sob a perspectiva abordada por Barroso reside em que sua definição do Direito como sendo e não sendo Política ao mesmo tempo se encontra carregada de uma boa dose de subjetivismo e, pois, de indeterminação¹⁴¹.
Ademais, sob sua perspectiva, Barroso assevera que a judicialização da política, no Brasil, se encontra assentada em um contexto marcado por três elementos. São eles: a redemocratização do país após o término da ditadura militar, a existência de um constitucionalismo abrangente e a incorporação de um sistema de controle híbrido de constitucionalidade – conforme apresentado na primeira parte deste trabalho – de modo que a judicialização da política, neste contexto, se torna um componente inexorável, oriundo das alterações sofridas no direito pátrio, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988¹⁴².
Apresentadas estas considerações, para a adequada compreensão desta relação entre Direito e Política, mister se faz definir o que vem a ser a judicialização da política e como esta tem se operacionalizado no Brasil, bem como cabe situar a maneira como este fenômeno da judicialização da política tem sido equivocadamente tratada como sinônimo de ativismo judicial, quando, na realidade, se trata de fenômenos distintos, embora diretamente implicados entre si.
Nesse sentido, Lenio Streck faz um alerta acerca da importância da distinção entre judicialização da política e ativismo judicial, destacando que esta discussão não vem sendo corretamente enfrentada no direito brasileiro:
[...]É preciso diferenciar o ativismo judicial da judicialização da política, questão que no Brasil foi examinada com pouca profundidade, como se os fenômenos tratassem da mesma coisa. Essa dificuldade conceitual deve ser enfrentada, especialmente porque vivemos sob um regime democrático, cujas consequências do ativismo podem ser muito prejudiciais. É nesse sentido que é possível afirmar que a judicialização da política é um fenômeno, ao mesmo tempo, inexorável e contingencial, porque decorre de condições sociopolíticas, bem como consiste na intervenção do judiciário na deficiência dos demais poderes. Por outro lado, o ativismo é gestado no interior da própria sistemática jurídica, consistindo num ato de vontade daquele que julga, isto é caracterizando uma “corrupção” na relação entre os Poderes, na medida em que há uma extrapolação dos limites na atuação do Judiciário pela via de uma decisão que tomada a partir de critérios não jurídicos¹⁴³
Sob esta perspectiva, o que vem a ser reconhecido como judicialização da política envolve, pelo menos, três elementos importantes e o relacionamento complexo estabelecido entre eles, quais sejam, Direito, Política e Judiciário.
A respeito da relação entre estes três elementos sobre os quais a judicialização da política opera, a própria perspectiva do constitucionalismo demonstra a interligação entre o Direito e a Política. Essa conexão é igualmente forte tanto na percepção de estruturas normativas e institucionais em um sistema jurídico e político de organização do Estado e proteção de direitos fundamentais, como para quem professa a ideia de reflexão teórica acerca da realidade histórica de uma nação visando elucidar os elementos da política, mesmo para aqueles que estão ligados à efetivação de limitações ao poder político ou, ainda, de oposição ao governo. Desta forma, o constitucionalismo se apresenta como uma fórmula político-normativa buscando à limitação do poder político mediante a autoridade
das constituições ¹⁴⁴.
Em continuidade, a judicialização da política pode ser caracterizada como a tutela por parte do Poder Judiciário sobre a vontade do poder soberano exercido pela população por meio do sufrágio¹⁴⁵. Ademais, este fenômeno de intensificação da judicialização da política não se mostra exclusivo do Brasil, sendo comum às democracias contemporâneas. Trata-se, portanto, de um fenômeno de expansão da esfera de atuação do Poder Judiciário no processo decisório das democracias posteriores à segunda metade do século XX¹⁴ .
Essa tomada de ambiente e ampliação da esfera de atuação do papel dos juízes, na visão de Werneck Vianna, Marcelo Baumann e Paula Martins, não se encontram atreladas a uma busca deliberada de ocupação destes espaços, tipicamente responsáveis pela política e pela regulação societária, pelos próprios juízes, mas decorrem de processos complexos e duradouros. Tais processos derivam de amplas alterações que afetaram as sociedades do ocidente, desde o segundo pós-guerra¹⁴⁷.
Entre eles podemos citar, além dos anteriormente mencionados, a consolidação do modelo do Estado de bem-estar social, também chamado de Welfare State¹⁴⁸, com o prestigio conferido aos direitos fundamentais de segunda dimensão que, conforme explicitado na primeira parte deste trabalho, se caracterizam por serem materializados em prestações positivas por parte do Estado. Nessa senda, em caso de insuficiência concreta ou omissão nas prestações positivas exigíveis do Estado, torna-se ível que esta situação seja levada ao Judiciário, possibilitando a substituição ou complementação da escolha realizada pelo gestor executivo, que por regra é democraticamente eleito, pelo teor da decisão judicial.
Oportuno salientar que uma das características da agem do Estado Social para o Estado Democrático de Direito reside no deslocamento do polo de tensão do Poder Executivo para o Poder Judiciário¹⁴ . De maneira que a entrada em
vigor de uma nova Constituição no Brasil a partir de outubro de 1988 pode ser identificada como um dos elementos responsáveis pela acentuação do fenômeno da judicialização da política que se observou a partir de então¹⁵ .
Conforme aponta Lenio Streck, a situação hermenêutica instaurada a partir do período posterior à Segunda Guerra Mundial é o responsável por proporcionar o fortalecimento da Jurisdição Constitucional, não exclusivamente em face do caráter hermenêutico conferido ao Direito em uma etapa pós-positivista e de superação da filosofia da consciência, mas também em decorrência da força normativa conferida aos textos constitucionais e da operação que se estabelece em virtude da inércia no implemento de políticas públicas, bem como da deficiente normatização legislativa dos direitos previstos nas Constituições. Segundo o autor, são esses os fatores primordiais capazes de explicar aquela mudança de tensão dos poderes Executivo e Legislativo, democraticamente eleitos, para o Poder Judiciário¹⁵¹.
A respeito deste tema, cumpre destacar o papel exercido pelos direitos sociais no fenômeno da judicialização da política, conforme lição de Tercio Sampaio Ferraz Junior:
Os direitos sociais, produto típico do Estado do Bem-Estar Social, não são, pois, conhecidamente, somente normativos, na forma de um a priori formal, mas têm um sentido promocional prospectivo, colocando-se como exigência de implementação. Isto altera a função do Poder Judiciário, ao qual, perante eles ou perante a sua violação, não cumpre apenas julgar no sentido de estabelecer o certo e o errado com base na lei (responsabilidade condicional do juiz politicamente neutralizado), mas também, e sobretudo, examinar se o exercício discricionário do poder de legislar conduz à concretização dos resultados objetivados¹⁵².
No tocante à experiência brasileira, conforme anteriormente referido, a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 pode ser apontado como o grande
marco de acentuação do fenômeno da judicialização da política em face do amplo catálogo de direitos fundamentais consagrados no texto constitucional, ademais da ineficiência dos gestores públicos na respectiva efetivação por meio de políticas públicas. Assim, diante da omissão dos demais poderes na efetivação dos direitos fundamentais, o Poder Judiciário tem sido constantemente mobilizado via postulações judiciais de toda ordem, razão pela qual se observa uma intensificação e incremento no âmbito de seus poderes decisórios.
É possível inferir, assim, que a problemática que envolve os poderes que os juízes e tribunais am a deter pera inteiramente o tema referente à autonomia política do Judiciário, que exprime a maneira como se articula a relação entre Política e Direito. A experiência brasileira, revela que o Poder Judiciário durante longo período de tempo se apresentou de maneira inexpressiva ou como meio de realização de diretrizes traçadas pelos pelo Poder Executivo. Portanto, ao se defender a autonomia do Poder Judiciário, está se defendendo um importante o na construção de uma sociedade democrática¹⁵³.
Todavia, conforme aponta Carlos Santiso, o caso brasileiro pós-1988 se mostra um caso peculiar, onde o apego a esta independência e autonomia do Poder Judiciário, tanto sob uma perspectiva interna ao próprio Poder Judiciário, quanto sob uma perspectiva externa, se mostra problemático. Aqui o autor aponta que a falta de responsabilização¹⁵⁴ do judiciário e referido apego demasiado à sua autonomia podem acabar transformando o Poder Judiciário em um Poder superior à própria lei¹⁵⁵.
Para expor este pensamento, Santiso aponta que a natureza perversa do sistema judiciário brasileiro e os perigos do excesso de independência são refletidos em nosso sistema de controle de constitucionalidade, asseverando que a adoção de um modelo hibrido de controle de constitucionalidade e o alargamento de legitimados para propor ações constitucionais no modelo de controle abstrato visam possibilitar que os grupos afetados pela legislação possam questionar tais
leis diretamente em face do texto constitucional, com o pretexto da proteção de direitos humanos e das liberdades civis. Além disso, este jurista ressalta que a possibilidade de fiscalização concreta por parte dos demais juízes e tribunais e a ausência de vinculação necessária às decisões da Suprema Corte refletem um problema de sistema, que acaba por refletir a descentralização do sistema judicial¹⁵ .
No modelo brasileiro, portanto, Santiso afirma que o Supremo Tribunal Federal não detém a exclusividade do controle de constitucionalidade, não possuindo, portanto, os poderes para reforçar suas decisões e evitar que os juízes de corte inferiores decidam de maneira distinta no âmbito de sua jurisdição constitucional. Esta situação, referente ao judicial review no Brasil e ao sistema de controle de constitucionalidade por nós adotado se mostra particularmente disfuncional e tendente à politização. Ademais, o fato de a nossa Constituição ser analítica e recheada de detalhes em seu texto contribui sobremaneira para que qualquer disputa possa se tornar um conflito de natureza constitucional, inundando o Supremo Tribunal Federal com processos de menor relevância¹⁵⁷.
Feitos esses apontamentos, assinala Clarissa Ti que a judicialização da política se apresenta como um tema de ordem social. Razão pela qual a existência deste fenômeno independe da vontade do órgão judicial, sendo ele, portanto, oriundo de uma combinação de fatores alheios à própria jurisdição, os quais radicam em uma maior e mais ampla consagração de direitos, ando pela ineficiência do Estado em sua concretização e ando pelo aumento expressivo da litigiosidade, típico das sociedades de massa e devidamente impulsionado por nosso modelo de jurisdição constitucional. Assim, para que haja uma diminuição no fenômeno da judicialização, se faz necessário um esforço amplo, envolvendo o comprometimento dos demais poderes constituídos.¹⁵⁸
Desta forma, se pode dizer que no Brasil o ativismo judicial e a judicialização possuem como elemento em comum a entrada em vigor de um novo texto constitucional onde há a ampla consagração de direitos fundamentais e, em
especial de direitos sociais, que exigem prestações positivas por parte do Estado. O seu ponto de divergência reside em que a judicialização da política se encontra atrelada a uma ideia de deficiência na atuação dos demais poderes, o que leva o Poder Judiciário a ocupar um espaço que deveria ser, primordialmente do Poder Executivo.
3.4 RECEPÇÕES TEÓRICAS EQUIVOCADAS
Além das circunstâncias exploradas anteriormente, atinentes à aproximação de tradições jurídicas de matrizes distintas e à judicialização da política, íveis de terem contribuído para a expansão do fenômeno criativo da jurisdição constitucional brasileira, também se pode adicionar a este conjunto a questão referente às recepções teóricas realizadas de maneira equivocada no Brasil.
No momento posterior à promulgação da nova Constituição, havia a necessidade de novos paradigmas teóricos que dessem e à inédita ordem constitucional. Conforme verificamos no primeiro capítulo deste trabalho, o Texto Maior apresentava diversas inovações sem antecedentes em nossa tradição constitucional, de sorte que se mostrava necessário introduzir aportes que os justificassem para que fossem aplicados, vez que nossa tradição jurídica se encontrava atrelada predominantemente ao modelo liberal-individualista, de origem sa e alemã, voltado ao direito privado, e, portanto, desacompanhada de uma teoria constitucional consentânea com a nova ordem constitucional¹⁵ .
Assim, diante dessas deficiências teóricas, os juristas brasileiros se alçaram a teorias estrangeiras visando suprir as lacunas encontradas nesta inovadora ordem constitucional vivenciada a partir de 1988. Todavia, essas teorias foram importadas sem que fosse feita a devida reflexão crítica acerca de sua adequação à realidade brasileira. Todavia, o ponto de convergência entre essas importações teóricas foi uma aposta no protagonismo dos juízes¹ .
Perante este quadro, podem ser destacados como exemplos das teorias importadas de matrizes teóricas diversas e tradições jurídicas distintas da brasileira a jurisprudência dos valores, a teoria da argumentação de Robert
Alexy e o realismo norte-americano, que foram recorrentemente utilizadas no Brasil após a vigência da nova ordem constitucional.
A respeito da jurisprudência dos valores, ela surgiu na Alemanha visando uniformizar o conflito instaurado no momento posterior à Segunda Guerra Mundial com a outorga da Lei Fundamental, chancelada pelos aliados em 1949, com esteio na descoberta dos valores da sociedade alemã, para além do texto escrito da norma fundamental que havia sido imposta naquele momento¹ ¹.
Diante do delicado contexto em que estava inserida a Alemanha naquele momento pós-guerra, o Tribunal Constitucional Alemão, ao interpretar a lei fundamental, buscou através de suas decisões legitimar aquele documento constitucional o qual não havia sido fundado no espírito democrático e na participação do povo alemão, razão pela qual se mostrava necessário, naquele momento, encontrar os valores que orientavam o povo alemão naquele difícil tempo, para além da letra fria da lei. Daí que exsurge a concepção de justiça distinta de lei, bem como a referência aos valores como mecanismo de abertura desta legalidade¹ ².
Da jurisprudência dos valores, foi trazida para o Brasil a acepção da Constituição enquanto ordem de valores, calcada em uma atuação judicial que não se encontra restrita aos preceitos legais, possibilitando que quando a legislação positiva for insuficiente para a solução do caso concreto, o magistrado possa resolver o caso se utilizando de conceitos indeterminados e cláusulas gerais. Tal prerrogativa alça o Poder Judiciário a uma posição privilegiada de poder, observada a sua ampla capacidade de decisão e determinação sobre questões atinentes à política, convertendo-se daí numa espécie de poder constituinte permanente¹ ³.
Em um momento posterior, buscando trazer racionalidade à jurisprudência dos valores, surge a teoria da argumentação jurídica, criada por Robert Alexy, que através da sua regra de ponderação, buscou a racionalização da já existente
jurisprudência dos valores utilizada pelo Tribunal Constitucional Alemão, que era tida por arbitrária¹ ⁴.
Foi por meio da leitura de Alexy, e de sua teoria da argumentação jurídica, que a jurisprudência dos valores foi recepcionada no Brasil, adotando-se a distinção estrutural entre regras e princípios e a ponderação de valores. Ademais, vem sendo adotada em solo brasileiro o pensamento de Alexy¹ ⁵ no tocante ao entendimento de princípios enquanto mandados de otimização, com a adoção dessa espécie de normas como critérios interpretativos a serem utilizados, em caso de insuficiência das regras¹ .
Todavia, não obstante a sua ampla aceitação em solo brasileiro, tanto pela doutrina quanto pelos tribunais, esta recepção não foi feita sem a devida reflexão crítica, conforme aponta Lenio Streck, diante das profundas diferenças estruturais existentes entre Brasil e Alemanha. De igual sorte, ao recepcionar a jurisprudência dos valores e a teoria da argumentação jurídica, alguns conceitos, como por exemplo a regra de ponderação proposta por Robert Alexy, têm sido equivocadamente difundidos e mal aplicados no Brasil, o que não condiz com a estrutura teórica e contextual com que esta teoria foi originalmente concebida¹ ⁷.
Neste sentido, cumpre destacar trecho da crítica formulada por Streck no tocante à utilização da teoria da argumentação jurídica no Brasil:
[...]Os juristas brasileiros não atentaram para as distintas realidades (Brasil e Alemanha). No caso específico do Brasil, onde, historicamente, até mesmo a legalidade burguesa tem sido difícil de “emplacar”, a grande luta tem sido a de estabelecer as condições para o fortalecimento de um espaço democrático de edificação da legalidade, plasmado no texto constitucional¹ ⁸.
Outrossim, do realismo norte-americano foi introduzida a ideia de um governo
dos juízes. Neste caso, a partir das deficiências históricas encontradas no Brasil, no que tange à efetivação dos direitos fundamentais, foi buscado o horizonte retórico de que uma postura ativista do judiciário seria bem-vinda e correta na prossecução de concretizar direitos, sobretudo aqueles originalmente inseridos na democrática ordem constitucional.
Assim, sob esta perspectiva, a postura ativista do judiciário, no Brasil, foi recepcionada sob dois prismas: o primeiro defendendo que tal atuação ativista restava positiva para a democracia, uma vez destinada à concretização dos direitos, sendo compreendida como um acréscimo nas funções do judiciário, confundindo-se com a judicialização da política, anteriormente tratada, enquanto o segundo era respaldado na esteira de uma atuação progressista por parte do Poder Judiciário, apesar de historicamente os membros da magistratura brasileira possuírem um perfil conservador. Tal circunstância revela uma desconsideração da experiência norte-americana, onde a construção de um judiciário ativista foi feita com base em uma atuação política direta dos juízes e calcada em uma tradição jurídica distinta, conforme anteriormente apontado¹ .
Ademais, em julgamentos recentes do Supremo Tribunal Federal foi levantada a tese referente à mutação constitucional, oriunda do realismo alemão e surgida das formulações de autores como Paul Laband, em 1895, e Georg Jellinek, em 1932, tendo recebido, posteriormente, aportes de Hsu-Dau-Lin, também publicado no ano em 1932, dentro do contexto da produção teórica da República de Weimar¹⁷ .
Nas palavras de Carlos Blanco de Morais, a mutação constitucional pode ser caracterizada como a “modificação inovadora e informal do sentido das normas da Constituição registada à margem de um processo de revisão constitucional”¹⁷¹
A tese da mutação constitucional surge buscando uma “solução” para um suposto hiato entre o texto constitucional e a realidade social, exigindo uma “jurisprudência corretiva”. Nesta senda, as mutações constitucionais seriam
reformas informais e mudanças constitucionais empreendidas em benefício de uma alegada interpretação evolutiva do seu texto¹⁷².
Neste sentido, Lenio Streck tece uma forte crítica a respeito desta tese referente à mutação constitucional, sobretudo como ela restou recepcionada a partir de um argumento de autoridade utilizado pelo Supremo Tribunal Federal:
O conceito de mutação constitucional mostra apenas a incapacidade do positivismo legalista da velha Straatsrechtslehre do Reich alemão de 1870 em lidar construtivamente com a própria crise paradigmática. E não nos parece que esse fenômeno possui similaridade no Brasil.[...]
Mesmo em Hsü-Dau-Lin (referido pelo Ministro Eros Grau na Reclamação 4.335/Ac.) e sua classificação quadripartite do fenômeno da mutação constitucional não leva em conta aquilo que é central para o pós-segunda guerra e em especial para construção do Estado Democrático de Direito na Atualidade: o caráter principiológico do direito e a exigência de integridade que este direito democrático reivindica. [...]
A tese da mutação constitucional advoga em última análise uma concepção decisionista da jurisdição e contribui para a compreensão das cortes constitucionais como poderes constituintes permanentes. Ora, um tribunal não pode mudar a Constituição; um tribunal não pode “inventar” o direito: numa democracia este não é seu legítimo papel como poder jurisdicional. O papel da jurisdição é o de levar adiante a tarefa de construir interpretativamente, com a participação da sociedade, o sentido normativo da Constituição e do projeto de sociedade democrática nele consubstanciado.¹⁷³
Por sua vez, Gilmar Mendes refere que a mutação da Constituição em seu sentido amplo é inevitável para a sobrevivência do texto constitucional,
permitindo que o seu conteúdo permaneça aplicável a contextos supervenientes da realidade, os quais não poderiam ser previstos quando da elaboração originária dos dispositivos constitucionais. Trata-se, portanto, de um processo natural, observado que a constituição positiva não é um trabalho acabado e definitivo¹⁷⁴.
Neste sentido, aponta Mendes acerca do que trata efetivamente a mutação constitucional, ou seja, como a “via interpretativa (que) não altera o texto constitucional, muito menos o conteúdo expressamente positivado. Alcança somente seu significado, sentido ou alcance das disposições constitucionais¹⁷⁵”.
Deste modo, verificamos que as recepções teóricas realizadas pela dogmática jurídica nacional exerceram uma grande influência no tocante à criação do imaginário da jurisdição constitucional brasileira no período posterior à nova ordem constitucional, com algumas recepções equivocadas ou, então, cuja introdução se ofereceu através de conceitos particularizados sem a devida consideração com a matriz teórica ou, ainda, implementando-se com temeridade a justaposição dessas concepções, com a criação de problemas de ordem hermenêutica inexistentes em suas origens.
De igual sorte, se deve refletir acerca da pertinência no Brasil de hoje de arcaicas metodologias oriundas do século XIX, as quais permanecem sendo reproduzidas utilizadas para dar e a referidas recepções teóricas. É sob esta perspectiva que se tem a perseverança da metodologia proposta por Friedrich Carl von Savigny, um dos fundadores da escola histórica, que vem sendo repristinada de maneira recorrente¹⁷ .
A este respeito, cumpre destacar que a afirmação do direito enquanto produto histórico proposta por Savigny tem sua base no momento histórico do final do século XIX, em que se estava diante da superação do paradigma jusnaturalista pelo juspositivismo, de maneira que a sua metodologia buscava a afirmação do Direito como produto histórico para além de uma pretensa sustentação em algum
fenômeno transcendente. Daí que os métodos de interpretação referidos por Savigny em sua obra – recorrentemente citados no Brasil – não foram por ele criados, mas sim compilados a partir dos elementos já desenvolvidos em outros espaços simbólicos sociais, como por exemplo a literatura e, em especial, a teologia. Assim, o chamado método teleológico, que visa descobrir a mens legis, não foi formulado por Savigny, sendo produto dos estudos de Rudolph Von Ihering, que abandona a sistematicidade da escola histórica em direção à finalidade do direito sendo, portanto, antissistemático¹⁷⁷.
Nesta senda, a incorporação de teorias estrangeiras, quando efetuada de maneira desprovida de crítica e dissociada do contexto histórico e social no qual restou originalmente surgida, se revela um grave problema. A adoção dessas concepções ou métodos desenvolvidos por autores estrangeiros pode trazer, em tese, ganhos de qualidade extraordinários ao nosso ordenamento jurídico, desde que o produto de tal assimilação seja adequadamente contextualizado e adaptado à realidade e aos desafios do ordenamento jurídico destinatário¹⁷⁸.
Feitas essas considerações acerca das recepções teóricas equivocadas realizadas no Brasil, aremos a tratar daquele empreendimento que foi o mais amplamente aceito e utilizado a partir desses moldes, bem como se mostrou ser o mais problemático, sobretudo pela forma como ou a ser encarado no Brasil, que é o ativismo judicial.
3.5 ATIVISMO JUDICIAL
Conforme anteriormente abordado, o ativismo judicial foi trazido ao Brasil como o ponto de chegada dos processos e institutos importados do realismo norteamericano, cujas raízes se fixam na tradição jurídica norte-americana da common law, muito distante de nossa tradição jurídica romano-germânica, a qual se caracteriza pela prevalência da positivação legislativa e da codificação das leis, conforme vislumbrado anteriormente.
Além disso, vimos como em países que adotam o sistema romano-germânico, ou civil law, as decisões judiciais não possuem a condição de fonte primária do direito, sendo esta função primária exercida pela legislação positiva, elaborada nas casas legislativas, mediante atuação do Poder Legislativo democraticamente constituído por representantes do povo. De fato, a importância atribuída às decisões judiciais enquanto fontes do direito contrapõe as tradições jurídicas da civil law e da common law.
A este respeito, oportuno salientar a valiosa lição de Ronald Dworkin, que aborda o papel conferido ao direito emanado dos tribunais na tradição da common law e exemplifica como a este é conferido um caráter interpretativo:
O direito é um conceito interpretativo. Os juízes devem decidir o que é o direito interpretando o modo usual como os outros juízes decidiram o que é o direito. Teorias gerais do direito são, para nós, interpretações gerais da nossa própria prática judicial. Rejeitamos o convencionalismo, que considera a melhor interpretação a de que os juízes descobrem e aplicam convenções legais especiais, e o pragmatismo, que a encontra na história dos juízes vistos como arquitetos de um futuro melhor, livres da exigência inibidora de que, em princípio, devem agir coerentemente uns com os outros. Ressalto a terceira
concepção, do direito como integridade, que compreende a doutrina e a jurisdição. Faz com que o conteúdo do direito não dependa de convenções especiais ou de cruzadas independentes, mas de interpretações mais refinadas e concretas da mesma prática jurídica que começou a interpretar¹⁷ .
Destarte, no que tange aos demais aspectos da atividade judicial, há inegável semelhança entre as tradições jurídicas em confronto, sendo que o papel conferido às decisões judiciais e a possibilidade de criação do direito estimam especificamente o ponto nodal da respectiva diferenciação.
Neste sentido, deve-se ponderar acerca da existência da função criativa da jurisdição, mais especificamente, acerca da possibilidade de criação do direito por meio dos tribunais e pela atuação dos juízes. De fato, o questionamento que se apresenta é o seguinte: o papel conferido ao Poder Judiciário é tão somente o de interpretar e de aplicar o direito ou a função judiciária participa efetivamente da atividade legislativa, criando direito? Por certo, a resposta à pergunta revela a contradição entre as tradições da civil law e da common law, repercutindo as contradições envolvidas na compreensão do que venha a ser o ativismo judicial.
No caso da common law, ao apreciar um caso concreto, o magistrado ou Tribunal verificará a pertinência do precedente invocado à situação em análise, em tese, pertinente para o deslinde argumentativo da situação sob apreciação presente; caso a situação fática em apreço seja diversa de maneira suficientemente relevante daquela que gerou o precedente, será possível ao julgador que não aplique o precedente¹⁸ , fazendo a distinção entre os casos, sendo esta técnica jurídica denominada de distinguishing.
De outra parte, caso o julgador, ao apreciar o caso concreto, verifique que o precedente invocado é aplicável à situação fática em exame, poderá ainda ampliar os efeitos da norma dele emanada, restringir seus efeitos em face daquele caso, ou mesmo entender que o precedente se encontra superado total ou parcialmente, aplicando ao caso a técnica denominada de overruling.
Em face desta inaplicabilidade da norma ao caso concreto que se observa esta diferença prática fundamental entre as tradições jurídicas. Na common law, uma vez que o tribunal verifique que o precedente não é aplicável ao caso, deverá decidir o caso em questão, nem que para isso seja necessária a criação de nova norma jurídica, conforme ensina Elival da Silva Ramos:
[...]Na hipótese de se assentar a imprestabilidade do precedente para o caso sub judice, o juiz ou tribunal produzirão a norma de decisão com base nos princípios gerais do common law, no raciocínio lógico ou na equidade, de forma similar ao procedimento de integração de lacunas nos sistemas de civil law, mas com a relevante diferença de que essa decisão inovadora, se adota por tribunal de apelação ou superior, ará a constituir um precedente vinculativo¹⁸¹.
Nessa senda, resta claro que dentro da tradição jurídica da common law, os tribunais de apelação exercem função criadora do direito quando apreciam novos casos, criando novos precedentes vinculantes de onde é possível extrair as normas que regem os sistemas jurídicos destes países.
Assentadas essas premissas, referentes aos sistemas jurídicos e ao papel que os conceitos exprimem dentro deles, mostra-se uma tarefa muito mais árdua definir o que seja o fenômeno do ativismo judicial em países que adotam a tradição jurídica da common law, dada a função criativa inerente à própria tradição jurídica que tem base, justamente, na criação das normas pelos tribunais.
Por seu turno, no que se refere à Civil Law, o ativismo judicial pode ser entendido como uma distorção da função jurisdicional, em detrimento da função legislativa¹⁸². Isto significa dizer que, ao invés de exercer sua função típica de prestar jurisdição, solucionando os conflitos que lhe são submetidos com base na legislação posta, o judiciário ativista cria novas normas a partir de suas decisões.
Assim, Elival da Silva Ramos reconhece que o ativismo judicial se encontra mais próximo dos sistemas constitucionais vinculados à família oriunda da tradição romano-germânica, definido tal fenômeno como:
[...]Por ativismo judicial deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos) Há, [...], uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes¹⁸³.
No contexto brasileiro, os elementos que podem ser apontados como tendentes a um incremento desta função criativa da jurisdição e da adoção de uma postura ativista por parte do Poder Judiciário são basicamente tributários do seguinte panorama: o novo paradigma constitucional brasileiro instaurado no período posterior à entrada em vigor da Constituição em 1988, com uma intensificação da judicialização da política, amparada em uma atividade judicial intensa, muitas vezes calcada na utilização de teorias estrangeiras, sendo que estas são recepcionadas e utilizadas pelos juízes e tribunais sem a devida reflexão teórica a seu respeito, sendo muitas vezes trazidas de tradições jurídicas distintas da nossa.
Acerca da aplicação do ativismo judicial no Brasil, Luís Roberto Barroso refere que o ideário ativista se encontra associado a uma participação mais ampla e intensa do Poder Judiciário na concretização dos valores dos fins constitucionais, mediante uma maior interferência no campo de atuação dos demais poderes estatais. De maneira que a postura ativista do Poder Judiciário se exprime por meio de diversos comportamentos, dentre eles: a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente consideradas em seu texto e de maneira independente à manifestação do legislador ordinário; a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos provindos do legislador, com base em
critérios menos rígidos que os de franca e ostensiva violação da Constituição e a cominação de condutas ou de abstenções ao Poder Público, de maneira especial em matéria de políticas públicas¹⁸⁴.
O posicionamento de Barroso se mostra pertinente para a compreensão deste fenômeno sob a perspectiva ultimamente delineada no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Diante da ampla constitucionalização de direitos operada por nossa Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal assume papel de larga relevância para estes debates acerca de reivindicações sociais, assumindo um papel diverso daquele expressamente previsto no texto constitucional - o seu papel de guardar a Constituição - para realizar um papel de criação de normas por meio de decisões, no espaço de atuação negativa dos demais poderes.
Portanto, diante desta nova realidade, emerge a problemática referente ao ativismo judicial e ao controle de constitucionalidade, conforme aponta Clarissa Ti:
De fato, ativismo judicial e controle de constitucionalidade são questões que estão conectadas, no sentido de que colocar o ativismo judicial em questão também significa colocar o exercício da jurisdição à prova. A questão é que há uma meia verdade nesta afirmação, pois somente é possível considerá-la a correta s e compreendida que esta legitimidade da jurisdição constitucional dá se em termos de um efetivo controle das decisões judiciais , isto é, se as atenções estarem voltadas para as respostas dadas pelo Judiciário e não apenas para compreender se o exercício do controle de constitucionalidade é coerente com a existência de um Estado Democrático¹⁸⁵.
Ante este panorama, conforme ressalta Luís Roberto Barroso, o Supremo Tribunal Federal vem desempenhando por igual um papel contramajoritário e representativo dentro da sociedade brasileira:
O que cabe destacar aqui é que a Corte desempenha, claramente, dois papéis distintos e aparentemente contrapostos. O primeiro papel é apelidado, na teoria constitucional, de contramajoritário: em nome da Constituição, da proteção das regras do jogo democrático e dos direitos fundamentais, cabe a ela a atribuição de declarar a inconstitucionalidade de leis (i.e., de decisões majoritárias tomadas pelo Congresso) e de atos do Poder Executivo (cujo chefe foi eleito pela maioria absoluta dos cidadãos). Vale dizer: agentes públicos não eleitos, como juízes e Ministros do STF, podem sobrepor a sua razão à dos tradicionais representantes da política majoritária. Daí o termo contramajoritário. O segundo papel, menos debatido na teoria constitucional, pode ser referido como representativo. Tratase, como o nome sugere, do atendimento, pelo Tribunal, de demandas sociais e de anseios políticos que não foram satisfeitos a tempo e a hora pelo Congresso Nacional¹⁸ .
De outra parte, em sentido contrário a esta afirmação, Lenio Streck não percebe de maneira favorável a adoção de uma postura ativista por parte do Poder Judiciário, referindo que o imaginário ativista foi artificialmente aqui construído a partir do modelo norte-americano, destacando que a discussão acerca de um governo de juízes acumula mais de duzentos anos nos Estados Unidos¹⁸⁷.
Ademais, o autor destaca os riscos aos quais se sujeita o próprio direito brasileiro atuando dessa maneira, quando se permite e até mesmo se estimula a intervenção do Poder Judiciário na sociedade e a substituição dos poderes democraticamente constituídos pelas decisões judiciais, configurando-se então um nocivo imaginário ativista:
O risco que surge desse tipo de ação é que uma intervenção dessa monta do Poder Judiciário no seio da sociedade produz graves efeitos colaterais. Quer dizer: há problemas que simplesmente não podem ser resolvidos pela via de uma ideia errônea de ativismo judicial. O Judiciário não pode substituir o legislador (não esqueçamos aqui a diferença entre ativismo e judicialização: o primeiro, fragilizador da autonomia do direito; o segundo, ao mesmo tempo, inexorável e contingencial). Desnecessário referir as inúmeras decisões judiciais que obrigam
os governos a custear tratamentos médicos experimentais (até mesmo fora do Brasil), fornecimento de remédios para ereção masculina e tratamento da calvície...!¹⁸⁸ (grifei)
Aponta o autor, ainda, que mesmo no direito norte-americano o ativismo judicial não é sinônimo inconteste de uma intervenção positiva por parte do Judiciário, referindo como exemplo a atuação da Suprema Corte americana em relação ao New Deal, entre os anos de 1933 e 1936, ao barrar as políticas intervencionistas do Presidente Theodore Roosevelt na economia americana, vinculada aos postulados do liberalismo econômico em sua versão mais pura de livre mercado, declarando inconstitucionais as políticas com tal desiderato protetivo. Ressalta que as atitudes de intervenção em favor dos direitos fundamentais se operaram em um contexto movido por ações individuais de uma maioria estabelecida em determinado momento histórico e não em razão de um imaginário propriamente ativista¹⁸ .
Neste mesmo sentido, Marcos Paulo Veríssimo assinala que o contexto jurídico brasileiro contemporâneo acabou por concretizar o que ele denomina como “ativismo judicial à brasileira”, segundo o qual o papel ativista que nosso Poder Judiciário demonstra atualmente possui idiossincrasias em relação às demais tradições jurídicas, estando ele calcado em dois aspectos particulares, oriundos das transformações pelas quais vem a ar o Supremo Tribunal Federal, quais sejam, o desenvolvimento de seu papel político e o excessivo volume de trabalho que tem sido enfrentado pela jurisdição¹ .
Em particular, a questão referente ao incremento do volume de trabalho que tem enfrentado a jurisdição mostra um aspecto atrelado ao maior o da população ao Poder Judiciário¹ ¹, verificado a partir do começo dos anos 1990 face à nova Constituição e à entrada em vigor da legislação infraconstitucional visando na proteção dos direitos fundamentais, como, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor. Tal evento repercute ainda mais fortemente diante do quadro institucional brasileiro onde, em nosso direito constitucional, inexistem ferramentas formais de unificação vinculante da jurisprudência, sem olvidar no
grau de discricionariedade dos julgamentos recursais, incrementando para o cenário de descontrole no âmbito do direito¹ ².
No ponto, Marcos Paulo Veríssimo refere que o ativismo judicial a a ser constatado a partir de uma perspectiva estatística, uma vez que diante da ampla judicialização dos conflitos que se observou a partir de 1988, o Poder Judiciário tem adotado uma posição identificada pelo autor como “ativista”, em função da excessiva litigiosidade, não possuindo constrangimento de exercer uma competência revisional e proativa cada vez mais abrangente¹ ³.
Por sua vez, Clarissa Ti assinala que, nesta questão referente ao incremento do volume de trabalho e sua vinculação em vista da adoção de uma postura ativista por parte do Judiciário, não se podem confundir os objetos de análise, sendo necessária a respectiva distinção entre o que vem ser efetivamente o ativismo judicial diante da judicialização da política. Afirma, ainda, que o debate referente ao incremento do volume de trabalho proposto por Veríssimo é elemento da judicialização da política, tratando-se de um fenômeno social e, portanto, externo, não sendo decorrente da postura e atuação dos membros do próprio Poder Judiciário; porém, apregoa que, no ponto referente à assunção de funções de governo por parte do Judiciário, a discussão se mostra pertinente à temática do ativismo judicial, pois é justamente visando evitar essa assunção de funções que se faz necessária a crítica ao ativismo judicial¹ ⁴.
Diante da problemática trazida, forçoso se cogitar acerca dos limites possíveis a serem observados nesta função criativa da jurisdição e do ativismo judicial, observados os alertas trazidos e um papel nocivo que este pode desempenhar para a democracia, deturpando as regras do jogo democrático, com uma invasão indevida da função legislativa por parte do Poder Judiciário.
Luís Roberto Barroso não analisa de uma maneira positiva a existência de uma autocontenção do Poder Judiciário, referindo que a postura ativista do Poder Judiciário procura extrair do texto constitucional o máximo possível. Nesta
senda, sob a perspectiva deste autor, a posição oposta ao ativismo judicial - por ele compreendido aprioristicamente como um fenômeno positivo - é a autocontenção judicial, comportamento pelo qual o Poder Judiciário busca restringir sua intervenção nos atos dos outros Poderes¹ ⁵.
Neste ponto, segundo aponta Barroso, quando o Poder Judiciário adota uma postura de autocontenção, evita aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu domínio de aplicação expressa, aguardando a manifestação por parte do legislador ordinário. Assim, empregam-se critérios rigorosos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e de atos normativos, ocasião em que o Judiciário se abstém de interferir na definição das políticas públicas. Indica o autor, ainda, que até a entrada em vigor da Constituição de 1988, essa era a precisa linha de atuação do Poder Judiciário no Brasil¹ .
Não obstante a posição adotada pelo doutrinador e atual Ministro do STF, não nos parece adequado que se observe o fenômeno do ativismo judicial sob uma perspectiva tão singela. Com efeito, tal abordagem leva ao raciocínio segundo o qual o ativismo judicial é um elemento necessariamente positivo para a jurisdição, sendo a autocontenção, por conseguinte, uma característica negativa que representa, quando adotada, um perigo para a sociedade e para a própria aplicação da Constituição.
A este respeito cumpre destacar a crítica formulada por Lenio Streck, que discorda deste posicionamento referente ao caráter positivo da atuação ativista, destacando que o desempenho ativista do Poder Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, enfraquece o direito, sobretudo pela falta de constrangimentos epistemológicos¹ ⁷ à sua atuação:
[...] a atuação ativista por parte do Supremo Tribunal Federal demostra falta de limites no processo interpretativo. Veja-se que sequer os limites semânticos do texto constitucional funcionam como bloqueio ao protagonismo judicial que vem
sendo praticado em todas as esferas do Poder Judiciário em terrae brasilis¹ ⁸
Portanto, podem ser identificados os seguintes elementos como relevantes para o incremento da função criativa da jurisdição observado no Brasil, sobretudo no tocante à jurisdição constitucional, alusivo à aproximação das tradições jurídicas da common law e da civil law: a acentuação da judicialização da política a partir da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988; a importação de teorias estrangeiras para dar e àquela nova ordem constitucional, que naquele momento era incipiente e necessitava de novas bases teóricas para sua aplicação; a aposta na atuação dos juízes, contribuindo para uma consequente adoção de uma postura ativista pelo Poder Judiciário.
Diante deste cenário, se mostra fundamental ponderar acerca dos limites íveis de serem opostos a essa função criativa da jurisdição, visando conferir uma maior coerência ao ordenamento jurídico brasileiro e de modo a valorizar a sua sistematização, mediante uma maior contenção da atuação do Poder Judiciário e diminuição de sua influência nas funções típicas dos demais poderes estatais, sobretudo nas funções do Poder Executivo. Para tanto, cogitaremos de mecanismos legais e hermenêuticos para efetivar essa limitação, temática que será explorada no próximo capítulo.
96 Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, o Poder Judiciário finalizou o ano de 2017 com 80,1 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva. Em toda série histórica, o ano de 2017 foi o de menor crescimento do estoque, com variação de 0,3%, ou seja, um incremento de 244 mil casos em relação ao saldo de 2016. (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018.)
97 TABORDA, M. G.. Entre morcegos e beija-flores: reflexões críticas sobre a
Jurisdição Constitucional no Brasil. Direito & Justiça (Porto Alegre. Impresso), v. 40, 2014. p. 79
98 Por exemplo: “[...] As ditas “ações constitucionais” que, são, à exceção do Mandado de Injunção, instrumentos de controle da istração, os instrumentos processuais de controle difuso e concreto de constitucionalidade (mais precisamente o recurso extraordinário) e as várias ações diretas de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, quase todas elas, de natureza declaratória”. (TABORDA. Op.Cit. p. 79).
99 MERRYMAN, John Henry. A tradição da Civil Law: Uma introdução dos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina – Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Ed. 2009. p. 21.
100 GRINBERG, Keila. Código civil e cidadania. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. p. 22.
101 CARVAZANI, Vinicius. O common law, o civil law e uma análise sobre a tradição jurídica brasileira. Revista de Processo. vol. 231/2014. p. 321 – 345. Maio 2014.
102 MERRYMAN. 2009. p. 31.
103 ISAIA, Cristiano Becker. Processo civil e hermenêutica: os fundamentos do novo C e a necessidade de se falar em uma filosofia no processo. Curitiba: Juruá, 2017. p. 92.
104 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romanocanônica - 2. ed – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 25.
105 HELD, David. A democracia, o estado-nação e o sistema global. Lua Nova, São Paulo, n. 23, p. 145-194, Mar. 1991.
106 CARVAZANI. Op. Cit.
107 Ibid.
108 Conforme aponta Luiz Guilherme Marinoni: “[...] Cabe lembrar que, ao contrário do que ocorreu na Inglaterra, a assembleia parlamentar do direito francês, ainda que derrotando o monarca, monopolizou o poder mediante o princípio da legalidade. Disso também deriva a impossibilidade de confundir o Rule of Law inglês com o princípio da legalidade. Se - como diz Carl Schmitt na idealização do Estado de Direito Liberal a burguesia adotou um conceito de lei que repousa em uma velha tradição europeia - herança da filosofia grega, que ou à Idade Moderna através da escolástica -, conforme a qual a lei não é uma vontade de um ou de muitos homens, mas uma coisa geral-racional (não é voluntas, mas ratio), no processo histórico de afirmação da burguesia esta noção de lei cedeu espaço para o seu oposto, isto é, para a noção de lei defendida pelos representantes do absolutismo do Estado, segundo a qual, na fórmula clássica cunhada por Hobbes, auctoritas, non veritas facit legem - a lei é vontade, não vale por qualidades morais e lógicas, mais precisamente como ordem. (MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes [livro eletrônico] : Justificativa do novo C. – 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2016. n.p.)
109 CARVAZANI. Op. Cit.
110 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 385.
111 NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade; NERY JÚNIOR, Nelson. Instituições de direito civil : v.1, t.1, teoria geral do direito privado. 2. tir. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 2014. p. 258.
112 MERRYMAN, 2009. p. 78.
113 MERRYMAN, 2009. p. 78.
114 Ibid. p. 92.
115 Ibid.
116 FERRAZ JUNIOR. Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. 4. ed. – São Paulo : Atlas, 2003. p. 34-35.
117 CARVAZANI. Op. Cit.
118 “Nas últimas décadas, estão em curso – não apenas na Commonwealth, mas também na Inglaterra e nos Estados Unidos – grandes modificações deste estilo
jurídico [o common law]. O círculo jurídico anglo-saxônico aproxima-se um pouco – através de uma progressiva tendência, para as codificações parciais (consolidations) ou para as súmulas da jurisprudência em restatements oficiosos (USA) e de uma certa limitação do controle judiciário das funções públicas – do estilo racional e abstracto do continente.“ (WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. p. 573-574)
119 DIDIER JR., Fredie Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento - 17. ed. - Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. p. 60.
120 Ibid. p. 58.
121 CARVAZANI. Op. Cit.
122 CARVALHO, Juan P.C. O processo civil no estado constitucional e o fenômeno da “commonlawlização” do direito brasileiro. Revista Direito e Liberdade – Mossoró – v. 6, n. 2,– jan/jun 2007. p. 213 – 232.
123 “Parece haver uma verdadeira fetichização por parcela de nossa doutrina em relação ao common law, de modo que diversas reformas legislativas ou teorias são justificadas sob o argumento de que elas seriam oriundas do common law.” (ABBOUD, Georges. Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante - A ineficácia e os equívocos das reformas legislativas na busca de uma cultura de precedentes. In Direito Jurisprudencial [livro eletrônico] coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. 2012. n.p.)
124 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal (LGL\1988\3) comentada e legislação constitucional. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 665-666.
125 ABBOUD. Op. Cit.
126 “Confesso ter ficado surpreso ao constar que no common law os juízes não são obrigados por lei (entenda-se, norma legislada), a seguir decisões precedentes. Isto é, não são forçados a adotar determinado entendimento, em razão da expectativa de virem a ar uma sanção. Não costuma haver regras legisladas a respeito da obediência a precedentes.” (ARAGÃO SANTOS, Evaristo. Por que os juízes (no common law!) se sentem obrigados a seguir precedentes? In Direito Jurisprudencial Vol. II [livro eletrônico] coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, 2014. n.p.)
127 ABBOUD. Op. Cit.
128 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Interpretação da lei e de precedentes civil law e common law. Revista dos Tribunais, n. 893, n. 1, p. 34, São Paulo: Ed. RT, mar. 2010.
129 Ibid.
130 ABBOUD. Op. Cit.
131 Ibid.
132 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law. Oxford: Clarendon Press, 1991. p. 77.
133 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. Ver. Atual. E ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 233.
134 ARAGÃO SANTOS. Op. Cit.
135 CARVAZANI. Op. Cit.
136 STRECK, Lenio Luiz. Precedentes judiciais e hermenêutica – Salvador: Editora Juspodivm, 2018. p. 20.
137 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de direito do Estado, 2009. p. 6.
138 STRECK, 2011. p. 370.
139 STRECK, 2014. p. 288.
140 BARROSO. Op. Cit.
141 TI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: limites da atuação do judiciário. – Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 2013. p.19
142 BARROSO. Op. Cit.
143 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso – 6. ed. ver. e amp. – São Paulo : Saraiva. 2017. p. 87
144 TI, 2013. p.17
145 VIANNA, Luiz Werneck. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 47.
146 XIMENES, Julia Maurmann. O Supremo Tribunal Federal e a cidadania à luz da influência comunitarista. Revista Direito Gv, São Paulo, p. 119-142 , janjun 2010.
147 VIANNA, Luiz Werneck BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo Social-Revista de Sociologia da USP. vol. 19. n. 2. São Paulo: FFLCH-USP, 2007. p. 39-85.
148 “[...] (O) Welfare State, com suas ambições de organizar o capitalismo e introduzir relações de harmonia entre as classes sociais, com suas fortes repercussões no sentido de trazer o direito para o centro da vida social. A legislação do “capitalismo organizado”, entre tantas outras características singulares, surge com a vocação, por força das contingências específicas que lhe
vinham da dimensão econômica, de regular o futuro a partir do tempo presente, contrariamente ao cânon classicamente liberal, orientado, em nome do princípio da certeza jurídica, pelo tempo ado. Com essa marca de origem, a legislação do welfare assume uma natureza aberta, indeterminada e programática na medida em que se expõe à incorporação de aspectos materiais, em oposição à pureza formal do direito na ortodoxia liberal. Tal caráter indeterminado, nas controvérsias sobre a sua interpretação em casos concretos, põe o juiz na situação nova de um legislador implícito, com as naturais repercussões desse seu inédito papel na vida republicana e, particularmente, nas relações entre os Três Poderes. (VIANNA; BURGOS; SALLES. Op. Cit.)
149 TI, 2013. p. 20.
150 Ibid.
151 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. p 190.
152 FERRAZ JUNIOR, T. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência?. Revista USP, (21), (1994). 12-21.
153 STRECK, Lenio Luiz; TI, Clarissa; PEREIRA LIMA, Danilo. A relação direito e política: uma análise da atuação do Judiciário na história brasileira. Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 737-758, set./dez. 2013
154 Tradução livre da expressão ability utilizada pelo autor no texto original. (SANTISO, Carlos. Economic reform and judicial governance in Brazil: balancing independence with ability. In: GLOPPEN, Siri; GARGARELLA, Roberto; SAKAAR, Elin (Ed.). Democratization and the
judiciary: the ability functions of courts in new democracies. Frank Class: London. 2004)
155 SANTISO, 2004. p. 172
156 Ibid. p. 173.
157 Ibid.
158 TI, 2013. p. 22.
159 STRECK, 2014. p. 285.
160 Ibid.
161 STRECK, 2017. p. 79.
162 STRECK, 2014. P. 285-286.
163 TI, 2013. p.98.
164 STRECK. 2014. p. 285.
165 “Princípios contem, pelo contrário, um dever ideia. Eles são mandamentos a serem otimizados. Como tais, eles não contêm um dever definitivo, mas somente um dever prima-facie. Eles exigem que algo seja realizado em medida tão alta quanto possível relativamente as possibilidades fáticas e jurídicas.” (ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo — 3. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. p. 37.)
166 TI. 2013. p. 98.
167 “Não maior parte das vezes, os adeptos da ponderação não levam conta a relevante circunstância de que é impossível fazer uma ponderação que resolva diretamente o caso. Permito-me ser repetitivo: a ponderação – nos termos em que propalados por seu criador não é uma operação em que se colocam dois princípios e se aponta para aquele que ‘(só) pesa mais’. [...] Nesse sentido é preciso fazer justiça a Alexy: sua tese sobre a ponderação não envolve essa ‘escolha direta’. Importante anotar que no Brasil, os tribunais, no uso descriterioso da teoria alexyana, transformaram a regra – sim, é uma regra – da ponderação em um princípio. (STRECK. 2014. p. 287)
168 STRECK. 2014. p. 286.
169 TI. 2013. p. 99.
170 DAU-LIN, Hsu. Mutación de la Constituición. trad. Christian Förster, Oñati: IVAP, 1998.
171 BLANCO DE MORAIS, Carlos. in Mutações Constitucionais / coordenação de Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Blanco de Morais – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 49.
172 STRECK, Lenio Luiz. in Crise dos Poderes da República: judiciário, legislativo e executivo [livro eletrônico] / Coordenação – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. n. p.
173 STRECK, 2017. n.p.
174 MENDES, Gilmar F. in Mutações Constitucionais / coordenação de Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Blanco de Morais – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 178
175 MENDES, 2016. p. 179
176 STRECK, 2017. p. 89.
177 STRECK, 2017. p. 87-89.
178 STRECK, 2017. p. 87.
179 DWORKIN, Ronald, O império do direito, São Paulo: Martins Fontes, 1999.
p. 488-489
180 RAMOS, 2015. p.110
181 Ibid.
182 RAMOS, 2015. p. 109.
183 RAMOS, 2015. p. 131.
184 BARROSO, 2009. p. 6.
185 TI, 2013. p.19.
186 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo : os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo – 5. ed. – São Paulo : Saraiva, 2015. p. 475.
187 STRECK, 2014. p. 288.
188 STRECK, 2014. p. 288.
189 Ibid.
190 VERISSIMO, Marcus Paulo. A Constituição de 1988, vinte anos depois: suprema corte e ativismo judicial “à brasileira”. Revista Direito GV, São Paulo, pp. 407-440, jul./dez, 2008. p. 423.
191 “Em 2017 observou-se a maior demanda ao STF dos últimos nove anos, quando ingressaram 102.227 processos, representando um aumento de 13,6% em relação ao ano anterior. A demanda oscilou ao longo da série, sendo o menor volume de ingresso em 2011, com 63,6 mil processos.” (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Supremo em ação 2018: ano-base 2017 - Brasília: CNJ, 2017. p. 34.)
192 VERISSIMO. Op. Cit. p. 423
193 Ibid. p. 422-423.
194 TI, 2013. p. 24-25.
195 “A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da criação livre do Direito. A auto-contenção, por sua vez, restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas” (BARROSO, 2009. p. 7)
196 BARROSO, 2009. p. 7.
197 A respeito do que vem a ser constrangimento epistemológico cumpre citar: “Exercer a crítica no Direito é uma tarefa difícil. Principalmente em terrae brasilis. Por aqui, normalmente é magister dixti. Mormente se quem disse é Ministro de Corte Superior. Não conseguimos construir ainda uma cultura em que as decisões judiciais – em especial as do Supremo Tribunal Federal – sofram aquilo que venho denominando de “constrangimentos epistemológicos”. O que é “constrangimento epistemológico”? Trata-se de uma forma de, criticamente, colocarmos em xeque decisões que se mostram equivocadas. No fundo, é um modo de dizermos que a “doutrina deve voltar a doutrinar” e não se colocar, simplesmente, na condição de caudatária das decisões tribunalícias.” (STRECK, Lenio Luiz. Do pamprincipiologismo à concepção hipossuficiente de princípio: Dilemas da crise do direito. Revista de Informação Legislativa. a. 49 n. 194 abr./jun. Brasília, 2012.)
198 STRECK, 2017. p. 87.
4. DIREITOS FUNDAMENTAIS ARGUMENTATIVAMENTE ARTICULADOS COMO LIMITE HERMENÊUTICO À FUNÇÃO CRIATIVA NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
Diante do cenário fático-normativo apresentado nos capítulos anteriores, o qual foi inaugurado a partir da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 e caracterizado por uma intensa judicialização dos conflitos e da política, bem como por uma grande aposta no protagonismo do Poder Judiciário na solução dessas controvérsias, tanto por parte do legislador constituinte quanto da doutrina, não se mostra surpreendente que o Poder Judiciário tenha se tornado o Poder central da República. Todavia, a ocupação do espaço central não veio desprovida de críticas a essa intensa atuação judicial e, sobretudo, à desmedida criatividade observada em suas decisões mais recentes.
Não obstante, neste ponto, tais críticas sejam íveis de serem feitas ao desempenho de todo o Poder Judiciário, em suas mais diferentes instâncias e níveis de atuação, é no âmbito do Supremo Tribunal Federal que a questão referente aos limites de seu desempenho se mostra mais problemática, sobretudo diante da estrutura de organização judiciária brasileira que o aloca para o topo da hierarquia judiciária, desempenhando funções de controle de constitucionalidade, tanto na modalidade concreta quanto abstrata e possuindo, ainda, competência recursal e originária para variadas situações – ainda que sua função precípua, segundo a Constituição Federal, seja desempenhar o papel de Guardião da Constituição – , isto é, sem que haja a possibilidade de controle ou revisão de suas decisões por outrem¹ .
De fato, o que se observou desde que a Constituição Federal entrou em vigor foi uma intensa atividade do Poder Judiciário e a construção de um imaginário ativista como sinônimo de concretização dos direitos fundamentais, conforme
apresentado na última seção do capítulo anterior. Sucessivamente, contata-se uma espécie de sentido prevalecente na comunidade jurídica nacional de que este comportamento manifesta um aspecto positivo por parte da atuação do Poder Judiciário em relação aos direitos fundamentais, de maneira a exaltar e incentivar a postura ativista² .
Em decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal, todavia, a atuação ativista tem demonstrado uma alteração de direcionamento preocupante. Têm-se observado decisões que restringem direitos fundamentais de maneira grave e que, ainda, deliberadamente ignoram o texto constitucional, valendo-se de expedientes interpretativos, teorias alienígenas indevidamente importadas e outros recursos problemáticos - na forma como foram explicitamente apresentadas no segundo capítulo deste trabalho - para, ao fim e ao cabo, criarem situações jurídicas que contrariam de modo flagrante o texto constitucional.
Com relação a esta problemática, o constitucionalista Lenio Streck ao nosso ver se mostra como o autor que melhor anteviu em termos sistemáticos os perigos emergentes de um ativismo judicial desenfreado. Desde os primeiros anos de vigência do constitucionalismo democrático brasileiro, este doutrinador tem apontando para os riscos do comportamento ativista por parte do Poder Judiciário brasileiro e, em especial, na atuação do Supremo Tribunal Federal, capazes de expor nossa ainda jovem e incipiente democracia.
Neste sentido, cumpre destacar o seguinte trecho do autor:
Como venho referindo em vários livros e textos, os tribunais e o STF fazem política quando dizem que não fazem; eles fazem ativismo quando dizem que não fazem; e judicializam quando sustentam não fazer. Por exemplo, quando o STF decide que, no artigo 366 do P, a prova considerada urgente fica ao arbítrio do juiz decidir, está não somente fazendo ativismo, com a institucionalização da discricionariedade judicial – ponto importante para aferir o grau de ativismo e da judicialização – como também está “legislando”. Não
parece que o legislador, ao estabelecer, nos marcos da democracia, que a prova considerada urgente possa ser colhida de forma antecipada, tenha “querido” deixar isso ao bel prazer do juiz… Bom, mas foi isto que o STF disse que o dispositivo “quer dizer”² ¹.
As questões envolvendo os limites íveis de serem opostos à função criativa da jurisdição têm sido objeto de debate há longo tempo na doutrina, a qual busca pelo adequado estabelecimento de diretrizes interpretativas a serem utilizadas, visando inibir que sejam proferidas decisões judiciais sem a observância de critérios de coerência e integridade, conforme preconiza Ronald Dworkin² ².
De igual sorte, a possibilidade de restrição de direitos fundamentais também não se apresenta como algo inédito, nem como inconstitucional de plano. A este propósito, cumpre definir que a limitação ou restrição de um direito fundamental deve ser compreendida como qualquer ação ou omissão oriunda dos poderes públicos, sejam eles a istração Pública, o legislador ou o Judiciário, que interfira de maneira desvantajosa no conteúdo de um direito fundamental, eliminando, reduzindo ou dificultando o o ao bem que ele protege e solapando as possibilidades de que desfrutam os seus titulares efetivos ou potenciais. Pode-se falar, ainda, na restrição ampla de um direito fundamental, que pode ser tanto jurídica quanto fática, bem como a restrição em sentido , que envolve atuações normativas ou a produção de leis restritivas a um direito fundamental² ³.
Outrossim, a questão que se impõe, e que será analisada neste capítulo, resulta em saber quais os limites legítimos de serem opostos ao regime de restrição de direitos fundamentais; aquilo que vem sendo denominado pela doutrina como os limites aos limites dos direitos fundamentais² ⁴, denominação esta adotada a partir das diretrizes traçadas na Constituição Portuguesa e na Lei Fundamental de Bonn, a Constituição Alemã² ⁵
Busca-se, neste momento, estabelecer os limites condizentes com a Constituição
para que direitos fundamentais sejam idoneamente restringidos por meio de decisões judiciais, sobretudo no que se refere à adoção de posições ativistas por parte do Supremo Tribunal Federal, mediante exercício do que se denomina de função criativa na jurisdição constitucional. Para tanto, primeiramente serão elaboradas algumas proposições a respeito dos limites que podem ser opostos à restrição de direitos fundamentais e, posteriormente, conjecturas acerca de limites hermenêuticos capazes de constranger a interpretação livre e desimpedida das normas constitucionais, sobretudo com o intuito de proteger o estatuto normativo de preceitos relacionados aos direitos fundamentais. Em seguida, uma vez apresentadas essas proposições referentes aos limites que devem ser observados, tais interditos interpretativos serão contrastados com decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal bastante específicas, todas elas consideradas ativistas.
Assim, feita esta apresentação acerca da metodologia a ser adotada neste capítulo, aremos diretamente às proposições referentes aos limites às restrições de direitos fundamentais e seus principais aspectos pertinentes à presente argumentação.
4.1 A LIMITAÇÃO ÀS RESTRIÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS (TEORIA DOS LIMITES DOS LIMITES)
Ao longo do século XX, em face de uma tradição jurídica muito atrelada à figura do legislador, assumindo-se, muitas vezes, uma posição de reverência à sua atuação² , os direitos fundamentais sofriam o exaurimento de sua eficácia, em razão de ações erosivas operadas pelos demais poderes. No entanto, em virtude do trabalho operado pela doutrina e pela jurisprudência, foi elaborada uma miríade de ferramentas dirigidas ao controle das interferências operadas sobre os direitos fundamentais, buscando evitar ao máximo sua fragilização² ⁷.
No tocante às restrições de direitos fundamentais, aponta Ingo Sarlet:
[...] O que importa destacar, nesta quadra, é que eventuais limitações dos direitos fundamentais somente serão tidas como justificadas se guardarem compatibilidade formal e material com a Constituição. Sob perspectiva formal, parte-se da posição de primazia ocupada pela Constituição na estrutura do ordenamento jurídico, no sentido de que suas normas, na qualidade de decisões do poder constituinte, representam atos de autovinculação fundamentaldemocrática que encabeçam a hierarquia normativa imanente ao sistema. No que diz com a perspectiva material, parte-se da premissa de que a Constituição não se restringe a regulamentar formalmente uma séria de competências, mas estabelece, paralelamente, uma ordem de princípios substanciais, calcados essencialmente nos valores da dignidade da pessoa humana e na proteção dos direitos fundamentais que lhe são inerentes² ⁸.
Destarte, partindo da premissa de que inexistem direitos absolutos em um ordenamento jurídico, a restrição de direitos fundamentais se mostra perfeitamente factível e legítima à luz do Estado Democrático de Direito.
Todavia, nossa Constituição não estabelece expressamente quais os limites possíveis de serem conduzidos face à restrição de direitos fundamentais. Diante deste quadro, a doutrina trouxe para a realidade brasileira a chamada Teoria dos Limites dos Limites (Schranken den Schranken)² , oriunda do direito alemão, que busca o estabelecimento de limites razoáveis e adequados à restrição de direitos fundamentais²¹ .
A partir desta teoria, o controle de constitucionalidade dos limites às restrições de direitos fundamentais pode ser dividido em um controle de caráter formal e um controle de caráter material. No plano dos limites formais, busca-se averiguar a competência, o procedimento e a forma adotada pela autoridade estatal na limitação dos direitos fundamentais; por sua vez, no plano dos limites materiais, este controle se refere à proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais e das exigências de proporcionalidade e razoabilidade e, ainda, do que vem sendo chamado de proibição de retrocesso, não obstante a existência de controvérsia no tocante à inclusão desta última categoria na condição de limite à restrição de direitos fundamentais²¹¹.
Portanto, conforme preleciona Ingo Sarlet, os limites às restrições dos direitos fundamentais, ou os chamados limites dos limites, constituem-se como verdadeiras barreiras erguidas visando a salvaguarda de evitar que os direitos fundamentais venham a sofrer restrições severas ou extremamente intensas, funcionando como garantidores da eficácia dos direitos fundamentais em todas as suas dimensões e funções²¹².
4.1.1 A cláusula de reserva legal ou princípio da reserva de lei restritiva
Segundo preconiza a teoria dos limites dos limites, para que seja possível a restrição de um direito fundamental, esta restrição deve ser amparada pela própria Constituição. Por conseguinte, para que seja possível restringir um direito fundamental, sua restrição deve ser possibilitada expressamente no texto constitucional de maneira suficiente e adequada, itindo-se, porém, que tal previsão não necessite ser direta para que seja considerada expressa, conforme aponta José Joaquim Gomes Canotilho. Ao efetuar comentários à Constituição portuguesa, o autor chega a itir que, no que diz respeito às constituições de outros países, pode existir princípio expresso ou implícito cujo teor aponte para a reserva geral de lei restritiva aplicável aos direitos fundamentais²¹³.
Conforme assevera Calil de Freitas, no Brasil, por força de expressa previsão constitucional, constante no art. 5º, II, o princípio de reserva legal é norma limitadora de possibilidades de imposição de limites e restrições aos direitos fundamentais. Significa que só é possível a limitação e restrição de direitos fundamentais mediante a edição de lei, em sentido material e formal, ou, ainda, por outro meio, desde que este meio esteja autorizado por lei e que esta autorize expressamente a restrição²¹⁴.
Ademais, aponta Ricardo de Alencar Igreja que, tratando-se do caso brasileiro, a cláusula de reserva legal diz respeito não somente ao princípio da legalidade, mas também às possibilidades de edição de medidas provisórias:
Entre nós, tal requisito diz respeito não só ao princípio da legalidade (art. 5º, II , da CF /88), por si só um direito fundamental de ampla magnitude, mas também
aos limites formais e materiais à edição de Medidas Provisórias (art. 62, §1º, I, ‘a’ e ‘b’), instrumento normativo excepcional de atuação do Poder Executivo, em situações de urgência e relevância, que nem sempre se respeita em nosso País. Por óbvio, que uma Medida Provisória casuística, que desrespeite os limites materiais postos pelo art. 62 da CF /88 (nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos, eleitorais, matéria processual civil, penal, processual penal, etc.), além da prefalada urgência e relevância da matéria, mesmo que tenha força de lei, lei formal não será autorizada à veicular restrições de tais matérias, faltando-lhe e de validade na própria Constituição (autorização constitucional).²¹⁵
Outrossim, Calil de Freitas assinala ser insuficiente para a restrição de direitos fundamentais que se trate de lei, em sentido formal e material. O mecanismo pelo qual se opera a afetação desfavorável a direitos fundamentais tem como requisitos: que a legislação seja clara, geral e abstrata, estando voltada à produção de efeitos no futuro, que seja razoável, não ofenda o princípio da proporcionalidade, que preserve o núcleo essencial do direito fundamental e, ainda, que não afete a dignidade da pessoa humana²¹ .
Por conseguinte, sob a perspectiva da teoria dos limites dos limites, a restrição de direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro só pode ser operada mediante a edição de legislação, em sentido formal e material, sendo, portanto, requisito essencial e limitador que visa à proteção de que direitos fundamentais não sofram restrições que não estejam expressamente previstas em lei.
4.1.2 A proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais
O segundo limite às restrições de direitos fundamentais a ser observado é a proteção do núcleo essencial de um direito fundamental. Essa garantia de proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais aponta para aquele fragmento do conteúdo do direito fundamental sem o qual este perde sua mínima eficácia, deixando de ser, por conseguinte, reconhecido enquanto um direito fundamental²¹⁷. A partir desta perspectiva, limites e restrições a direitos fundamentais são possíveis, desde que esta restrição não importe em inviabilizar o exercício de um direito fundamental mediante seu esvaziamento em sua totalidade ou seja, na globalidade de seu sentido ou significado real²¹⁸.
Nesta senda, o discernimento acerca da existência do núcleo essencial de um direito fundamental e seu papel para a teoria dos limites dos limites, evitando a violação do conteúdo nuclear de um direito, não se apresenta como algo complexo. De fato, a existência de um conteúdo essencial em um direito fundamental como barreira ao esgotamento de sua função primordial se mostra como consequência lógica da necessidade de sua proteção. De outra parte, mostra-se uma tarefa muito mais custosa estabelecer qual é a fração de maior importância de um direito, a qual constitui o seu núcleo essencial e que, uma vez extinta, acaba por aniquilar o próprio direito fundamental²¹ .
A partir desta dificuldade emergente da identificação do núcleo essencial de um direito fundamental, a doutrina ou a se debruçar sobre a temática e dela extraiu algumas teorias no que tange ao que efetivamente constitui o núcleo essencial de um direito fundamental, a partir de seu objeto e valor.
Quanto ao objeto de um direito fundamental, Robert Alexy aponta para existência de uma teoria objetiva e uma teoria subjetiva. Segundo a teoria objetiva, a proteção do núcleo essencial se refere à proteção geral e abstrata prevista na norma para que, caso a restrição de uma disposição acerca de um direito fundamental seja efetuada de tal maneira que esta se torne insignificante para todos os indivíduos, para uma parte deles ou, ainda, para a vida social em geral, estar-se-á diante da violação do núcleo essencial²² .
Por sua vez, conforme a teoria subjetiva, segundo ensina Canotilho, o componente do núcleo essencial alude à proteção do direito fundamental do indivíduo. Sob essa perspectiva, um direito fundamental subjetivo de uma pessoa não pode ser sacrificado de tal maneira que este direito deixe de ter significado, sob a perspectiva individual²²¹.
No mesmo sentido, assinala Virgílio Afonso da Silva a respeito da teoria subjetiva:
[...] Se pretende, com o recurso à garantia de um conteúdo essencial dos direitos fundamentais, proteger tais direitos contra uma restrição excessiva e se os direitos fundamentais, ao menos em sua função defesa, têm como função proteger sobretudo condutas e posições jurídicas individuais/ não faria sentido que a proteção se desse apenas no plano objetivo. Isso porque é perfeitamente possível - e provável- que uma restrição, ou até mesmo uma eliminação, da proteção de um direito fundamental em um caso concreto individual não afete sua dimensão objetiva, mas poderia significar uma violação ao conteúdo essencial daquele direito naquele caso concreto²²².
De outra parte, no que se refere ao valor do núcleo essencial de um direito fundamental, existem duas teorias que visam à sua identificação, a teoria absoluta do núcleo essencial e a teoria relativa. De acordo com a teoria absoluta do núcleo essencial, cada direito fundamental é dotado de um núcleo essencial e intangível, ível de ser identificado de maneira geral e abstrata²²³.
Conforme Calil de Freitas, a teoria absoluta do núcleo essencial dos direitos fundamentais se caracteriza a partir da consideração da existência de uma esfera permanente de um direito fundamental que se constitui em seu núcleo essencial, sobre o qual não se faz necessária a análise do caso concreto. Trata-se, portanto, de uma perspectiva ontológico-substancial que compreende o núcleo essencial de um direito fundamental como um elemento de grandeza estática e intemporal, pela qual um direito fundamental é ível de divisão em duas partes, uma delas composta de seu núcleo essencial e a outra por uma parte não essencial²²⁴.
Por outro lado, Calil de Freitas assinala ser possível efetuar três críticas a essa teoria absoluta do núcleo essencial. A primeira ressalva se refere à circunstância de que esta teoria confere proteção desnecessária ao estabelecer que não é possível à lei ordinária lesionar a essência do direito fundamental, o que é irrelevante, por se tratar de dispositivo de índole constitucional. A segunda crítica é que, a partir deste reconhecimento em abstrato, seria possível diminuir e fragilizar um direito fundamental, mediante a restrição contínua de seu conteúdo periférico, preservando somente aquilo que for identificado como núcleo essencial. A terceira e última contestação se refere à possibilidade de compreensão dos direitos fundamentais enquanto princípios e que, diante desta possibilidade, o reconhecimento do núcleo essencial em abstrato poderia ser mais restritivo do que sua consideração em um caso concreto, mediante a regra de ponderação, o que justificaria uma intervenção legislativa desvantajosa²²⁵.
Desta forma, o núcleo essencial do direito fundamental deve ser avaliado a partir do caso concreto. Portanto, segundo a teoria relativa, as restrições que respeitam a máxima da proporcionalidade não violam o núcleo essencial de um direito fundamental, mesmo que, ao se observar o caso específico, nada reste do direito fundamental. Assim, a garantia do núcleo essencial, conforme a teoria relativa, é reduzida à máxima da proporcionalidade²² .
Por final, Canotilho aponta a necessidade da adoção de uma teoria mista do núcleo essencial:
[...] Independentemente de haver ou não do ‘excesso de restrições’, há que salvaguardar sempre a extensão do núcleo essencial. Haverá que recorrer porventura a uma teoria mista, a um tempo absoluta e relativa: relativa, porque a própria delimitação do núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias tem de articular-se com a necessidade de protecção de outros bens ou direitos constitucionalmente garantidos; absoluta, porque, em última, para não existir aniquilação do núcleo essencial, é necessário que haja sempre um resto substancial de direito, liberdade e garantia, que assegure a sua utilidade constitucional²²⁷.
Este é o mesmo entendimento adotado por Calil de Freitas, o qual defende a existência de um núcleo essencial e absolutamente intangível coexistindo com outro espectro mais amplo e variável, mas também integrante do conteúdo de um direito fundamental sobre o qual é possível operar restrições, devidamente fundamentadas, mediante um juízo de ponderação, calcado no princípio da proporcionalidade. De igual sorte, aponta que a proteção do núcleo essencial de um direito fundamental deve se pautar tanto sob a perspectiva objetiva quanto pela subjetiva²²⁸.
4.1.3 Da proporcionalidade
O terceiro requisito, conforme preconizado pela teoria dos limites dos limites, diz respeito à necessidade de proporcionalidade para além dos já mencionados imperativos de reserva legal e de preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais, a fim de que a intervenção operada sobre os direitos fundamentais não seja desarrazoada ou desproporcional²² .
Neste sentido, ao referir a necessidade de proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais, assinala Calil de Freitas que:
[...] A efetivação de qualquer afetação desvantajosa aos direitos fundamentais deve observar sempre o princípio da proporcionalidade. O que ora se afirma é que, em face de um direito fundamental que sofre uma afetação desvantajosa, superado o exame da ofensa ao núcleo essencial com respostas negativa, ainda assim não se poderá afirmar que a restrição ou limitação é, desde logo, constitucionalmente adequada. Mesmo quando comprovadamente não afete o núcleo essencial deve pautar-se pela diretriz hermenêutica do princípio da proporcionalidade. Somente, então, depois de examinada a restrição – ainda que relativa - a partir dos critérios estabelecidos nos subprincípios que constituem o princípio da proporcionalidade é que se poderá, com segurança, definir se a restrição está efetivamente autorizada pela Constituição e, como tal, é válida, ou se produziu sem autorização constitucional²³ .
Por certo as apreciações que emergem a respeito do adequado tratamento da proporcionalidade, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, são extremamente complexas e demandariam uma análise mais apurada de questões a seu respeito que não se encontram abarcadas pelo objeto do presente estudo. De maneira que, dentro desta perspectiva, não se mostra possível ou pertinente o esgotamento da
temática referente à proporcionalidade, não obstante a sua importância.
Todavia, mister se faz tecer alguns apontamentos no tocante ao papel de relevo da proporcionalidade, sob a perspectiva delineada pela teoria dos limites dos limites, e a função que ela opera enquanto limite às restrições de direitos fundamentais.
A primeira questão pertinente à proporcionalidade diz respeito à sua estrutura, a qual, apesar do seu tratamento recorrente como princípio sob a perspectiva alexyana, pela qual um princípio deve ser caracterizado como mandamento de otimização, exigindo que algo seja realizado dentro das condições fáticas e jurídicas do caso concreto, pode ser definida como “estrutura de uma regra, porque impõe um dever definitivo: se for o caso de aplicá-la, essa aplicação não está sujeita a condicionantes fáticas e jurídicas do caso concreto. Sua aplicação é, portanto, feita no todo”²³¹.
Diante da impossibilidade de enquadramento da proporcionalidade como princípio, pelo menos sob a perspectiva alexyana, Virgílio Afonso da Silva assinala que a proporcionalidade pode ser categorizada como “máxima da proporcionalidade”, sendo esta a tradução mais adequada do termo alemão²³². Por sua vez, Humberto Ávila alude que a proporcionalidade deve ser considerada uma metanorma ou um postulado normativo-aplicativo, uma norma que estabelece a aplicação de outras normas²³³.
Conforme Ingo Sarlet, as ideias de proporção e razoabilidade, atreladas à própria noção de justiça e equidade, sempre estiveram presentes na esfera do fenômeno jurídico, estando presentes, de maneira geral, em todo o direito contemporâneo. Porém, nem todas as expressões que evocam a ideia de proporção dizem respeito ao princípio da proporcionalidade, tal qual pensado no direito público alemão, havendo acirrada controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca do conteúdo jurídico da proporcionalidade²³⁴.
Segundo Humberto Ávila, a proporcionalidade:
Exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um é meio proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. A aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promova-se o fim²³⁵.
Perante isso, Alencar Igreja refere que a proporcionalidade é tida como conteúdo material do princípio do devido processo legal, consubstanciando a atuação do legislador na edição de leis restritivas de direitos. A proporcionalidade opera, portanto, como um impedimento às leis demasiadamente restritivas de direitos fundamentais, apresentando-se como conceito operacional, cuja substância se encontra, em grande parte, delineada nas requisições de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito²³ .
Acerca da adequação do meio, enquanto desdobramento da proporcionalidade, assinala Virgílio Afonso da Silva:
Quando uma medida estatal implica intervenção no âmbito de proteção de um direito fundamental, necessariamente essa medida deve ter como objetivo um fim constitucionalmente legítimo, que, em geral é a realização de outro direito fundamental. Aplicar a regra da proporcionalidade, nesses casos, significa iniciar com uma primeira indagação: A medida adotada c adequada puni fomentar a realização do objetivo perseguido? Há autores que defendem indagação mais exigente, no sentido de se analisar se a medida é adequada não apenas para fomentar, mas para realizar por completo o objetivo perseguido²³⁷.
Por sua vez, a respeito da necessidade, Calil de Freitas refere que este aspecto da proporcionalidade corresponde à proibição da adoção de meio excessivamente gravoso, que produza em relação aos direitos fundamentais atingidos pela medida restritiva uma afetação desvantajosa comparativamente a alternativa igualmente apta a produzir os efeitos desejados que pudesse ser adotada. Isso significa dizer que, ao se verificar que o meio era desnecessário – pois era possível a obtenção dos mesmos resultados com um menor prejuízo aos direitos fundamentais envolvidos – há uma desproporcionalidade na medida empregada²³⁸.
Por final, a proporcionalidade em sentido estrito, conforme aponta Humberto Ávila, requer a comparação entre a importância do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais²³ , que deve ser verificada a partir de algumas indagações:
[...] O grau de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causada aos direitos fundamentais? Ou, de outro modo: As vantagens causadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do meio? A valia da promoção do fim corresponde a restrição causada?²⁴
O autor assinala, ainda, que se trata de um exame complexo, pois o julgamento do que será considerado como vantajoso ou desvantajoso depende de uma avaliação fortemente subjetiva, sendo o meio adotado para atingir uma finalidade pública, ou seja, relacionada ao bem comum ou interesse público primário, como, por exemplo, a proteção do meio ambiente ou dos consumidores, causando com a sua adoção, colateralmente, a restrição de direitos fundamentais²⁴¹.
4.1.4 O dever de razoabilidade
O quarto requisito da teoria dos limites dos limites se refere à necessidade de razoabilidade da medida restritiva de direitos fundamentais. De fato, para além do reconhecimento da razoabilidade como limite às restrições de direitos fundamentais, a doutrina não tem se mostrado uníssona no que tange à caracterização desta razoabilidade na imposição restritiva, havendo um grande debate acerca das convergências e divergências entre o que seria a razoabilidade de uma medida restritiva e no que esta razoabilidade divergiria da proporcionalidade.
Acerca desta diferenciação, Ingo Sarlet aponta para a ausência de unanimidade doutrinária com relação à matéria, embora sustente existirem fortes posições no sentido de que inexiste fungibilidade entre a proporcionalidade desenvolvida dogmaticamente na Alemanha – ainda que, mesmo lá, não esteja livre de certa ausência de uniformidade e controvérsia – e a razoabilidade dos americanos, por possuírem conteúdo e sentidos distintos, ainda que parcialmente comuns, considerando as noções de proporcionalidade em sentido amplo e proporcionalidade em sentido estrito trabalhadas pelos alemães²⁴².
Todavia, para os fins pretendidos neste estudo, não se mostra indispensável o esgotamento da temática, pelo que se resolveu adotar, tão somente para o desiderato de diferenciação entre proporcionalidade e razoabilidade na proteção dos direitos fundamentais, a conceituação elaborada por Virgílio Afonso da Silva. Segundo ele, proporcionalidade e razoabilidade podem ser diferenciadas pela sua origem, estando a razoabilidade atrelada ao ideal de que os atos estatais devem ser razoáveis a uma análise de meio e fim pretendido, oriunda do direito anglo-saxônico, diferentemente da noção de proporcionalidade elaborada pelos doutrinadores alemães e o Tribunal Constitucional Alemão, que se refere à análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito,
aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a distingue ²⁴³.
Ademais o referido autor assim discorre a respeito da diferenciação entre proporcionalidade e razoabilidade:
A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com sub-elementos independentes - a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito - que são aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade²⁴⁴.
Outrossim, acerca do que vem a ser a razoabilidade em termos específicos, Humberto Ávila afirma que, dentre todas as acepções possíveis, três se destacam: a primeira, denominada pelo autor de razoabilidade como equidade, utiliza-se da razoabilidade como diretriz, exigindo a relação das normais gerais com as individualidades do caso concreto, seja mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, seja indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas peculiaridades, deixa de se enquadrar na norma geral. Na segunda perspectiva, chamada de razoabilidade como congruência, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um e empírico e adequado de qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que dela se pretende exigir, denominado. A terceira, por sua vez, identifica a razoabilidade como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas, denominada de razoabilidade como equivalência²⁴⁵.
4.1.5 O princípio do não retrocesso social e a dignidade da pessoa humana como limites dos limites
No que tange à proibição do retrocesso social, a teoria dos limites dos limites aponta para a impossibilidade de que a eventual restrição de direitos fundamentais determine um retrocesso no tocante às prestações positivas por parte do Estado para com o indivíduo, portanto, invocando uma perspectiva de proteção dos direitos fundamentais sociais.
Nesse sentido, assinala Calil de Freitas a respeito da proibição do retrocesso social:
[...] A denominada cláusula de proibição de retrocesso social ou princípio da proibição de retrocesso social, caracterizando-se como um específico limite às limitações ou restrições legislativas a direito fundamental prestacional que atua de forma a impedir que um direito prestacional legislativamente regulamentado e, como tal, dotado de precisos contorno e nítido conteúdo, venha a sofrer alterações futuras que reduzam o significado que lhe foi atribuído pela norma ordinária anterior²⁴ .
Este é o mesmo entendimento adotado por Canotilho, o qual afirma que, uma vez que um direito fundamental tenha obtido um determinado grau de realização, este a a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo, vedando que eventual norma limitadora importe em retrocesso social ao suprimir este grau de realização já alcançado²⁴⁷.
Além disso, sob a perspectiva deste autor, o princípio do não retrocesso social
pode ser formulado como o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados através de medidas legislativas, devendo ser considerados constitucionalmente garantidos, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estatais que, sem a criação de outras alternativas ou compensações, traduzem-se em efeito prático de anulação, revogação ou aniquilação pura e simples do núcleo essencial. O autor aponta, ainda, que a liberdade de conformação do legislador e sua inerente reversibilidade têm como limite o núcleo essencial do direito já realizado²⁴⁸.
Calil de Freitas assevera, ainda, que no tocante à Constituição brasileira, o princípio do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, a máxima eficácia e a proteção da segurança jurídica abarcam o dever de proteção dos direitos fundamentais, consagrando o princípio do não retrocesso social dentro de nossa ordem constitucional²⁴ . No mesmo sentido, assinala Ingo Sarlet que a Constituição Federal impõe efetiva proteção aos direitos fundamentais não somente contra a ação do poder constituinte derivado, mas também em relação à atuação do legislador, do e do julgador²⁵ .
Assim, no que se refere à proibição de retrocesso social, esta proibição se encontra diretamente atrelada aos direitos fundamentais de caráter positivo e visa que eventual limitação operada pelo Estado não venha a lesionar o grau de realização que tais prestações hajam alcançado anteriormente, criando uma garantia de preservação da condição social já alcançada.
De outra parte, a dignidade da pessoa humana surge como “proteção pela dignidade”²⁵¹, operando igualmente como limite às restrições de direitos fundamentais, conforme preconiza a teoria dos limites dos limites. Significa dizer que qualquer afetação desvantajosa, limitadora ou restritiva nunca poderá extirpar do direito fundamental aquele conteúdo identificado como princípio reitor do sistema de direitos fundamentais²⁵².
Sob essa perspectiva, e tendo em mente o que foi anteriormente referido a
respeito da teoria absoluta do núcleo essencial do direito fundamental, deve-se considerar que a dignidade da pessoa humana compõe, de maneira parcial, o conteúdo de todos os direitos fundamentais, sempre estando presente na parte que integra o núcleo duro do direito fundamental. Significa dizer que a dignidade da pessoa humana é sempre parte do núcleo essencial do direito fundamental e, portanto, intangível²⁵³.
Daniel Sarmento assinala que a dignidade da pessoa humana é princípio vetor da ponderação de interesses e princípio-matriz do núcleo dos direitos fundamentais. Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro da ordem jurídica, conferindo unidade teleológica e axiológica a todas as normas constitucionais²⁵⁴.
Por sua vez, Alencar Igreja refere que a dignidade da pessoa humana é:
[...] Fim maior do Estado brasileiro e do Direito, pauta a conduta do organismo político, econômico e social, desempenhando múltiplas funções, entre elas, a que mais nos toca neste trabalho, a de critério material para a ponderação de interesses, atuando, ainda, na proporcionalidade em sentido estrito, quando da verificação da “justa medida” proposta por Canotilho e do núcleo essencial do direito fundamental ponderado ou . Ou seja, aquele valor ou direito fundamental que, diante do caso concreto, diga mais respeito ao valor matriz da dignidade da pessoa humana, é o que será menos sacrificado, impondo-se em relação ao valor/direito contrário²⁵⁵.
Ingo Sarlet, por outro lado, destaca que a dignidade da pessoa humana coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, calibrada na segurança jurídica, proporcionando, por meio da garantia de certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica, a elaboração de projetos de vida e de sua realização, sendo perceptível que a segurança jurídica se encontra umbilicalmente vinculada à dignidade da pessoa humana²⁵ .
Assim, o referido autor define dignidade da pessoa humana nos seguintes termos:
[...] A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos²⁵⁷.
Por conseguinte, a dignidade da pessoa humana, enquanto limite às restrições de direitos fundamentais, refere-se àquela parcela do núcleo essencial do direito fundamental que consagra a própria essência do que é ser humano, razão pela qual, sob a perspectiva da teoria dos limites dos limites, qualquer medida restritiva de direitos fundamentais não pode importar em afetação desta parcela que se refere à dignidade da pessoa humana, não sendo ela ível de supressão ou relativização, sob qualquer hipótese. Trata-se, portanto, do limite extremo o qual nenhuma medida restritiva de direitos fundamentais poderá ultraar.
Assim sendo, são estes os principais aspectos pertinentes à teoria dos limites dos limites, que visa estabelecer uma gama de critérios para que seja possível operar a restrição de direitos fundamentais. De fato, o que deve ser ressaltado é que, sob esta perspectiva, só é possível a restrição de direitos fundamentais mediante a obediência a estes critérios que visam diminuir a potencialidade de que estas medidas restritivas venham afetar de maneira excessivamente desvantajosa um direito fundamental.
Para os fins da temática exposta neste estudo, ressalta-se que a restrição de um
direito fundamental deve obedecer a cláusula de reserva legal e proteger o núcleo essencial do direito fundamental, além de respeitar os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, vedando o retrocesso social e a violação da dignidade da pessoa humana. Ademais, se é vedado que se restrinja direito fundamental mediante lei fora destes limites, primado maior de nossa tradição jurídica da civil law, de igual sorte se mostra inissível que haja restrição de direito fundamental por meio de decisão judicial que não respeite estes critérios limitadores, sendo a teoria dos limites dos limites importante ferramenta para a proteção dos direitos fundamentais no âmbito da interpretação-aplicação via decisões judiciais.
4.2. DOS LIMITES INTERPRETATIVOS OU HERMENÊUTICOS
Feitas essas considerações acerca das restrições de direitos fundamentais e as limitações impostas a partir da perspectiva delineada pela teoria dos limites dos limites, resta ainda observar quais são os limites interpretativos ou hermenêuticos íveis de serem opostos à restrição de direitos fundamentais e à função criativa na jurisdição constitucional brasileira, a qual, também, foi responsável por operar restrições aos direitos fundamentais. A atuação jurisdicional, em determinados casos, não tem obedecido as máximas defendidas pela doutrina abalizada no tocante à possibilidade limitada de restrição de direitos fundamentais, confinadas tão somente a atividade legislativa em sentido estrito, através da edição de lei no sentido formal e material, o que importa, por conseguinte, em uma vedação lógica à supressão de direitos fundamentais por decisões judiciais.
Por consequência lógica, verifica-se que não há razão para que sejam feitas exigências tão contundentes a fim de garantir a preservação de direitos fundamentais, para que estes não sofram restrições severas por meios normativos e ao mesmo tempo se possibilitar que Poder Judiciário, ao apreciar um caso em sede de controle de constitucionalidade, efetue alteração no seu conteúdo essencial, aniquilando um direito fundamental, sob a premissa de estar a interpretar a norma constitucional,
Diante desta problemática, faz-se necessário examinar alguns dos limites íveis de serem opostos a essa criatividade das decisões judiciais que importam em restrição injustificada de direitos fundamentais. Ademais, por certo que a temática dos limites interpretativos é ampla e complexa e importa no exame de aspectos ligados à Teoria da Decisão Jurídica, da Hermenêutica Jurídica e, também, da Teoria da Argumentação Jurídica, ciências aplicativas estas que vislumbram elucidar essa temática determinante para a concepção
razoável e justa da atividade jurisdicional e das suas consequências, reflexões para as quais direciona-se a significação das relações jurídicas componentes das lides apresentadas para julgamento ao Estado-juiz²⁵⁸.
Portanto, tendo por base estas premissas, rumaremos para a apreciação de algumas das teorias que buscam estabelecer tais limites interpretativos ou hermenêuticos, focando-se nos limites da interpretação constitucional, de modo a conjecturar o estabelecimento de algumas balizas para a proteção dos direitos fundamentais, sob esta posição axiológica de preservação de intervenções desvantajosas operadas a partir de decisões emanadas do Poder Judiciário.
4.2.1 O Direito como regras do jogo em Hart
Em sua obra denominada de “O Conceito de Direito”, Herbert L. A. Hart formula algumas proposições acerca de como o direito deve ser visto como as “regras de um jogo”. As referências se encontram espalhadas ao longo do texto e denotam como, na visão do autor, há a necessidade de que o juiz, enquanto intérprete de uma norma, obedeça às regras, sob pena de subverter a própria natureza daquele empreendimento interativo. Assim, os jogos pelos quais Hart busca traçar paralelos de maneira mais frequente com o direito são o críquete e o beisebol, esportes esses que se coadunam com a origem inglesa do autor.
Assim, Hart desenvolve seu paralelo entre o direito e as regras de um jogo, assinalando que, tal qual em um esporte competitivo, a regra do sistema de pontuação de um determinado jogo - seja ele o futebol, mais próximo de nossa vivência brasileira, ou beisebol e críquete originalmente utilizados por Hart - é análoga à regra de reconhecimento de um sistema jurídico.
Hart amplia esta concepção de que a aplicação de uma regra de reconhecimento se encontra habitualmente presente de forma implícita, por meio da aplicação de uma regra interna ao sistema, ou uma afirmação interna. Significa dizer que a manifestação da regra de reconhecimento se dá em sua aplicação, pela forma como as regras concretas são identificadas e utilizadas de maneira concreta, seja pelos tribunais, pela istração pública, pelos particulares, seus advogados e por todos os demais usuários que aceitam o sistema. Em contrapartida, há o que o autor denomina como “afirmações externas”, feitas por aqueles que não compartilham, não reconhecem, não se põem dentro do sistema jurídico²⁵
Nesse sentido, Hart afirma:
A este respeito, como em muitos outros aspectos, a regra de reconhecimento de um sistema jurídico é análoga à regra de pontuação de um jogo. No decurso do jogo, a regra geral que define as atividades que constituem os pontos a marcar (corridas, golos, etc.) raramente é formulada; em vez disso, é usada pelas autoridades do jogo e pelos jogadores, na identificação das fases particulares que contam para a vitória. Também aqui as declarações das autoridades (árbitro ou marcador) têm um estatuto especial de autoridade que lhes é atribuído por outras regras. Mais ainda, em ambos os casos há a possibilidade de conflito entre estas aplicações da regra dotadas de autoridade e a compreensão geral do que a regra claramente exige, segundo os seus termos² .
Em outra agem, Hart assevera que aquilo que confere natureza ao jogo é o reconhecimento de suas regras por todos os participantes. Para o autor, é este reconhecimento que diferencia um jogo preestabelecido e reconhecido entre seus participantes de um jogo de “discricionariedade do marcador”. Neste ponto, Hart destaca que sempre há no jogo um espaço interpretativo, nos moldes de uma área de textura aberta. No entanto, as marcações do árbitro – ou as decisões do juiz – devem seguir o padrão de pontuação tido por correto entre os participantes dentro daquela estrutura de jogo previsível.
A este respeito cumpre citar textualmente:
Podemos distinguir um jogo normal de um jogo de “discricionariedade do marcador” simplesmente porque a regra de pontuação tenha, como outras regras, a sua área de textura aberta em que o marcador deve exercer uma escolha, possui contudo um núcleo de significado estabelecido. É este núcleo que o marcador não é livre de afastar-se e que, enquanto se mantém, constitui o padrão de pontuação correcta e incorrecta, quer para o jogador, ao fazer as suas declarações não-oficiais quanto ao resultado, quer para o marcador nas suas determinações oficiais. É isto que torna verdadeiro dizer que as determinações do marcador não são infalíveis, embora sejam definitivas. O mesmo é verdade quanto ao direito² ¹.
Hart prossegue referindo que há um limite, no entanto, até onde o jogo pode persistir em face de erros sucessivos do árbitro. Neste ponto, o autor destaca que, se o árbitro começa a alterar substancialmente as regras do jogo que está sendo jogado durante ele, introduzindo aspectos que não se encontram dentro das regras de previsibilidade tidas pelos participantes, pouco a pouco se deixa de jogar o jogo vigente e se a a estar no jogo de discricionariedade do árbitro² ².
É esta afirmativa clássica formulada por Hart:
“[...] Mas há um limite quanto à medida em que a tolerância face às decisões incorrectas é compatível com a existência continuada do mesmo jogo e isto tem uma importante analogia jurídica. O facto de as aberrações oficiais isoladas ou excepcionais serem toleradas não significa que o jogo de críquete ou de basebol já não esteja a jogar-se. Por outro lado, se estas aberrações forem frequentes ou se o marcador repudiar a regra da pontuação, há-de chegar um ponto em que, ou os jogadores não aceitam já as determinações aberrantes do marcador ou, se o fazem, o jogo vem a alterar-se; já não é críquete ou basebol mas “discricionariedade do marcador”; porque um aspecto definidor destes outros jogos é que, em geral, os seus resultados sejam determinados da forma exigida pelo significado simples da regra, seja qual for a latitude que a sua textura aberta possa deixar ao marcador² ³. (grifei)
Assim, o que busca Hart através do estabelecimento de um paralelo entre sistemas jurídicos e um jogo é apontar como, através de suas regras, este orienta as pessoas à prática desse empreendimento social, porém competitivo e de cooperação, sendo o reconhecimento do jogo por todos os participantes que estão nele envolvidos determinante para que este continue a ser jogado corretamente² ⁴.
Para os fins deste estudo, a regra do jogo em questão é a própria Constituição
Federal, a qual deve pautar a atuação de todos os envolvidos, visando a proteção dos direitos fundamentais. Significa dizer que, se um juiz ou Tribunal, ao efetuar o controle de constitucionalidade de uma norma, terminar por subverter a regra do jogo por completo, alterando o sentido originalmente conferido ao texto por inteiro e afastando a previsibilidade que os demais participantes têm daquela norma constitucional não se estará mais diante de uma decisão com guarida na Constituição e será, portanto, uma decisão arbitrária. Ou seja, não estará mais diante do “jogo” constitucional, mas do jogo de discricionariedade do próprio juiz.
4.2.2 Os limites semânticos do texto constitucional
Respeitar os limites semânticos de um texto é fundamental para que seja possível interpretá-lo de maneira adequada. Ou seja, ao intérprete não é conferida a possibilidade de alterar o sentido originalmente atribuído ao texto, sob pena de estar criando um novo texto e não o interpretando. Evidente que a temática é deveras complexa e aqui não se pretende o seu esgotamento, pois implicaria em uma longa digressão sobre o problema da interpretação e seus diversos consectários, o que não se mostra apropriado.
Assim, para os fins deste estudo, busca-se dizer que a obediência aos limites semânticos do texto constitucional se faz necessária para a preservação da própria Constituição e manutenção dos direitos fundamentais constantes em seu texto, para que estes não estejam à mercê do julgador – mais especificamente do Supremo Tribunal Federal - que poderá, através da alteração do sentido conferido originalmente ao texto constitucional, solapar o direito fundamental que está nele insculpido.
Neste sentido, assinala Lenio Streck acerca da importância de obediência aos limites semânticos do texto constitucional:
[...] Vale dizer que respeitar os limites semânticos do texto constitucional significa combater a discricionariedade, o ativismo, o positivismo fático etc., que, como se sabe, são algumas das várias faces do subjetivismo. Ou seja, o respeito ao texto quer dizer compromisso com a Constituição e com a legislação democraticamente constituída, no interior da qual há uma discussão no plano da esfera pública, das questões ético-morais da sociedade² ⁵.
Outrossim, aponta o referido autor que esta problemática referente aos limites semânticos é oriunda da chamada “virada linguística”² , ou invasão da filosofia pela linguagem, quando ocorreu o deslocamento do status que era assumido pela linguagem, antes tida como mero instrumento e veículo de conceitos, ando a ser condição de possibilidade dos constructos hermenêuticos. Os juristas permanecem prisioneiros da relação sujeito-objeto, resistentes, pois, à relação sujeito-sujeito (de natureza existencial e hermenêutica). Sua preocupação é, portanto, de ordem metodológica, e não ontológica (no sentido da fenomenologia hermenêutica)² ⁷.
Ademais, deve ser assinalado que a obediência aos limites semânticos do texto constitucional se manifesta, também, como uma exigência democrática, vez que, se é facultado ao intérprete alterar os limites do texto pela via interpretativa, conferindo novas significações às palavras da Constituição, poderá ele modificar o sentido da própria Constituição, estando desprovido de qualquer legitimidade democrática para efetuar esta alteração, ademais de carregar consigo os vícios de subjetivismo e discricionariedade² ⁸.
Nesta senda, explica Lenio Streck:
Muito mais do que um problema de teoria do direito, esta possibilidade de livre disposição dos sentidos jurídicos manifesta-se, ao fim e ao cabo, como um problema democrático. Se existe uma liberdade para colar significações nas palavras da lei a ponto de subvertê-las, temos uma afronta à democracia, pois nesta presume-se que o Direito seja resultado de uma construção coletiva, intersubjetiva, e não o produto da consciência individual ou de um colegiado. A legitimidade jurídica num ambiente democrático requer outra justificação, que inclui, sobretudo, o respeito aos limites semânticos dos textos constitucionais/legais² .
Ademais, não se pode dizer qualquer coisa ou, ainda, dizer qualquer coisa que a consciência nos impõe, de sorte que a principal preocupação da teoria do direito
deve ser o controle da interpretação e seus desenvolvimentos com relação aos limites semânticos do texto, problemática incrementada em face do crescimento da jurisdição em detrimento da legislação²⁷ .
Oportuno salientar que, conforme afirmam Larry Alexander e Emily Sherwin, interpretar o texto constitucional em nada difere da interpretação da legislação ordinária. Ao referir a Constituição dos Estados Unidos da América, os autores afirmam que não há dúvidas de que a Constituição americana é muito mais antiga que outras legislações produzidas de maneira recente e que ela contém em seu texto expressões de caráter moral como, por exemplo, “liberdade”, “igualdade” “liberdade de expressão”, “exercício livre da religião”, “causa razoável” e “punições cruéis e incomuns”. No entanto, nenhuma dessas características é capaz de tornar a interpretação constitucional diversa da interpretação de qualquer outra legislação²⁷¹.
Desta forma, itindo-se a posição formulada por estes autores como procedente, se a afirmativa referente à inexistência de diferenças no processo de interpretação do texto constitucional é aplicável à Constituição americana, que possui mais de 200 anos e é bastante sintética, contendo expressões de caráter moral e, portanto, daquilo que se chama de textura aberta²⁷², sem sombra de dúvida a mesma posição é aplicável à Constituição brasileira de 1988. Isso porque o texto constitucional do Brasil, conforme apresentado na primeira parte deste trabalho, possui caráter excessivamente analítico e descritivo, visando, por meio dessa descrição, salvaguardar os direitos nela presentes, não itindo que, por meio do processo interpretativo, se deturpe o sentido do próprio texto constitucional, ultraando o limite gramatical de seus preceitos linguísticos.
De outra parte, devem ser rechaçadas as afirmativas de que a obediência ao limite semântico do texto constitucional importa em um retrocesso associado, de maneira conservadora e reducionista, a uma retomada rumo a um positivismo jurídico primitivo ou a um objetivismo interpretativo²⁷³. A necessidade de obediência aos limites semânticos oriundos do texto da Constituição e, também, dos enunciados advindos dos diplomas legais, se proclama como um imperativo
democrático²⁷⁴.
Nesta acepção:
O direito dentro de um ambiente democrático possui limites que precisam ser respeitados. Mesmo quando nossos sentimentos pessoais tendem a pensar numa direção (escolha), a apreciação judicial deve guiar-se pelos caminhos juridicamente possíveis dentro de uma história institucional e das lindes semânticas dos textos jurídicos (decisão). Deve o juiz conseguir suspender seus pré-juízos. Ele pode odiar ou amar algo. Mas, na hora da decisão, isto deve ficar suspenso (numa epoché). Isso se chama de responsabilidade política. Este é um ônus da democracia²⁷⁵.
Sob essa perspectiva, não se pode itir que, neste momento histórico contemporâneo em que vivemos, sejam tidos por corretos argumentos que afastam o conteúdo de uma lei democraticamente legitimada, baseando-se em uma hipotética “superação” da literalidade²⁷ do texto legal sob a justificativa do “exegetismo”²⁷⁷. Ademais, se esta afirmativa é aplicável em face da legislação ordinária, mostra-se ainda mais contundente a necessidade de sua observação no que diz respeito aos limites do texto constitucional, sendo este o paradigma hermenêutico que se extrai a partir da antiga lição de que a lei não possui palavras inúteis²⁷⁸
Ademais, cumpre destacar que aplicar o texto legal e observar os limites semânticos das palavras contidas nas normas jurídicas não significa ser positivista no sentido do positivismo exegético, tido como historicamente superado e atrasado, mas sim implica um requisito de apreço democrático:
Aplicar um comando legal não é ser positivista; é, sim, respeitar as balizas democraticamente instituídas do que venha a ser o direito em nossa comunidade.
Já não estamos no século XIX. Naquele positivismo, a literalidade era uma questão política para sustentar o produto “sagrado” do legislador, independentemente de qualquer valoração. No paradigma do Estado Democrático de Direito já não pensamos assim. A força normativa da Constituição transforma-se em um trunfo. Afinal, a Constituição foi transformada em norma jurídica vinculante. Na democracia, não há como tergiversar sobre isto.
Assim sendo, nem a hermenêutica nem os juristas podem permitir qualquer forma de decisionismo, subjetivismo ou discricionariedade judicial. O juiz não pode ignorar o texto quando bem lhe convier, julgando de acordo com seus valores pessoais e se substituindo ao Poder Legislativo, órgão democraticamente eleito e constitucionalmente legitimado a tomar as decisões que representam o bem comum. O texto não está à disposição do juiz, a fim de que ele lhe dê o sentido que melhor se emoldure à sua consciência²⁷
Por conseguinte, tendo por base esta exposição focada na necessidade de observância dos limites semânticos do texto constitucional, extrai-se que a tese da mutação constitucional sem alteração do texto constitucional, trazida à baila na segunda parte deste trabalho, não se coaduna com as ideias de nossa Constituição e com o regime democrático. A alteração de sentido das palavras da Constituição, levada a cabo pelo julgador no momento em que este realiza o controle de constitucionalidade, sob o pretexto de estar interpretando o seu texto, desaba frente a este requerimento de que devem ser observados os limites semânticos do texto constitucional, sob a perspectiva da soberania democrática da Constituição e da ausência de legitimidade democrática do julgador para alterar a Constituição. Portanto, o Supremo Tribunal Federal não é dono do sentido das palavras da Constituição para que possa lhes conferir o significado que achar mais adequado, sob pena de incorrer em subjetivismo e discricionariedade.
4.2.3 A resposta adequada à Constituição de Lenio Streck
Visando à solução dos problemas aqui descritos, relacionados aos ativismos judiciais, relativismos, discricionariedades, desrespeito aos limites semânticos do texto e decisionismo, culminando em uma preocupante fragilização da autonomia do Direito e da autoridade da Constituição, Lenio Streck afirma que esta problemática é ível de ser resolvida por uma adequada teoria da decisão jurídica, sendo que sua proposição formulada é a partir da hermenêutica e calcada no que o autor chama de uma busca por “respostas adequadas à Constituição”²⁸ .
De início, deve ser salientado que a formulação desta teoria da decisão jurídica pelo autor é bastante intrincada e vem sendo desenvolvida ao longo do tempo, estando seu conteúdo disperso pela farta produção bibliográfica do autor. Assim, busca-se uma sistematização e simplificação do que vem a ser a resposta adequada à Constituição e como, na visão deste autor, sua teoria é capaz de atuar na resolução destes problemas apontados.
Assim, ressalta o referido autor que a preocupação de sua teoria da decisão jurídica se foca em desenvolver uma teoria adaptada à nova realidade brasileira, considerando-se o paradigma axiológico-normativo inaugurado a partir da Constituição Federal, com o fito de responder às necessidades de novas teorias e práticas que decorreram do Texto Maior de 1988:
No intento de desenvolver uma teoria jurídica apropriada a essa nova realidade, temos pensado, ao longo das últimas décadas, a Crítica Hermenêutica do Direito (CHD). Uma de nossas maiores preocupações é que a decisão jurídica esteja em
consonância com as exigências democráticas e constitucionais, donde radica sua legitimidade. Neste horizonte, a resposta jurídica apresenta-se como uma decisão, que pressupõe responsabilidade política, e não como uma (livre) escolha de sentidos a serem acoplados nas palavras da lei. Deste modo, há uma necessária imbricação entre os limites semânticos e a democracia²⁸¹.
Ademais, Lenio Streck assinala que no Estado Democrático de Direito a produção democrática do direito assume especial relevância e de outra maneira não poderia ser, afirmando existirem inúmeros exemplos no Brasil de um protagonismo judicial tendente ao arbítrio e à desordem interpretativa, através do qual o Poder Judiciário diz o que quer sobre o texto jurídico²⁸². Anotando, ainda, que em países como o Brasil uma tese semântica não é suficiente para controlar o poder concedido aos juízes, destacando que, a fronteira entre discricionariedade e arbitrariedade é, por vezes, inexistente²⁸³.
Inicialmente, quanto à origem da tese em si, o autor assinala que ela é o produto da integração da hermenêutica filosófica gadameriana com a teoria da “law and integrity” de Dworkin, uma vez que ambas são antirrelativistas e antidiscricionárias, apostando, respectivamente, na tradição, coerência e integridade para deter as “contingências” do Direito que seduzem os juízes a julgar de maneira pragmática²⁸⁴.
Assim, a busca por respostas corretas aparece como um remédio contra a discricionariedade do positivismo. A existência de uma resposta adequada à Constituição deve, portanto, ser conformada na própria Constituição, não podendo depender da consciência do juiz, do livre convencimento ou da busca da “verdade real”, sob pena de ferir o princípio democrático. Enfrentar a discricionariedade, o ativismo, o positivismo fático, que são facetas do subjetivismo, significa um compromisso com a Constituição e com a legislação democraticamente constituída, na qual há uma discussão, na esfera pública, acerca de questões ético-morais da sociedade²⁸⁵.
Para que seja possível obter uma resposta adequada à Constituição, o autor formula cinco princípios ou padrões que são fundantes de sua teoria da decisão jurídica, quais sejam: a preservação da autonomia do direito, o controle hermenêutico da interpretação constitucional (a superação da discricionariedade), o respeito à integridade e à coerência do Direito, o dever fundamental de justificar as decisões e o direito fundamental a uma resposta constitucionalmente adequada²⁸ .
De igual sorte, a partir destes princípios e com base na teoria da decisão, surgem seis hipóteses onde, sob a perspectiva da Lenio Streck, será possível deixar de aplicar uma lei, sendo elas: quando a lei for inconstitucional, caso em que deverá ser exercido o controle de constitucionalidade, difuso ou concentrado; quando for o caso de aplicação de resolução de antinomia; quando for o caso de aplicar a interpretação conforme a Constituição; quando for o caso de aplicação de uma nulidade parcial sem redução de texto; quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto; e quando estiver em face de uma regra que se confronte com um princípio, ocasião em que a regra perde sua normatividade em face do princípio constitucional, compreendido como um padrão²⁸⁷.
Fora dessas seis hipóteses, o juiz tem a obrigação de aplicar a lei, ando esta a ser um imperativo de prescrição jurídica cogente, uma vez que fora dos seis parâmetros descritos anteriormente, muito provavelmente a decisão em questão estará fora dos padrões requeridos pelo Estado Democrático de Direito e será, portanto, arbitrária²⁸⁸ ²⁸ .
Outrossim, ainda há três questões que devem ser respondidas de maneira eloquente, para que se verifique se não está se incorrendo em uma postura ativista ou, ao revés, se teremos uma resposta adequada à Constituição
[...] O juiz deverá responder a três indagações fundamentais: se está diante de um direito fundamental com exigibilidade, se o atendimento a esse pedido pode
ser, em situações similares, universalizado, quer dizer, concedido às demais pessoas e se, para atender aquele Direito, está-se ou não fazendo uma transferência ilegal-inconstitucional de recursos, que fere a igualdade e a isonomia. Com essas três perguntas será possível verificar se o ato judicial é ativista ou está sendo realizado, contingencialmente, a judicialização da política. Sendo uma das três perguntas respondida negativamente, estar-se-á, com razoável grau de certeza, em face de uma atitude ativista² .
A partir das premissas e dos princípios ora referidos que o autor sustenta a existência de um direito fundamental a uma resposta adequada à Constituição, que não é a única resposta possível, nem a melhor² ¹.
O direito fundamental relacionado à resposta adequada à Constituição (ou uma resposta hermeneuticamente correta conforme a Constituição), portanto, nada mais é que um direito fundamental de que a Constituição seja cumprida. Tal resposta adequada possui um grau de abrangência que evita decisões ad hoc² ².
No que tange à jurisdição constitucional, em específico, a inibição de decisões ad hoc se opera mediante sua capacidade de proporcionar a aplicação em casos similares. Existirá coerência se os mesmos princípios, que foram aplicados em um determinado caso, forem aplicados para casos idênticos, pois estará a garantir a integridade do Direito por intermédio da força normativa da Constituição² ³.
Por final, o autor arremata acerca dos fins buscados por sua teoria da decisão jurídica:
[....] Entendemos que a jurisdição é uma tarefa de decisão, e não de escolha. Enquanto as escolhas estão relacionadas às preferências particulares, de modo que a alternativa escolhida não deve justificativa a terceiros, a decisão jurídica
assume uma dimensão pública, em que a sentença não pode vir do sentire, mas de uma resposta constitucionalmente adequada. Evidente que esta não é um ato subsuntivo; todavia, tampouco é um ato arbitrário. Do mesmo modo que o juiz não é escravo da lei, também não pode ser seu dono. Não afirmamos que o juiz é neutro. Ao revés, em Gadamer já entendemos que estamos inseridos numa tradição, em pré-conceitos, que nos possibilitam o ao mundo. O que sustentamos em nossos escritos sobre teoria da decisão é que a subjetividade do juiz deve ser constrangida epistemologicamente (quer dizer, controlada) pela intersubjetividade. Se isto não acontecer e cada um fizer as escolhas que entendem as melhores, haverá, consequentemente, uma fragmentação do fenômeno jurídico² ⁴.
Assim, em síntese, são estas as prescrições formuladas por Lenio Streck em sua Teoria da Decisão Jurídica, que visam conferir respostas adequadas à Constituição. De fato, suas colocações se mostram pertinentes e adequadas à temática, sobretudo diante da formulação e sistematização de um meio de se adjudicar respostas adequadas à Constituição, íveis de serem conformadas e afirmadas a partir do próprio texto constitucional. Essas soluções resultam aferidas por meio de padrões que observam uma sequência lógica, calcada na coerência e integridade do Direito, preservando sua autonomia e coibindo a discricionariedade e, sobretudo, evitando a arbitrariedade em decisões judiciais.
4.3 ENTRE RESTRIÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS E ATIVISMOS JUDICIAIS: UMA ANÁLISE A PARTIR DE DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Diante do quadro até aqui apresentado, mostra-se improrrogável confrontar tais proposições com o que tem sido decidido pelo Supremo Tribunal Federal, para que se possa observar de maneira mais concreta o que está ocorrendo, no atual contexto, relativamente à temática aqui abordada. Desta forma, foram selecionados três julgamentos que ilustram de maneira clara a temática do presente trabalho, os quais serão objeto de uma análise crítica.
4.3.1 O caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 178
O caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 178 referese à tentativa, levada a efeito pelo Procuradoria Geral da República, de regulamentar as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, garantindo-lhes os mesmos direitos que os companheiros heterossexuais através da via judicial, atacando as disposições do art. 1.723 do Código Civil e do art. 226, § 3º da Constituição Federal. Trata-se, pois, de um caso que obteve grande repercussão tanto na comunidade jurídica quanto na sociedade brasileira em geral, causando grande polêmica.
Neste caso em específico, faz-se possível formular duas críticas, conforme aponta Clarissa Ti, no que concerne ao procedimento adotado e à decisão oriunda do Supremo Tribunal Federal. A primeira diz respeito ao correto uso dos meios de controle de constitucionalidade; o segundo aspecto refere-se à possibilidade de análise do papel desempenhado pelo Poder Judiciário no tocante às questões de escolha política.
A discussão judicial referida se mostra ível de críticas por pelo menos dois motivos.²⁴³ Primeiro, por apontar para os problemas no manejo dos mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade; segundo, por possibilitar a análise do papel exercido pelo Judiciário na definição de questões de escolha política, o que, ao final, significa controverter acerca dos limites da atuação do Judiciário² ⁵.
Inicialmente, no que tange à questão do adequado uso dos meios de controle de constitucionalidade, o Ministro-Presidente Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal, ao receber a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, despachou a medida, determinando a emenda da petição inicial, uma vez que esta não indicava, de maneira clara, qual ato em espécie deveria ser desconstituído, bem como a forma pela qual o Estado estaria violando princípios fundamentais, convertendo a medida em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de interpretação conforme² .
Em cumprimento à determinação, o Ministério Público referiu que a ação tinha por objetivo o julgamento de dois elementos: o primeiro, referente à omissão do Estado ao deixar de reconhecer a união homoafetiva sem que fosse possível aludir a um caso em específico; e o segundo, referente à ocorrência de diversas decisões que, conforme a tese sustentada pelo Ministério Público, não estariam fazendo a leitura constitucional adequada do art. 1.723 do Código Civil, realizando interpretações restritivas deste dispositivo, o qual teria conteúdo de caráter exemplificativo, devendo, portanto, ser estendida sua possibilidade de aplicação às uniões homoafetivas, uma vez preenchidos os requisitos para reconhecimento da união estável, independentemente do sexo dos companheiros.
Com base nos argumentos apresentados pelo Ministério Público, verifica-se que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental não se mostra como meio adequado para o tratamento da questão. Caso efetivamente houvesse a referida omissão, o meio apropriado para que esta omissão fosse atacada seria pela via do mandado de injunção, que tem por escopo especificamente a articulação dos Poderes para o saneamento de omissões. No entanto, mesmo o mandado de injunção não se mostra capaz de solver a questão, uma vez que inexiste omissão, nos termos alegados pelo Ministério Público.
Acerca desta questão, Lenio Streck, Vicente Barretto e Rafael Tomaz de Oliveira assinalam que nem sempre uma omissão aponta para o vício da inconstitucionalidade, porque às vezes tal omissão se constitui em uma escolha política legítima do legislador, sendo, portanto, parte do sistema democrático e não uma omissão ível de correção através da via judicial² ⁷. De fato, observadas as redações textuais da Constituição Federal e do Código Civil, não
há que se falar em texto omisso, mas sim em texto bastante claro que revela uma escolha política adotada em sua elaboração pelo legislador, referindo-se a homem e mulher.
Cumpre destacar que não está se buscando um retorno ao positivismo exegético, mas demonstrar que, por mais que deva ser reconhecida a dimensão hermenêutica do direito, os limites semânticos devem ser observados. Conferir uma nova interpretação ao texto constitucional não significa possibilitar a substituição ou alteração do texto da Constituição pela decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, como buscava o Ministério Público, neste caso. Isso significa que o Supremo Tribunal Federal não está autorizado a usurpar de prerrogativas do Poder Legislativo, como, por exemplo, a competência para o reconhecimento e regularização dos direitos e garantias dos cidadãos, como é o caso das uniões estáveis homoafetivas² ⁸.
Outrossim, de qual forma poderia haver omissão se a própria Constituição prescreve que é dever do Estado proteger a união entre o homem e a mulher? Onde ficaria a omissão, uma vez que se trata de um comando constitucional e não se mostra possível falar em hierarquia entre normas constitucionais, sob pena de aceitar a tese de existência de normas constitucionais inconstitucionais² , diante da previsão que determina que a ação promovida pelo Estado seja no sentido de proteger a união entre homem e mulher?³
Neste sentido, Clarissa Ti refere que este julgamento se mostra extremamente relevante para responder a indagação a respeito de qual o papel deve ser desempenhado pelo Poder Judiciário neste momento:
Está certo que a controvérsia sobre o reconhecimento dos direitos homossexuais não pode ficar sem o devido amparo jurídico, contudo, isso deve ocorrer através de uma esfera mais ampla de representação social, pois vivemos em uma sociedade democrática, que, por seus pressupostos, exige a participação de todos segmentos na tomada de suas decisões fundamentais. Evidentemente, a relação
homoafetiva faz parte da realidade social, e, portanto, seu reconhecimento merece alcançar status jurídico, mas, ainda que a causa seja justa, não cabe a um tribunal, através de um ato investido de autoridade (e vontade), decidir de modo a contrariar o arcabouço jurídico existente no país³ ¹.
Oportuno salientar que aqui não se está a debater a legitimidade da pretensão de regulamentação das relações homoafetivas, o que se questiona é o meio pelo qual se buscou que esta regulamentação fosse efetivada. Neste caso, o Ministério Público se utilizou de maneira equivocada dos meios de controle de constitucionalidade e fez uma aposta com relação à matéria de fundo: que diante da ausência de tutela pelo legislativo das relações homoafetivas – uma escolha política, frise-se – o Poder Judiciário seria capaz de decidir sobre o tema sem as pressões típicas do Poder Legislativo. Em suma, apostou no protagonismo judicial e em um “bom ativismo” por parte do Supremo Tribunal Federal para solucionar a questão.
A este respeito, assinala Lenio Streck que não há como aferir uma postura ativista do Poder Judiciário como algo necessariamente “bom”:
[...] O mais correto é dizer que não há como determinar a “bondade” ou a “maldade” de um determinado ativismo judicial. O mais correto é dizer que questões como essa que estamos analisando não devem ser deixadas para serem resolvidas pela “vontade de poder” (Wille zur Macht) do Poder Judiciário. Delegar tais questões ao Judiciário é correr um sério risco: o de fragilizar a produção democrática do direito, cerne da democracia. Ou vamos itir que o direito – produzido democraticamente – possa vir a ser corrigido por argumentações teleológicas-fáticas-e/ou-morais?³ ²
Portanto, o que se viu neste caso foi uma decisão que, a despeito de estar calcada em uma pretensão legítima, carece de legitimidade democrática e foi amparada em uma aposta do Ministério Público quanto ao comportamento do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema. Neste ponto, a decisão foi saudada por
muitos como um grande avanço, inclusive referida como “um sonho tornado realidade”³ ³, podendo suscitar a percepção de que esta ampliou direitos fundamentais. Todavia, a forma como o tema foi conduzido pela via judicial expôs esta pretensão de reconhecimento das uniões homoafetivas a um risco, pois o Supremo Tribunal Federal poderia ter rechaçado em definitivo a possibilidade de reconhecimento das uniões homoafetivas.
Neste sentido, não se pode analisar a questão pelos seus resultados, visto que ativismos judiciais não podem ser considerados meios adequados de concretização de direitos, ainda que estes direitos sejam legítimos e que o Poder Judiciário venha a adotar posturas mais progressistas que as do Legislativo. Não se pode itir que direitos da sociedade - sobretudo direitos fundamentais – fiquem dependentes de posturas inconstantes e opiniões oscilantes dos julgadores, sujeitando direitos.
4.3.2 A Reclamação 4.335/AC
Conforme apresentado na primeira parte deste trabalho, coexistem no Brasil dois modelos de controle de constitucionalidade, compondo um modelo híbrido. Assim, cada um destes modelos de controle de constitucionalidade possui suas particularidades, sendo desejável que este sistema híbrido funcione de maneira adequada para que seja possível a apropriada tutela da constitucionalidade de dispositivos infraconstitucionais.
Dentre as características que distinguem os dois modelos de controle de constitucionalidade, destaca-se a distinção dos efeitos produzidos pelas decisões proferidas em sede de controle difuso e de controle concentrado. No que diz respeito ao controle concentrado de constitucionalidade, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal possuem efeito erga omnes, enquanto no controle difuso de constitucionalidade, suas decisões, por regra, possuem efeito inter partes, podendo ser concedido o efeito erga omnes na forma do art. 52, X da Constituição Federal, mediante a remessa ao Senado Federal para que seja editada medida suspendendo a aplicação de dispositivo legal declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Mais uma vez, o texto constitucional se mostrava inequívoco do ponto de vista textual. Porém, ao apreciar a Reclamação 4.355/AC, o Supremo Tribunal Federal entendeu por equiparar os efeitos do regime de controle difuso aos do controle concentrado, possibilitando a atribuição de efeito erga omnes e vinculante às decisões proferidas em sede de controle difuso, dispensando-se a participação do Senado Federal ou transformando-o em uma espécie de “diário oficial do Supremo Tribunal Federal”³ ⁴. Em seus votos, os ministros referiram que se estaria diante de uma “mutação constitucional”: no entanto, ao se analisar o caso é possível observar que não houve atribuição de uma nova norma a um texto, mas sim a substituição do texto da Constituição por um texto construído pelo
Supremo Tribunal Federal.
Neste julgamento, o Min. Gilmar Mendes assentou seu entendimento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, referindo que na Reclamação nº 1880, Relator Min. Marco Aurélio, julgado em 23/05/2002, o Tribunal reconheceu o cabimento de reclamações que comprovem “prejuízo resultante de decisões contrárias às teses do Supremo Tribunal Federal, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado”³ ⁵.
Por sua vez, o Min. Eros Grau asseverou expressamente que a decisão estava substituindo o texto constitucional por um novo texto:
O exemplo que no caso se colhe é extremamente rico. Aqui amos em verdade de um texto [compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal] a outro texto [compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo]³ .
Com relação a esta afirmação do Min. Eros Grau, assegura Clarissa Ti:
[...] Só há uma maneira de compreender tal posicionamento: como ativismo judicial. Afinal, como regra, (1) o efeito da decisão em sede de controle difuso não é erga omnes, (2) não se altera a redação da Constituição por meio de decisão judicial, (3) a situação não configura caso de mutação constitucional e, acima de tudo, (4) a leitura realizada por Eros Grau é tão destoante que não se trata de mera interpretação do texto constitucional, mas revela-se como criação de outro diferente³ ⁷.
De fato, o Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Reclamação 4335/AC reescreveu o texto constitucional e alterou o regime de controle difuso de constitucionalidade, modificando os efeitos das decisões proferidas em sede de controle difuso. No entanto, deve ser ponderado que há uma razão para que o art. 52, X esteja presente na Constituição Federal, da forma como este foi cogitado pelo poder constituinte originário.
Neste sentido aflora o pensamento de Lenio Streck, para quem o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal acaba por deslegitimar sua própria atuação, em decorrência da ausência de amparo aos ditames constitucionais de sua decisão:
Nos parece inquestionável que o papel das cortes constitucionais e de sua vinculação à Constituição nas distintas formas de controle da constitucionalidade, sobretudo, com maior rigor quando da análise de casos que tratem das chamadas cláusulas pétreas. Esta vinculação, longe de decorrer de uma simples retórica da dogmática, resulta da finalidade essencial do constitucionalismo e da natureza concreta dos fatos que se descrevem perante a corte controladora da constitucionalidade. Mesmo nos casos do chamado controle concentrado, qualquer tribunal constitucional somente agirá quando se comprove que a eventual violação da constituição é atual e efetiva, e não uma simples projeção intelectiva³ ⁸.
Outrossim, a razão de existência da regra contida no art. 52, X da Constituição Federal é conferir certo grau de participação democrática à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade. Ao remeter a decisão proferida ao Senado, a sociedade, de maneira indireta, por meio de seus representantes eleitos, aria a legitimar a decisão emanada do Supremo Tribunal Federal. No entanto, no julgamento em questão a maneira como o Supremo terminou por excluir a competência do Senado Federal, ao conferir-lhe apenas o papel de publicizar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, implicou reduzir as atribuições do Senado Federal às
de uma secretaria de divulgação das decisões do Supremo Tribunal Federal. Ademais, significa extirpar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes eleitos pelo povo deste aludido processo, o que não parece se coadunar com o que encontra determinado no texto da Constituição Federal³ .
De outra parte, para além da questão referente ao processo democrático pensado pelo legislador para legitimar o controle difuso de constitucionalidade, deve-se observar que as principais diferenças entre os modelos de controle de constitucionalidade residem justamente nos efeitos advindos da decisão proferida. O Supremo Tribunal Federal, assim, acabou por subverter o sistema misto brasileiro ao equiparar os modelos de controle de constitucionalidade, os quais deveriam coexistir no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, no que tange ao controle difuso de constitucionalidade, conforme previsto originalmente na Constituição Federal, mostra-se evidente que os efeitos só poderão ser ex nunc, uma vez que depende da edição de uma resolução do Senado para que se suspenda a aplicação da lei declarada inconstitucional pelo Supremo.
A este respeito, Lenio Streck, Martonio Mont’Alverne Barreto Lima e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira assinalam:
Como se não bastasse reduzir a competência do Senado Federal à de um órgão de imprensa, há também uma conseqüência grave para o sistema de direitos e de garantias fundamentais. Dito de outro modo, atribuir eficácia erga onmes e efeito vinculante às decisões do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade é ferir os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5.º, LIV e LV, da Constituição da República), pois assim se pretende atingir aqueles que não tiveram garantido o seu direito constitucional de participação nos processos de tomada da decisão que os afetará. Não estamos em sede de controle concentrado! Tal decisão aqui terá, na verdade, efeitos avocatórios. Afinal, não é à toa que se construiu ao longo do século que os efeitos da retirada pelo Senado Federal do quadro das leis aquela definitivamente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal são efeitos ex nunc e
não ex tunc. Eis, portanto, um problema central: a lesão a direitos fundamentais³¹ .
Portanto, ao equiparar os sistemas de controle difuso e controle concentrado de constitucionalidade, sob o pretexto de ter ocorrido mutação constitucional, o Supremo Tribunal Federal incorreu em indevida restrição a direitos fundamentais, uma vez que ao estender os efeitos erga omnes e vinculantes a uma decisão tomada em um processo específico, conferiu efeitos de uma decisão judicial a outros indivíduos sem que a eles tenha sido possibilitada a participação no decorrer da ação. Estender os efeitos de uma decisão judicial àqueles que não tiveram oportunidade de se manifestar no processo configura uma evidente violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, restando caracterizada a indevida restrição de direitos fundamentais por ocasião do julgamento da Reclamação 4.335/AC.
4.3.3 O caso do Habeas Corpus 126.292/SP
De fato, não resta dúvida quanto ao fato de este julgamento ser o caso mais problemático dentre os que foram selecionados para a presente análise crítica, representando o exemplo mais contundente a ser utilizado para tratar os fenômenos até aqui expostos. Trata-se de uma das decisões mais controversas do Supremo Tribunal Federal nos últimos 30 anos.
No caso em apreço, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela possibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade após a condenação em segunda instância. Esse julgamento importou em uma alteração do entendimento que havia sido adotado pelo próprio Supremo Tribunal Federal a partir do paradigmático julgamento do Habeas Corpus nº 84.078/MG, de relatoria do Min. Eros Grau, julgado em 05/02/2009, em que havia ficado assentado que a execução provisória da pena privativa de liberdade era incompatível com o princípio da presunção de inocência.
Todavia, deve-se destacar que este entendimento, referente à possibilidade de execução antecipada da pena até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não é inédito. De fato, durante a década de 1990, até o referido julgamento do HC 84.078/MG em 2009, prevalecia o entendimento de que era possível a execução provisória da pena³¹¹, até que, no julgamento anteriormente referido, restou definido pelo Supremo Tribunal Federal que a execução provisória antecipada da pena era incompatível com a Constituição Federal. O entendimento pelo qual era vedada a execução provisória da pena foi, portanto, fruto de uma construção prolongada no tempo. No entanto, apenas 6 anos após a afirmação deste entendimento, o Supremo Tribunal Federal voltou atrás.
Na visão de Lenio Streck, ao apreciar o Habeas Corpus 126.292/SP, o Supremo
Tribunal Federal operou verdadeiro overruling. Ao julgar o writ, o STF se valeu de equivocado argumento, que já havia sido invocado anteriormente por ocasião do HC 85.886/RJ, de relatoria da Min. Ellen Gracie, julgado em 06/09/2005, de que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema”, desconsiderando que a Constituição de nenhum desses países traz a compreensão de presunção de inocência tal qual insculpida no art. 5º, LVII, da Constituição Federal. Portanto, o STF entendeu que não há ofensa ao princípio constitucional da presunção da inocência, quando se trata de executar provisoriamente a pena, apesar de não ter havido qualquer discussão acerca da constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal³¹².
Efetivamente, o texto do art. 283 do P é claro e não deixa margem para qualquer dúvida a respeito de seu conteúdo, razão pela qual este merece ser citado textualmente, pois fundamental para a temática:
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva³¹³.
Diante desta situação instaurada, arremata Streck:
Essa decisão, até mesmo por parte de seus fundamentos, é um caso típico de ativismo judicial: não há fundamento jurídico constitucional que a sustente. Não há como salvar: o STF errou. Reescreveu a Constituição e aniquilou garantia fundamental. [...] Esse julgamento [...] foi um equívoco — julgou inconstitucional o próprio texto constitucional³¹⁴.
De igual sorte, no que diz respeito ao art. 283 do P, o autor ressalta que este
permanece hígido e não foi sequer mencionado quando o Supremo Tribunal Federal efetuou o julgamento do Habeas Corpus, afirmando que não há como deixar de aplicar um dispositivo legal sem que este seja declarado formalmente inconstitucional, constituindo esta a primeira de suas hipóteses para uma teoria da decisão jurídica, para que se possa deixar de aplicar uma lei, possibilitando uma resposta adequada à Constituição. Tal omissão leva a um paradoxo, pelo qual o dispositivo ordinário em comento permanece hígido e deve ser aplicado pelos tribunais estaduais e federais, uma vez que o Plenário do STF não se pronunciou sobre ele, sendo inviável que os tribunais inferiores deixem de aplicá-lo, sem que seja suscitado incidente de arguição de inconstitucionalidade, conforme determina o art. 949, parágrafo único, do Código de Processo Civil, combinado com Súmula Vinculante 10 do próprio Supremo Tribunal Federal³¹⁵.
Mauricio Martins Reis, por sua vez, discorda do posicionamento referente à necessidade de declaração expressa de inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, afirmando que se o Supremo Tribunal Federal interpreta a Constituição conferindo determinado sentido ao texto normativo nela contido, por conseguinte as normas infraconstitucionais deveriam guardar conformidade com o veredicto interpretativo da Suprema Corte a respeito da exegese da Carta Magna. Assim, todas as normas infraconstitucionais baseadas no texto normativo constitucional ou que o reproduzem literalmente devem ser interpretadas de acordo com o sentido atribuído ao texto normativo constitucional originário, de sorte que a interpretação da Constituição automaticamente gera a interpretação conforme de normas infraconstitucionais em harmonia àquilo que foi decidido sobre a norma constitucional³¹ .
Outrossim, ainda em relação ao conteúdo do art. 283 do P, Guilherme de Souza Nucci refere que este reproduz o conteúdo do art. 5º LXI, da Constituição Federal com o incremento de dados³¹⁷. Este é o mesmo entendimento adotado por Eugênio Pacelli e Douglas Fischer, os quais afirmam que, antes da Lei nº 12.403/11, a determinação constitucional deveria ser no sentido de que toda prisão decorreria de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, a qual já impunha a regra da proibição da execução provisória. Todavia, assinalam que a previsão legal de determinação de prisão antes do trânsito em julgado poderia autorizar uma interpretação conforme à
Constituição, para o fim de, excepcionalmente, aplicar-se a execução provisória quando ausentes quaisquer dúvidas a respeito da condenação e da impossibilidade concreta de sua modificação nas instâncias extraordinárias. No entanto, a partir da alteração do art. 283 do P, essa porta restou fechada, restando claro que a própria Lei Maior impede o juízo de exceção à regra geral da proibição da execução provisória³¹⁸
Foi precisamente este entendimento que embasou o voto vencido do Min. Ricardo Lewandowski, que invocou o adágio in claris cessat interpretativo, oriundo da escola da exegese, para dizer que neste caso não havia o que ser interpretado, a prescrição do texto constitucional é clara e não lhe parecia possível, sob qualquer ótica, superar a sua taxatividade, que refere que só se considera alguém culpado em virtude de sentença penal condenatória transitada em julgado³¹
De outra parte, em seu voto, o Min. Luís Roberto Barroso invoca a tese da mutação constitucional referente ao sentido da presunção de inocência³² . Assevera que a mutação constitucional ite a transformação de sentido e o alcance das normas, sem que ocorra qualquer modificação do texto da Constituição, sendo que esta pode acontecer diante de mudança na realidade fática ou de uma nova leitura do sentido do Direito. No entendimento do Min. Barroso, a mutação é uma modificação do sentido da norma, uma alteração na sua interpretação, muitas vezes ocorrida pela alteração dos valores da sociedade, ou mediante alteração da realidade sobre o sentido da norma³²¹.
Neste sentido afirma:
Trata-se, assim, de típico caso de mutação constitucional, em que a alteração na compreensão da realidade social altera o próprio significado do Direito. Ainda que o STF tenha se manifestado em sentido diverso no ado, e mesmo que não tenha havido alteração formal do texto da Constituição de 1988, o sentido que lhe deve ser atribuído inequivocamente se alterou³²².
Lenio Streck discorda deste posicionamento, asseverando que a compreensão da tese da mutação constitucional adotada pelo Min. Barroso em seu voto extrapolou os limites da já problemática tese invocada:
No entanto, mesmo diante dessa elaborada tese não podemos aceitar que houve uma mutação constitucional, porque é consabido que mutação apenas tem como consequência uma nova norma para um texto já existente. Só que a mutação, para ser mutação, tem uma condição: a de que a nova norma não seja, ela mesma, um novo texto. No caso é visível que o STF foi além daquilo que se pode entender “limites interpretativos”³²³.
Ademais, o referido autor aponta para os danosos riscos oriundos da adoção deste posicionamento pelo Supremo Tribunal Federal, destacando que este tipo de atuação é nociva para a democracia e fere a autonomia do direito, implicando em sua erosão, e assinala, ainda, que a decisão viola os limites semânticos do texto constitucional:
Penso que devemos levar a sério o texto constitucional. Falo dos limites semânticos (no sentido hermenêutico da palavra, como venho explicando de há muito). Essa questão assume maior risco quando se trata de cláusula pétrea. Com todo respeito que nutro pelo Judiciário e pela Suprema Corte, isso não é bom para a democracia. Há uma dimensão substantiva que não está à nossa livre disposição, não pode ser simplesmente convencionada pelas maiorias de ocasião. Temos uma Constituição! Ela serve para isso, é garantia!³²⁴
São estes os principais fundamentos pelos quais se entende que esta decisão foi tão problemática. A interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, importou em severa restrição de direito fundamental, para dizer o mínimo. A decisão se mostra um caso modelar para que seja inferido o que está acontecendo na jurisdição
constitucional brasileira atualmente. O Supremo Tribunal Federal, a pretexto de estar interpretando a Constituição, utilizou-se da tese da mutação constitucional, dentre outros expedientes controversos, para aniquilar determinado direito fundamental, inclusive no seu núcleo essencial, desrespeitando os limites semânticos do texto constitucional e alterando a regra do jogo enquanto ele estava sendo jogado, substituindo a regra reconhecida³²⁵.
É precisamente isso que afirma Lenio Streck:
Em suma, o que precisa ficar dito é que a recente interpretação proferida pelo STF, na qual se ressignificou a expressão “trânsito em julgado” ao discutir a garantia constitucional da presunção de inocência, não se trata de uma mutação constitucional. Não estamos diante de uma nova norma para um texto já existente. Como se sabe, para que se configure a mutação constitucional, é imprescindível que a nova norma não seja, ela mesma, um novo texto! Com efeito, ao criar um novo – e jamais pensado – sentido para a expressão “trânsito em julgado”, a Suprema Corte reescreveu a Constituição e aniquilou uma garantia fundamental, revelando todo seu viés realista. Isso porque, na comunidade jurídica, ninguém tem dúvida acerca de seu sentido. Todos sabem o que é sentença condenatória transitada em julgado. Em suma, ao redefinir a expressão “trânsito em julgado”, o STF não apenas ultraou os limites semânticos do texto constitucional, como lhe esvaziou seu sentido originário, ou mais primitivo, na medida em que segundo a interpretação proposta pelo ministro Teori Zavascki – e vencedora no plenário do Tribunal – “trânsito em julgado” se converteu, precisamente, em “não trânsito em julgado” ³²
Por final, deve ser destacado que a questão referente ao entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 126.292/SP já foi objeto de outros questionamentos em momentos posteriores ao julgamento, devendo ser salientado que a controvérsia acerca da possibilidade da execução provisória da pena persiste no âmbito do STF, havendo ao menos dois momentos recentes em que esta possibilidade foi questionada e gerou grande controvérsia entre os Ministros.
O primeiro destes momentos incidiu em razão do ajuizamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, visando justamente a declaração de constitucionalidade do art. 283 do P. Inicialmente foi deferido pelo Relator o pedido cautelar de liminar nas ADCs para suspender a possibilidade de execução provisória da pena até o julgamento definitivo das ações em questão. No entanto, ao levar a medida ao Plenário do STF, por 6 votos a 5, foi entendido por aplicar o entendimento anteriormente adotado por ocasião do julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, derrubando a liminar anteriormente concedida e autorizando a continuidade da execução provisória da pena. O mérito das ações declaratórias de constitucionalidade ainda se encontra pendente de julgamento³²⁷.
Posteriormente, a questão foi novamente objeto de controvérsia, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus 152.752/PR, quando novamente por 6 votos a 5, foi mantido o entendimento no sentido de possibilidade de execução provisória da pena. Todavia, neste caso em específico, uma peculiaridade merece ser ressaltada: ao proferir o seu voto a Min. Rosa Weber asseverou que aplicava o entendimento adotado anteriormente no Habeas Corpus 126.292/SP em virtude do “princípio da colegialidade” e que, se o julgamento efetuado fosse o das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, teria votado em sentido diverso, incidindo em verdadeira contradição em suas próprias premissas. Ademais, essa afirmação da Min. Rosa Weber gerou grande discussão em razão de afirmações provenientes do Min. Marco Aurélio Mello de que a Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Carmen Lúcia, estaria manobrando a pauta do Plenário para evitar que as ações declaratórias de constitucionalidade fossem levadas a julgamento³²⁸.
Por final, a respeito do resultado desta questão envolvendo a constitucionalidade do art. 283, cumpre referir:
Para dizer que era cabível a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado, não basta que o STF se refira a uma redefinição da interpretação do
inciso LVII do artigo 5º da CF (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”). Por que o constituinte teria posto esse inciso? Se não fosse para, exatamente, dizer o que depois foi posto no artigo 283, não precisaria tê-lo feito. Por que a expressão “trânsito em julgado”? O que é trânsito em julgado? Ora, enquanto couber qualquer tipo de recurso, uma decisão não transita. Então temos a holding — princípio constitucional — e o enunciado que explicita isso no plano de uma regra (artigo 283). Mutilação inconstitucional, pois, com o devido respeito³² .
Portanto, diante de toda controvérsia gerada a partir do julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, pela adoção deste problemático entendimento, restringindo de maneira extrema direito fundamental, fundado em uma decisão amparada em argumentos frágeis, constata-se o estado de insegurança jurídica a que restou exposto o Supremo Tribunal Federal, a população brasileira e o próprio Estado Democrático de Direito, sendo este o infeliz corolário dos fenômenos que foram expostos neste trabalho. A indevida ingerência do Poder Judiciário em questões políticas e a adoção de posições ativistas, ainda que estejam fundadas em pretensões legítimas, pode se mostrar extremamente danoso à autonomia do direito e à preservação da integridade constitucional, como ocorrido nos casos assinalados.
No entanto, deve ser destacado que o Supremo Tribunal Federal foi posteriormente salvo, por ele próprio, ao julgar as Ações Diretas de Constitucionalidade nº. 43, 44 e 54, onde foi reconhecida a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal. De fato, no caso, não há como dizer que o art. 283 seja inconstitucional, uma vez que ele simplesmente replica o que está expresso na Constituição Federal e seu texto foi alterado no ano de 2011, justamente para que se coadunasse com aquilo que foi decidido pelo STF no ano de 2009 em relação à matéria.
O julgamento destas ADCs³³ se mostra um salutar acerto do Supremo Tribunal Federal ao fazer valer o direito em detrimento da moral ou da política. Não existe ativismo judicial benéfico, conforme vimos ao longo desta obra, por isso,
ao reconhecer a constitucionalidade do art. 283 do P, ou Supremo Tribunal Federal cumpriu seu papel de Guardião da Constituição e, por conseguinte, de proteção aos direitos fundamentais.
199 A este respeito, Luís Roberto Barroso aponto três “gargalos” como as razões responsáveis pelo assoberbamento do Supremo Tribunal Federal: o congestionamento do Plenário; o acúmulo de processos com repercussão geral reconhecida; e o volume de habeas corpus. (BARROSO, Luís Roberto. Reflexões sobre as competências e o funcionamento do Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
o em: 10/10/2018.)
200 Neste sentido, cumpre destacar o seguinte trecho: “A atuação do Poder Judiciário certamente serve para contrabalancear as omissões e abusos dos demais Poderes, os quais também possuem o direito e o dever de fiscalizar se a aplicação do Direito tem sido regularmente estabelecida por aquele”. (ANDREASSA JUNIOR, Gilberto. Ativismo judicial & teoria dos precedentes: integração dos poderes e coerência nas decisões do judiciário. Curitiba : Juruá, 2015. p.54.)
201 STRECK, Lenio Luiz. O ativismo judicial existe ou é imaginação? Disponível em: < http://www.osconstitucionalistas.com.br/o-ativismo-judicialexiste-ou-e-imaginacao> ado em: 03 de outubro de 2018.
202 “[...] Coerência e integridade manifestam-se como elementos da igualdade. No vaso especial da decisão judicial, isso significa que os diversos casos serão julgados com igual consideração. Analiticamente pode-se dizer que: a) coerência liga-se à consistência lógica que o julgamento de casos semelhantes deve guardar entre si. Trata-se de um ajuste que as circunstâncias fáticas que o caso
deve guardar com os elementos normativos que o Direito impõe ao seu desdobramento; e b) integridade é a exigência de que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do Direito, numa perspectiva de ajuste de substância. A integridade traz em si um aspecto mais valorativo/moral enquanto a coerência seria um modus operandi, a forma de alcança-la.” (STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz crítica hermenêutica do Direito. – Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, 2017. p. 34.)
203 DIAS, Eduardo Rocha. Os limites às restrições de direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988. Revista Esmafe: Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, Recife, n. 13, p. 77-93, mar. 2007. p. 2.
204 SARLET, 2015. p.403.
205 DIAS. Op.Cit. p. 2.
206 Neste sentido assinala Luis Guilherme Marinoni,; “O ideal da supremacia do legislativo era o de que a lei e os códigos deveriam ser tão claros e completos que apenas poderiam gerar uma única interpretação, inquestionavelmente correta. O resultado da interpretação só poderia ser um único resultado possível. A lei era bastante e suficiente para que o juiz pudesse solucionar os conflitos sem que precisasse recorrer às normas constitucionais. ” (MARINONI, Luiz Guilherme. Novo curso de processo civil volume 1 [livro eletrônico]– 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 19.)
207 SARLET, 2015. p. 413.
208 Ibid.
209 Robert Alexy utiliza em sua teoria dos direitos fundamentais a terminologia “restrição às restrições” para designar este instituto no âmbito de sua teoria. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais – São Paulo : Malheiros editores. 2008. p. 296)
210 FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos fundamentais: limites e restrições – Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. p. 185.
211 SARLET, 2015. p. 413.
212 Ibid.
213 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 3ª. ed. - Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 173.
214 FREITAS, 2007. p. 187.
215 ALENCAR INGREJA, Ricardo. Limites às restrições de direitos fundamentais [livro digital] – Rio de Janeiro: Jaguatirica. 2017. p. 30.
216 FREITAS, 2007. p. 189
217 SARLET, 2015. p. 421.
218 FREITAS, 2007. p. 193.
219 ALENCAR INGREJA, 2017. p. 35.
220 ALEXY, 2008. p.297.
221 CANOTILHO , J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição Coimbra: Almedina, 1998, p. 419
222 AFONSO DA SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais: Conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. 3ª tiragem. – São Paulo : Malheiros Editores, 2014. p. 186.
223 ALENCAR IGREJA. 2017. p. 35.
224 FREITAS, 2007. p. 198.
225 Ibid. p. 199.
226 ALEXY, 2008. p. 297-298.
227 CANOTILHO, 1998. p. 154.
228 FREITAS, 2007. p. 204-205.
229 ALENCAR IGREJA, 2017. p. 30.
230 FREITAS, 2007. p. 205.
231 AFONSO DA SILVA. 2014. p. 168
232 “O problema dessa denominação reside no fato que na linguagem jurídica brasileira, “máxima” não é um termo utilizado om frequência e, mais que isso, pode às vezes dar a impressão de se tratar não de um dever, como é o caso da aplicação da proporcionalidade, mas de uma mera recomendação” (AFONSO DA SILVA. 2014. p. 168)
233 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios, da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 7ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 2008. p. 112.
234 SARLET, 2015. p. 414.
235 ÁVILA, 2008. p. 158.
236 ALENCAR IGREJA, 2017. p. 30.
237 AFONSO DA SILVA, 2014. p. 170
238 FREITAS, 2007. p. 210.
239 A respeito da proporcionalidade em sentido estrito, Robert Alexy e Virgílio Afonso da Silva afirmam que o meio para a resolução desta questão é a técnica de sopesamento. No entanto, dado o enfoque deste estudo, bem o a crítica formulada por Lenio Streck em relação a forma como o sopesamento (ponderação) fere a autonomia do direito e, sobretudo, a complexidade da temática em questão, esta não será abordada, por não ser pertinente à temática. Todavia a título exemplificativo cita-se: “A última etapa da proporcionalidade, que consiste em um sopesamento entre os direitos envolvidos, tem como função principal justamente evitar esse tipo exagero, ou seja, evitar que medidas estatais, embora adequadas e necessárias, restrinjam direitos fundamentais além daquilo que a realização do objetivo perseguido seja capaz de justificar.” (AFONSO DA SILVA, 2014. p. 175)
240 ÁVILA, 2008. p. 124
241 Ibid.
242 SARLET, 2015. p. 418.
243 AFONSO DA SILVA, Virgílio. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798 (2002): 23-50. p. 8.
244 Ibid.
245 ÁVILA, 2008. p. 102.
246 FREITAS, 2007. p. 128.
247 CANOTILHO, 1998. p. 385.
248 Ibid.
249 FREITAS, 2007. p. 220.
250 SARLET, 2015. p. 424
251 Esta expressão é formulada por Ingo Sarlet especificamente para se referir ao princípio da dignidade da pessoa humana no contexto dos limites dos direitos fundamentais. (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006. p. 113.)
252 FREITAS, 2007.p. 221.
253 Ibid.
254 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro:0 Lumen Juris, 2003.
255 ALENCAR IGREJA, 2017. p. 32.
256 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: Dignidade da Pessoa Humana, Direitos Fundamentais e Proibição do Retrocesso Social no Direito Constitucional Brasileiro. In: ROCHA, Carmen Lúcia Antunes (Org.) Constituição e Segurança Jurídica. Belo Horizonte: Forum, 2004, p. 94
257 SARLET, 2004. p. 94.
258 BEZERRA NETO, Bianor Arruda. Limites da Interpretação Jurídica e o Direito que Queremos Ter. Revista da AJUFE. ed. 95. Ano 28. p. 382.
259 OLIVEIRA, Henrique Silva de. A exaltação de “regras de jogos” como modelo de referência na teoria jurídica do séc. XX: Uma abordagem em Hart e Ross, com um olhar sobre Gregório Robles. In Filosofia do direito I [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFSC; coordenadores: José
Alcebíades de Oliveira Junior, Robson Tramontina, André Leonardo Copetti Santos. – Florianópolis : CONPEDI, 2014. p. 8
260 HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 2ª Edição. Lisboa – Fundação Calouste Gulbekian. 1995. p. 113.
261 HART, 1995, p. 157-158.
262 A título exemplificativo, de um esporte mais próximo de nossa realidade, imaginemos uma partida de futebol. A regra de reconhecimento do jogo diz que, caso um jogador caia dentro da área será marcada penalidade máxima. No caso, de o árbitro não ver o lance ou entender que o jogador caiu fora da área, isso não significa que não se esteja mais jogando futebol. No entanto, caso o árbitro verifique que um jogador caiu dentro da área, marque a penalidade máxima e determine que ao invés do jogador deve chutar diretamente em gol este deve realizar um saque de vôlei na bola, esta alteração substancial e incongruente da regra fulmina o jogo, caso os jogadores aceitem continuar a o jogar não se estará mais diante de uma partida de futebol, mas sim diante do jogo do árbitro e das regras dele.
263 HART, 1995. p. 158.
264 OLIVEIRA. Op. Cit. p. 9.
265 STRECK, Lenio Luiz. Os limites semânticos e sua importância na e para a democracia. Revista da AJURIS – v. 41 – n. 135 – Setembro 2014. p. 174.
266 Acerca do que vem a ser a virada linguística ou linguistic turn, afirma Lenio Streck: “Pode-se afirmar que, no linguistic turn, a invasão que a linguagem promove no campo da filosofia transfere o próprio conhecimento para o âmbito da linguagem, onde o mundo se descortina; é na linguagem que se dá a ação; é na linguagem que se dá o sentido (e não na consciência de si do pensamento pensante). O sujeito surge na linguagem e pela linguagem, a partir do que se pode dizer que o que morre é a subjetividade “assujeitadora”, e não o sujeito da relação de objetos (refira-se que, por vezes, há uma leitura equivocada do giro linguístico, quando se confunde a subjetividade com o sujeito ou, se assim se quiser, confunde-se o sujeito da filosofia da consciência [s-o] com o sujeito presente em todo ser humano e em qualquer relação de objetos). (STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? – 4. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p.)
267 STRECK. Op. Cit. p. 174
268 Lenio Streck formula uma lista do que denomina de “paradigma da subjetividade”, em que o julgador coloca sua consciência ou convicção como objetivo de sua atividade, adentrando no cenário jurídico: “a) interpretação como ato de vontade do juiz ou no adágio ‘sentença como sentire’; b) interpretação como fruto da subjetividade judicial; c) interpretação como produto da consciência do julgador; d) crença de que o juiz deve fazer a ‘ponderação de valores’ a partir de seus ‘valores’; e) razoabilidade e/ou proporcionalidade como ato voluntarista do julgador; f) crença de que ‘os casos difíceis se resolvem discricionariamente’; g) cisão estrutural entre regras e princípios, em que estes proporciona(ria)m uma ‘abertura de sentido’ que deverá ser preenchida e/ou produzida pelo intérprete.” (STRECK, 2013, p. 33).
269 STRECK. Op. Cit. p. 175-176
270 Ibid. p. 174-175.
271 ALEXANDER, Larry; SHERWIN, Emily. Demystifying Legal Reasoning. New York: Cambridge University Press. 2008. p. 221-222.
272 ALEXANDER; SHERWIN, 2008. p. 221-222.
273 A este respeito: “E, por favor, que não se venha com a velha história de que “cumprir a letra ‘fria’ (sic) da lei” é assumir uma postura positivista...! Aliás, o que seria essa “letra fria da lei”? Haveria um sentido em si mesmo da lei? Na verdade, confundem-se conceitos. As diversas formas de positivismo não podem ser colocadas no mesmo patamar e tampouco podemos confundir uma delas (ou as duas mais conhecidas) com a sua superação pelo e no interior do paradigma da linguagem. Tentarei explicar isso melhor: positivismo exegético (que era a forma do positivismo primitivo) separava direito e moral, além de confundir texto e norma, lei e direito, ou seja, tratava-se da velha crença – ainda muito presente no imaginário dos juristas – em torno da proibição de interpretar, corolário da vetusta separação entre fato e direito, algo que nos remete ao período pós-revolução sa e todas as consequências políticas que dali se seguiram. Depois veio o positivismo normativista, seguido das mais variadas formas e fórmulas que – identificando (arbitrariamente) a impossibilidade de um “fechamento semântico” do direito – relegou o problema da interpretação jurídica a uma “questão menor” (lembremos, aqui, de Kelsen). Atente-se: nessa nova formulação do positivismo, o problema do direito não está(va) no modo como os juízes decidem, mas, simplesmente, nas condições lógico-deônticas de validade das “normas jurídicas”. (STRECK, Lenio Luiz. Aplicar a “Letra da Lei” é uma Atitude Positivista?. Revista Novos Estudos Jurídicos, eletrônica, v. 15, n. 1, jan./abr. 2010. p. 170)
274 STRECK. Op. Cit. p. 176.
275 STRECK. Op. Cit. p. 186
276 Acerca da literalidade do texto: “É necessário insistir que a literalidade e a ambiguidade são conceitos intercambiáveis que não são esclarecidos numa dimensão simplesmente abstrata de análise dos signos que compõem um enunciado. Tais questões sempre remetem a um plano de profundidade que carrega consigo o contexto no qual a enunciação tem sua origem. Esse é o problema hermenêutico que deve ser enfrentado. Problema esse que, argumentos ilusórios como o mencionado, só fazem esconder e, o que é mais grave, com riscos de macular o pacto democrático. ” (Ibid. p. 184.)
277 Ibid.
278 Em latim Verba cum effectu, sunt accipeida: “Não se presumem, na lei, palavras inúteis” ou, literalmente, “Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia”. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 13ª ed; - Rio de Janeira: Forense, 1993. p. 250)
279 VIANNA, Felipe Augusto Fonseca. Texto, norma e decisão: porque não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”. Cognitio Juris - Ano IV Número 10 - Junho 2014. p 223.
280 STRECK, 2014. p. 311.
281 STRECK, Op. Cit. p. 180.
282 STRECK, 2014. p. 311.
283 Ibid, p. 325.
284 STRECK, 2017. p. 254.
285 Ibid. p. 258.
286 STRECK, 2014, p. 330 e seguintes.
287 Acerca desta última hipótese, que pode parecer, à primeira vista, contraditória dentro de suas premissas, Lenio Streck assinala que esta afirmativa deve ser compreendida dentro de um universo restritivo: “Claro que isso somente tem sentido fora de qualquer pamprincipiologismo. É através da aplicação da principiologia que será possível a não aplicação da regra a determinado caso (a aplicação principiológica sempre ocorrerá, já que não há regra sem princípio e princípio só existe a partir de uma regra – [...]). Tal circunstância, por óbvio, acarretará um compromisso de comunidade jurídica, na medida em que, a partir de uma exceção, casos similares exigirão – mas exigirão mesmo – aplicação similar, graças à integridade e à coerência. Trata-se de entender os princípios em seu caráter deontológico e não meramente teleológico. Como uma regra só existes - no sentido da applicatio hermenêutica – a partir de um princípio que lhe densifica o conteúdo, a regra só persiste, naquele caso concreto, se não estiver incompatível com um ou mais princípios. A regra permanece vigente e é válida; só deixa de ser aplicada naquele caso concreto. Se a regra é, em definitivo, inconstitucional, então se aplica a hipótese 1.” (STRECK, 2014. p. 348)
288 STRECK, 2017. p. 258-259.
289 STRECK, 2014. p. 348
290 STRECK, 2017. p. 259.
291 STRECK. Op. Cit. p. 182.
292 STRECK, 2017. p. 687.
293 Ibid.
294 STRECK. Op. Cit. p. 186.
295 TI, 2013. p. 114.
296 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-102011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001
297 STRECK, Lenio Luiz; BARRETTO, Vicente de Paulo; TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. Ulisses e o canto das sereias: sobre ativismos judiciais e os perigos da instauração de um “terceiro turno da constituinte”. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito. v. 1, n. 2 (2009). p. 80.
298 TI, 2013. p. 115.
299 A respeito do que vem a ser a tese das normas constitucionais inconstitucionais, esta foi formulada por Otto Bachoff, no período posterior a entrada em vigor da Lei Fundamental de Bonn, diante do déficit democrático oriundo deste documento que havia sido promulgado sob a supervisão dos aliados ao final da Segunda Guerra Mundial. A tese se encontra assentada na possibilidade de que normas constitucionais possam ser consideradas inconstitucionais por contrariar algum tipo de essência jurídica absoluta, ou ainda o próprio sistema interno do texto constitucional, de modo a permitir uma alteração significativa de seu conteúdo. Tratava-se, portanto, de uma tentativa de afirmação de um direito para além da própria lei fundamental que possibilitasse uma verdadeira Constituição alemã. (BACHOFF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? – Coimbra: Editora Atlântida, 1994) No Brasil, a tese das normas constitucionais inconstitucionais já foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 815/DF, de Relatoria do Min. Moreira Alves.
300 STRECK; BARRETTO; TOMAZ DE OLIVEIRA. Op. Cit. p. 77.
301 TI, 2013. p. 115.
302 STRECK; BARRETTO; TOMAZ DE OLIVEIRA. Op. Cit. p. 78.
303 Por todos, ver: DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 5ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 7.
304 LEITE; STRECK; NERY JUNIOR, 2017. n.p.
305 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 1880 AgR, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 19-03-2004 PP-00017 EMENT VOL-02144-02 PP-00284.
306 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-208 DIVULG 21-102014 PUBLIC 22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001
307 TI, 2013. p. 112.
308 LEITE; STRECK; NERY JUNIOR, 2017. n.p.
309 LEITE; STRECK; NERY JUNIOR, 2017. n.p.
310 STRECK, Lenio Luiz; LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Nova perspectiva do supremo tribunal federal sobre o controle difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional. Revista do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da FUNDINOPI. n. 7 – Jacarezinho, 2007. p.
311 Tal circunstância é referida inclusive pelo Relator do HC 126.292/SP, Min. Teori Zavascki, em suas razões de decidir, asseverando: “A possibilidade da execução provisória da pena privativa de liberdade era orientação que prevalecia na jurisprudência do STF, mesmo na vigência da Constituição Federal de 1988.
Nesse cenário jurisprudencial, em caso semelhante ao agora sob exame, esta Suprema Corte, no julgamento do HC 68.726 (Rel. Min. Néri da Silveira), realizado em 28/6/1991, assentou que a presunção de inocência não impede a prisão decorrente de acórdão que, em apelação, confirmou a sentença penal condenatória recorrível” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal HC 126292, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-052016)
312 LEITE; STRECK; NERY JUNIOR, 2017. n.p.
313 BRASIL. Código de Processo Penal - DEL 3.689/1941 (DECRETO-LEI) 03/10/1941. DOFC DE 13/10/1941, P. 19699
314 Ibid.
315 LEITE; STRECK; NERY JUNIOR, 2017. n.p.
316 REIS, M. Maurício. O sucedâneo precedentalista da interpretação da Constituição na fiscalização de constitucionalidade procedida pelo tribunal constitucional. In: I Congresso Internacional de Direito Público: Justiça e Efetivação dos Direitos Humanos, 2016. Coimbra, Portugal. Anais (on-line). Disponível:
o em 18/10/2018.
317 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado – 15. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 537.
318 PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 464
319 BRASIL, 2016. p. 97.
320 Para além da invocação da mutação constitucional, o Min. Barroso invoca uma série de argumentos consequencialistas os quais se discorda de maneira veemente no que tange à sua utilização enquanto justificação e fundamentação de uma decisão, como por exemplo enumera que o posicionamento anteriormente adotado teria funcionado como um “poderoso incentivo à infindável interposição de recursos protelatórios”, teria reforçado “a seletividade já que “a possibilidade de recorrer em liberdade aproveita sobretudo aos réus abastados”, e por final, contribuiria “para agravar o descrédito do sistema de justiça penal junto à sociedade”. Com a devida vênia, tais argumentos não se mostram condizentes com a autonomia do direito que se deseja; trata-se de um típico caso de atuação dos predadores do direito, como a moral e a política. (BRASIL, 2016. 31 e s.s.)
321 BRASIL, 2016. p. 31.
322 Ibid. p. 35.
323 LEITE; STRECK; NERY JUNIOR, 2017. n.p.
324 LEITE; STRECK; NERY JUNIOR, 2017. n.p
325 Deve ser destacado, ainda, que, para além de todas as questões aqui analisadas referentes ao conteúdo da decisão em análise, sob a perspectiva processual, o Habeas Corpus é um remédio constitucional de uso exclusivo da defesa do paciente e, por meio deste writ, o Supremo Tribunal Federal alterou seu entendimento em desfavor do réu.
326 LEITE; STRECK; NERY JUNIOR, 2017. n.p.
327 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADC 43 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 06-03-2018 PUBLIC 07-03-2018)
328 Cumpre referir a este respeito: “O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É que Vossa Excelência anunciou, ao grande público, que colocar as declaratórias em pauta dirigida, com data designada, seria apequenar o Tribunal. Não penso dessa forma.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 152752, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 26-06-2018 PUBLIC 27-06-2018.)
329 LEITE; STRECK; NERY JUNIOR, 2017. n.p.
330 Vale destacar a brilhante sustentação oral feita pelo professor Lenio Streck por ocasião do julgamento das referidas ADCs onde aplicou a tese do constrangimento epistemológico in loco demonstrando aos ministros do Supremo Tribunal Federal outros casos em que estes haviam votado em determinado sentido e a razão pela qual deveriam votar de acordo com seu
próprio entendimento ao julgar as ADCs. A transcrição completa da sustentação oral pode ser lida em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/10/art20191017-09.pdf
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta obra se buscou a realização de uma análise crítica da complexa relação estabelecida entre as temáticas dos direitos fundamentais e da jurisdição constitucional no Brasil, ao longo dos últimos 30 anos. De fato, a nova ordem normativa inaugurada a partir da Constituição Federal de 1988 se mostrou como um avanço sem precedentes na história do Direito brasileiro no que tange aos direitos fundamentais, com a consagração de um amplo e aberto acervo de direitos assegurados constitucionalmente, oportunizando que mais direitos fundamentais venham a ser reconhecidos e preservados. Verifica-se, assim, o caráter compromissário do legislador constitucional e a valorização do Estado Democrático de Direito, pautado no respeito aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana.
Assim, para a tutela e preservação desta ampla gama de direitos fundamentais presentes no texto constitucional, o legislador proporcionou um extenso rol de instrumentos de controle de constitucionalidade, optando pela preservação do modelo híbrido de jurisdição constitucional que vigorava no Brasil antes do advento da ordem constitucional democrática, solidificando-o através do aumento do número de ações constitucionais disponíveis, buscando conferir um abrangente e adequado o a tais meios jurídicos de tutela constitucional. Dessa forma, impulsionou-se uma grande investida por parte do legislador constituinte quanto ao papel a ser desempenhado pelo Poder Judiciário na democracia brasileira.
No entanto, conforme se verificou no decorrer deste estudo, a aposta efetuada no protagonismo do Poder Judiciário não restou salvaguardada de situações problemáticas que se desvelaram com o ar do tempo, sendo que a adoção de posições ativistas por parte do Poder Judiciário e, de maneira mais específica, pelo Supremo Tribunal Federal, tem se mostrado íveis de críticas, sobretudo
em face de uma jurisdição decisória recente marcada por decisões arriscadas, que fragilizam a autonomia do direito e restringem de maneira indevida os direitos fundamentais envolvidos. Se no processo de elaboração da Constituição se vislumbrou a atuação do Supremo Tribunal Federal para que exercesse a função de “Guardião da Constituição” na República, não se pode itir neste momento que o Supremo se julgue “dono” da Constituição, alterando o texto constitucional por meio de suas decisões.
Tais circunstâncias revelam alguns dos principais desafios enfrentados hodiernamente no tocante à temática dos direitos fundamentais e da jurisdição constitucional. Neste cenário, marcado por um intenso protagonismo judicial vivenciado no Brasil conforme restou demonstrado ao longo deste trabalho, resta confirmada a importância da pesquisa elaborada e da temática abordada, mormente em face da necessidade do estabelecimento de limites à atuação do Poder Judiciário em suas decisões.
Em um Estado Democrático de Direito, o sistema de freios e contrapesos estabelecido na Constituição é essencial para a manutenção da ordem. No entanto, em face da grave crise política e institucional em que o Brasil se encontra imerso, sobretudo frente à descrença da população nas instâncias democráticas tradicionais, é possível constatar uma transferência de representatividade que deveria ser exercida pelos mandatários dos poderes Executivo e Legislativo para um poder que deveria ter sua atuação pautada por um agir eminentemente técnico e contido nos moldes da legislação em vigor, que é o Poder Judiciário.
Foi sob esta perspectiva, buscando contemplar os anseios da população em vista de uma sociedade justa e conferir respostas às questões que não estão sendo adequadamente enfrentadas pelos outros poderes, que o Supremo Tribunal Federal se alçou como um verdadeiro “superpoder” dentro da República, adotando posições muitas vezes ativistas e problemáticas. De fato, restou demonstrada a importância da realização de uma crítica à adoção de posições ativistas, mesmo aquelas que podem ser consideradas bem-intencionadas ou
benignas, pois elas podem se revelar como uma verdadeira “caixa de Pandora”, cujo interior é capaz de manifestar as mais imprevisíveis ressonâncias.
Tal cenário explicita de maneira cabal que não se deve incensar o poder. O poder deve ser contido e limitado. De igual sorte, o ativismo judicial não pode ser visto como uma solução para a crise em que o Brasil se encontra, devendo ser considerado um problema, cuja solução a pela adoção de medidas que visem a sua contenção crítica e esclarecida, principalmente no que tange a evitar a afetação indevida de direitos fundamentais sob a responsabilidade do Poder Judiciário.
Para além desta conclusão basilar aferida através desta pesquisa, referente à importância da oposição de limites a posturas ativistas por parte do Supremo Tribunal Federal e de todo Poder Judiciário, devem ser salientadas outras considerações importantes extraídas ao longo deste estudo, revelando a importância da temática abordada e sua pertinência para este momento experimentado pelo Brasil.
A primeira delas diz respeito à importância da valorização dos direitos fundamentais presentes em nossa Constituição. Restou claro que nunca antes na história constitucional brasileira foi conferido um tratamento de tamanha grandeza e importância aos direitos fundamentais, inclusive com a previsão de um catálogo aberto para o incremento normativo de novos direitos, demonstrando a clara intenção do legislador constitucional de que estes direitos fossem ampliados e não subtraídos ou restringidos de maneira indevida por ação dos poderes constituídos.
De igual sorte, a adoção de um modelo híbrido de controle de constitucionalidade se evidenciou como uma busca em vista da ampla tutela de direitos fundamentais, possibilitando o o em larga a escala às diversas ações constitucionais previstas no texto constitucional, cuja ampla disponibilidade igualmente não guarda precedentes em nossa história jurídica.
No entanto, este leque de ações constitucionais acabou por assoberbar o Poder Judiciário com um excessivo número de demandas, importando na acentuação de dois fenômenos que estão sendo erroneamente tratados como sinônimos: a judicialização da política e o ativismo judicial, cujo adequado tratamento adequado urge dispensar em sede de compreensão e prática.
A partir desta situação instaurada, se mostra essencial a diferenciação entre o ativismo judicial e a judicialização da política. A judicialização da política deve ser reconhecida como um fenômeno inexorável e contingencial, próprio do Estado Democrático de Direito, enquanto o ativismo judicial deve ser visto como um comportamento errático e perigoso, estando associado a atos de vontade emanados dos juízes, bem como da utilização de critérios não jurídicos em suas decisões, configurando, destarte, um excesso aos limites de atuação legítima do Poder Judiciário.
De outra parte, há que se salientar que foi possível constatar que não se está vivenciando um processo de “commonlawlização” do direito brasileiro. Em verdade o que se tem observado é uma busca por soluções para os problemas criados no Brasil através da adoção de institutos oriundos de tradições jurídicas distintas da nossa. De maneira mais específica, no âmbito da jurisdição constitucional, deve-se assinalar que a partir das peculiaridades emergentes da adoção de um modelo misto de controle de constitucionalidade, busca-se importar um sistema de precedentes oriundo da common law como “remédio” para os dilemas resultantes da ausência de vinculação das decisões dos tribunais pátrios.
No mesmo sentido, deve-se atentar às recepções teóricas realizadas de maneira equivocada no Brasil, sobretudo no que diz respeito à adoção destas teorias como meio de justificação de pronunciamentos considerados ativistas na esfera de atuação do Supremo Tribunal Federal. Por certo que a hermenêutica não pode ser vista como um “buffet livre” onde o intérprete pinça os aspectos de uma teoria que considera adequados para a justificação de uma decisão e exclui aqueles que não lhe interessam. É exatamente este tipo de atuação que pode
importar em decisionismo e arbitrariedade, devendo ser este tipo de prática rechaçada pela comunidade jurídica e pela sociedade como um todo, pois perigosa para o Estado Democrático de Direito.
Além disso, teorias controversas que não encontram consenso nem mesmo em seu país de origem, como é o caso da tese da mutação constitucional sem alteração de texto, não devem ser aceitas amparadas tão somente no argumento de autoridade do sujeito emissor da decisão, devendo ser criados e reforçados modelos exemplares de constrangimentos epistemológicos para fruição transparente dos operadores do direito na formulação de críticas às decisões problemáticas emanadas do Supremo Tribunal Federal. O reconhecimento da complexidade na adoção de teses muito temerárias e o exercício da crítica são fundamentais para a limitação e a contenção do poder.
Ademais, devem ser reforçados os limites normativos à restrição de direitos fundamentais, conforme preconizado pela teoria dos limites dos limites, que se revela uma teoria adequada à preservação dos direitos fundamentais, com o estabelecimento de critérios para que seja possível operar a restrição legítima desses direitos, preservando suas características essenciais, sem incorrer em uma indevida aniquilação ou desbaratamento, em respeito, aliás, à harmonia e independência dos poderes constituídos.
Outrossim, no tocante aos limites interpretativos ou hermenêuticos, a analogia efetuada por H.L.A Hart entre o Direito e as regras de um jogo se mostra condizente com a nossa realidade. Em nosso caso, as regras são ditadas pela Constituição e o jogo em tela é o de natureza democrática, de maneira que a preservação destas regras é fundamental para o respeito dos principais procedimentos, garantias, direitos e instituições do Estado Democrático de Direito, não podendo ser itido que, por vontade de qualquer juiz ou tribunal, as regras sejam alteradas à revelia de critérios legítimos e seguros.
Neste sentido, para a superação da discricionariedade apontada por Hart, a
observância dos limites semânticos do texto constitucional e a resposta adequada à Constituição de Lenio Streck surgem como ferramentas adequadas para auxiliar na solução da problemática abordada neste estudo, no que se refere especificamente à limitação da função criativa que tem sido observada na jurisdição constitucional, a partir do posicionamento de veredictos heterodoxos por parte do Poder Judiciário.
No tocante às decisões recentes do Supremo Tribunal Federal analisadas ao final deste estudo, aquelas ora escolhidas devem ser sublinhadas pelo que realmente indicam: decisões ativistas e problemáticas. De fato, em nenhum dos três casos analisados os limites considerados adequados foram respeitados pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo no caso das uniões homoafetivas, cuja atuação do Supremo foi exaltada pelos fins alcançados através do decisum. Deve-se salientar que a ausência de uma crítica adequada desta decisão no momento em que foi proferida, redundou em novas desobediências aos limites apropriados de atuação jurisdicional, se mostrando como fator contributivo para a manutenção de uma postura ativista por parte do STF e em decisões que importaram na restrição indevida de direitos fundamentais.
Portanto, são estas as principais conclusões extraídas ao longo deste estudo. Com efeito, o que elas denotam é a necessidade de a limitação dos poderes ser levada a sério, não se podendo itir que, sob o pretexto de serem elaboradas soluções para os problemas contemporâneos enfrentados no Brasil, as decisões de caráter político sejam sumariamente transferidas para o Poder Judiciário, apostando-se, destarte, em um ativismo judicial livre derivado das decisões do Supremo Tribunal Federal, o que se mostra fragilizador da autonomia do Direito e potencialmente nocivo aos direitos fundamentais e ao Estado Democrático de Direito.
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