Debate em saúde A medicina está longe de ser uma ciência exata. Tal qual uma partitura musical que permite várias interpretações, lidar com doentes e doenças também permite diferentes opções, ainda que solidamente embasadas em conhecimentos técnico-científicos. Dessa diversidade de abordagem surge a idéia desta subseção, na qual áreas da medicina são abordadas e discutidas em diferentes ângulos, por renomados especialistas. Nelson Hamerschlak Gisela Dias de Matos Editores da seção
Cateter de inserção periférica Nelson Hamerschlak1, Gisela Dias de Matos2, Claudia Cândido da Luz3, Rolf Francisco Bub4, Sergio Kuzniec5 Hematologista, Chefe do Serviço de Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 2 Enfermeira responsável pelo Espaço Saúde do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 3 Enfermeira do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 4 Cirurgião Cardiovascular do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 5 Doutor em Clínica Cirúrgica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP; Médico do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 1
O cateter central de inserção periférica (PICC, do inglês peripherally inserted central catheter) representa um grande avanço na terapia intravenosa. Sua utilização vem crescendo como alternativa de escolha para manter o o venoso central e prolongado, principalmente na criança e no recém-nascido, evitando expô-los às punções periféricas de repetição e dissecções venosas. A técnica requer do profissional habilidade e experiência em punção venosa periférica, conhecimento de anatomia e histofisiologia da rede vascular, adoção de medidas assépticas e critérios rigorosos na indicação, manutenção e retirada, assim como o conhecimento de suas possíveis complicações. O enfermeiro capacitado e bem preparado está apto a realizar o procedimento. Para debater sobre esse assunto, convidamos três especialistas: Claudia Cândido da Luz (CCL), enfermeira sênior do Hospital Israelita Albert Einstein, responsável pelo grupo de PICC, o doutor Rolf Francisco Bub (RB), cirurgião cardiovascular do Hospital Israelita Albert Einstein e o doutor Sergio Kuzniec (SK), doutor em clínica cirúrgica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
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Nelson Hamerschlak (NH) e Gisela Dias de Matos (GDM): Quando e por que é indicada a agem do PICC? CCL: O cateter central de inserção periférica (PICC) é indicado, prioritariamente, para períodos de terapia superiores a seis dias e pode ser utilizado por longos períodos, para qualquer tipo de solução, o que contribui com a preservação da rede venosa, eliminando a necessidade de múltiplas punções periféricas e as trocas frequentes de o. É considerado um dispositivo que permite a infusão de medicamentos ou fluidos que não podem ser istrados diretamente em veias periféricas (em razão de sua osmolaridade, do pH, da velocidade de infusão, do volume a ser infundido e de propriedades irritantes/vesicantes), como quimioterápicos, medicações para analgesia, nutrição parenteral, e na medida de pressão venosa central, na coleta de sangue e em hemotransfusões. Os cateteres PICC são frequentemente usados para obter o venoso central nos pacientes em cuidados intensivos, domiciliares e de Enfermagem especializados. Uma vez que os riscos de complicação são menores, é preferível a outras formas de cateteres venosos centrais. Em razão de suas características, esse dispositivo aumenta o conforto do paciente e propicia uma assistência ambulatorial e domiciliar de melhor qualidade, o que, em última análise, reduz custos. RB: O surgimento dos os venosos PICC permitiu o tratamento, a longo prazo, dos pacientes que necessitam de antibioticoterapia, quimioterapia, e nutricional etc. Apesar de não serem desprovidos de riscos, estes são menores com os os por meio de PICC em comparação à manutenção dos outros os venosos. Esses
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dados são encontrados repetidamente na literatura especializada, mostrando menor incidência de trombose e infecção local ou hematológica. Outro dado importante é o fato de sua implantação ser cercada de menores riscos do que a instalação de um cateter venoso central, a qual é acompanhada de índices importantes de complicações (punções arteriais inadvertidas, pneumotórax, sangramentos torácicos etc.). Não podemos nos esquecer do certo desconforto que os pacientes referem por ter um cateter venoso central implantado. As veias periféricas, quando adas por sistemas periféricos, evoluem com alto índice de tromboflebites e oclusões, após poucos dias de uso de medicações que, frequentemente, são potentes irritantes da camada interna das veias (chamada de íntima), o que desencadeia os processos inflamatórios locais. SK: O PICC é indicado para terapia endovenosa que possa se prolongar por mais do que alguns dias, ou quando o tratamento envolve drogas que devem ser ministradas em veias centrais. Pelo seu calibre reduzido e comprimento longo, tem limitações de fluxo para medicações muito viscosas. É muito útil para evitar punções repetidas em membros superiores ou os riscos inerentes à punção venosa central. Desde que as medicações a serem usadas possam ser infundidas pelo PICC, prevendo-se tratamento por mais do que cinco dias, há indicação para a sua instalação. NH e GDM: Para o paciente, quais as vantagens e as desvantagens do PICC em relação aos demais cateteres venosos centrais? CCL: O cateter de PICC não possui restrições de uso no que se refere à idade. Sua utilização estende-se desde a idade neonatal até a geriátrica. É fabricado com materiais bioestáveis e biocompatíveis, como o silicone e o poliuretano, disponíveis em vários calibres e comprimentos, valvulados ou com ponta aberta, com um ou mais lumens. Ele é inserido nas veias periféricas do braço, mas tem sua localização na veia cava, permitindo um tratamento que não poderia ser realizado a partir de o periférico, devido às características de algumas soluções e medicamentos, como osmolaridade e pH. Sua utilização reduz riscos no que se refere às complicações. Sua inserção não demanda anestesia, sutura ou punção “às cegas”; é menos traumático e permite facilmente sua localização pelo raio X. Atualmente, com a utilização dos aparelhos portáteis de ultrassom, algumas situações de exclusão puderam ser revertidas. Além disso, as inserções com PICC são menos invasivas, têm diminuição do risco de complicações associadas a elas e permanecem por um período muito mais longo do que outros dispositivos de o central.
Não é, no entanto, prescrito para situações de emergência. RB: Os pacientes que têm a possibilidade do implante de um PICC beneficiam-se por terem um o venoso, com a vantagem do fluxo das medicações ser central, o que oferece menor risco de tromboflebites, causadas pela ação dessas drogas nas paredes das veias periféricas. Além disso, em relação aos cateteres venosos centrais, o implante é menos trabalhoso, pois se trata de uma punção periférica, sendo normalmente executado por uma equipe de enfermeiros treinados para esse procedimento. Seu implante é bastante seguro, podendo ser realizado em ambiente hospitalar ou domiciliar. O dia a dia dos pacientes que têm um PICC é bastante confortável. Entretanto, quando há necessidade de um aporte maior de volume de soluções ou medicações, esses cateteres não conseguem atender às necessidades, sendo esta uma desvantagem considerável em algumas situações. SK: A principal vantagem é o menor risco da punção, pois esta é feita em veia periférica. Além disso, cateteres centrais de longa duração necessitam ser implantados e retirados em procedimento cirúrgico, enquanto a retirada do PICC é mais simples, no leito. As desvantagens são: o fluxo menor, devido ao menor calibre, o desconforto devido aos cuidados com curativos, em comparação com cateteres totalmente implantáveis (do tipo port), e a interferência na mobilidade do braço em que está implantado. Pela sua característica periférica, o PICC provoca maior risco de flebites superficiais e trombose venosa profunda no membro superior do que o o central por punção de veia jugular interna. Em situações específicas – como insuficiência renal dialítica com programação de confecção de fístula arteriovenosa em membro superior – o uso do PICC pode impossibilitar a confecção da fístula. NH e GDM: Em sua experiência, ainda há resistência por parte dos médicos em indicar a agem do PICC? CCL: Na verdade, a eventual resistência não está ligada a aspectos técnicos do cateter, e sim ao desconhecimento que ainda existe em relação às vantagens de utilização do cateter PICC quanto à qualidade e à segurança do paciente, minimizando a possibilidade de flebite, hematomas, equimoses e edema, causados por frequentes punções periféricas. RB: Isso ocorre, talvez, por ser uma técnica ainda pouco difundida em nosso meio; não é a primeira opção do médico ao pensar em um o venoso central. Temos que levar em conta que, por ser algo relativamente novo no cenário médico, o PICC tem ainda um longo einstein: Educ Contin Saúde. 2010;8(2 Pt 2): 80-2
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caminho a percorrer até chegar a ser algo corriqueiro para a grande população de profissionais da Saúde, incluindo a Enfermagem. Sempre que é oferecida e explicada aos médicos, essa opção a a ser considerada. Não acredito que haja predisposição para contraindicá-la. SK: Menos do que resistência, creio que há desconhecimento. NH e GDM: Em sua opinião, o fato de o procedimento ser realizado por enfermeiros habilitados pode ser motivo de desconfiança, por parte de alguns médicos, para que não indique a agem do PICC em seus pacientes? CCL: Não, ao contrário. O fato de o procedimento ser realizado apenas por enfermeiros habilitados traz uma maior segurança para o paciente e para toda a equipe médica e de Enfermagem. Uma equipe qualificada e dedicada exclusivamente às questões ligadas à terapia intravenosa tem melhores condições de avaliar qual o procedimento mais adequado ao paciente e está mais atenta à prevenção de eventuais problemas, antecipando-se na sua resolução. Creio que essa desconfiança está intimamente ligada à falta de conhecimento em relação às vantagens e desvantagens da utilização desse tipo de dispositivo. RB: A Enfermagem sempre foi um dos braços mais importantes no tratamento de qualquer paciente e, nos últimos tempos, com a grande modificação da Medicina, por meio do surgimento de novas técnicas, fica impossível pensar em uma menor participação dos enfermeiros em certos procedimentos. Como em qualquer área de atuação da Saúde, precisa-se de pessoas treinadas exaustivamente para a realização de todos os procedimentos. Portanto, se o corpo de Enfermagem for treinado seriamente, hoje seria impensável termos ainda esse tipo de raciocínio. SK: Não, talvez seja até o contrário, pois isso indica que os riscos do procedimento são menores. NH e GDM: Há evidências e/ou relatos científicos de que o PICC seja menos seguro que os outros tipos de cateteres centrais? CCL: O PICC apresenta baixo risco de complicações em relação aos outros dispositivos utilizados em terapia intravenosa. Entretanto, a literatura relata que os maiores riscos estão relacionados com obstrução e
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flebite. Lamblet et al.(1) relatam a ocorrência de taquicardia e tamponamento ventricular ocorridos durante a agem e utilização do cateter. De acordo com esses autores, a literatura registra também a ocorrência de casos de migração do cateter pela abdução e adução do membro superior. Sterba(2), em seu estudo sobre complicações relacionadas ao PICC, de forma similar, menciona riscos de oclusão decorrentes de técnica de permeabilização inadequada. Outros autores, como Chemaly et al.(3), citam a presença de riscos relacionados à trombose e à flebite, e Hertzog e Waybill(4) afirmam que a ocorrência de infecção é o risco mais comum relacionado a essa terapia. Entretanto, autores como Lopez et al.(5) e Hornsby et (6) al. , entre outros, afirmam que esses riscos estão muito mais associados às questões ligadas à existência de treinamento e à educação continuada da equipe de PICC do que aos riscos inerentes do procedimento. Portanto, as instituições devem ter políticas e protocolos bem definidos, além de equipes alinhadas na busca constante do aperfeiçoamento de técnicas e novas tecnologias que possam garantir, assim, o sucesso do procedimento com qualidade e segurança para os pacientes. RB: Não. Na literatura encontramos inúmeros relatos mostrando a segurança do PICC, com níveis de complicações bastante baixos, dentro de suas indicações. SK: Desconheço. Não encontrei artigo recente demonstrando que o PICC seja menos seguro que os outros tipos de cateteres venosos centrais.
REFERÊNCIAS 1. Lamblet LCR, Guastelli LR, Moura Júnior DF, Alves MAY, Bittencourt AC, Teixeira APP, et al. Cateter Central de Inserção Periférica em Terapia Intensiva de Adultos. Rev Bras Ter Intensiva. 2005;17(1):23-7. 2. Sterba KG. Controversial issues in the care and maintenance of vascular access devices in the long-term/subacute care client. J Infus Nurs. 2001;24(4): 249-54. 3. Chemaly RF, de Parres JB, Rehm SJ, Adal KA, Lisgaris MV, Katz-Scott DS, et al. Venous thrombosis associated with peripherally inserted central catheters: a retrospective analysis of the Cleveland Clinic experience. Clin Infect Dis. 2002;34(9):1179-83. 4. Hertzog DR, Waybill PN. Complications and controversies associated with peripherally inserted central catheters. J Infus Nurs. 2008;31(3):159-63. 5. Lopez V, Molassiotis A, Chan WK, Ng F, Wong E. An intervention study to evaluate nursing management of peripheral intravascular devices. J Infus Nurs. 2004;27(5):322-31. 6. Hornsby S, Matter K, Beets B, Casey S, Kokotis K. Cost losses associated with the “PICC, stick, and run team” concept. J Infus Nurs. 2005;28(1):45-53.