EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
Direito Constitucional I
3º PERÍODO
Aline Martins Coelho Ângela Issa Haonat José Maria da Silva Júnior
PALMAS-TO/ 2006
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EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
Fundação Universidade do Tocantins Reitor: Humberto Luiz Falcão Coelho Vice-Reitor: Lívio William Reis de Carvalho Pró-Reitor Acadêmico: Galileu Marcos Guarenghi Pró-Reitora de Pós-Graduação e Extensão: Maria Luiza C. P. do Nascimento Pró-Reitora de Pesquisa: Antônia Custódia Pedreira Pró-Reitora de istração e Finanças: Maria Valdênia Rodrigues Noleto Diretor de Educação a Distância e Tecnologias Educacionais: Claudemir Andreaci Coordenador do Curso: José Kasuo Otsuka Organização dos Conteúdos – Unitins Conteúdos da Disciplina: Aline Martins Coelho Angela Issa Haonat José Maria da Silva Júnior Equipe de Produção Gráfica Coordenadora de Produção Gráfica: Vivianni Asevedo Soares Borges Diagramação: Vladimir Alencastro Feitosa Capa e ilustrações: Edglei Dias Rodrigues
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Apresentação O Direito Constitucional, como disciplina que estuda os elementos essenciais da organização política do Estado, o modo de aquisição e limites ao exercício dos poderes estatais por seus agentes, se compõe de uma gama de institutos que produzem reflexos em todo o ordenamento jurídico nacional e nos demais ramos das Ciências Jurídicas, que dele extraem seus princípios e preceitos fundamentais. O conteúdo programático da disciplina Direito Constitucional I é composto por oito temas, que refletem as premissas fundamentais necessárias ao estudo introdutório da matéria, a serem desenvolvidas conforme segue. Inicialmente estudaremos os aspectos essenciais do constitucionalismo e da sua evolução, os conceitos de direito constitucional e de constituição, além da classificação doutrinária das constituições. Posteriormente, serão trabalhados os conteúdos relacionados ao desenvolvimento da idéia de poder constituinte, suas características e modalidades, como também os aspectos inerentes à reforma das constituições. Em seguida, serão desenvolvidos os conteúdos que dizem respeito ao histórico do constitucionalismo brasileiro, com a descrição das principais características das Cartas Constitucionais de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1969 e 1988. Na
seqüência,
teremos
como
objeto
de
estudo
as
normas
constitucionais sob o prisma da sua natureza e da sua aplicabilidade, assim como os fenômenos relacionados à dinâmica constitucional. Mais adiante, serão estudados os aspectos relacionados à idéia da supremacia constitucional e dos sistemas de controle de constitucionalidade realizados durante o processo de elaboração das leis e atos normativos ou após o início da sua entrada em vigor. Após, o estudo será dirigido para a apresentação da Constituição Brasileira de 1988 e para a análise dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, o modo de aquisição e distribuição dos poderes do Estado e seus objetivos na ordem interna e internacional. No momento seguinte, serão analisados os direitos e garantias fundamentais, como instrumentos de limitação da atuação do Estado, sob o prisma da sua evolução histórica, do seu conteúdo, dos seus destinatários e da sua classificação doutrinária, de acordo com o texto da constituição brasileira. Os estudos serão desenvolvidos a partir da base teórica ora disponibilizada, com exemplos colhidos do texto constitucional vigente e com o desenvolvimento de atividades práticas voltadas à fixação dos conteúdos apresentados, os quais poderão ser aprofundados pelos alunos a partir da consulta ao material bibliográfico apresentado no plano de ensino.
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Plano de Ensino CURSO: Fundamentos e Práticas Judiciárias PERÍODO: 3º DISCIPLINA: Direito Constitucional I EMENTA Paradigmas constitucionais e o conceito de Constituição. Classificação. Tipologia constitucional. Ontologia das Constituições Escritas. Ciclos e fases do constitucionalismo. Evolução. Controle de constitucionalidade das leis. Dinâmica Constitucional. Natureza e aplicabilidade das normas constitucionais. Poder
Constituinte.
Constitucional.
Supremacia
Apresentação
e
da
Constituição
metodologia
da
Federal.
Reforma
CF/88.
Princípios
fundamentais. Direitos e Garantias Fundamentais.] OBJETIVOS Conhecer os fundamentos do Direito Constitucional, a partir de sua teoria geral e dos seus elementos essenciais, sob o prisma da evolução histórica de seus institutos. Analisar a natureza das normas constitucionais e os aspectos relacionados à sua aplicabilidade. Conhecer a estrutura básica do Estado brasileiro, seus fundamentos e objetivos. Compreender a dimensão dos direitos e garantias fundamentais como fatores de limitação do poder do Estado. PROGRAMA •
Direito constitucional, constitucionalismo e constituição
•
Poder constituinte, reforma e fenômenos da mutação constitucionais
•
Histórico das constituições brasileiras
•
Natureza e aplicabilidade das normas constitucionais
•
Controle de constitucionalidade das leis e atos normativos
•
A estrutura da Constituição Federal de 1988
•
Princípios fundamentais da República Federativa do Brasil
•
Direitos e garantias fundamentais
BIBLIOGRAFIA BÁSICA BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 38. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Curso de Direito Constitucional. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ARAÚJO, Alberto David. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. v. 1. CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Lisboa: Almedina, 2003. DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2001. MELLO Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. In: Revista de Direito Público, n. 57/58, p. 236-237, 1981. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2003. MOTTA, Sylvio Clemente da. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1.000 questões. 17. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
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Sumário Tema 1 – Teoria geral da constituição.............................................................07 Tema 2 – Poder Constituinte, Reforma e Mutação Constitucional..................18 Tema 3 – Histórico das constituições brasileiras.............................................29 Tema 4 – Normas constitucionais: classificação e interpretação.....................44 Tema 5 – Controle de constitucionalidade das leis e atos normativos............57 Tema 6 – Apresentação da Constituição Federal de 1988..............................67 Tema 7 – Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil...........75 Tema 8 – Direitos e garantias fundamentais....................................................87
Tema 01 6
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Teoria Geral da Constituição
Meta do tema Apresentação do constitucionalismo como movimento político-jurídico e seus marcos referenciais;
Objetivos Esperamos que, ao final deste tema, você seja capaz de: •
Introduzir os conceitos de Direito Constitucional e de Constituição;
•
Apresentar a classificação doutrinária das constituições.
•
Conhecer os marcos referenciais do constitucionalismo antigo e moderno;
•
Descrever o universo de estudo do Direito Constitucional;
•
Identificar o conteúdo do conceito de Constituição;
•
Descrever as características das constituições existentes.
Pré-requisitos Para acompanhar este tema, é necessário que você possua conhecimentos básicos sobre a evolução do Estado, abordado na disciplina de Organização Política e Judiciária do Estado, que tratou da transição do Estado Antigo para o Estado Moderno.
Introdução Caro aluno, Embora a doutrina aponte que a origem formal do constitucionalismo tenha ocorrido com o surgimento das primeiras constituições escritas – nos Estados Unidos da América, em 1787, e na França, em 1791 –, marcadas pela expressa previsão de regras fundamentais como a organização do Estado e limitação do poder estatal, não se pode negar a existência anterior de um conjunto de documentos dotados de conteúdo jurídico e político e voltados à estrutura base do Estado, sendo assim, precursores da idéia de Constituição. Do mesmo modo, é imperioso também reconhecer a existência de uma ideologia constitucionalista, voltada ao estabelecimento das bases de um novo Estado, fundado na emancipação humana, por sua vez inspirada pelos ideais iluministas, a exigir a formação de um Estado que tenha como princípios o direito, a liberdade e a igualdade, e como finalidade o bem-estar do seu povo, fonte e expressão de todo o poder estatal.
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A aula que ora iniciamos irá apresentar os marcos referenciais do constitucionalismo, desde a Antiguidade até o surgimento do Estado Moderno, cuja evolução permitiu a construção do conceito de Constituição como o compreendemos hoje, assim como também estabeleceu o objeto de estudo da nossa disciplina.
Pare e Pense De acordo com o constitucionalista José Joaquim Gomes Canotilho, a Constituição em sentido moderno pretendeu radicar duas idéias básicas: (1) ordenar, fundar e limitar o poder político; (2) reconhecer e garantir os direitos e liberdades do indivíduo, de modo que os temas centrais do constitucionalismo são a fundação do poder político e constitucionalização das liberdades. (Direito Constitucional, 2003, p. 54/55). Refletindo sobre as idéias, imagine como eram as relações entre governantes e governados e o grau de participação destes na vida política de Constitucionalismo: Embora a idéia da existência de algumas normas mais importantes que outras tenha surgido na Antiguidade, o termo Constitucionalismo é utilizado mais comumente para designar o movimento político-jurídico que teve por objetivo o estabelecimento de regimes constitucionais em todo o Mundo, desenvolvido no Ocidente (Europa e Américas) do fim do Séc. XVIII ao início do Séc. XX, com reflexos em todo o Mundo civilizado.
uma determinada nação, por volta de trezentos anos atrás, quando ainda inexistiam as Constituições.
Constitucionalismo A idéia de Constitucionalismo, segundo o jurista Alexandre de Moraes (2002, p. 76), sempre esteve ligada à necessidade de limitação e controle dos abusos do poder estatal e de suas autoridades constituídas, assim como à consagração dos princípios da igualdade e da legalidade como regentes do Estado. Desde a Antiguidade, são identificados ordenamentos morais e jurídicos com características constitucionais, marcando o que se denomina Constitucionalismo Antigo. Reflexo da evolução nas relações do poder entre governantes e governados, o Constitucionalismo Moderno surge para consagrar a idéia de que são as leis e não as pessoas que devem determinar o ordenamento social e político de uma nação, prenunciando o nascimento do Estado Moderno, com a conversão do Estado Absoluto em Estado Constitucional, superando, assim, a máxima absolutista que confundia a figura do soberano com o próprio Estado. (BONAVIDES, 2004, p. 37). 1. Breve histórico do Constitucionalismo A existência de normas jurídicas, com conteúdos de interesse geral, norteadoras das relações entre povo e governo, remonta à Antigüidade, identificando-se documentos e referências históricas com essas características na sociedade do povo judeu, na Grécia e em Roma. Na Idade Média, destacam-se os documentos surgidos na Inglaterra, com explícito conteúdo
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constitucional, resultado dos enfrentamentos da Realeza com o Parlamento, documentos estes que abriram caminho para o constitucionalismo moderno nos Estados Unidos e na França, materializando-se em documentos escritos e codificados, com a denominação de Constituições. A evolução do Constitucionalismo pode ser dividida em duas fases, a antiga e a moderna, cujos marcos referenciais se encontram ilustrados nos quadros a seguir:
• •
CONSTITUCIONALISMO ANTIGO Estabelecimento de limites ao poder com base nas raízes culturais e nos costumes Texto não codificado – inexiste um único documento chamado Constituição MARCOS REFERENCIAIS PERÍODOS
DOCUMENTOS
CARACTERÍSTICAS
Constitucionalismo hebraico (3000 a.C.)
• Antigo Testamento da Bíblia Sagrada
O detentor do poder na Terra (Patriarca) com poder limitado pela Lei do Senhor.
• Politéia (ordenação cargos públicos)
dos
Distribuição do poder entre os cidadãos ativos (homens livres) – nomeação para os cargos públicos por sorteio, por tempo limitado e sem possibilidade de recondução.
• Atos legislativos Imperador
do
Organização do estado com divisão e limites para os exercentes do poder político, dividido entre os cônsules (regentes), o Senado (aristocratas) e o povo (assembléias).
Constitucionalismo grego (Séc. V a IV a.C.)
Constitucionalismo romano (Séc. V a II a.C.) • Lei das XII Tábuas
• Magna Charta Libertatum (Magna Carta das Liberdades) Constitucionalismo inglês (1215 a 1679)
•
Reconhecimento pelo rei de direitos à nobreza e à igreja; Desvinculação do rei das funções legislativas e judiciais. Pedido de respeito aos direitos conferidos pela Magna Carta.
• Petition of Rights (Petição de Direitos)
Início da Monarquia Constitucional e sua submissão à soberania popular representada pelo Parlamento;
• Bill of Rights Direitos)
Surgimento do direito de petição, do júri popular e da vedação de penas cruéis.
(Carta de
CONSTITUCIONALISMO MODERNO Estabelecimento da estrutura do Estado e divisão de poderes;
•
Previsão de limites ao poder do Estado com o estabelecimento de direitos fundamentais;
•
Textos escritos e codificados denominados de Constituição MARCOS REFERENCIAIS PERÍODO
DOCUMENTOS
CARACTERÍSTICAS 9
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Constitucionalismo Americano (Séc. XVIII)
Constitucionalismo Francês (Séc. XVIII)
• Declaração de Independência do Estado da Virgínia (16 de junho 1776
Proclamou a autonomia governamental do Estado da Virgínia; Declarou o direito à vida, à liberdade e à propriedade, o princípio da legalidade, a liberdade de religiosa e da imprensa como direitos do povo.
• Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (04 de julho de 1776)
Proclamou as 13 ex-Colônias britânicas como Estados livres e independentes; Listou os abusos da Coroa Britânica que justificavam a independência; Declarou o direito à vida, à liberdade e felicidade como inalienáveis;
• Constituição dos Estados Unidos da América (25 de setembro 1789)
Primeira Constituição escrita Adotou o princípio da soberania popular; Dividiu o País em estados autônomos; Dividiu os poderes (executivo, legislativo e judiciário); Incluiu posteriormente um estatuto de direitos e garantias
• Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de agosto de 1789)
Consagrou os direitos civis (à liberdade, à igualdade, á propriedade, à participação política)
• Constituição da França de 1791 (03 de setembro de 1791)
Promoveu a tripartição dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário); Incorporou em seu texto as disposições da Declaração dos Direitos do Homem
Atividade Marque certo (C) ou errado (E): (
) O constitucionalismo pode ser definido como um movimento de caráter
político e jurídico, cujo objetivo foi estabelecer Estados de direito, baseados em regimes democráticos, que deveriam, por meio de uma Constituição, delimitar de forma clara a atuação do Poder Público e assegurar uma ampla proteção aos direitos dos cidadãos. (
) A definição da estrutura do Estado, a divisão e a limitação dos poderes e
o
estabelecimento
de
direitos
e
garantias
fundamentais
constituem
características do constitucionalismo moderno. (
) Dos marcos referenciais do constitucionalismo antigo, destacam-se a
desvinculação
do
soberano
das
funções
legislativas
e
judiciais,
o
reconhecimento de uma soberania popular representada pelo Parlamento, organizados em um único texto, organizado e sistematizado.
Comentário Ao analisar as questões propostas nesta atividade, lembre-se de que embora os marcos referenciais dos constitucionalismos moderno e antigo 10
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possuam características similares com relação à idéia de limitação do poder dos governantes e ao reconhecimento de direitos e garantias para os cidadãos, existem diferenças substanciais quanto à forma dos instrumentos de expressão dessas delimitações, e ainda, quanto à participação popular na legitimação do poder estatal.
Direito Constitucional 1. Conceito de Direito Constitucional Em uma noção mais simplificada, o Direito é concebido como um sistema de normas ou comandos, de caráter obrigatório, destinado a orientar a convivência dos homens em sociedade, acompanhadas de sanções pelo seu eventual não cumprimento, comumente denominado como ordenamento jurídico do Estado. O estudo do ordenamento jurídico é dividido em dois grandes ramos: o Direito Público e o Direito Privado. O Direito Público cuida da estrutura orgânica
Conceito de direito constitucional: “É o conhecimento sistematizado das regras jurídicas relativas à forma do Estado, à forma do governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos e aos limites de sua ação” (FERREIRA FILHO, 2002, p. 16).
do Estado e da regulação dos interesses público-sociais, tratando das relações entre o Estado e seus cidadãos. O Direito Privado, por sua vez, regula as relações dos particulares entre si, possuindo uma atuação secundária do Estado, como garantidor do cumprimento dos pactos firmados pela vontade das partes. O Direito Constitucional, que surgiu como disciplina autônoma na Universidade de Direito de Paris, em 1834, constitui o principal ramo do Direito Público interno. Serve, assim, de base para todas as demais áreas do Direito (Público ou Privado) que, segundo Paulo Bonavides (1996, p. 33), guardam uma “posição de inferioridade e sujeição” em relação ao Direito Constitucional, que cuida do estudo da lei mais importante da nação, definidora e regulamentadora da estrutura jurídica e política de um Estado, de onde se extraem os principais elementos formadores de seu conceito. 2. Objeto do Direito Constitucional Do próprio conceito de Direito Constitucional surge seu objeto, como sendo o estudo científico e sistemático das normas que integram a Constituição, constituídas pelas regras essenciais à sua estruturação. 3. Fontes do Direito Constitucional As fontes do Direito Constitucional, segundo a doutrina de Bester (2005, 8-9), podem ser divididas em escritas e não escritas, delineadas a seguir: •
As fontes escritas abrangem as normas constitucionais, as leis complementares
e
ordinárias,
os
decretos
e
regulamentos
istrativos, os regimentos internos das Casas do Poder Legislativo
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Objeto de estudo do Direito Constitucional: As normas relativas à estrutura do Estado, à forma do governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos e aos limites de sua ação, aos direitos e garantias fundamentais e relativas à ordem social e econômica.
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e do Tribunal Constitucional, as normas de direito canônico, a legislação estrangeira, os atos internacionais firmados pela República, a jurisprudência e a doutrina; •
As fontes não-escritas são representadas pelos usos (de criação pública e baseados no consentimento tácito acerca de questões públicas fundamentais) e costumes constitucionais (muito relevantes nos países que não possuem constituições escritas, ou cuja constituição é baseada em documentos dispersos ou sumários)
4. Conceito de constituição A palavra constituição apresenta sentidos análogos. Pode ser tomada num sentido amplo e em outro, estrito. Para o senso comum, é o ato de constituir, estabelecer, firmar, formar, construir, organizar (vem do latim constitutio). Sendo o modo pelo qual se constitui uma coisa, um ser vivo ou um grupo de pessoas. Na sua acepção estrita, a palavra constituição vai revelar o modo pelo qual uma sociedade se estrutura basicamente, sendo considerada, em termos jurídicos-políticos, como a lei fundamental do Estado, que um povo impõe aos que o governam, para se garantir contra os abusos destes. Para doutrina moderna, no entanto, sob o prisma da sua juridicidade, a Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém as normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos, (MORAES, 2006, p. 2).
Atividade Relacione os principais conteúdos das normas que necessariamente devem estar contidas em uma Constituição.
Comentário Observe que os conceitos de Direito Constitucional e de Constituição apresentam características comuns quanto aos seus elementos essenciais, de modo a indicar o núcleo normativo que deve, de acordo com a doutrina, necessariamente fazer parte do texto constitucional. Classificação das Constituições As diferentes características das constituições existentes levaram os estudiosos do Direito Constitucional a elaborar classificações didáticas, segundo critérios diversos. Desse modo, uma constituição pode ser classificada de acordo com a sua origem, estabilidade, forma, conteúdo, modo de elaboração e a extensão do seu texto, da maneira seguinte: Quanto à origem: 12
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•
Constituição Promulgada, democrática ou popular – aquela
que deriva de um processo democrático, cuja elaboração é feita por representantes escolhidos pelo povo, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, investida com poderes para tal (Ex. Constituição brasileira de 1946). •
Constituição Outorgada – aquela elaborada e estabelecida sem a
participação popular, como fruto do autoritarismo, geralmente imposta por um grupo ou pelo governante (Ex. Constituição Brasileira de 1967).
Quanto à estabilidade, mutação ou processo de reforma: •
Constituição Imutável – aquela cujo próprio texto veda qualquer
alteração ou reforma. A imutabilidade pode ocorrer por um tempo determinado, quando o texto constitucional estabelecer um prazo durante o qual não se ite a possibilidade de reforma (a Constituição brasileira de 1824, em seu artigo 174 previa que sua reforma somente poderia ocorrer após quatro anos de vigência). •
Constituição Flexível – aquela que não exige, para sua alteração,
procedimento mais solene do que o adotado para elaboração das leis comuns, também chamadas leis ordinárias. •
Constituição Rígida – aquela que exige, para sua alteração,
critérios formais mais solenes e difíceis do que os utilizados para a elaboração das leis ordinárias. A alteração do texto constitucional é feita por uma espécie legislativa denominada Emendas à Constituição, cuja tramitação é cercada de maiores solenidades e cuja aprovação exige uma quantidade maior de votos que aqueles necessários para a aprovação das leis ordinárias. •
Constituição Semi-Rígida ou Semiflexível – aquela em que parte
do texto somente pode ser modificada por meio de um processo mais difícil e solene do utilizado para as leis ordinárias (parte rígida), enquanto outra parte pode ser alterada pelo mesmo processo utilizado para a elaboração das leis ordinárias, menos solene e exigente que o primeiro (parte flexível).
Quanto à forma: •
Constituição Escrita, Orgânica ou Positiva – aquela codificada e
sistematizada em um único texto, organizado e completo. •
Constituição não escrita, Costumeira ou Inorgânica – aquela
cujas normas não estão organizadas em um texto único, sendo formada por regras extraídas de documentos diversos (leis ou decisões judiciais 13
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fundamentadas
em
costumes),
cujo
conteúdo
possui
natureza
constitucional.
Quanto ao conteúdo: •
Constituição em sentido material – aquela que leva em conta o
conteúdo
da
norma,
contendo
apenas
regras
materialmente
constitucionais, incluídas ou não em um único texto, relativas às matérias que tratam da substância do Estado, como a sua organização, o modo de aquisição e de exercício do poder, e o estabelecimento de direitos, deveres e garantias fundamentais (ex. as Constituições inglesa e americana). •
Constituição em sentido formal – aquela que, além do conjunto
de regras materialmente constitucionais, contém outras, cujo conteúdo não se refere à estrutura mínima e essencial de qualquer Estado, mas de assuntos que, embora importantes, poderiam perfeitamente ser tratados pela legislação infraconstitucional. Ex: os direitos indígenas e de política urbana am a ser constitucionais somente pelo fato de integrarem o texto da Constituição, pela vontade expressa daqueles que a elaboraram.
Quanto ao modo de elaboração: •
Constituição Dogmática – aquela que é produto escrito e
sistematizado por um órgão constituinte, a partir de princípios e idéias fundamentais da teoria política e do direito dominante na época da sua elaboração. •
Constituição Histórica – aquela que é fruto da lenta e contínua
síntese da história, tradições e costumes de um determinado povo (ex. a Constituição da Inglaterra).
Quanto à extensão ou finalidade: • Constituição Analítica ou Dirigente – aquela que estabelece e regula todos os assuntos considerados relevantes para a formação, a finalidade e o funcionamento do Estado, apresentando os compromissos sociais e os meios para a sua realização. •
Constituição Sintética ou Negativa – aquela que prevê somente
os princípios ou normas gerais de regência do Estado. Organizando-o e limitando o seu poder, por meio da estipulação de direitos e garantias individuais (ex. a Constituição americana).
Conclusão 14
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Como vimos nesta aula, o Direito Constitucional cuida do estudo dos aspectos mais importantes da estrutura política e jurídica do Estado, estabelecidos em sua lei máxima, a Constituição, que, como produto do constitucionalismo moderno, reflete a vontade política dos cidadãos e estabelece os parâmetros para a atuação dos governantes no cumprimento das finalidades do Estado. Conhecer e estudar a Constituição do seu país possibilita uma análise crítica da verdadeira dimensão do que é ser cidadão e uma participação mais consciente e ativa na construção dos destinos da nação. Procure, você mesmo, obter mais informações a respeito do constitucionalismo moderno e discuta com seus colegas a influência desse movimento na mudança das relações de poder entre governantes e governados.
Atividade final Marque certo (C) ou errado (E): ( ) Quanto ao seu conteúdo, uma Constituição material designa o conjunto de normas
escritas
ou
costumeiras
que
fazem
parte
do
ordenamento
constitucional do Estado. (
) A Constituição escrita tanto pode ser caracterizada por um documento
solenemente elaborado para traçar a estrutura fundamental do Estado como por um conjunto de documentos esparsos elaborados pelos legisladores que tratem de matérias tipicamente constitucionais. (
) Constituição rígida é aquela que pode ser alterada por um processo
legislativo mais solene e mais complexo que o exigido para edição de outras espécies normativas. (
) Quanto à sua origem, denomina-se Constituição outorgada aquela que
deriva da concessão do governante e necessariamente representa as mais legítimas aspirações populares. (
) A Constituição que sistematiza as idéias e princípios políticos e jurídicos
do Direito dominante no momento é chamada de Constituição dogmática. (
) A atual Constituição brasileira é rígida, escrita, dogmática, promulgada e
analítica.
Comentário A classificação das constituições realizada pelos doutrinadores do Direito Constitucional permite ao estudante conhecer as características diferenciais das Constituições existentes. Discuta com seus colegas a respeito dos elementos que caracterizam uma Constituição. Para classificar mais facilmente a nossa Constituição, você deverá estar de posse do texto integral da Constituição Federal de 1988, atentando para as informações contidas no 15
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seu preâmbulo e para a sua estrutura normativa, observando, no índice ou no próprio texto, os aspectos lógicos que se encaixam nos critérios de classificação.
Síntese do tema O surgimento do Direito Constitucional está intimamente relacionado à própria evolução do Estado em todo o mundo, tendo o seu processo de formação sofrido a influência das ideologias que defendiam a emancipação humana e a participação popular no Poder, refletindo-se no movimento jurídicopolítico que recebeu o nome de constitucionalismo. Dividido pela doutrina em duas fases, a antiga e a moderna, o constitucionalismo foi inicialmente marcado pelo estabelecimento de alguns limites ao poder dos governantes com base nas raízes culturais, costumes ou tradições do povo e pela inexistência da organização dessas regras em um único texto escrito. A partir do século XVIII, o constitucionalismo ou a determinar uma nova forma de organização estatal, com exigências de reconhecimento expresso de direitos, deveres e garantias do povo, de obrigações e limites para os exercentes dos poderes do Estado, agora divididos de acordo com a sua função istrativa, legislativa e judicial e caracterizado pela organização dessas regras em um texto escrito e sistematizado. Dessa forma, o Direito Constitucional é fruto do desenvolvimento do próprio constitucionalismo, tendo por finalidade o estudo e a sistematização das normas que tratam dos elementos essenciais para a organização e o funcionamento do Estado sob a égide da soberania popular em um texto que se denomina de Constituição.
Informações sobre o próximo tema No próximo tema, você estudará a respeito do Poder que, emanado do povo, torna uma Constituição legítima e possibilita que a mesma seja alterada, além dos mecanismos e limites para essas alterações. Conhecerá, ainda, os fenômenos jurídicos que podem ocorrer quando uma Constituição é substituída por outra.
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Tema 02
Poder Constituinte, Reforma e Fenômenos da Transição Constitucional
Meta do tema Apresentação dos fundamentos do Poder Constituinte, suas espécies e características
Objetivos Esperamos que, ao final deste tema, você seja capaz de: •
Expor as modalidades de reforma constitucional e suas limitações;
•
Apresentar os fenômenos jurídicos da transição de uma ordem
constitucional para outra. •
Definir o conceito de Poder Constituinte, identificando suas espécies e características;
•
Diferenciar as modalidades de reformas constitucionais estabelecidas pela doutrina;
•
Identificar as relações entre uma nova Constituição e a legislação infraconstitucional anterior.
Pré-requisitos Para
acompanhar
este
tema,
é
necessário
que
você
tenha
conhecimentos básicos sobre constitucionalismo e classificação constitucional, apresentados na Aula 01, que trabalharam, respectivamente, as noções de limitação do Poder do Estado, além da flexibilidade e rigidez constitucionais.
Introdução Caro aluno, Este tema irá discutir a estreita correspondência que o Poder Constituinte possui com o objetivo central do constitucionalismo, conforme comenta Canotilho (2003, p. 71), materializando a principal função de uma 17
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
ordem político-constitucional que é o estabelecimento de um sistema de limites impostos àqueles que exercem o poder político. A teoria do Poder Constituinte constitui um dos principais pontos do estudo do Direito Constitucional, tratando dos fundamentos do Poder que tem capacidade e legitimidade para instituir os Poderes do Estado e estabelecer as regras que vão sustentar e reger a vida política e jurídica de uma determinada sociedade, por meio da Constituição. Da origem da Constituição, elaborada por esse Poder soberano e anterior aos demais, surge a idéia da supremacia constitucional, representada pela superioridade das normas constitucionais, quanto ao seu conteúdo e ao modo de sua elaboração. Ela é superior às demais leis e atos normativos presentes em nosso ordenamento, cujos reflexos se estendem aos processos de reforma do texto constitucional e à possibilidade da continuidade da aplicação, ou não, da legislação elaborada na ordem constitucional anterior.
Pare e Pense Qual o papel do povo na elaboração de uma Constituição democrática, considerando-se o significado da ordem constitucional para o Estado moderno?
Poder Constituinte Origem da idéia de poder constituinte: O direito que a nação tem de organizar-se como fonte do poder público foi afirmado pela primeira vez pouco antes da deflagração da Revolução sa, no panfleto do abade Emannuel Sieyés intitulado – Qu’’est-ce que tiers état? (Que é o terceiro Estado?), de 1788.
Para Ferreira Filho (2002, p. 20), “a idéia de que a Constituição é fruto de um poder distinto dos que estabelece, a afirmação da existência de um Poder Constituinte, fonte da Constituição e, portanto, dos poderes constituídos (dentre os quais o legislativo) é contemporânea da de Constituição escrita”. Alexandre
de
Moraes
define
o
Poder
Constituinte
como
“a
manifestação soberana da suprema vontade política de um povo social e juridicamente organizado” (2006, p. 21). O Poder Constituinte, na visão de Paulo Bonavides (2003, p. 315), É essencialmente um poder de natureza política e filosófica, vinculado ao conceito de legitimidade imperante numa determinada época. Como tal é sempre poder primário, de ocorrência excepcional, exercitando-se para criar a primeira Constituição do Estado ou as Constituições que posteriormente se fizerem mister.
O constitucionalismo antigo já manifestava a existência de uma vontade constituinte na vida das sociedades organizadas, justificada na vontade da divindade ou do soberano (BONAVIDES, 2003, p. 315). Com a reflexão formulada no século XVIII por Sieyés (quadro ao lado), acrescentou-se àquelas duas titularidades (a divina e a monárquica) uma outra, a da Nação, ligada à idéia da soberania do Estado. Modernamente, porém, predomina a idéia de que a titularidade do Poder Constituinte pertence ao povo, já que o Estado decorre da própria soberania popular, cujo conceito é mais abrangente que o de nação. Desse modo, a vontade constituinte é a vontade do próprio 18
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povo de que seja elaborada uma Constituição, expressa por meio de representantes escolhidos especificamente para tal (MORAES, 2006, p.21).
Espécies de Poder Constituinte As modalidades de Poder Constituinte são classificadas pelos doutrinadores do Direito Constitucional em: Poder Constituinte Originário ou de 1º Grau, e Poder Constituinte Derivado, Constituído ou de 2º Grau. 1. Poder Constituinte Originário É aquele que cria a primeira Constituição do Estado e as Constituições posteriores, organizando a estrutura essencial do Estado, definindo seu formato, as bases do seu sistema político, os poderes estatais que regerão os interesses do povo e os direitos e garantias fundamentais. Como salienta Alexandre de Moraes (2006, p. 22), a existência de um Poder Constituinte primário é o e lógico de uma Constituição superior ao restante do ordenamento jurídico e que, em regra, não pode ser modificada pelos poderes constituídos (executivo, legislativo ou judiciário). Em razão disso, esse Poder Constituinte distinto, anterior e fonte da autoridade dos poderes constituídos não pode se confundido com eles. a) Características do poder constituinte originário: Inicial: porque não se funda noutro, sendo dele que derivam os demais poderes; Ilimitado e Autônomo: é ilimitado porque não está sujeito a qualquer limitação do Direito Positivado (concepção positivista); e é autônomo, porque uma vez não sujeito a limitações por parte do Direito Positivo, o Poder Constituinte Originário deve se sujeitar ao Direito Natural (concepção jusnaturalista). Incondicionado: não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade; não tem que seguir procedimento determinado para a realização da sua obra de constitucionalização. b) Formas de expressão do poder constituinte originário:
Outorga por um movimento revolucionário: o agente do Poder
Constituinte promulga unilateralmente um texto constitucional, que autolimita o seu poder, ao qual o povo tacitamente confere eficácia;
Assembléia Nacional Constituinte ou Convenção: fruto da
deliberação da representação popular é convocado pelo agente revolucionário para o estabelecimento de uma nova ordem fundamental;
Bonapartista ou cesarista: dá-se via de consulta ao povo sobre o
seu consentimento para que um homem, em seu nome, promulgue uma 19
Vamos conhecê-los?
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Constituição. Nesse caso o povo transfere o Poder Constituinte por meio de um plebiscito. c) Permanência do Poder Constituinte Originário: é permanente, não desaparecendo com a realização da sua obra (depois de elaborada a Constituição). Sua titularidade permanece latente, podendo manifestar-se novamente por meio de uma nova Assembléia Nacional Constituinte ou um ato revolucionário (MORAES, 2006, p. 23). 2. Poder Constituinte Derivado Também denominado secundário, instituído, reformador ou de 2º grau, é um poder inserido na própria Constituição, vez que embora pretendam se eternizar, as Constituições não devem ser imutáveis, razão pela qual prevêem no seu texto um processo para sua alteração, conferindo a alguém competência reformadora (ARAÚJO, 2005, p. 10). a) Espécies de Poder Constituinte Derivado O poder Constituinte Derivado pode ser reformador ou decorrente (Moraes, 2006, p. 24): •
Poder Constituinte reformador ou de competência reformadora:
consiste na possibilidade de alterar-se o texto constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria Constituição Federal, sendo exercido por determinados órgãos com caráter representativo (Poder Legislativo Federal). •
Poder Constituinte Decorrente: consiste na possibilidade que os
Estados-Membros
possuem,
em
razão
de
sua
autonomia
político-
istrativa, de se auto-organizarem por meio de suas respectivas constituições estaduais, sempre respeitando as regras limitativas estabelecidas pela Constituição Federal, que, no caso brasileiro, se encontram dispostas no artigo 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT. b) Características do poder constituinte derivado As características do Poder Constituinte Derivado reconhecidas pelos doutrinadores, destacadas por Araújo (2005, p. 10), são as seguintes: Derivado: porque retira a sua força do Poder Constituinte Originário, que o estabelece no texto constitucional; Limitado: a Constituição impõe limites a sua alteração, criando determinadas áreas imutáveis, chamadas cláusulas pétreas. Assim, existirá no texto constitucional um núcleo de normas intangíveis, que não podem ser objeto de alteração; Condicionado: a modificação da Constituição, para ser válida, deve obedecer ao processo determinado para sua alteração (processo de emenda), 20
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fixado pelo Poder Constituinte Originário. Desse modo, para que se possa modificar a Constituição, algumas formalidades devem ser cumpridas. Condições procedimentais mais solenes e difíceis que aquelas exigidas para a elaboração de uma lei ordinária, por exemplo, maior dificuldade para iniciativa e quorum mais elevado para aprovação.
Atividade Marque (C) para as certas ou (E) para as erradas: (
) O Poder Constituinte é inicial por ser a fonte criadora dos demais poderes
do Estado, razão pela qual não se confunde com eles, que são denominados instituídos. (
) Sendo o órgão encarregado de elaborar a Constituição democrática, a
Assembléia Nacional Constituinte é a titular do Poder Constituinte. (
) Ao Poder Constituinte Reformador, que é submisso às condições
estabelecidas pelo constituinte originário, compete promover alterações no texto constitucional. (
) A outorga unilateral de um texto constitucional pelo poder revolucionário
constitui um dos meios pelos quais uma Constituição adquire legitimidade. (
) O Poder Constituinte Originário possui natureza de poder de direito,
sendo anterior e superior ao próprio Direito positivo do Estado.
Comentário Ao responder às questões propostas nessa atividade, lembre-se de que o Poder Constituinte Originário se manifesta por meio da vontade do povo, conferindo legitimidade às Constituições modernas.
Reforma e Mutação Constitucional Como anota Gisela Bester (2005, p. 222), quando elaboradas, as Constituições possuem uma pretensão natural de perenidade e estabilidade, justificada pelo seu objetivo principal que é o de promover a estruturação fundamental do Estado. Embora possuam um determinado grau de permanência na história, não existem textos constitucionais eternos, já que a própria dinâmica das sociedades exige mudanças ao longo do tempo, tanto do ponto de vista interpretativo da substância de suas normas, quanto da sua redação original. Desse modo, uma Constituição pode ser alterada pela expressa modificação do seu texto ou pela mudança interpretativa do conteúdo das suas disposições. Para melhor compreensão, observe nos quadros a seguir as diferenças conceituais existentes entre reforma e mutação constitucional e o destaque das suas principais características.
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1. Reforma e mutação constitucional: diferenças conceituais A diferença conceitual entre reforma e mutação constitucional reside no fato de que, enquanto a reforma constitucional compreende todos os métodos formais de mudança que podem ocorrer no texto de uma Constituição, de acordo com os procedimentos especiais e pela ação dos órgãos nela indicados, a mutação constitucional se refere para “designar os processos informais de alteração das Constituições, ou seja, aqueles que alteram o sentido de uma Constituição sem alterar o seu texto, porque mudam o seu espírito” (BESTER, 2005, p. 223).
ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DA REFORMA E DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL REFORMA - Utiliza processos formais préestabelecidos; - É realizado por órgãos indicados na Constituição;
MUTAÇÃO - Não possui formalidades expressas; - É realizado pelos órgãos judiciais ou legislativos;
- Altera a redação original do texto constitucional;
- Altera o sentido ou conteúdo do texto constitucional, sem modificar a sua redação;
- Obedece às limitações previstas na própria Constituição.
- Obedece à realidade político-social, que se modifica ao longo da história.
Estabelecidas as diferenças terminológicas entre reforma e mutação constitucional, por razões de ordem prática determinadas pela sua maior atualidade e visibilidade, estudaremos a seguir, em maior profundidade, outros aspectos relacionados à reforma constitucional, como suas modalidades, procedimentos e limitações. MODALIDADES DE REFORMA: EMENDA E REVISÃO (PINTO FERREIRA, 1956, p. 102) EMENDA CONSTITUCIONAL
REVISÃO CONSTITUCIONAL
“é a modificação de certos pontos, cuja estabilidade o legislador constituinte não considerou tão grande como outros mais valiosos, se bem que submetida a obstáculos e formalidades mais difíceis que os exigidos para a alteração das leis ordinárias”.
“é uma alteração anexável (ao texto constitucional) exigindo formalidades e processos mais lentos e dificultados que a emenda, a fim de garantir a suprema estabilidade do texto constitucional”.
Nesse sentido, pode-se falar na existência de um Poder de Reforma, representado pelo Poder Constituinte Derivado que, na lição de Bester (2005, p. 228), tem por objetivo propiciar mudanças no texto constitucional, permitindo a sua adaptação a novas necessidades, sem que para isso tenha que se recorrer novamente ao Poder Constituinte Originário com a elaboração de uma nova Constituição.
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EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
O Poder de Reforma pode ser subdividido em Poder de Emenda e Poder de Revisão, ambos exercidos de acordo com as regras estabelecidas pelo Constituinte Originário. O primeiro por meio de uma espécie normativa denominada emenda constitucional, prevista no artigo 59 da CF de 1988 e cujos procedimentos estão previstos no artigo 60 e parágrafos, da CF/88, e o outro, por meio da chamada emenda revisional, com regras dispostas no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. 2. Limitações ao poder de reforma constitucional Como salienta José Afonso da Silva (2006, p. 65), o Poder de Reforma é inquestionavelmente limitado, já que tem seus procedimentos regrados pela própria Constituição. A desobediência a essas limitações acarreta vícios que invalidam os dispositivos constitucionais eventualmente emendados. Para Gisela Bester (2005, p. 241), as limitações ao Poder de Reforma se classificam como temporais, circunstanciais e materiais (explícitas e implícitas), conforme quadro abaixo: Limitações
Definição
Exemplos na CF de 1988
Temporais
O exercício do poder de reforma constitucional se dá com referência ao tempo que possa ocorrer conforme previsão expressa na constituição.
Previstas para a reforma por revisão no Art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.
Circunstanciai s
Proíbem a reforma em certas situações de crise (circunstâncias), pela presunção de que os membros do órgão revisor estejam sob coação ou violenta emoção.
Previstas durante os períodos de: Intervenção federal (art. 34); Estado de Sítio (art. 137141); Estado de Defesa (art. 136)
Materiais
O Constituinte originário deixou fora do alcance poder instituído reformador certas matérias cujo conteúdo explicito ou implícito não pode ser objeto de alteração Explícitas: matérias previstas textualmente na Constituição como irreformáveis. Implícitas: mudanças que sem violar o texto escrito produziriam uma radical modificação no conteúdo essencial da Constituição.
Explícitas: Art. 60, § 4º, incisos I, II, III e IV (cláusulas pétreas, imutáveis ou intangíveis).
Estabelecem as regras que deverão ser necessariamente obedecidas pelo titular do poder reformador para validação do procedimento de elaboração de uma emenda, no que se refere à sua iniciativa, tramitação e votação.
Procedimento das Emendas à CF: Iniciativa (art. 60, § 1º, incisos I, II e III); Tramitação (art. 60, § 2º, 1ª parte); Votação (art. 60, § 2º , 2ª parte).
Formais
Implícitas: as referentes ao titular do poder constituinte originário, o povo; as referentes ao titular do poder reformador; e, as relativas ao processo da própria emenda (com a finalidade de atenuá-lo).
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Atividade Estabeleça a distinção entre reforma e mutação constitucional, resumindo as características essenciais de cada conceito.
Comentário Ainda que as Constituições sejam elaboradas com finalidade de conferir estabilidade à estrutura essencial do Estado, é preciso considerar que não são imutáveis, já que sofrem alterações determinadas pela dinâmica do processo histórico de evolução das sociedades organizadas. 3. Os fenômenos jurídicos da transição constitucional A elaboração de uma nova Constituição apresenta repercussões jurídicas indiscutíveis em relação às regras constitucionais e à legislação infraconstitucional anteriores. 4. A revogação tácita da constituição antiga Nas palavras de David Araújo (2005, p. 16), a “superveniência de uma nova Constituição significa que o alicerce de legitimação de todo o sistema jurídico foi modificado”. De fato, a promulgação de uma nova Carta Constitucional representa uma total ruptura com a ordem constitucional até então vigente, já que pela vontade emanada do constituinte originário se estabeleceu a estrutura essencial de um novo Estado constitucional, ocorrendo a conseqüente revogação da Constituição anterior. 5. A recepção das leis infraconstucionais anteriores No que se refere à legislação infraconstitucional anterior, que já ocupava uma posição de inferioridade e submissão em relação à Constituição então vigente, o mesmo continuará a ocorrer em relação à nova Constituição. Desse modo, como esclarece Bester (2005, p. 207), “se a anterior legislação inferior não contrariar a nova Constituição, continuará sobrevivendo”, obviamente sob um novo fundamento de validade, que, “condicionam à sua interpretação e ao seu significado” (ARAÚJO, 2005, p. 16), ou seja, ao novo texto constitucional. O recebimento, pela nova ordem constitucional, da legislação anterior que seja com ela compatível constitui o fenômeno jurídico denominado recepção constitucional. Assim, as leis complementares, ordinárias ou quaisquer outras espécies de normas inferiores serão recebidas como válidas pela nova Constituição, desde que o seu conteúdo não contrarie disposição do novo texto. Sob o mesmo raciocínio, consideram-se tacitamente revogadas as leis infraconstitucionais cujo conteúdo seja incompatível com a Constituição nova, sendo que essa revogação pode ser total, quando a lei for integramente incompatível (ab-rogação), ou parcial, quando apenas alguns dos seus 24
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dispositivos possuem conteúdo destoante (derrogação). No Brasil, a verificação dessa incompatibilidade é realizada pelo Supremo Tribunal Federal, o órgão do Poder Judiciário encarregado pelo constituinte originário para a interpretação da Constituição. 6. Recepção material da legislação infraconstitucional Uma
Constituição
nova
recebe
materialmente
as
normas
infraconstitucionais da ordem jurídica anterior, o que importa dizer que a análise é feita em relação ao conteúdo na norma e não quanto à espécie normativa. Assim, por exemplo, as regras editadas por meio de um decreto-lei sob a vigência de uma Constituição antiga, que pela nova Carta devem ser tratadas apenas por Lei Complementar serão recepcionadas sem qualquer óbice pela nova Constituição, bastando que o seu conteúdo seja com ela compatível.
Conclusão Neste tema, foram trabalhados os institutos que tratam da legitimação dos poderes do Estado, determinada pela existência, ou não, de manifestação da vontade do povo no processo de elaboração das Constituições, assim como os fenômenos que ocorrem na transição de uma ordem constitucional para outra. A teoria do Poder Constituinte, construída a partir das idéias de Sieyés, com o desenvolvimento do seu conceito, modalidades e características, possibilita compreender a dimensão legitimadora da soberania popular no processo de formação dos ordenamentos jurídicos dos Estados modernos. Por seu turno, na transição constitucional, o recebimento da legislação editada sob a ordem constitucional anterior, cujo conteúdo não seja incompatível com a nova Constituição, reafirmando, assim, a condição de superioridade dos textos constitucionais promulgados pelo Poder Constituinte Originário.
Atividade final Questão 01. Tomando por base a existência de um decreto-lei, legitimamente editado em data anterior à Constituição de 1988, cujo conteúdo não entra em colisão com o novo texto constitucional, marque certo (C) ou errado (E): (
) O decreto-lei somente poderá produzir efeitos com relação a fatos que
tenham ocorrido antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. (
) O decreto-lei deve ser tido como inconstitucional a partir da promulgação
da Constituição Federal de 1988, já que esta não prevê mais o decreto-lei como espécie normativa constitucional. ( ) O decreto-lei deve ser considerado como recepcionado pela Constituição Federal de 1988, permanecendo em vigor enquanto não for revogado.
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(
) O decreto-lei deve ser considerado revogado, uma vez que com a entrada
em vigor da nova Constituição ocorre a revogação da Constituição antiga, e conseqüentemente, de todas as espécies normativas fundamentadas no texto constitucional revogado. Questão 02. Considerando as limitações formais impostas ao Poder de Reforma pelo Constituinte Originário, de posse do texto da Constituição Federal de 1988, descreva as diferenças existentes entre os processos de votação das emendas constitucionais e das leis ordinárias (art. 47).
Comentário As espécies normativas de um ordenamento jurídico constituem os tipos de lei que podem ser editados pelos órgãos legislativos de um Estado, conforme estabelecido no seu texto constitucional. Para melhor responder à questão proposta, verifique no texto da atual Constituição Federal quais as espécies de leis que podem ser produzidas pelo Poder Legislativo brasileiro a partir de 1988. Para desenvolver as atividades propostas, você deve ficar atento, ainda, para o conceito de recepção constitucional e para os exemplos de limitações formais às emendas constitucionais, trabalhado no decorrer desta aula.
Síntese do tema Como você pôde observar, o que torna uma Constituição legítima e lhe dá força como base do ordenamento jurídico é a sua origem democrática manifestada pela escolha de representantes do povo para, em seu nome, elaborá-la. Uma Constituição, embora deva conferir estabilidade ao ordenamento jurídico, não deve ser imutável, devendo adaptar-se às mudanças que ocorrem no seio da sociedade. Para tanto, deve prever regras que permitam reformas em seu texto, de acordo com os limites estabelecidos pelo Constituinte Originário. Uma Constituição nova, também, pode receber como válida a legislação infraconstitucional que foi elaborada com base na Constituição anterior, desde que o conteúdo dessa legislação antiga não seja incompatível com o novo texto constitucional.
Informações para o próximo tema Na próxima aula, você estudará o histórico das Constituições brasileiras, terá a oportunidade de conhecer as características gerais da Constituição Imperial de 1824 e das Constituições Republicanas de 1889, 1934, 1937, 1946, 1969 e 1988.
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Tema 03 Histórico das Constituições Brasileiras
Meta do tema Explicitação da evolução das Constituições brasileiras.
Objetivos Esperamos que, no final desse tema, você seja capaz de: • Conhecer a evolução das Constituições brasileiras; • Identificar as transformações e relacioná-las com o momento político vivido na época;
Pré-requisitos Para compreender o nosso objeto de estudo, que aborda o histórico das Constituições brasileiras, você precisará resgatar seus conhecimentos básicos de história do Brasil, a fim de fazer a relação entre as mudanças vividas por cada Constituição estudada com o momento político vivido na época.
Introdução Não podemos considerar que o Brasil evoluiu constitucionalmente, do ponto de vista histórico, desde a descoberta do país. A não ser algumas Constituições, como a de 1934 e a de 1937, que representaram mudanças significativas na política econômica e social do país. Talvez pudéssemos mencionar a Carta de 1967 entre as Constituições mais conhecidas, não só pelo que representou à Nação, mas, principalmente, por que muitos de nós nascemos sob a sua égide. Nesse estudo, embora abordemos todas as constituições que tivemos, daremos ênfase à Constituição Federal de 1988, demonstrando o que ela representa em matéria de conquista, especialmente no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais. Essa constituição, por ser analítica, trata detalhadamente da proteção da família, da criança, do idoso e do meio ambiente. Esses temas, embora não precisassem estar expressos tão 27
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
detalhadamente em sede constitucional, nos leva a concluir que o legislador constituinte quis assegurar, nesta Carta, direitos e garantias que rompessem com a era vivida anteriormente à sua vigência. Bester (2005, p. 95), ao fazer uma análise sobre a história constitucional, considera que O Brasil tem uma história constitucional dolorosa, em que poucas vezes se conheceu uma verdadeira democracia. Nisto não difere da história latino-americana, comum no que se refere a tradições de Executivos fortes, conforme atestam estudos de grandes especialistas do tema, como Juan Linz e Guillermo O´Donnoel. Entre nós, as constantes recaídas autoritárias fizeram da democracia uma esperança perene e uma prática efêmera. Disto nos dá provas o fato de que, das oito Constituições existentes, justamente a metade tenha sido autoritariamente imposta, sem origem democrática.
1. A Constituição Imperial A Constituição Política do Império do Brasil (1824) Nossa primeira Constituição nasceu da história política vivenciada nessa época. Segundo José Afonso da Silva (2002, p. 74), “proclamada a independência, o problema da unidade nacional impõe-se como o primeiro ponto a ser resolvido pelos organizadores das novas instituições”. Pinto Ferreira (1971, p.108) resume em poucas palavras o período antecedente à Constituição de 1824. Segundo o autor, Ainda a independência não havia sido proclamada, e já havia o príncipe-regente D. Pedro convocado, em 23 de junho de 1822, uma constituinte, para votar o estatuto fundamental do país. Acelerada a agitação ideológica pela libertação definitiva da nação dos laços de vinculação política a Portugal, reuniu-se a assembléia constituinte, entre 2 de maio e 12 de novembro de 1823. As tendências ultra liberais e revolucionárias dos seus trabalhos provocaram o contragolpe conservador de D. Pedro I, que a dissolveu, encarregando o Conselho de Estado da feitura de novo projeto, que se transformou na Constituição da monarquia brasileira, de 25 de março de 1824, outorgada pelo Imperador do povo.
A primeira Constituição brasileira foi uma constituição outorgada imposta pelas circunstâncias políticas vividas nesta época. Araújo (2006, p. 90) considera que essa Carta estabeleceu “um governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo”. Preâmbulo da Constituição de 1824: Dom Pedro Primeiro, por graça de Deus e unânime aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos Súditos, que tendo-Nos requerido os Povos deste Império, juntos em Câmaras, que Nós quanto antes jurássemos e fizéssemos jurar o Projeto de Constituição, que havíamos oferecido à suas observações para serem depois
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EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
presentes nova Assembléia Constituinte; mostrando o grande desejo, que tinham, de que ela se observasse já como Constituição do Império, por lhes merecer a mais plena aprovação; e dele esperarem a sua individual e geral felicidade Política: Nós Juramos o sobredito Projeto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que de ora em diante fica sendo deste Império, a qual é do teor seguinte: Em nome da Santíssima Trindade:
Segundo os dados que nos apresentam Araújo (2006, p. 90-91), Ferreira (1971, p. 109) e Bester (2005, p. 96-97), apresentamos abaixo um quadro ilustrativo com as principais características dessa Carta Constitucional.
PODERES Não adotou a tripartição clássica (executivo, legislativo e judiciário), mas sim a divisão quadripartite, inspirada no francês Benjamin Constant
FORMA DE ESTADO UNITÁRIA E CENTRALIZADA
PODER LEGISLATIVO - era exercido por uma assembléia geral, composta de duas câmaras: a) a dos deputados (eletiva e temporária) e b) a dos senadores (membros vitalícios e indicados pelo Imperador); PODER EXECUTIVO - era exercido pelos ministros de Estado, tendo como chefe o imperador; PODER JUDICIÁRIO - era independente, mas o Imperador, como chefe do Poder Moderador, podia suspender os juízes; PODER MODERADOR - que também era exercido pelo Chefe do executivo, podia destituir e nomear ministros de Estado, podia dissolver a Câmara dos Deputados, adiar a escolha e convocação dos senadores. Inicialmente o país foi dividido em 18 províncias, como entidades istrativas fiscalizadas pelo Governo central. No entanto, o Ato Adicional de 1834 suavizou o unitarismo exagerado, transformando os conselhos gerais existentes nas províncias, em verdadeiras assembléias legislativas, eleitas pelo povo e com diversas atribuições jurídicas importantes.
Fonte: Araújo (2006, p. 90-91); Ferreira (1971, p. 109) e Bester (2005, p. 96-97).
Como ensina Araújo (2006, p. 91), a Constituição do Império era considerada semi-rígida, “exigindo um critério mais difícil de alteração para as matérias relativas ao Estado (seu cerne e sua estrutura básica) e um critério mais simples para as normas formalmente constitucionais”. Lembra ainda o autor, que essa Constituição “trouxe uma declaração de direitos individuais e garantias que, nos seus fundamentos, permaneceu nas Constituições que se seguiram”. Bester (2005, p. 97) lembra-nos de que foi o texto que teve a mais longa duração entre nós, vigorou por 65 anos. A autora ressalva que, apesar do longo período, nem sempre pode ser considerada uma Constituição dotada de efetividade.
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Você sabia? O Brasil era chamado de “Estados Unidos do Brazil” desde a proclamação da república, por influência da constituição norteamericana. A denominação “República Federativa do Brasil” só apareceu na Constituição Federal de 1969.
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
Logo após a Constituição de 1824, nossa primeira Constituição ocorreu uma outra mudança política no país, com a Proclamação da República, fato esse que deu ensejo a uma nova Constituição, que é a nossa Carta de 1891, que estudaremos a seguir.
2. As Constituições Republicanas A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Como ensina Ferreira (1971, p. 110), “a revolução republicana de 1889 refletiu a crise econômica que provocou o ocaso do império”. Conforme Araújo (2006, p. 91), “o Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, instituiu a República e a Federação”. Destaca o autor que “o Texto Constitucional promulgado em 24 de fevereiro de 1891 teve como traço característico o abandono da forma unitária, adotando-se, portanto, o Federalismo”. Ferreira (1971, p. 111), a despeito de opiniões contrárias, afirma que Rui Barbosa foi o “pai espiritual da carta republicana, que esculturou segundo o estilo
da
Constituição
norte-americana,
com
as
idéias
diretoras
do
presidencialismo, do federalismo, do liberalismo político e da democracia burguesa”. Bester (2005, p. 98) comenta a mudança que nomeia como a segunda fase da história constitucional: Após longas décadas de vigência da Constituição Imperial, uma segunda fase de nossa história constitucional iniciouse com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, quando nosso Estado, após longa “Campanha Federalista” de inspiração norte-americana, muda por completo sua estrutura: de um Império unitário e centralizador, amos a uma República presidencialista, federativa e descentralizadora (autonomia política e istrativa dos Estados membros da Federação).
Essa Carta sofreu uma significativa reforma em 1926, que conforme Pedro Calmon apud Ferreira (1971, p. 111) “destinou-se a corrigir certos abusos, que a ambigüidade do texto de 1891 favorecera, em detrimento da honesta realização do regime”. Preâmbulo da Constituição de 1891 Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Como fizemos em relação à Carta de 1824, trazemos as principais características da Carta 1891, nossa segunda Constituição e primeira Carta Republicana no quadro abaixo. 30
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
FORMA DE ESTADO Federalismo
-
províncias
TRIPARTIÇÃO DE as
Poder
O Estado abandonou a
Moderador.
religião oficial.
transformadas em Estados.
Adotou-se a teoria tripartite
Operou-se a
Os Estados aram a ter
de
entre a Igreja e o Estado,
competências
Executivo
com
foram
PODERES Abandonou-se o
ESTADO LAICO
próprias,
governo
assumindo federalista.
a
poderes,
com
um
presidencialista,
ando
separação o
Estado
próprio,
um legislativo bicameral e
brasileiro a ser laico a
feição
um judiciário independente,
partir dessa Carta.
com
novas
funções
e
prerrogativas. Fonte: Araújo (2006, p. 90-91); e Bester (2005, p. 96-97)
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 Antes de adentrarmos nas particularidades da Carta de 1934, é importante lembrarmos da Revolução de 1930, que influenciou a mesma. Ensina-nos Silva (2002, p. 81) que Quatro anos depois daquela Emenda à Constituição de 1891, irrompera a Revolução, que a pôs abaixo com a Primeira República. (...) Subindo Getúlio Vargas ao poder, como líder civil da Revolução, inclina-se para a questão social. (...) Getúlio, na Presidência da República, intervém nos Estados. Liquida com a política dos governadores. Afasta a influência dos coronéis, que manda desarmar. (...) Por decreto de 3.5.32 marca eleições à Assembléia Constituinte para 3.5.33. Dois meses depois, estoura em São Paulo, a Revolução. (...) A derrota dos revoltosos pelo ditador não obstou mantivesse o decreto anterior de convocação das eleições, que se realizariam no dia aprazado, organizando-se a Constituinte que daria nova Constituição republicana: a segunda Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 16.7.34.
Como você pode perceber, a nossa história constitucional está imbricada nas transformações políticas, sociais e econômicas da nação. Bester (2005, p. 100) menciona que a Constituição de 1934 é tida como A versão sul-americana da Constituição Alemã de Weimar (1919), por ter pela primeira vez entre nós incorporado direitos sociais, econômicos, culturais, trabalhistas, sindicais e previdenciários, o que foi feito, em sua grande maioria, pela previsão de normas programáticas.
Preâmbulo da Constituição de 1934 Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem31
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Lembra ainda a mesma autora (2005, p. 101) que essa nossa Constituição foi também influenciada pela Constituição do México (1917). Apesar do avanço que representou, foi a Constituição de mais curta duração, uma vez que já em 1937 vigia uma nova Constituição. Assim, a Constituição de 1934 durou apenas 04 anos e foi revogada por uma Carta (1937) considerada uma das mais duras que tivemos vez que suprimiu grande parte dos direitos e garantias conquistados na Carta antecessora. Preâmbulo da Constituição de 1937 O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil; ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente; ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bemestar do povo; Sem o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas; Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais: Constituição dos Estados Unidos do Brasil.
Pare e Pense Até agora estudamos as primeiras três Constituições Brasileiras. Sendo: 1ª - 1824 – Outorgada 2ª - 1891 – Promulgada 3ª - 1934 – Promulgada 32
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Faça uma reflexão sobre os acontecimentos históricos e políticos que influenciaram as referidas Constituições, que de certa forma contribuíram para que essa tivesse origem de uma forma ou de outra (outorgada e ou promulgada).
A título de fornecer uma visão panorâmica das mudanças que ocorreram com a Constituição de 1934, apresentamos o quadro abaixo. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA CONSTITUIÇÃO DE 1934
Promulgada em 16.07.1934, inseriu a democracia social, inspirada na Constituição de Weimar. Manteve os princípios fundamentais formais: a República, a Federação, a divisão de Poderes, o presidencialismo e o regime representativo. Ampliou consideravelmente os poderes da União, Estados e Municípios, outorgando a esses base econômica em que se assentasse a autonomia garantida. Estendeu aos ministros de Estado responsabilidade pessoal e solidária com o Presidente da República. Rompeu com o bicameralismo rígido, uma vez que atribuiu o Poder Legislativo à Câmara dos Deputados, transformando o Senado Federal em órgão de colaboração desta. Criou a Justiça Eleitoral, como órgão do Poder Judiciário. itiu o voto feminino. A Justiça Militar foi integrada ao Poder Judiciário. Garantiu o mandado de segurança e a ação popular. Amenizou a reação anti-religiosa da Constituição de 1891, facultando o ensino religioso nas escolas públicas, permitindo efeitos civis ao casamento religioso. Fonte: Araújo (2006, p. 92-93).
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 Como nos ensina Bester (2005, p. 101), a Constituição de 1934 foi derrogada “por ato do então Presidente da República, em 1937, com a implantação do Estado Novo”. A autora afirma ainda que uma quarta fase de nossa história constitucional teve início “com o golpe de Estado de 1937, capitaneado pelo então Presidente Getúlio Vargas, que suspendeu o curso da formação e afirmação de nossas instituições democráticas”. Tivemos, assim, a nossa quarta Constituição, terceira Constituição republicana e segunda Constituição outorgada. Para Ferreira (1971, p. 113). a nova Constituição Estabeleceu a preeminência do executivo frente aos poderes clássicos do legislativo e do judiciário, criando uma ditadura sui generis, que se propunha a conciliar os interesses do trabalhismo incipiente com as tendências conservadoras do capitalismo, na verdade uma conciliação difícil pelos antagonismos extremos das classes sociais.
Bester (2005, p.101) comenta ainda que essa nova Constituição “foi redigida por Francisco Campos, a pedido do ditador Getúlio Vargas, tendo o apoio das forças armadas e como modelo a Constituição polonesa de 1935”. A Constituição de 1937 ficou conhecida, como afirma a autora, por “Constituição Polaca”. Conforme ainda a autora, alguns autores atribuem a 33
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
essa Carta, verdadeira inspiração facista, uma vez que a mesma representou uma ruptura com a história constitucional brasileira. Apresentamos abaixo quadro com suas principais características. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1937 Outorgada por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, inspirada no modelo facista e, consequentemente autoritária. Fortaleceu o Poder Executivo, permitindo que esse particie efetivamente do Poder Legislativo. Formalmente havia três Poderes, mas o Legislativo e o Judiciário tiveram suas funções esvaziadas. No Poder Legislativo, o Senado dá lugar ao Conselho Federal. O Presidente da República podia pôr o Legislativo em recesso e assumir as funções legislativas. Se o Poder Judiciário (por meio do STF) declarasse a inconstitucionalidade de uma norma, o Congresso Nacional poderia rejeitar a decisão. Quando em estado de emergência, o Poder Judiciário não poderia apreciar atos governamentais. A Constituição deixou de tratar do princípio da irretroatividade das leis, da reserva legal e não mencionou o mandado de segurança e a ação popular. Estabeleceu a pena de morte para os crimes políticos e para os homicídios por motivo fútil e com extremos de perversidade. O direito de manifestação do pensamento foi restringido, mediante censura prévia da imprensa, do teatro, do cinema e da radiodifusão. Fonte: Araújo (2006, p. 94)
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1946 Como ensina Bester (2005, p. 103), “o regime autocrático fundado na Constituição de 1937 teve seu término com a eleição de uma Constituinte para elaborar uma nova Constituição, que viria a ser agora democrática”. Segundo a autora, a nossa quinta fase na história constitucional “iniciou-se com o advento democrático da igualmente democrática Constituição de 1946 (Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946) elaborada pela Assembléia Constituinte convocada para tal em 2 de fevereiro de 1946”. Preâmbulo da Constituição de 1946 A Mesa da Assembléia Constituinte promulga a Constituição dos Estados Unidos do Brasil e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nos termos dos seus art. 218 e 36, respectivamente, e manda a todas as autoridades, às quais couber o conhecimento e a execução desses atos, que os executem e façam executar e observar fiel e inteiramente como neles se contêm. Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição dos Estados Unidos do Brasil.
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Pode-se dizer que essa Constituição representou o fim da era ditatorial de Getúlio Vargas e, em muitas partes, semelhante ao texto constitucional de 1934 que teve vida tão curta. Ferreira (1971, p.114) considera que essa Carta foi influenciada por três fontes: a) A Constituição Ianque de 1787; b) A Constituição sa de 1848; c) A Constituição Alemã de Weimar de 1919. Principais Características da Constituição de 1946 Promulgada em 18 de setembro de 1946, inspirada nas Cartas de 1891 e 1934. Repudiando o Estado Totalitário da Constituição de 1937, trouxe o Estado Democrático. O Vice Presidente acumulava sua função com a de presidente do Senado. Retorno do Senado Federal no sistema de bicameralismo. Restabeleceu-se o mandado de segurança, a ação popular e o controle da constitucionalidade dos atos normativos. Assegurou-se o o ao Judiciário. Os partidos políticos foram trazidos para o Texto Constitucional. Não havia penas de morte, de caráter perpétuo, de banimento ou de confisco. Procurou equilibrar o princípio da livre iniciativa com o princípio da justiça social. O direito de greve foi trazido à Constituição. Fonte: Araújo (2006, p. 94-95)
Bester (2005, p. 104) destaca que a Constituição de 1946 “entre 1950 e 1963 recebeu seis Emendas Constitucionais e, após o Ato Institucional n.1, de 9 de abril de 1964, mais quinze”. Por essa razão, discute-se na doutrina que não há precisão de data no termo final da Constituição de 1946.
Atividade Assinale a alternativa correta quanto a classificação das Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937 e 1946 quanto à origem: a) promulgada, outorgada, outorgada, promulgada e outorgada; b) outorgada, outorgada, promulgada, outorgada e promulgada; c) outorgada, promulgada, promulgada, outorgada e promulgada; promulgada, promulgada, outorgada, outorgada e promulgada
Comentário Para responder de forma adequada tente rever, no que já estudamos, a forma como foram criadas as referidas Constituições. Faça um raciocínio lógico sobre o momento histórico em que elas nasceram.
A Constituição de 1967 Segundo Bester (2005, p. 104), há certa divergência sobre o momento que a Constituição de 1946 deixou de vigorar, uma vez que essa era
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“respeitada pelo regime militar, já que este afirmava manter em vigor a Constituição de 1946”. Manoel Gonçalves Ferreira Filho apud Bester (2005, p. 104) trouxe a seguinte constatação: Não é propriamente a Constituição de 1946, estabelecida pela Constituinte de 1946, que está em vigor. Está em vigor uma Constituição outorgada pelo movimento revolucionário cujo conteúdo corresponde ao da Constituição de 1946, com as alterações que ele próprio introduziu.
Bester (2005, p. 104) afirma que: Ainda, que tecnicamente tenha vigorado por quase 21 anos (de 1946 a 1967), na prática, é possível dizer-se que ela tenha sido superada já com a edição do primeiro Ato Institucional, por conta das modificações então introduzidas, ou ainda, mais apropriadamente, com o impacto que sofreu pelo AI n.2, que, dentre outras medidas, extinguiu os partidos políticos. De todos os modos, certo é que o movimento militar de 1964 rompeu com a ordem constitucional de 1946.
Bester (2005, p. 104-105) considera que a sexta fase da nossa história constitucional teve início “com a outorga, em 24 de janeiro de 1967, da primeira Constituição do Regime Militar entre nós implantado desde 31 de março de 1964”. Esta Constituição do Brasil, segundo a autora, foi “constantemente alterada por vários Atos Institucionais (de números 5 a 17)”. Dentre as principais características da Constituição de 1967, podem-se destacar, conforme a tabela abaixo: Constituição do Brasil de 1967 O poder foi centralizado, com redução das competências estaduais e municipais; O Judiciário e o Legislativo também tiveram seu campo de atuação reduzidos; Os direitos individuais sofreram grande golpe com a possibilidade de suspensão direitos políticos; A propriedade poderia ser perdida para fins de reforma agrária, com pagamento da indenização em títulos da dívida pública; O Poder Executivo legislava por Decreto-Lei; O Presidente da República podia fechar o Congresso Nacional, as Assembléias Estaduais e as Câmaras de Vereadores, chamando para si o exercício dos órgãos fechados. Proibiu-se o Habeas Corpus em matéria de crimes políticos contra a segurança nacional; O Poder Judiciário não podia apreciar atos com fundamento no AI 5. Fonte: Araújo (2006, p. 95-96)
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1969 Outra
grande
divergência
doutrinária
diz
respeito
a
Emenda
Constitucional de 1969, para muitos considerada uma nova Constituição, enquanto para outros apenas Emenda a Constituição de 1967. Bester (2005, p. 106-107) aponta que autores como Paulo Bonavides e Paes de Andrade
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referem-se a essa como emenda à Carta de 1967, já José Afonso da Silva reconhece-a como uma nova Constituição. Assumimos aqui o posicionamento de José Afonso da Silva e de Bester (2005, p. 105) que a consideram nossa sétima Constituição. Segundo Silva (2002, p. 87): Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil.
Assim, conforme Bester (2005, p. 106), inaugura-se a sétima fase da nossa história constitucional, que foi Marcada pela publicação da Emenda Constitucional n. 1, em 17 de outubro de 1969, pela qual os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, estando decretado em recesso o Congresso Nacional, “promulgaram” a nova redação da “Constituição da República Federativa do Brasil.”, ou seja, foi imposta por uma junta militar, forma especialmente anômala de nascimento de uma Constituição, desprezando-se por completo, neste particular, a teoria do Direito Constitucional firmada por aproximadamente dois séculos de história para fortalecer a origem popular das constituições.
Inserem-se entre as principais características de nossa sétima Constituição, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1969: Permitiu a criação de Tribunais de Contas Municipais em Municípios com mais de dois milhões de habitantes e renda tributária acima de quinhentos mil cruzeiros; Trouxe nova modalidade de perda do mandato parlamentar: procedimento atentatório às instituições vigentes; Alteração na escolha dos senadores; A rejeição de decreto-lei não implicaria nulidade dos atos praticados; Fonte: Araújo (2005, p. 96)
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Bester
(2005,
p.
107-108)
destaca
alguns
movimentos
que
influenciaram a criação de novo poder constituinte: 1971 Carta do Recife,
1980 VIII Conferência
1981 Congresso da OAB
1981 Obra de Raymundo
que custou a
Nacional da OAB,
denominado “Pontes
Faoro (1925-2003)
renúncia do então
em que se aprovou
de Miranda”,
denominada:
prefeito Marcos
a “Declaração de
realizado em Porto
Assembléia
Freire.
Manaus”, clamando
Alegre, a instituição
Constituinte: a
pela volta do Poder
brada novamente
legitimidade
Constituinte do
pela convocação de
recuperada
povo, seu único
um poder
titular legítimo.
constituinte.
Fonte: Bester (2005, p. 107-108)
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Pare e Pense Pesquise sobre o momento político que antecedeu a Constituição de 1988. Que modelo de governo tínhamos antes dessa Carta? Bester (2005, p. 108-109) resume o período que antecedeu nossa Carta Constitucional vigente. Segundo essa autora Foi após o pleito de 1982 (primeira eleição direta para governadores havida naqueles últimos anos) que mais se fortaleceram os movimentos em prol de eleições diretas para a Presidência da República e a corrente em defesa da convocação de uma Constituinte para o País. Embora não tendo vencido no Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional (de autoria do deputado Dante de Oliveira, votada em 25 de abril de 1984) que propugnava eleições diretas, conseguiu-se, mesmo por meio do Colégio Eleitoral, eleger um civil como Presidente da República (Tancredo Neves, com seu vice José Sarney, então Senador) em 15 de janeiro de 1985, funcionando essa eleição como estratégia para uma próxima convocação da Assembléia Nacional Constituinte (o que se deu pela EC n. 26, de 27 de novembro de 1985, resultado da PEC n. 43, encaminhada ao Congresso Nacional pelo Presidente Sarney em 5 de julho de 1985).
Segundo ainda a autora, não houve uma Constituinte Exclusiva como era o anseio do povo, mas, como previa a EC 26/1985, houve a conversão do próprio Congresso Nacional eleito em novembro de 1986 em Assembléia Constituinte. De forma que, segundo ainda Bester (2005, p. 109), a ANC – Assembléia Nacional Constituinte – foi instalada em 1º de fevereiro de 1987, presidida naquele ato pelo Ministro do STF Moreira Alves, sendo eleito como presidente, já no segundo dia, o Deputado Federal Ulysses Guimarães. Explica ainda a autora (2005, p. 110) que em 1985 o governo instituiu o Decreto n. 91.450 de 18 de julho de 1985, que criou a Comissão Afonso Arinos, assim denominada porque presidida por esse jurista. Essa comissão, que foi inicialmente criada para realizar estudos constitucionais, desde logo, pendeuse mais a criar um projeto autônomo de Constituição e nem mesmo foi remetido à Constituinte. Desse modo, explica a autora que os trabalhos dos constituintes não partiram de um pré-projeto, já que eles operaram sem nenhum marco de referência, o que pode ser considerado como fato positivo, pois extremamente voltado para os anseios da sociedade. A Constituição de 1988 demorou, conforme Bester (2005, p. 113), 20 meses para ser confeccionada, o que não pode, segundo a autora, ser considerado tempo demasiado, dada a diversidade cultural existe no país. Bester (2005, p. 112) afirma que promulgada em 05 de outubro de 1988, a Constituição “recebeu imediatamente a alcunha de Cidadã, por parte
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de um de seus principais idealizadores, Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte”. Reproduzimos no quadro abaixo trecho do discurso de Ulysses Guimarães no dia da promulgação da Constituição Federal de 1988: Tipograficamente é hierarquizada a precedência e a preeminência do homem, colocando-o no umbral da Constituição e catalogando-lhe o número não superado, só no art. 5º, de 77 incisos e 104 dispositivos. Não lhe bastou, porém, defendê-lo contra os abusos originários do Estado e de outras procedências. Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção. Tem substância popular e cristã o título que a consagra: ‘A Constituição Cidadã’.
Segundo Bester (2005, p.112-113), a nossa Constituição, do ponto de vista formal, “segue bem de perto a Lei Fundamental de Bonn, de 23 de maio de 1949, que em sua estrutura organizacional contempla lugar de primazia aos direitos fundamentais, os quais vêm logo após o Preâmbulo.” Essa tendência, segundo ainda a autora, repete-se nas Cartas portuguesa (1976) e espanhola (1978).
Conclusão Como você pôde perceber neste tema, que trata do histórico das Constituições brasileiras, está umbilicalmente ligado à nossa própria história. Foi claramente evidenciado antecedem-se movimentos políticos de várias naturezas a cada entrada em vigor de uma nova Carta Constitucional, dando-lhe roupoagens que a caracterizam como outorgadas ou promulgadas. Assim, cada momento teve a sua importância para alcançarmos as conquistas que advieram da Carta Constitucional de 1988, que foi emblematicamente chamada de Constituição Cidadã.
Atividade final Questão 01. A partir da leitura do Preâmbulo da Constituição de 1988, destaque alguns princípios ali assegurados. Preâmbulo Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
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Esse assunto será reforçado no nosso tema 06, onde estudaremos a estrutura da Constituição de 1988.
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com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Questão 02. Releia o tema 01, no que diz respeito à classificação das Constituições e analise as características que se referem à Constituição Federal de 1988: a) formal, escrita, dogmática, promulgada, rígida e analítica; b) material, escrita, dogmática, promulgada, rígida e analítica; c) formal, escrita, histórica, promulgada, rígida e analítica; d) formal, escrita, dogmática, outorgada, rígida e analítica.
Comentário Na atividade 01, você deverá reler o item sobre a Constituição Federal de 1988, presente neste tema. Na atividade 02, você exercitará seus conhecimentos sobre a Constituição Federal de 1988. Lembre de acordo com o que você aprendeu no tema 01, o que configura cada uma dessas características.
Síntese do tema Em poucas páginas, fizemos uma viagem em nossa história. A intenção do tema foi exatamente a de levar você fazer essa relação do momento político vivido combinado com a entrada em vigor de cada uma das Cartas Constitucionais que tivemos. Assim, apenas a título de memorização, para alguns autores foram 07 (1969 foi apenas Emenda à Carta de 1967) e para outros foram 08 Cartas (1969, não pode ser considerado como Emenda, sendo verdadeiramente uma nova Carta). Resumindo tivemos: 1824 - 1ª Constituição brasileira e 1ª do Império - Outorgada. 1891 - 2ª Constituição brasileira e 1ª da República - Promulgada. 1934 - 3ª Constituição brasileira e 2ª da República - Promulgada. 1937 - 4ª Constituição brasileira e 3ª da República - Outorgada. 1946 - 5ª Constituição brasileira e 4ª da República - Promulgada. 1967 - 6ª Constituição brasileira e 5ª da República - Outorgada. 1969 - 7ª Constituição brasileira e 6ª da República - Outorgada. 1988 - 8ª Constituição brasileira e 7ª da República - Promulgada.
Informações para o próximo tema Em nosso próximo tema, estudaremos a natureza e a aplicabilidade das
normas
constitucionais.
Essa
discussão
é
importante
compreendermos o alcance e a efetividade das normas constitucionais.
40
para
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
Tema 04
Normas Constitucionais: Classificação e Interpretação Meta do tema Apresentação da supremacia das normas constitucionais no sistema jurídico.
Objetivos Neste tema, você será capaz de: •
Compreender o alcance das normas constitucionais;
•
Identificar a natureza das normas constitucionais;
•
Analisar a aplicabilidade das normas constitucionais.
Pré-requisitos Para acompanhar melhor o assunto que vamos começar a estudar, será aconselhável que você faça uma releitura do que você estudou ainda no primeiro semestre na disciplina de Introdução ao Estudo do Direito, especialmente sobre as fontes do Direito e a hierarquia das normas jurídicas.
Introdução Caro aluno, Neste tema, vamos estudar a primazia das normas constitucionais, apresentar sua estrutura e a sua classificação, sendo esta última assunto muito polêmico na doutrina. Esse estudo se justifica, porque estudar a aplicabilidade das normas constitucionais não é uma tarefa tão simples como nos parece à primeira vista. Vamos, portanto, apresentar-lhe o ponto de vista de mais de um doutrinador, oferecendo-lhe, assim, subsídios para filiar-se à corrente que achar conveniente.
Natureza jurídica das normas constitucionais Celso Antônio Bandeira de Mello (1981, p. 236) ensina: Como se sabe as normas jurídicas não são conselhos, opinamentos, sugestões. São determinações. O traço característico do Direito é precisamente o de ser disciplina
41
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
obrigatória de condutas. Daí que, por meio das regras jurídicas, não se pede, não se exorta, não se alvitra. A feição específica da prescrição jurídica é a imposição, a exigência. Mesmo quando a norma faculta uma conduta, isto é, permite - ao invés de exigi-la - há, subjacente a essa permissão, um comando obrigatório e coercitivamente assegurável: o obrigatório impedimento a terceiros de obstarem o comportamento facultado a outrem e a sujeição ao poder que lhes haja sido deferido, na medida e condições do deferimento feito.
Primeiramente o autor faz essa colocação referindo-se à norma jurídica em geral, que, como você já estudou, caracteriza-se como um comando obrigatório. No tocante ao nosso tema em específico, temos que considerar que as normas constitucionais, de acordo com Bester (2005, p. 117), possuem natureza de “normas primárias do ordenamento jurídico”. Lembra a autora que essas normas possuem “caráter imperativo, mandamental, não constituindo meros conselhos, avisos ou lições”. Afirma Mello (1981, p.237) que A Constituição não é um mero feixe de leis, igual a qualquer outro corpo de normas. A Constituição, sabidamente, é um corpo de normas qualificado pela posição altaneira, suprema, que ocupa no conjunto normativo. É a Lei das Leis. É a Lei Máxima, à qual todas as demais se subordinam e na qual todas se fundam. É a lei de mais alta hierarquia. É a lei fundante. É a fonte de todo o Direito. É a matriz última da validade de qualquer ato jurídico.
Estrutura das Normas Constitucionais Bester (2005, p.118-119), ao falar sobre a estrutura das normas constitucionais explica que elas estão “organizadas e estruturadas sobre um tripé fundamental de planos, como só acontecer com qualquer norma jurídica: o plano de validade, o plano de vigência e o plano da eficácia”. Observe o quadro sinóptico resumindo esses conceitos: a)
validade em sentido amplo: que equivale à validade constitucional, indicando que a norma
é
conforme
as
prescrições
constitucionais, isto é, válida é a norma que respeita o comando superior; b)
validade formal ou técnico-jurídica: significa que a norma foi elaborada por órgão
VALIDADE
competente
e
com
observância
dos
procedimentos legais; c)
validade fática: uma norma é efetiva quando ocorre o comportamento que ela configura (hipótese de incidência) e a conseqüência jurídica (sanção) que ela prevê.
É o período que vai desde a entrada em vigor da norma VIGÊNCIA
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até a sua revogação. É o âmbito temporal da validade.
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É a obediência ou o acatamento que a norma impõe, ou seja, a obediência dispensada à norma que acaba por conferir a segurança jurídica a um ordenamento. Essa EFICÁCIA
eficácia poderá ser: a) eficácia social: acatamento espontâneo das pessoas à norma. b) eficácia técnico-jurídica: indica que a norma tem possibilidade de ser aplicada aos destinatários. São as condições de aplicabilidade.
Fonte: Bester (2005, p. 118-120)
Classificação das normas quanto à imperatividade Segundo Bester (2005, p. 121-122), o caráter imperativo visa identificar as formas como essas ordens se manifestam ao longo do texto constitucional, NORMAS lembrando, todavia, que essa é uma tarefa da Teoria Geral do Direito. A autora PERMISSIVAS OU FACULTATIVAS NA apresenta três critérios pertinentes a imperatividade: normas mandatórias, CF/88:
normas permissivas e normas diretivas ou programáticas. Evidenciaremos
Art. 18, § 3º: Os Estados cada podemuma delas. incorporar-se entre si...; art. 22, parágrafo único: Lei a) Normas mandatórias, de acordo com Bester (2005, p. 121-122), complementar poderá são à autorizar... (exceção competência privativa Aquelas cujo caráter imperativo revela-se em determinar da União). uma conduta positiva ou uma omissão, um agir, ou um nãoart. 25, § 3º: Os agir, daí distinguirem-se em preceptivas ou imperativas (as Estados poderão, que impõem uma conduta positiva) e em proibitivas (as que mediante lei impõem uma omissão, uma conduta omissiva de não fazer). complementar... Fonte: Bester (2005, p. 123). A autora aponta alguns exemplos das normas mandatórias na
Constituição Federal. Elencamos-os no quadro abaixo. NORMAS MANDATÓRIAS
NORMAS MANDATÓRIAS PROIBITIVAS
PRECEPTIVAS Art. 5º, caput: Todos são iguais perante a
Art. 5º, III: ninguém será submetido a
lei, sem distinção de qualquer natureza...
tortura nem a tratamento desumano ou
– esta norma é também proibitiva pois, se
degradante;
de um lado ordena que se concretize a
Art. 5º, XLV: nenhuma pena ará da
igualdade, de outro proíbe que se façam
pessoa do condenado...
diferenças.
Art. 5º, XI: a casa é o asilo inviolável do
Art. 44: O Poder Legislativo é exercido
indivíduo... Essa é também preceptiva,
pelo Congresso Nacional...
pois
ao
mesmo
tempo
que
impõe
taxativamente a inviolabilidade da casa, ordena positivamente que se respeite essa “casa”. Fonte: Bester (2005, p. 122).
b) Normas permissivas ou facultativas, de acordo com Bester (2005, p. 123), “atribuem uma permissão, sem determinar a obrigatoriedade de uma conduta positiva ou omissiva”. Para a autora, essas regras constituem
43
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
“exceções a regras preceptivas ou proibitivas existentes nas Constituições e também possuem, conforme já visto, caráter imperativo”. c) Normas diretivas ou programáticas, ainda segundo Bester (2005, p. 123), “são aquelas que têm um caráter mais acentuadamente ideológico, que dão a vocação e as diretrizes do Estado (...)”. Segundo a autora (2005, p. 123), Igualmente possuem imperatividade,pois embora não se negue que as normas constitucionais tem eficácia e valor jurídico diverso uma das outras, isso não nos autoriza a recusar-lhes juricidade, conforme o dizer de José Afonso da Silva.
As normas programáticas serão vistas em tópico separado dada a discussão existente na doutrina sobre essa espécie normativa. Aqui, apresentamos alguns exemplos de normas programáticas na Constituição Federal. Vejamos: Art. 170 A ordem econômica tem por
Art. 215 O Estado garantirá a todos
Art. 218 O Estado promoverá e
fim assegurar a todos
o pleno exercício dos
incentivará o
existência digna, conforme
direitos culturais...
desenvolvimento
os ditames da justiça
científico, a pesquisa e a
social...
capacitação tecnológicas.
Fonte: Bester (2005, p. 124)
Da classificação quanto à aplicabilidade e à eficácia das normas constitucionais na doutrina estrangeira DOUTRINA ESTRANGEIRA Self-executing e not self-executing Embora o autor assevere que as provisões de uma Constituição nunca devam ser consideradas como meros conselhos (advisory), ele visualizou a existência de normas incapazes de ser imediatamente
Cooley
aplicadas. Ele dividiu as normas constitucionais em: a)
self-executing ou auto-exequível: se prover (ao destinatário) todos os meios necessários para que o direito previsto seja aproveitado e protegido;
b)
Not self-executing ou não auto exequível: essa, em razão da inexistência de meios (referências normativas) suficientes para a sua efetiva aplicação, quedará em um estado de dormência, no máximo, quiçá, como uma força moral, até que a legislação infraconstitucional lhe conceda as provisões capazes de torná-la aplicável, fruível. Normas de eficácia plena e limitada
O autor desenvolveu um importante estudo em relação à classificação das normas constitucionais, a todas reconhecendo o caráter cogente, ainda que dependentes de lei posterior. Para o autor a classificação
Crisafulli 44
ideal, quanto à aplicabilidade, é a seguinte:
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
a) auto-aplicáveis ou de eficácia plena: (immediatamente precettive); b) normas dependentes de complementação ou de eficácia limitada. Essas se subdividem em: b.1) normas de legislação; b.2) normas programáticas. Classifica as normas constitucionais, quanto à sua eficácia, em: a)
normas de eficácia direta: são idôneas por si mesmas (diretamente) para regularem hipóteses concretas;
b)
normas de eficácia indireta: necessitam ser atuadas ou concretizadas por meio de uma ulterior atividade normativa;
Zagrebelsky
essas últimas se classificam em: b.1) normas de eficácia diferida: normas de organização que necessitam de uma disciplina normativa ulterior, como o Senado, que só pode ser constituído por meio de uma normatização
posterior,
magistratura,
ou
a
Corte
Constitucional); b.2) normas de princípio: são aquelas que estabelecem orientações gerais; b.3) normas programáticas: distinguem-se das normas princípios, pois essas, contêm programas. Assim, para o autor, os programas dizem respeito ao fim, e, os princípios dizem respeito ao início de uma ação normativa. Fonte: Tavares (2006, p. 89-90)
Da classificação quanto à aplicabilidade e à eficácia das normas constitucionais na doutrina nacional. A doutrina nacional também não é unânime. Encontramos algumas divergências que dizem respeito à classificação, seja pela eficácia e aplicabilidade da norma constitucional, bem como certa divergência atinente a nomenclatura delas. Tal como fizemos em relação à doutrina estrangeira, apresentamos um quadro ilustrativo com a matéria. DOUTRINA NACIONAL Seguidor da doutrina de Cooley, classifica a aplicabilidade das normas constitucionais em dois grupos: a)
normas exeqüíveis por si sós: independem da existência de qualquer complementação, para a sua aplicação. São normas completas;
b)
normas não exeqüíveis por si sós: normas incompletas, que demandariam uma diuturna complementação. Essas se subdividem em:
Manoel
b.1) normas programáticas: são aquelas que prevêem as
Gonçalves
políticas públicas. Sua aplicabilidade depende de outras
Ferreira Filho
normas, que a implementem; b.2) normas de estruturação: são as que instituem entes e órgãos. A sua organização ficará a cargo de lei
45
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
infraconstitucional. Ex. Conselho da República (art.90, § 2º); b.3) normas condicionadas: a priori , são normas completas, podendo, portanto, ser auto-executáveis, mas por expressa determinação constitucional, findam por depender de lei infraconstitucional. Inspirou-se na doutrina do italiano Crisafulli, agrupando as normas constitucionais, quanto a sua eficácia e aplicabilidade em três grupos: a)
normas constitucionais de eficácia plena:
possuem
aplicabilidade imediata e independem de legislação posterior para a sua execução; b)
normas constitucionais de eficácia contida: igualmente as de eficácia plena, possuem aplicabilidade imediata; contudo, afastam-se dessas por itirem a redução de seu alcance (constitucional)
José Afonso
pela
atividade
do
legislador
infraconstitucional. Ex.art. 5º, XII da CF (inviolabilidade das
da Silva
comunicações); c)
normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida: são as que dependem de regulamentação futura, na qual o legislador infraconstitucional vai dar eficácia à vontade do constituinte. Essas se subdividem em: c.1) normas declaratórias de princípios institutivos ou organizativos: dependem de lei para dar corpo a instituições, pessoas, órgãos previstos na CF, como por exemplo, no art. 18, § 3º (organização do Estado); c.2) normas declaratórias de princípios programáticos: estabelecem programas a serem desenvolvidos mediante a vontade do legislador infraconstitucional. Ex. art. 205.
Normas de aplicação (irregulamentáveis e regulamentáveis) e normas de integração (completáveis e restringíveis) A classificação dos autores parte da premissa de que todas as normas são elaboradas com vistas à produção de efeitos práticos. Analisemos sua classificação: a) normas de aplicação: caracterizam-se por “não deixar interstício entre o seu desígnio e o desencadeamento dos efeitos a que dão azo.” Subdivide-se em: Celso Bastos e Carlos Ayres Brito
a.1) normas irregulamentáveis: vedam qualquer espécie de regulamentação, exceto a constitucional; a.2) normas regulamentáveis: item regulamentação por via
de
legislação
infraconstitucional.
Não
se
trata
de
regulamentação que vise conferir aplicabilidade, mas sim a clareza do conteúdo. Ex: art. 5º, LXIX (cria o mandado de segurança enquanto ação). b) normas de integração: aquelas cuja incidência não ocorre de imediato; no dizer dos autores “têm por traço distintivo a abertura de espaço entre o seu desiderato e o efetivo de desencadear dos seus
46
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
efeitos”. Dividem-se em: b.1) normas completáveis: exigem complementação por parte da legislação infraconstitucional. Sua efetiva aplicação depende desse preenchimento normativo; b.2) normas restringíveis: demandam complementação normativa para restringir o campo de incidência da norma constitucional. Classifica as normas constitucionais em três grandes grupos, de acordo com suas finalidades: a)
normas constitucionais de organização:
regras que
objetivam a criação de órgãos públicos; b)
normas constitucionais definidoras de direitos: são compostas pelos direitos fundamentais, que se dividem em direitos individuais, políticos, sociais e difusos. Desse grupo, o autor destaca a subdivisão dos direitos sociais em três grupos: (i) aqueles
que
geram
situações
prontamente
Luis Roberto
desfrutáveis, dependentes apenas de uma abstenção:
Barroso
semelhantes aos direitos individuais, na medida em que impõem ao Estado um não-agir. Ex. direito à greve; (ii) os que ensejam a exigibilidade de prestações positivas do Estado: a falta da sua prestação será inconstitucional e sancionável (direito à aposentadoria e à saúde); (iii) os direitos sociais cuja aplicabilidade depende de lei: como é o caso da participação nos lucros da empresa pelos seus empregados. (art. 7º, XI). c)
normas constitucionais programáticas: definidoras dos fins sociais a serem alcançados pela sociedade, por estipularem princípios ou programas a serem cumpridos pelo Poder Público.
Fonte: Tavares (2006, p. 90-95)
Esse tema é bastante polêmico. Fizemos menção a essa discussão, tanto na doutrina internacional como na doutrina nacional, para que você conheça a dimensão da discussão. Por essa razão, fazemos ainda menção a jurisprudência indicada por Tavares (2006, p. 96), que já começa repercutir no STF: O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (AgI no RE 271.286).
Normas Programáticas
47
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
Sobre as normas programáticas, há uma ampla discussão doutrinária.
Vicente Rao apud
Jorge Miranda apud Moraes (2001, p. 41), afirma que as normas programáticas Moraes (2001, p. 41): A hermenêutica tem por objeto investigar e São de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução coordenar por modo imediata; mais do que comando-regras, explicitam sistemático os princípios comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento científicos e leis constitucional; tem como destinatário primacial - embora decorrentes, que não único - o legislador, a cuja opção fica a ponderação do a apuração tempo e dos meios em que vêm a ser revestidas dedisciplinam plena do conteúdo, do sentido eficácia (e nisso consiste a discricionariedade); não e dosasfins das normas consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos jurídicas invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da e a restauração do conceito orgânico do Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só direito, por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que para efeito de aplicação e delas constam, máxime os direitos sociais, têmsua mais interpretação; por meio natureza de expectativas que de verdadeiros direitos de regras subjetivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas de e processos especiais, procura conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados. realizar, praticamente, estes princípios e leis Ao tecer comentários sobre as afirmações do mestre português, científicas; a aplicação Moraes (2001, p. 41) comenta que “o juízo de oportunidade e avaliação das da normas jurídicas consiste na técnica de extensão do programa incumbem ao Poder Legislativo, no exercício de sua adaptação dos preceitos nelas função legiferante.”. Para Ferraz Júnior apud Moraes (2001, p. 41), “a eficáciacontidos assim interpretados, às técnica, neste caso, é limitada. E a eficácia social depende da própria evolução situações de fato que se lhes subordinam.
das situações de fato. Daí resulta uma aplicabilidade dependente”.
Maria Helena Diniz apud Moraes (2001, p. 41) elenca os art. 21, IX, 23, 170, 205, 211, 215, 218, 226 § 2º da Constituição como normas programáticas, pois, no entender da autora, esses artigos não regulam, de forma direta, os interesses neles consagrados, limitando-se a traçar alguns preceitos a serem cumpridos pelo Poder Público como “programas das respectivas atividades, pretendendo unicamente a consecução dos fins sociais pelo Estado”.
Pare e Pense Eleja uma entre as várias classificações adotadas pelos autores mencionados ao longo do tema, como a classificação ideal quanto a eficácia e a aplicabilidade das normas constitucionais. Justifique a sua resposta.
Atividade De acordo com as várias classificações que você estudou acima, quando falamos em normas de estruturação (Manoel Gonçalves Ferreira Filho) e institutivas (José Afonso da Silva), estamos nos referindo à normas: a) não-bastantes em si mesmas, dependentes de outras leis. b) de eficácia plena e aplicabilidade imediata. c) normas auto-executáveis, que não dependem da existência de outras. d) normas que se bastam.
Comentário
48
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
Essa questão tem a finalidade de fazê-lo refletir sobre as espécies normativas na Constituição Federal, especialmente na sua eficácia e na sua aplicabilidade. Veja no quadro ilustrativo da doutrina nacional em que categoria se encaixam as espécies mencionadas.
Da Interpretação das Normas Constitucionais Para compreender as regras da interpretação, faça uma releitura do tema sobre hermenêutica, presente no caderno de conteúdos e atividades de introdução do Direito, disciplina cursada no primeiro semestre. Moraes (2001, p. 41) ensina que O conflito entre direitos e bens constitucionalmente protegidos resulta do fato de a Constituição proteger certos bens jurídicos (saúde pública, segurança, liberdade de imprensa, integridade territorial, defesa nacional, família, idosos, índios etc.), que podem vir a envolver-se numa relação do conflito ou colisão. Para solucionar-se esse conflito, compatibilizando-se as normas constitucionais, a fim de que todas tenham aplicabilidade, a doutrina aponta diversas regras de hermenêutica constitucional em auxílio ao intérprete.
Raul Machado Horta apud Moraes (2001, p.42), ao analisar a Constituição Federal de 1988, aponta a precedência, em termos interpretativos, dos Princípios Fundamentais. Segundo o autor, É evidente que essa colocação não envolve o estabelecimento de hierarquia entre as normas constitucionais, de modo a classificá-la em normas superiores e normas secundárias. Todas são normas fundamentais. A precedência serve à interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do e do julgador.
Moraes (2001, p. 42) menciona também o entendimento de Juarez Freitas, segundo o qual, A Constituição Federal há de sempre ser interpretada, pois somente por meio da conjugação da letra do texto com as características históricas, política, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sociopolítico-econômica e almejando sua plena eficácia.
Canotilho apud Moraes (2001, p. 42) enumera princípios e regras interpretativas das normas constitucionais. Vejamos quais são:
A interpretação constitucional deve ser Da unidade da Constituição
realizada de maneira a evitar contradições
49
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
entre suas normas. Na resolução dos
problemas
jurídico-
constitucionais, deverá ser dada maior primazia Do efeito integrador
aos
critérios
favorecedores
da
integração
política e social, bem como ao reforço da unidade política. A uma norma constitucional deve ser atribuído Da máxima efetividade ou da
o sentido que maior eficácia lhe conceda.
eficiência Os órgãos encarregados da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a Da justeza ou da conformidade funcional
uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema
organizatório-funcional
constitucionalmente
estabelecido
pelo
legislador constituinte originário. Exige-se a coordenação e combinação dos Da concordância prática ou da harmonização
bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros.
Da interpretação conforme a Constituição Moraes
(2001,
p.
43)
tece
algumas
considerações
sobre
a
interpretação conforme a Constituição. Para o autor, A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e conseqüente retirada do ordenamento jurídico.
O autor faz uma ressalva, lembrando que a interpretação conforme a constituição “somente será possível quando a norma apresentar vários significados, uns compatíveis com as normas constitucionais e outros não”. Do mesmo modo afirma Canotilho: A interpretação conforme a constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela.
A Interpretação conforme a constituição é “possibilitar a manutenção no ordenamento jurídico das leis e atos normativos editados pelo poder competente que guardem valor interpretativo compatível com o texto constitucional” (MORAES, 2001, p.43). Moraes (2001, p. 44-45) aponta-nos as três espécies possíveis de interpretação conforme a constituição. Vamos conhecê-las: Ocorrerá quando for possível, em
50
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
virtude
da
redação
impugnado,
do
texto
declarar
a
inconstitucionalidade de determinada expressão, dessa Interpretação conforme com redução do texto
possibilitando,
exclusão
interpretação
de
a
partir
texto,
uma
compatível
com
a
Constituição. Exemplo: ADIn nº 1.27-8, o
STF
suspendeu
a
eficácia
da
expressão ou desacato contida no art. 7º, § 2º, do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), concedendo a imunidade material
aos
advogados
uma
interpretação conforme o art. 133 da CF. De acordo com o STF, esse modo de interpretação se dá “quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma
que
é
atacada
como
inconstitucional, não é possível suprimir Interpretação conforme sem redução
dele qualquer expressão para alcançar
do texto, conferindo à norma
essa parte, impõe-se a utilização da
impugnada uma determinada
técnica de concessão da liminar para a
interpretação que lhe preserve a
suspensão da eficácia parcial do texto
constitucionalidade.
impugnado
sem
a
redução
de
sua
expressão literal, técnica essa que se inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade
sem redução do
texto em decorrência de este permitir interpretação conforme a Constituição”. O STF julgou parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade “para declarar-se inconstitucional a expressão contida no art. 276, § 2º, da Lei 10.098 do Estado do RGS, bem como declarar-se que os §§ 3º e 4º do mesmo artigo só são constitucionais com a interpretação que exclua a aplicação deles as funções ou empregos relativos a servidores celetistas que não se submeteram ao concurso aludido no art. 37, II, da parte permanente da CF, ou referido no § 1º, art. 19 da ADCT”. O STF excluirá da norma impugnada determinada interpretação incompatível com a Constituição Federal, ou seja, será reduzido o alcance valorativo da norma Interpretação conforme sem redução
impugnada, adequando-a à Carta Magna.
51
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
do texto, excluindo da norma
Nesse
sentido
o
STF
“por
votação
impugnada uma interpretação que lhe
unânime, deferiu, em parte, o pedido de
acarretaria a inconstitucionalidade.
medida cautelar, para, sem redução de text e dando interpretação conforme à Constituição, excluir com eficácia ex tunc, da norma constante do art. 90 da Lei 9.099/95,
o
sentido
que
impeça
a
aplicação de normas de direito penal, com conteúdo mais favorável ao réu, aos processos penais com instrução iniciada à época
da
vigência
desse
diploma
normativo. Fonte: Moraes (2001, p. 44-45)
Conclusão Iniciamos o nosso tema falando da natureza jurídica das normas constitucionais, demonstrando como as mesmas encontram-se estruturadas. Esse nosso propósito foi trabalhar a norma constitucional, detalhando-a ao máximo, para então estudarmos a sua classificação, seja quanto à eficácia e a aplicabilidade das mesmas. Por fim, abordamos a interpretação constitucional, visualizando as espécies de interpretação, que enumeramos como três: (i) interpretação conforme com redução do texto; (ii) interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade; e (iii) interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade.
Atividade final Questão 01. Sob o aspecto de eficácia, analise o seguinte artigo da CF/88: Art. 2º. São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Agora, marque a alternativa CORRETA: a) trata-se de norma de eficácia contida. b) trata-se de norma de eficácia reativa. c) trata-se de norma de eficácia plena. d) trata-se de norma de eficácia absoluta. Questão 02. As características das normas programáticas são: a) as normas que na legislação nfraconstitucional vinculam o juiz. b) as normas que possuem eficácia direta e imediata,pois tratam de programas a serem implementados.
52
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
c) as normas que embora não possuam eficácia direta e imediata, possuem observância obrigatória. d) normas que contemplam apenas o aspecto ético do Poder Legislativo.
Comentário Na atividade 01, você deverá observar que, em nosso tema, um dos aspectos abordados na classificação das normas foi justamente a classificação quanto à eficácia. Releia-o e veja as classificações apontadas pelos autores neste tema. Na atividade 02, releia no seu texto o tópico específico das normas programáticas e reveja a classificação quanto à eficácia e aplicabilidade.
Síntese do tema O tema, como você percebeu, concentra grande importância no estudo do Direito Constitucional que você está começando a estudar. Estudamos aqui a natureza jurídica da norma constitucional, sua estrutura, classificação e interpretação.
Informações para o próximo tema Em nosso próximo tema, vamos iniciar o estudo do Controle de constitucionalidade
das
leis
e
atos
normativos,
as
espécies
de
inconstitucionalidade e os respectivos sistemas de Controle.
53
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
Tema 05
Controle de Constitucionalidade das Leis e dos Atos Normativos
Meta do tema Apresentação do sistema de controle de constitucionalidade de leis e de atos normativos.
Objetivos Esperamos que, ao final deste tema, você seja capaz de: •
Identificar o que é controle de constitucionalidade de leis e atos normativos;
•
Diferenciar o controle difuso do controle concentrado.
Pré-requisitos Para acompanhar este tema, é necessário que você leia o tema 04 deste Caderno de Conteúdos e Atividades, o item que trata das supremacia das normas constitucionais.
Introdução Caro aluno, Já vimos que as normas constitucionais são hierarquicamente superiores às normas infraconstitucionais. Assim, não podemos permitir a existência de uma norma que seja contrária às determinações constitucionais. Para tanto, o nosso ordenamento previu um sistema de controle de constitucionalidade das leis infraconstitucionais, com o objetivo de resguardar a própria constituição federal. Esse sistema previu, ainda, a criação de um órgão do poder judiciário que seria responsável por guardar a constituição: é o Supremo Tribunal Federal – STF. Pinho (2005, p. 30) afirma que controle de constitucionalidade “é a verificação da adequação vertical que deve existir entre as normas infraconstitucionais e a Constituição”. 54
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
Essa adequação vertical se refere justamente à supremacia da Você sabia? A idéia de Constituição Federal sobre as outras normas do nosso ordenamento. uma lei superior hierarquicamente a todas as outras – Mas como é feito esse controle de constitucionalidade de leis? supremacia constitucional – ganhou força com a Teoria Pura do Direito, de Hans É isso que vamos estudar neste tema. Veremos que nem sempre o Kelsen. Para relembrar STF irá exercer o controle. O sistema criado é complexo e prevê diversas essa teoria, leia novamente os temas 02 de controlar as leis infraconstitucionais editadas. formas e 05 do Caderno de Conteúdos e Atividades de Introdução ao Estudo Espécies de Inconstitucionalidade do Direito.
Podemos identificar as espécies de inconstitucionalidade previstas em nosso ordenamento como inconstitucionalidade por ação ou por omissão. 1. Inconstitucionalidade por ação A inconstitucionalidade por ação ocorre com o ato positivo do legislativo ou do executivo, com a produção de atos legislativos ou normativos Moraes (2003, que p. 368) contrariem dispositivos constitucionais. Ela pode ser material ou formal. define o princípio da razoabilidade como 1.1. Inconstitucionalidade material sendo “aquele que exige Quando o conteúdo da lei ou ato normativo contrariar dispositivo proporcionalidade, justiça e adequação constitucional sobre o mesmo tema, estaremos diante de uma entre os meios utilizados inconstitucionalidade material. Observe que não é necessário que a lei ou ato pelo Poder Público, no exercício de suas normativo contrarie todo o preceito constitucional. Basta que seja contrário à atividades – istrativas parteoudele, uma vez que esse vício é insanável. legislativas –, e os fins por ela almejados, Atenção: Para aplicação do controle de constitucionalidade material, levando-se em conta devemos considerar o princípio da razoabilidade. Isso porque uma lei critérios racionais e coerentes”. infraconstitucional poderá ter apenas um problema na sua interpretação, não
necessariamente implicaria em contrariar totalmente a norma constitucional. 1.2. Inconstitucionalidade formal Na inconstitucionalidade formal, teremos uma incompatibilidade entre a competência para iniciativa legislativa de um determinado projeto de lei e a forma determinada pela Constituição, para a matéria do projeto de lei. Por exemplo: um deputado federal apresenta um projeto de lei para a criação de um novo imposto inédito. O projeto é levado à Câmara dos Deputados para análise e o mesmo é aprovado como lei ordinária. Acontece que o art. 154, I, da CF/88, determina que um novo imposto só poderá ser criado por meio de lei complementar. Há, portanto, nesse exemplo, um defeito na forma, que não pode ser sanado. A inconstitucionalidade formal pode ocorrer de duas formas: a) objetiva: nesse caso haverá a desobediência de algum rito necessário à aprovação de um projeto de lei. O exemplo dado acima é um caso de inconstitucionalidade formal objetiva.
55
EAD UNITINS – DIREITO CONSTITUCIONAL I – FUNDAMENTOS E PRÁTICAS JUDICIÁRIAS
b) subjetiva: esse caso se refere à competência para apresentar o projeto de lei. Observe que a inconstitucionalidade formal subjetiva é vício sanável, pois para corrigi-lo basta submeter novamente o projeto à votação. Motta (2005, p. 544) dá como exemplo um projeto de lei complementar que disponha sobre o estatuto da magistratura, apresentado pelo Procurador Geral da República. O art. 93 da CF/88 determina que essa matéria é de iniciativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal (STF). Não pode, portanto, o Procurador Geral da República apresentar esse projeto de lei, bastando, para sanar o vício de competência, a representação do mesmo pelo STF. 2. Inconstitucionalidade por omissão Na inconstitucionalidade por omissão há um não-ato do Poder executivo ou do Legislativo, capaz de impedir o cumprimento de um dado preceito constitucional. Pinho (2005, p. 33) afirma que essa modalidade de inconstitucionalidade ocorre “sempre que um preceito constitucional não puder ser cumprido em razão de inércia legislativa ou istrativa dos poderes constituídos”.
Sistemas de controle de constitucionalidade O
nosso
ordenamento
previu
dois
sistemas
de
controle
de Vamos conhecê-los?
constitucionalidade: o preventivo e o repressivo. 1. Controle preventivo
O controle preventivo “é aquele exercido por órgãos do Poder Executivo e do Poder Legislativo quando da tramitação de um projeto de lei” (MOTTA, 2005, p. 544). Temos, então, inconstitucionalidade preventiva quando, durante o processo de análise e aprovação de um projeto de lei, se Veto: verifica a inconstitucionalidade. Nesse caso, o projeto não será aprovado ouÉ a discordância do Chefe do Poder
será reformado, sanando a inconstitucionalidade da norma. Esse tipo de com Executivo
determinado projeto de
controle é feito pelo próprio Poder Legislativo, quando o projeto de lei for lei desse aprovado pelo Poder Legislativo. Poder, ou pelo Poder Executivo, tanto no momento do “veto”, pelo presidente
da
república,
por
exemplo,
quanto
na
elaboração
de
um
decreto
regulamentador. 2. Controle repressivo No controle repressivo, a lei inconstitucional já foi aprovada e está em vigor. O objetivo agora é de repreender, ou seja, de eliminar do ordenamento jurídico vigente a norma contrária à constituição. Motta (2005, p. 544) ensina que o “controle repressivo (ou típico) é exercido por órgãos do Poder Judiciário, sendo acionado toda vez que não lograr êxito o controle preventivo”.
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Controle Difuso O controle difuso, também chamado de controle por via de exceção ou de defesa, se dá pelo Poder Judiciário. Esse critério é muito utilizado em países que adotam o Sistema Consuetudinário (ex: EUA e Inglaterra). Mas o nosso país adaptou esse tipo de controle para ser utilizado aqui. Moraes (2003, p. 1337) afirma que o controle difuso: Caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar, mediante um caso concreto, a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal. Sobre a questão prévia, leia o tema 05 do Caderno de Conteúdos e Atividades de Direito Assim, o Poder Judiciário só se manifesta sobre a constitucionalidade Processual Civil I.
de uma norma jurídica se provocado e para o caso concreto em específico. Nesse caso, a norma continuará vigente, só deixando de ser aplicada para as partes que provocaram o poder jurisdicional (efeito inter partes). E, ainda, os efeitos da norma retroagirão para as partes desde a origem (efeito ex tunc). Nesse sentido, Moraes (1997, p. 444) diz que: A pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sobre a questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito (...) A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo pois objeto da ação.
Trata-se, portanto, de uma questão prévia que deve ser analisada antes do mérito, por se tratar de questão capaz de modificar ou até mesmo extinguir o processo sem julgamento do mérito.
Controle Concentrado Atenção: Tudo que estudaremos neste tema O controle concentrado é aquele exercido por um único tribunal, será considerando responsável por guardar a constituição. No Brasil, esse tribunal é o STF – controvérsia entre Supremo Tribunal Federal. Na Alemanha é a Corte Constitucional. norma federal ou estadual em face da constituição federal. Moraes (1997, p. 447) determina que: Caso haja conflito entre Através desse controle, procura-se obter a declaração de norma estadual ou inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em tese, municipal em face de independentemente da existência de um caso concreto. constituição estadual, o controle concentrado será exercido pelo Nessa modalidade de controle, o efeito é erga omnes, ou seja, vale Tribunal de Justiça do para todos abrangidos pela lei declarada inconstitucional, já que a ação, nesse estado correspondente.
caso, será utilizada, única e exclusivamente para discutir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. A decisão produzirá efeitos retroagindo desde a origem (ex tunc), mas, em casos que envolvam motivo de segurança jurídica ou de relevante interesse social, a decisão produzirá
efeitos
partir
da
declaração
de
constitucionalidade
ou
de
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo (efeito ex nunc).
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Características Formas de controle Órgãos de controle Retroatividade
Difuso Concentrado Repressivo Repressivo Antes de entrarmos no Poder Judiciário estudo específico das STF Ex tunc ações de controle Ex tunc
concentrado de Obs: em casos de constitucionalidade, segurança jurídica, o efeito vamos observar a tabela comparativa abaixo, será ex nunc. para guardar as Efeitos da decisão Inter partes Erga omnes características dos sistemas difuso e concentrado. 1. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn)
Essa modalidade de controle concentrado tem como objetivo declarar uma lei ou um ato normativo inconstitucional. Motta (2006, p. 591) define a ação direta de inconstitucionalidade como sendo uma “ação de natureza legislativa e jurisdicional, que tem como objetivo a invalidação de lei ou ato normativo federal ou estadual que contrariem a ordem constitucional”. Mas quais leis podem ser objeto de ADIn? Lei, aqui, é utilizada em seu sentido amplo. Isso significa que as emendas constitucionais, os atos normativos do Poder Legislativo federal ou estadual (ex: leis complementares e ordinárias), os atos normativos do Poder Executivo federal e estadual (ex: decretos, normas regimentais e resoluções), os tratados internacionais e as leis distritais são todas leis. Mas atenção: essas leis e atos deverão ter sido publicados após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Isso porque, por meio do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), as normas anteriores à constituição já foram ou não recepcionadas, considerando sua compatibilidade com o texto constitucional. Quem pode interpor ADIn? O art. 103 da CF/88 determina que somente algumas pessoas poderão interpor ADIn. São elas: I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – o Procurador Geral da República; VII – o Conselho Federal da OAB; VIII – os partidos políticos com representação no Congresso Nacional; IX – as Confederações Sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.
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Mas atenção: as pessoas dos incisos IV, V e IX possuem legitimidade Observe que,ativa para aespecial, por decisão jurisprudencial do STF. Isso significa que, além do concessão de medida interesse de agir genérico (comum a todos os interessados do art. 103), devem liminar, há que haver o possuir fummus boni juris e o um interesse de agir específico, relacionado à classe que representam. periculum in mora. É aleia chamada “pertinência temática”. Sobre esse assunto, o tema 07 do caderno Na ADIn, é possível a concessão de medida liminar que suspenda as de conteúdos e istrativas e judiciais concedidas com base na lei que está sendo atividades dedecisões Direito Processual Civil II.
discutida por meio da ADIn, desde que haja receio de dano irreparável.
Na ADIn não há fase probatória, pois a discussão está em torno da incompatibilidade entre a norma constitucional e a norma infraconstitucional. Não há que se falar então em produção de provas, uma vez que o texto legal é público, de conhecimento de todos. Mas o princípio do contraditório é respeitado, já que o Advogado Geral da União exercerá o contraditório, por força do art. 103, § 3º da CF/88. O Procurador Geral da República deverá ser previamente ouvido em todas as ADIns, como custus legis (fiscal da lei), por determinação do art. 103, § 1º da CF/88. 2. Ação de Inconstitucionalidade por Omissão (AI Omissão)
Norma de eficácia plena: aquela que não A ação de inconstitucionalidade por omissão somente ocorrerá em face depende de atuação do de normas constitucionais de eficácia limitada. Isso porque pressupõe uma Poder Constituinte Derivado para sua omissão, um não-agir do Poder Legislativo, dificultando a aplicação da norma aplicação. constitucional. Motta (2006, p. 604) conceitua essa ação como sendo um: Norma de eficácia limitada: aquela que depende de Remédio constitucional que tem por objetivo conceder regulamentação pelo eficácia plena aos dispositivos constitucionais que carecem Poder Constituinte de regulamentação, através de leis ordinárias ou Derivado para sua total complementares, realizando a vontade do constituinte na aplicação. sua plenitude.
O objetivo da ação de inconstitucionalidade por omissão é, portanto, garantir a plena eficácia do texto constitucional. Nessa modalidade de controle abstrato, o STF não irá substituir o Poder Legislativo, editando a norma regulamentadora, pois isso feriria o art. 2º da CF/88, princípio fundamental da nossa constituição. Desse modo, não há que se falar em concessão de medida liminar. O STF irá apenas comunicar o Poder Legislativo da ausência de norma regulamentadora, estabelecendo um prazo de 30 dias para que o mesmo faça a lei. Nesse sentido, Motta (2006, p. 597) ensina que: Não há previsão constitucional para que o Supremo Tribunal Federal (...) elabore ato normativo de conteúdo abstrato e natureza legislativa que crie, modifique ou revogue relações jurídicas com observância coercitiva para todos os súditos do Estado (...) Até porque o provimento da ação implica, quando muito, em dar ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias, e em se tratando de órgão istrativo, para fazê-lo em trinta dias (grifos do autor).
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Aqui, como no caso da ADIn, somente as pessoas relacionadas no art. de Injunção: Mandado é o remédio 103 da CF/88 poderão impetrar a ação de inconstitucionalidade por omissão. constitucional voltado
para a defesa do direito Valem, ainda, as mesmas ressalvas feitas anteriormente (pertinência temática). constitucionalmente
O Procurador Geral da República atuará como fiscal da lei, por força do de norma carente regulamentadora art. 103, § 1º da CF/88. Mas não há obrigatoriedade para o Advogado Geral da
(MOTTA, 2006, p. 605).
União, já que, no pólo ivo dessa relação jurídica processual, figurará o ente competente para editar a lei ou o ato normativo. Entretanto devemos nos atentar para não confundirmos essa modalidade com o Mandado de Injunção, previsto na CF/88. Neste, o objetivo é defender direito constitucional dependente de regulamentação. Naquela, o objetivo é garantir a eficácia plena do texto constitucional. Vejamos o quadro comparativo, que estabelece as semelhanças e diferenças entre esses dois remédios constitucionais: Características Objeto
Sujeito ativo
Ação de Inconstitucionalidade por omissão Direitos e garantias
Qualquer norma constitucional
fundamentais dependentes de
originária de eficácia limitada.
regulamentação. Qualquer pessoa.
Somente as pessoas
Mandado de Injunção
previstas no art. 103 da Sujeito ivo Juízo competente
Ente competente para legislar. Valem as mesmas regras de competência do Direito
CF/88. Ente competente para legislar. STF.
Processual Civil. Adaptado de MOTTA, 2006, p. 605.
3. Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) A ADC é uma ação constitucional utilizada para declarar a constitucionalidade de uma determinada lei ou ato normativo. Essa modalidade de controle abstrato foi incluída pela Emenda Constitucional nº 03/1993. Ela foi criada justamente porque o controle preventivo não era eficaz, dando margem a dúvidas quanto a constitucionalidade de normas infraconstitucionais. Assim, ela só valerá para leis ou ato normativos publicados depois da EC nº 03/93. Nesse sentido, Motta (2006, p. 612) afirma que: Tal modalidade de controle parece deixar patente a falência do sistema de controle preventivo que, de tão político, cai em descrédito, visto que não raro a vontade política de aprovar um projeto de lei suplanta e subjuga a lógica constitucional.
Essa ação é o inverso da ADIn, mas valem as mesmas regras. Portanto, as pessoas que podem atuar como sujeito ativo dessa relação jurídica processual são as mesmas previstas no art. 103 da CF/88. Ainda, o contraditório será exercido pelo Advogado Geral da União, e o Procurador
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Geral da república atuará, obrigatoriamente, como fiscal da lei. O efeito é erga omnes (vincula a todos). 4. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental será utilizada para defender os direitos e garantias fundamentais relacionados na CF/88. Moraes (2003, p. 2438) afirma que, Em virtude de a finalidade da argüição ser a maior proteção às normas básicas da Constituição Federal, o conceito de preceito fundamental deve ser abrangente, englobando direitos e garantias fundamentais da Carta Magna, não necessariamente só os previstos no art. 5º, além dos objetivos e fundamentos da República, em especial, a dignidade da pessoa humana.
Essa modalidade de controle foi prevista pela CF/88, mas dependia de regulamentação, o que foi feito com a publicação da lei 9.882/1999. Essa lei definiu, no art. 1º, a argüição como sendo a ação proposta perante o STF, que Os remédios tem como objetivo “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante constitucionais de ato do Poder Público”. são: o mandado de segurança, o A ADPF só poderá ser proposta quando nenhum outro remédio habeas corpus, o habeas data,constitucional o consiga sanar a lesividade de maneira eficaz. Ela é utilizada por Mandado de exclusão, portanto. Essa determinação está expressa no art. 4º da lei Injunção, a Ação Popular, a ADIn, a ADC e a AI9.882/1999. Omissão. Nesse sentido, Moraes (2003, p. 2.449) ensina que se observe, Porém, que o cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental não exige a inexistência de outro mecanismo jurídico, mas seu prévio esgotamento sem real efetividade, ou seja, sem que tenha havido cessação à lesividade a preceito fundamental, pois a lei não previu exclusividade de hipóteses para a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental, mas sua subsidiariedade.
Mesmo assim, a lei 9.882/1999 determinou expressamente no art. 1º, quais são as hipóteses de cabimento da ADPF: • - Para evitar lesão de preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público; • - Para reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público; • - Quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos ou anteriores à Constituição. Por força do art. 2º da lei 9.882/1999, as pessoas que poderão interpor a ADPF são as mesmas da ADIn, ou seja, aquelas previstas no art. 103 da CF/88.
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Pare e Pense “Motivos para festejar teremos no dia em que, nesse país, o exercício da fiscalização abstrata e concreta de constitucionalidade atingir níveis ao menos aceitáveis. Nesse dia sairemos às ruas, gritando a plenos pulmões que a democracia definitivamente fincou suas poderosas raízes em solo pátrio. Até lá só nos resta com desalento acadêmico peculiar entabular alguns comentários pobres, porque tristes, acerca desse novo (?) instrumento constitucional ‘democrático’ (...). Se, por um lado, a chamada jurisdição constitucional se amplia, por outro essa mesma necessidade de ampliação denota o quão fragílimo é o princípio da supremacia da vontade constitucional sobre as demais vontades políticas e econômicas de um Estado que tem a pretensão de qualificar-se como democrático (MOTTA, 2006, p. 624).
Atividade Diante das modalidades de controle abstrato que acabamos de estudar, bem como observando o texto acima, escreva um texto emitindo a sua opinião sobre a quantidade de modalidades de controle abstrato que temos em nosso ordenamento.
Comentário Para
desenvolver
essa
atividade,
você
deverá
considerar
as
modalidades de controle abstrato de constitucionalidade previstos em nosso ordenamento. Para formar sua opinião, pesquise em jornais e revistas, bem como na doutrina constitucional disponível em sua tele-sala, a opinião dos juristas e doutrinadores constitucionais.
Conclusão Neste
tema,
você
conheceu
as
formas
de
controle
de
constitucionalidade de leis prevista em nosso ordenamento. Vimos que temos basicamente duas formas: o controle preventivo, feita pelos poderes Legislativo e Executivo, antes da elaboração das leis, e o controle repressivo, depois da lei vigente. Este se dá de duas formas: pelo controle difuso, feita pelo Poder Judiciário no caso concreto; ou pelo controle concentrado, feito pelo STF exclusivamente discutindo a constitucionalidade ou não da lei.
Atividade final Questão 01. Sobre o controle concentrado, marque a alternativa CORRETA: a) O controle concentrado pode ser feito por todo o Poder judiciário. b) O controle concentrado pode ser feito, no Brasil, apenas pelo STF, no âmbito federal. 62
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c) Somente o Brasil possui forma concentrada de controle de constitucionalidade. d) O controle concentrado pode ser utilizado tanto para declarar incompatibilidade entre uma norma constitucional e uma infraconstitucional, quanto ente duas normas infraconstitucionais. Questão 02. São modalidades de controle concentrado: a) ADPF, ADIn, ADC e AI Omissão. b) ADIn e ADC somente. c) Somente AI Omissão. d) ADPF e AI Omissão somente.
Comentário Na atividade 01, você deverá se atentar para o fato de que o controle concentrado de normas é feito pelo STF. Lembre que o Brasil não é o único país adotá-lo. Na verdade, o controle concentrado origina-se dos EUA, e posteriormente, é que outros países latino-americanos e europeus se baseiam nesse modelo. Ainda, essa modalidade de controle visa apenas guardar a constituição, não podendo ser utilizado, portanto, para sanar conflitos entre normas infraconstitucionais. Na atividade 02, você deverá se atentar para as modalidades de controle concentrado existentes no nosso ordenamento. Conhecemos, neste tema, a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn, a Ação Direita de Constitucionalidade – ADC, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF e a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão – AI Omissão.
Síntese do tema Neste
tema,
conhecemos
as
formas
previstas
em
nosso
ordenamento para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos.
Informações para o próximo tema No próximo tema, você estudará a Constituição Federal de 1988, atualmente vigente em nosso país.
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Tema 06
A Estrutura da Constituição Federal de 1988 Meta do tema Apresentação de uma visão panorâmica da Constituição Federal de 1988
Objetivos Ao final deste tema, você deverá: •
Analisar a importância do Preâmbulo da Constituição Federal de 1988;
•
Identificar os direitos e garantias assegurados no texto constitucional;
•
Identificar os fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Pré-requisitos Com este tema começaremos o estudo sistematizado da nossa Constituição Federal. Seria interessante que você fizesse uma releitura do nosso tema 03, especialmente no que diz respeito à Constituição Federal de 1988, a fim de resgatar e relacionar o momento histórico-político, com a forma que se buscou assegurar determinados direitos e garantias.
Introdução Este tema foi destinado à apresentação propriamente dita da Constituição Federal de 1988. Faremos, a partir da sua disposição, ou seja, a partir da forma em que distribuíram os seus títulos algumas considerações, especialmente quanto à sua organização, à sua estrutura e ainda à sua metodologia. Ressalta-se, de acordo com Ivo Dantas (2001, p. 345) que “nenhum texto constitucional, como de resto qualquer norma jurídico-positiva, é elaborado de forma isolada, sem vinculação alguma com as idéias e modelos antecedentes, tanto em nível interno, como estrangeiro”. Encontrando-se aí a
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nossa justificativa teórica para o estudo da recepção das normas no tema 02 e, ainda, o histórico das Constituições no tema 03. Ao estudar a estrutura da Constituição Federal de 1988, voltaremos no tempo que antecedeu a sua promulgação, mais precisamente à época de formação das Comissões Temáticas que se formaram internamente na Assembléia Nacional Constituinte. Por fim, vale destacar que a análise da Constituição Federal será mais abrangente em seu aspecto formal, uma vez que o seu aspecto material será estudado ao longo do curso, embora seja imperioso tratar essa distinção ainda neste tema.
Da Assembléia Constituinte A Assembléia Constituinte, que você já estudou no tema 03, de acordo com Dantas (2001, p. 348), caracterizou-se por 03 aspectos: a) não era dotada de exclusividade; b) criou-se a expectativa de que seriam resolvidos todos os anseios sociais; c) não existia um anteprojeto para servir como parâmetro (o que tinha foi rejeitado pelo Presidente, conforme já visto no tema 03). Explica Dantas (2001, p. 349-340) que Sem nenhum anteprojeto que o orientasse, ou o colegiado a receber as denominadas Propostas Populares, que alcançaram o número de 12.000 (conforme registram os Anais), todas oriundas de grupos e instituições as mais variadas.
Segundo o autor, na Assembléia Constituinte, foram criadas, internamente, diversas comissões temáticas, destacando-se entre essas, as seguintes: Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher Organização do Estado Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças Comissão da Ordem Econômica Comissão da Ordem Social Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação. Fonte: Dantas (2001, p. 350)
Ao lado dessas comissões específicas, existia uma outra que era responsável por sistematizar todas as idéias apresentadas pelas referidas comissões.
Estrutura formal e estrutura material da Constituição
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No tema 01 deste Caderno de Conteúdos e Atividades você estudou a classificação das Constituições quanto à matéria (quanto ao conteúdo da Constituição). Aqui, diferentemente, não tratamos da divisão da matéria em si, mas da forma da Constituição, compreendida em um aspecto macro: a) formal, quanto à maneira que se apresenta graficamente; b) material, no sentido de ideologia constitucional. Segundo Dantas (2001, p. 353), a estrutura formal de uma Constituição diz respeito à “organização do texto - suas partes Dogmática e Orgânica –, a maneira como nelas os diversos assuntos estão distribuídos em Títulos, Capítulos, Artigos, Incisos e Parágrafos”. Já em seu aspecto material, segundo Dantas (2001, p. 360), a Constituição Federal Ampliou e muito, o conteúdo até então considerado pelos nossos modelos constitucionais, o que poderá facilmente ser constatado, analisando-o comparativamente, tanto em relação aos ordenamentos estrangeiros, como em relação aos nossos precedentes.
Dantas (2001, p. 351) explica esse alargamento da estrutura material da Constituição Federal de 1988 baseia em dois aspectos: a) Em primeiro lugar, a influência do período em que o país viveu sob o clima de hiato constitucional, compreendido da edição do Ato Institucional n. 1 até a promulgação da atual Constituição; b) Em segundo lugar, todo o processo constituinte funcionou sob as recordações desse período, razão pela qual se explique a extensão dada ao § 4º do art. 60 (denominadas Cláusulas Pétreas) e referentes aos limites materiais do Poder de Reforma. Vamos conferir no quadro abaixo a distinção ilustrativa da estrutura material e da estrutura formal da Constituição:
Estrutura Formal
Estrutura Material
Busca identificar a distribuição do seu
O campo de interesses se desloca para o
conteúdo, o aspecto topográfico do texto
conteúdo da Ideologia Constitucional, o
constitucional, sua arrumação;
conjunto dos valores sociais consagrados pela Constituição e até certo ponto, as causas desta opção.
Fonte: Dantas (2001, p. 353)
Ressalta Dantas (2001, p. 353-354) que a nossa Constituição de 1988 é uma das mais longas dentre as Constituições modernas. Perde em matéria de dimensão para algumas, como:
Iugoslávia Índia Uruguai
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405 artigos 336 artigos mais 08 anexos 322 artigos
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Peru Portugal Brasil
307 artigos 291 artigos 250 artigos + Disposições Constitucionais Transitórias
(hoje
com
91
artigos
acrescentados por EC - originariamente eram 70). Fonte: Dantas (2001, p. 354)
Pare e Pense No campo da estrutura material, a Constituição Federal de 1988 inovou em muitos aspectos em relação aos textos anteriores. Faça uma relação desses aspectos, listando ao lado de cada um deles, o que você considera como causa de inclusão na Constituição Federal.
Organização da Constituição A Constituição da República Federativa do Brasil, diferentemente dos textos anteriores, de acordo com Araújo (2006, p. 97), “trouxe instrumentos novos, ligados ao controle da omissão constitucional, da proteção das informações pessoais, dentre outras novidades no campo dos direitos individuais”. Araújo (2006, p. 97) menciona algumas mudanças advindas do texto constitucional de 1988. Entre essas mudanças, podem-se destacar: a) o controle de constitucionalidade foi alargado com o aumento dos legitimados; b) o decreto-lei foi substituído pela medida provisória e banido o decurso de prazo. Aduz o autor que o novo texto divide-se em: Preâmbulo Nove Títulos Disposições Constitucionais Transitórias Vamos conhecer inicialmente o Preâmbulo da Constituição Federal de 1988. Você inclusive já realizou um exercício no tema 03 que envolve esse estudo. Vamos rever o texto: PREÂMBULO Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 67
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De acordo com Araújo (2006, p. 97-98), a finalidade é instituir um Estado democrático, assentado nos seguintes valores: a) direitos sociais e individuais; b) liberdade; c) segurança; d) bem-estar; e) desenvolvimento; f)
igualdade e justiça.
Para Araújo (2006, p. 98), os bens acima são considerados “valores supremos da sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Assim, “toda a sociedade deve ser fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. Explica ainda o autor, que pelo fato de que “a promulgação deu-se sob a proteção de Deus” não significa, forçosamente, que o Estado brasileiro seja religioso. Dantas (2001, p.344) tece as seguintes considerações sobre o Preâmbulo da Carta Magna de 1988: Encontra-se desenvolvido por todo o texto constitucional, a começar dos seus Princípios Fundamentais, o que nos permite afirmar que a interpretação a ser dada a qualquer norma contida na Constituição, não poderá desconhecer o conteúdo que se encontra nessa peça vestibular, isto sem falar que deverá ser visto como limite implícito ao exercício da mudança constitucional formal, assim entendida aquela que se faz de acordo com o determinado no próprio texto, onde as regras do Poder de Reforma, como Poder Constituído, encontra seu funcionamento fixado pelo próprio Poder Constituinte, em uma opção político-ideológica que só poderá ser entendida corretamente quando visto o texto constitucional como um todo.
Aduz ainda Dantas (2001, p. 354) que “a existência de Princípios Fundamentais traz, sob o ângulo formal, uma conseqüência das mais importantes, já que determinará a diretriz a ser seguida na interpretação de toda e qualquer norma constitucional”.
Dos nove Títulos da Constituição Federal Além do Preâmbulo, a Constituição possui 250 artigos distribuídos por nove Títulos e as Disposições Constitucionais Transitórias que, na data da promulgação, eram 70 artigos, hoje ampliados para 91 artigos em decorrência das diversas Emendas Constitucionais que permeiam o texto original. Importante, assim, a título de ilustração, trazer uma visão panorâmica da Constituição, visualizando-se a forma como foram disciplinados os temas que tiveram sede constitucional a partir de 1988. TÍTULO I ARTS. 1º a 4º TÍTULO II
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Dos Princípios Fundamentais. Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
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ARTS. 5º ao 17 TÍTULO III
Da Organização do Estado.
ARTS. 18 a 43 TÍTULO IV ARTS. 44 a 135 TÍTULO V ARTS. 136 a 144 TÍTULO VI
Da Organização dos Poderes. Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Da Tributação e do Orçamento.
ARTS. 145 a 169 TÍTULO VII
Da Ordem Econômica e Financeira.
ARTS. 170 a 192 TÍTULO VIII
Da Ordem Social.
ARTS. 193 a 232 TÍTULO IX
Das Disposições Constitucionais Gerais.
ARTS. 233 a 250
Pare e Pense Na arte de interpretação, especialmente no que diz respeito às normas constitucionais, não se pode deixar de levar em consideração a forma sistêmica de se compreender o Direito. Faça a leitura dos nove Títulos Constitucionais e justifique a existência de várias Comissões formadas na Assembléia Constituinte a necessidade de acrescer a essas comissões uma outra que pudesse sistematizar o Direito pretendido.
Do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, segundo Dantas (2001, p. 355), visam “estabelecer um elo entre o ordenamento jurídico anterior à sua promulgação e o novo conteúdo do sistema constitucional”. Originariamente o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 possuía 70 artigos. Conforme Dantas (2001, p. 355), no decorrer do tempo, tanto o “Congresso Revisor como o Congresso Nacional no exercício do Poder de Reforma têm acrescentado Emendas Constitucionais
Aditivas,
desfigurando,
desta
forma,
a
natureza
das
Disposições Transitórias”. É importante ainda mencionar que a Revisão Constitucional veio prevista no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Atividade Como
mencionamos
anteriormente,
o
Ato
das
Disposições
Constitucionais Transitórias foi acrescido de algumas Emendas Constitucionais Aditivas. Pesquise no site do Planalto (www.planalto.gov.br), ou em uma Constituição atualizada, algumas dessas Emendas adicionadas.
Conclusão 69
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O estudo do tema teve como finalidade uma análise, ainda que um tanto breve, da Constituição Federal de 1988, em seu aspecto formal e material, ou seja, da sua estrutura. Por essa razão preocupamo-nos em fazer remissão aos temas 02 (recepção) e tema 03 (Assembléia Constituinte), pois como já se disse uma nova Constituição, como qualquer outra norma jurídico-positiva, não é elaborada sem levar em conta as idéias e modelos anteriores, ainda que de outros ordenamentos. Como exemplo, podemos citar que algumas Cartas Constitucionais, especialmente as de 1934, 1946 e 1988, inspiraram-se nas Constituições de Weimar (Alemanha) e México (1917).
Atividade final Questão 01. Assinale a alternativa que contenha os Fundamentos da República Federativa do Brasil: a)
a soberania, a cidadania, o pluralismo político, a igualdade e o direito ao voto;
b) a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político; c)
a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a livre iniciativa e o direito ser votado;
d) a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a diminuição da pobreza. Questão 02. Em sua opinião, o que representou a Constituição Federal de 1988 para o momento político de que ela adveio?
Comentário Na atividade 01, você deverá fazer uma leitura atenta do art. 1º da Constituição. Na atividade 02, faça um retrospecto sobre o momento político que deu origem a essa Constituição.
Síntese do tema Neste tema, conhecemos a estrutura da Constituição Federal de 1988, vigente atualmente em nosso ordenamento jurídico.
Informações para o próximo tema No próximo terma, você estudará os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.
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Tema 07
Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil
Meta do tema Apresentação dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos na Constituição Federal.
Objetivos Esperamos que, ao final deste tema, você seja capaz de: •
Conhecer os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos na Constituição Federal, bem como seus significados.
Pré-requisitos Para compreender este tema, você deverá ler novamente os temas 01 e 02 deste Caderno de Conteúdos e Atividades.
Introdução Caro aluno, Vimos que, para elaborar uma constituição, necessitamos de um Poder Constituinte
originário.
Esse
poder
irá
estabelecer
todas
as
regras
fundamentais à formação e à manutenção de um Estado forte e soberano. No Brasil, o Poder Constituinte que criou a Constituição Federal de 1988 estabeleceu alguns princípios fundamentais que garantem a estrutura do nosso país. Esses princípios fundamentais estão previstos no Título I da CF/88, art. 1º ao 4º.
Conformação básica do Estado brasileiro O art. 1º da nossa Carta Magna relaciona os fundamentos do Estado brasileiro:
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Vamos conhecê-los?
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Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
O Estado brasileiro O caput do art. 1º estabelece as formas de Estado e de Governo do nosso país. Por forma de Estado, devemos entender as relações que apresentam todos os elementos constitutivos do Estado: população, território, governo e normas. Assim, são formas de Estado: o Estado Simples ou Unitário; a União Real; a União Pessoal; a Confederação e a Federação. O Estado Simples ou Unitário é formado por uma unidade de onde emana todo o poder estatal. Ex: A França de Luís XIV no período absolutista (“O Estado sou eu”). A União Pessoal ocorre quando um mesmo representante estatal responde por dois ou mais Estados. Ocorria muito no período feudal. Você sabia? O Brasil era chamado de “Estados Unidos do Brazil” desde a proclamação da república, por influencia da constituição norteamericana. A denominação “República Federativa do Brasil” só apareceu na Constituição Federal de 1969.
A União Real é parecida com a anterior, pois também há um representante estatal respondendo por dois ou mais Estados. Mas esses Estados continuam com sua personalidade interna. Apenas externamente são vistos com um único Estado. A Confederação é a União permanente de Estados independentes, por meio de um pacto ou contrato de cooperação mútua, para proteger o território desses Estados de ataques exteriores, garantindo a paz coletiva. O maior exemplo de Confederação são os EUA na época da luta por sua independência. Atente-se para o fato de que os Estados mantêm sua soberania e podem romper o pacto, retirando-se da União a qualquer tempo. Por esse motivo é que alguns doutrinadores não consideram essa uma forma de Estado propriamente dita. Federação é uma forma de Estado em que os estados perdem sua soberania em nome da União Federal. Essa forma de Estado se constitui pela promulgação de uma Constituição que irá estabelecer todas as regras que regem o Estado federado. Mas é importante considerarmos que, apesar dos estados perderem sua soberania, eles mantêm sua autonomia. Na atualidade, temos diversos países sob a forma federativa de Estado. Ex: Brasil, EUA. Motta (2006, p. 47) define a forma federativa de Estado como sendo uma “forma de organização político-istrativa que exige a divisão do Estado em partes internas dotadas de autonomia, denominadas entidades federativas”.
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Por forma de Governo, entendemos a forma como o Estado se organiza para exercer o poder político. Ele compreende, portanto, a forma de o e de manutenção nesse poder político. Temos duas formas de Governo: a monarquia e a república.
Monarquia
Definição A monarquia compreende a existência de um “rei”. É o “governo de um só”, de acordo com Aristóteles. Isso significa que o rei responde sozinho pelo Estado. É uma forma de governo baseada na vitaliciedade e na hereditariedade, isto é, o rei permanece no poder até a morte e é sucedido por seus herdeiros.
Modalidades Absoluta: é nessa modalidade que “o governo de um só“ se consagra (ex: o Egito antigo). De estamentos: quando o rei delega a outros nobres a istração de legados, descentralizando o poder (ex: a Europa no período feudal) constitucional, quando o rei exerce apenas a função executiva, criando os Poderes Legislativo e Judiciário para exercer, ao lado dele, as outras funções (ex: Bélgica, Holanda e Brasil Império)
parlamentar, quando o rei “reina, mas não governa”: nessa modalidade há um parlamento que irá governar (ex: Inglaterra).
Será aristocrática quando alguns privilegiados da sociedade, por conquista ou por direitos do nascimento, ocupam o poder. É o chamado “governo dos melhores” (ex: Atenas, no período grego clássico).
República
A República é a forma de governo baseada na temporariedade e na eletividade. O governante é, portanto, eleito e governa por um período de tempo estabelecido.
Será democrática quando o poder emanar do povo.
Direta: o próprio povo governa. É praticamente impossível visualizar uma forma de governo como essa, com todo o povo emitindo opiniões e decidindo a vida do país, diante da complexidade da sociedade atual. Mas essa forma ocorreu na época das “Polis” (cidade) gregas. O povo se reunia na praça e ali tomavam as decisões, por meio de assembléias populares. Semidireta: consiste em restringir o poder da assembléia popular a assuntos de maior relevância, delegando representantes do povo para tomar as outras decisões de governo. Indireta: é a forma atual existente nos países republicanos. Os representantes do povo são eleitos por um determinado período de tempo para governar. É assim no Brasil, na França e nos EUA. As eleições podem ser diretas (como acontece no Brasil, em que o povo escolhe todos os seus representantes) ou indiretas (quando o povo escolhe os representantes que irão escolher o presidente. Ex: EUA).
Por regime de Governo, devemos entender o sistema que determina o grau de participação popular. Assim, temos o parlamentarismo e o 73
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presidencialismo. No parlamentarismo, temos um chefe de Estado (que será o rei ou o presidente) e um chefe de Governo (que é o primeiro ministro). Para governar, o primeiro ministro precisa do parlamento, que é quem realmente detém o poder (ex: França e Inglaterra). No presidencialismo, chefe de Estado e chefe de Governo estão nas mãos de um só, que é o presidente. Os dois sistemas só existem em Estados democráticos. No Brasil, adota-se o sistema presidencialista. O Brasil adotou a forma federativa de Estado e a forma republicana de Governo no caput do art. 1º: “A República Federativa do Brasil (...) constitui-se em Estado Democrático de Direito”.
Fundamentos 1. A soberania Para Moraes (2003, p. 127), soberania é: O poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não têm de acatar as regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes supremos de outros povos.
Assim, o Estado soberano cria seu próprio ordenamento jurídico, sua própria constituição, seus princípios fundamentais, seu território, sua cultura suas peculiaridades que são respeitados pelos outros Estados. Há um reconhecimento internacional do Estado soberano como tal. Assim, não há Estado sem soberania, ou “Estado meio soberano”. A soberania é plena. E nossa Constituição reforçou a idéia de Estado brasileiro soberano no art. 1º, I. Na verdade, a previsão constitucional da soberania é apenas um reforço, porque ela é inerente do estado. A simples previsão constitucional não garante a soberania do Estado, porque ela é mais que isso: “é um atributo básico do Estado, estabelecendo sua independência em relação aos demais estados estrangeiros” (MOTTA, 2006, p. 48). A soberania emana do povo. Este apenas delega o exercício da mesma para os representantes políticos, que ocuparão as cadeiras dos Poderes Executivo e Legislativo. O Poder judiciário não tem mandato eletivo. Mesmo assim, a soberania é exercida nos três poderes, que formam o Estado democrático de direito. O art. 14 da CF/88 afirma que: A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direito e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular.
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Assim, o povo soberano exerce esse poder por meio do voto. Mas o que é sufrágio universal? Dizer que o povo exerce a soberania pelo sufrágio universal significa dizer que todos podem votar e ser votados. É claro que a própria constituição estabelece alguns critérios para votar e ser votado. Mesmo assim, dizemos que é universal no sentido de que toda pessoa capaz poderá e deverá votar para escolher seus representantes. Esse direito tem previsão constitucional, como cláusula pétrea, porque nem sempre foi assim. Houve tempos em que, no Brasil, somente quem possuía dinheiro é que podia votar. As mulheres e os analfabetos também não tinham direito ao voto. E até bem pouco tempo atrás, os “coronéis” obrigavam seus subordinados a votarem no candidato deles: era o chamado “voto de cabresto”. Ora, se vivemos num país democrático, como poderíamos permitir a exclusão de tantas classes sócias? Assim é que o direito ao voto ou a ser incluso na própria constituição, que é a lei maior, permitindo, dessa forma, que toda a sociedade fosse representada nos poderes Legislativo e Executivo. O plebiscito e o referendo são outras formas de exercer a soberania. Por meio do plebiscito, o povo decide sobre determinada matéria que será posteriormente discutida pelo Poder Legislativo. É, portanto, uma consulta prévia. No referendo, a discussão já foi feita na esfera legislativa e a decisão foi transformada em lei. O povo, posteriormente, diz se concorda ou não com a decisão do parlamento. Caso o povo não concorde, a norma perde a eficácia. A iniciativa popular é a apresentação, pelo povo, de um projeto de lei para ser colocado em análise e votação pelo Congresso Nacional. Mas essa iniciativa deverá ser feita na forma estabelecida pelo art. 61, § 2° da CF/88. Esse artigo exige, para a apresentação do projeto à Câmara dos Deputados – órgão formado por representantes diretos do povo –, a de no mínimo 1% (um por cento) do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco estados-membros, com no mínimo 0,03% (três décimos por cento) de eleitores em cada um deles.
Pare e Pense A articulação de duas dimensões do princípio democrático justifica a sua compreensão como um princípio normativo multiforme. Tal como a organização da economia aponta, no plano constitucional, para um sistema econômico complexo, também a conformação do princípio democrático se caracteriza tendo em conta a sua estrutura pluridimensional. Primeiramente, a democracia surge como
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Já tivemos no Brasil um plebiscito e um referendo. O plebiscito aconteceu em 1993, para escolha da forma de Governo (monarquia ou república) e do sistema de Governo (parlamentarista ou presidencialista). O referendo aconteceu em 2005, para que o povo decidisse se concordava ou não com o art. 35 do Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/2003), que trata da comercialização de armas de fogo. Como o povo votou pelo “não”, esse artigo perdeu sua eficácia.
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um processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático da ordem política, econômica, social e cultural. Depois, o princípio democrático recolhe as duas dimensões historicamente consideradas como antiéticas: por um lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria democráticarepresentativa (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes); por outro lado, dá guarida a algumas das exigências fundamentais da teoria participativa (alargamento do princípio democrático a diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural, incorporação de participação popular directa, reconhecimento de partidos e associações como relevantes agentes de dinamização democrática etc). (CANOTILHO e VITAL MOREIRA, citado por MORAES, 2003, p. 53). Grifo do autor.
Atividade Diante do que você acabou de ler, responda: 01. Você acredita que o Brasil possui democracia na forma apresentada por Canotilho e Moreira? 02. Canotilho e Moreira afirmam que a democracia é formada por duas fases: a primeira chamada de processo de democratização; e a segunda, que se subdivide em duas teorias: a democrática-representativa e a participativa. Em qual dessas fases você acha que o Brasil se encontra? Por quê? 03. Diante das notícias que você lê nos jornais e revistas que circulam no país e dos comentários de seus familiares e amigos sobre a nação brasileira, quais as medidas que deveriam ser tomadas pelas pessoas do seu convívio para contribuir para um país mais democrático? 04. Após responder às questões anteriores, imagine que você seja candidato a prefeito de sua cidade e elabore um programa de governo, apresentando suas propostas para melhorar a vida da comunidade local.
Comentário Caro aluno, Essa atividade é reflexiva. O objetivo é levá-lo a pensar sobre o que diz nossa constituição. Ela traz diversas formas de inclusão do povo nas atividades decisórias do país. E coloca o povo brasileiro como o dono do poder soberano. Assim, para que você reflita sobre o assunto até agora estudado, pesquise em jornais e revistas, na internet, converse com seus vizinhos e amigos, e também com seus colegas de classe. Organize um debate sobre o assunto em sua telesala e, ao final, recolha as sugestões dadas para montar o seu programa de governo. É a partir das discussões em grupo que aprendemos a exigir o cumprimento das leis e principalmente da nossa constituição. 2. A cidadania Cidadania é a habilitação do nacional para o exercício dos direitos políticos. Observa-se que a nacionalidade, então, é a sujeição, por nascimento 76
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ou por adoção, do indivíduo ao Estado, para gozo e exercício dos direitos políticos. A cidadania constitui-se, portanto, do status do nacional para o exercício dos direitos políticos. É conceito aplicável apenas às pessoas físicas que podem votar e ser votadas, enquanto que, nacionalidade se aplica também às coisas (ex: navio, trator, etc.). Veja que a definição de cidadania está direitamente ligada à conceituação de soberania. Se a Constituição Federal determinou que o povo é o detentor do poder soberano e exerce essa soberania por meio do voto popular, ele concede a cidadania ao povo. 3. Dignidade da pessoa humana Moraes (2003, p. 128) explica que: A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, construindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (grifos do autor).
Isso significa que a dignidade da pessoa humana, relacionada na nossa carta Magna, não é só um reconhecimento do valor do homem em sua dimensão de liberdade, como também de que o próprio Estado se constrói com base nesse princípio. O princípio abrange não só os direitos individuais, mas também os de natureza econômica, social e cultural. 4. Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa O texto constitucional reconhece o trabalho como um valor social que, ao lado da livre iniciativa, constitui fundamento do Estado e da ordem econômica. Moraes (2005, p. 52) afirma que, por meio do trabalho, o homem garante sua subsistência e o crescimento do país. “A garantia de proteção ao trabalho não engloba somente o trabalhador subordinado, mas também aquele autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do crescimento do país”. 5. O pluralismo político Com o pluralismo político surgem os interesses coletivos e difusos, os quais deixam de se referir ao Estado para se centrarem nos grupos e na própria sociedade. São coletivos, entre outros, o direito de unir-se a sindicato ou a associação de bairro. São direitos difusos aqueles do interesse de todos e
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Leitura interessante: O jornalista Gilberto Dimenstein publicou um livro para jovens estudantes, chamado “O Cidadão de Papel”, no qual ele explica o que é cidadania e qual o papel do cidadão na sociedade brasileira, bem como faz uma ampla discussão dos problemas sociais e dos direitos humanos no Brasil. Vale a pena ler. (DIMENSTEIN, Gilberto. O Cidadão de Papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil. São Paulo: Ática, 1993).
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ao mesmo tempo de ninguém, nem mesmo de um grupo definido, tais como o direito ao meio ambiente, ao patrimônio artístico etc. 6. Divisão dos Poderes A divisão dos Poderes está prevista no art. 2º da CF/88: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Sobre o poder jurisdicional do Estado, leia o tema 04 do Caderno de Conteúdos e Atividades de Direito Processual Civil I.
O Poder Legislativo tem como função principal legislar, isto é, criar leis que regerão as condutas jurídicas da sociedade brasileira. O Poder Executivo tem como principal objetivo executar as leis, ou seja, dar cumprimento às regras pré-estabelecidas pelo Poder Legislativo. E o Poder Judiciário visa garantir que as leis serão cumpridas no caso concreto. Mas atenção: o Poder Judiciário só age quando provocado, isto é, quando as partes interessadas pedirem a manifestação do Poder estatal por meio da jurisdição. É importante observar que esses poderes são assim denominados pela sua atividade principal. O que significa dizer que o Poder Executivo também possui função legislativa quando o Presidente da República publica um decreto, por exemplo. Mas essa não é sua função principal. Daí a denominação. Os poderes são independentes, porque um não pode interferir na atividade do outro, e harmônicos, porque se complementam.
Objetivos Vamos Conhecê-los?
Os objetivos da República Federativa do Brasil estão previstos no art. 3º da CF/88. I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – Garantir o desenvolvimento nacional; III – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – Promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ora, sabemos que muitos desses objetivos – senão todos – estão muito longe de ser alcançados no nosso país. Mas muitas coisas estão sendo feitas, com o intuito de cumpri-los. Assim é que a Emenda Constitucional nº 31/2000 cria o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Esse fundo, criado para vigorar até 2010, tem a função de: Viabilizar a todos os brasileiros o a níveis dignos de subsistência, devendo a aplicação de seus recursos direcionar-se às ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida (MORAES, 2005, p. 54).
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Além disso, o Governo Federal implantou os programas Bolsa-Família e bolsa-escola, para garantir maior qualidade de vida e o à educação das crianças em idade escolar, para famílias de renda mínima (abaixo da linha de pobreza). O programa bolsa-escola, particularmente, além da função de garantir que a criança freqüente a escola, promove a erradicação do trabalho infantil, já que essa é uma das maiores causas de abandono escolar.
Relações Internacionais O art. 4º da CF/88 estabelece os princípios que regem as relações do Brasil com outros países estrangeiros. São eles: I – independência nacional: a questão da independência nacional remete diretamente à idéia de soberania. Isso quer dizer que o Brasil é independente em relação aos outros países estrangeiros. II – prevalência dos direitos humanos: os direitos humanos foram consolidados pela “Declaração Universal dos Direito Humanos”, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948, e devem prevalecer sobre nosso ordenamento, uma vez que o Brasil reconheceu esse tratado em seu ordenamento. Além disso, o art. 5º, § 2º da CF/88 determina que “os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela dotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. III – autodeterminação dos povos: esse princípio é diretamente ligado ao anterior, uma vez que é requisito prévio para o exercício dos direitos humanos. IV – não intervenção: significa que o Brasil, enquanto membro da comunidade internacional, não pode intervir, direta ou indiretamente, nos negócios políticos e econômicos de outros países. Essa intervenção implicaria diretamente em ferimento à soberania dos outros países. V – igualdade entre os Estados: significa dizer que todos os Estados estrangeiros são iguais em direitos e deveres e devem ser tratados igualmente pelo Brasil. VI – defesa da paz: o Brasil se comprometeu a promover a paz no mundo. VII – solução pacífica dos conflitos: com esse princípio, o nosso país deve preferir a solução pacífica dos conflitos, sendo a guerra a última possibilidade a ser considerada. VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo: por meio de programas sociais, o Brasil deve combater, interna e externamente, o racismo e o terrorismo. IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade: essa cooperação é no sentido de troca de tecnologias e experiências para o 79
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desenvolvimento de toda a humanidade. Assim é que o Governo Federal, desde 2002, estabelece acordos tecnológicos e econômicos com países menos desenvolvidos que o Brasil, principalmente com países africanos, no intuito de auxiliá-los no combate à miséria. Hoje há pesquisas, no pólo econômico e social, que demonstram a importância do progresso da humanidade para o desenvolvimento de todo o planeta, e, ainda, como a miséria humana impede o desenvolvimento de outros países. Por isso, a preocupação com o fim da miséria por todo o mundo é hoje, tão discutida e promovida. X – concessão de asilo político: o asilo político é o “acolhimento de estrangeiro por parte de um Estado que não o seu, em virtude de perseguição por ele sofrida e praticada ou por seu próprio país, ou, ainda, por terceiro” (MORAES, 2003, p. 152). O Brasil, por meio desse princípio, se comprometeu a conceder asilo político. Lembrando que, para isso, é necessária a autorização do Presidente da República, já que envolve a soberania do Estado brasileiro, e ratificação do Ministério da Justiça, que estabelece o prazo para o asilo.
Conclusão Neste tema, você conheceu os fundamentos e os objetivos da República Federativa do Brasil, os previstos nos art. 1º ao 4º da nossa Constituição Federal. São fundamentos do nosso país a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são: - Construir uma sociedade livre, justa e solidária; - Garantir o desenvolvimento nacional; - Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; - Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Atividade final Questão 01. Sobre a soberania, analise as seguintes proposições: I – A soberania consiste na construção, pelo povo, do ordenamento jurídico que irá reger as relações entre uma determinada nação, bem como na definição e delimitação de seu território, de sua cultura, de seus princípios fundamentais e de suas peculiaridades. II – Deve haver um reconhecimento internacional do Estado soberano como tal. Assim, não há Estado sem soberania, ou “Estado meio soberano”. A soberania é plena.
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III – A simples previsão constitucional não garante a soberania do Estado, porque ela é mais que isso: é um atributo básico do Estado, estabelecendo
sua
independência
em
relação
aos
demais
estados
estrangeiros. IV – A soberania emana do povo. Este apenas delega o exercício da mesma para os representantes políticos. Marque a alternativa CORRETA: a) Apenas a proposição I é verdadeira, as outras são falsas. b) As proposições I e II são falsas e a III e a IV são verdadeiras. c) Todas as proposições são verdadeiras. d) Todas as proposições são falsas. Questão 02. São objetivos da República federativa do Brasil: a) a soberania, a cidadania e a concessão de asilo político. b) construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais, e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. c) a dignidade da pessoa humana, o pluralismo político, a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária e a garantia do desenvolvimento nacional. d) a República Federativa do Brasil possui somente um objetivo que é a promoção do bem-estar social.
Comentário Na atividade 01, você deverá se atentar para o fato de que a soberania é fundamento da República Federativa do Brasil. Ela emana do povo, que a delega aos representantes políticos por meio do voto. Aliás, o exercício do voto está ligado à soberania, mas é um exercício da cidadania, que trata do direito de votar e ser votado. Embora haja alguns requisitos para ser votado, a nossa Carta Magna estabelece o sufrágio universal, que é o direito de todos os cidadãos capazes de votar. A soberania é plena, não existe meia soberania. Na atividade 02, você deve observar quais são os objetivos da República Federativa do Brasil. Para tanto, leia novamente o item que trata desses objetivos neste Caderno de Conteúdos e Atividades.
Síntese do tema Neste tema, conhecemos os princípios fundamentais que regem a República Federativa do Brasil, presentes nos art. 1º ao 4º da CF/88.
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Informações para o próximo tema No
próximo
terma,
você
conhecerá
fundamentais previstos na Constituição Federal.
82
os
direitos
e
garantias
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Tema 08
Direitos e Garantias Fundamentais Meta do tema Apresentação dos direitos e garantias fundamentais, previstos na Constituição Federal.
Objetivos Esperamos que, ao final deste tema, você seja capaz de: •
Conhecer os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, bem como seus significados.
Pré-requisitos Para compreender este tema, você deverá ler novamente o tema 07 deste Caderno de Conteúdos e Atividades.,
Introdução Caro aluno, Para que os fundamentos da República Federativa do Brasil, estudados no tema anterior, se expressem na sociedade, precisamos de uma constituição que garanta os princípios básicos para o convívio social. Assim é que a nossa Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no Título II, os direitos e garantias fundamentais do nosso país. São eles: os direitos e deveres individuais e coletivos; os direitos sociais; a nacionalidade; os direitos políticos; e os partidos políticos. Moraes (2006, p. 25) afirma que o povo soberano delega o poder aos seus representantes, mas esse poder é limitado. São os direitos e garantias fundamentais que limitam o poder dos representantes do povo. Os direitos de defesa dos cidadãos podem ser vistos sob uma dupla perspectiva: Mas nem sempre foi assim. Infelizmente, os direitos e garantias fundamentais foram inclusos no rol de direitos constitucionais recentemente, no mundo todo. Também não foram inclusos todos de uma vez: houve uma
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evolução dos direitos classificados como “fundamentais”. É o que vamos estudar agora.
Evolução e classificação A preocupação com os direitos fundamentais do homem é obra jurídica recente. Hoje, a gama de direitos que possuímos, garantidos pela constituição como fundamentais, é imensa. Esses direitos tidos como fundamentais foram incluídos nesse rol aos poucos. Por força da influência da Revolução sa, que pregava os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, a doutrina classifica essa evolução dos direitos e garantias fundamentais em gerações, baseando-se nesses ideais. A Primeira Geração traz os direitos ligados à idéia de liberdade. Foram os primeiros direitos do homem reconhecidos como fundamentais. Motta (2006, p. 68) afirma que “necessariamente estão inseridos no texto constitucional e decorrem da evolução do direito natural, sofrendo decisiva influência dos ideais iluministas”. A Segunda Geração vem das lutas sociais e trata dos direitos sociais, culturais e econômicos que decorrem dos direitos de primeira geração. Vieram, portanto, depois da existência daqueles. Esses direitos surgem justamente da necessidade de igualdade entre as pessoas de uma mesma sociedade. Portanto, consagra-se a idéia iluminista de igualdade. Esses direitos se materializam por meio do trabalho, da assistência social e do amparo à criança e ao idoso (MOTTA, 2006, p. 68). A Terceira Geração consagra o ideal de fraternidade. Motta (2006, p. 69) afirma que os direitos da terceira geração são aqueles que se preocupam com o destino da humanidade. Assim, estão inclusos nesse rol os direitos de defesa do meio ambiente, de desenvolvimento econômico e a defesa do consumidor. Esses direitos são os chamados “direitos difusos”, previstos em nossa Constituição Federal. Existem ainda, para alguns doutrinadores, a quarta e a quinta geração. Essas são gerações contemporâneas, uma vez que tratam dos direitos relativos à manipulação genética (quarta geração) e dos direitos relativos à cibernética, à realidade virtual (quinta geração). Observe que essas duas últimas gerações tratam do que há de mais moderno em nossa sociedade, por isso mesmo não são assim considerados por toda a doutrina, já que muitas constituições – inclusive a nossa – não tratam desses direitos como fundamentais. Ademais, são direitos que estão sendo exaustivamente discutidos pela sociedade. Muitos nem os consideram “direitos”, e muitos assuntos em torno deles não foram totalmente disciplinados juridicamente, como, por exemplo, a exploração de embriões humanos.
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A classificação dos direitos e garantias fundamentais saem justamente dessa evolução de direitos. Silva (2006, p. 183) classifica-os, quanto ao conteúdo, em: a) direitos fundamentais do homem-indivíduo; b) direitos fundamentais do homem-nacional; c) direitos fundamentais do homem-cidadão; d) direitos fundamentais do homem-social; e) direitos fundamentais do homem-membro de uma coletividade; f) direitos fundamentais do homem-solidário. Essa última classe, para ele, advinda dos direitos de terceira geração. Dessa divisão, Silva (2006, p. 184) e Motta (2005, p. 67) classificam os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 em cinco grupos: a) direitos individuais – art. 5º: delimitam a esfera da autonomia dos indivíduos, estabelecendo as áreas onde estão a salvo da interferência do Estado e mesmo de seus pares; b) direitos à nacionalidade – art. 12: definem a forma de obtenção, exercício e perda da nacionalidade; c) direitos políticos – art. 14 a 17: definem a forma de participação no exercício do poder político; d) direitos coletivos – art. 5º: representam os direitos do homem enquanto integrante de uma coletividade; e) direitos solidários – art. 3º e 225. Para Motta (2006, p. 67), a quinta classificação não é de direitos solidários e sim de direitos sociais, que ele define como sendo os direitos que regulam as relações sociais e culturais, dividindo-se em direitos sociais propriamente ditos (art. 6º) e direitos trabalhistas (art. 7º ao 9º).
Pare e Pense Leia abaixo os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). Ligados a um profundo humanismo e ao ideal de uma sociedade mais justa e solidária, materializam-se na busca por um meio ambiente equilibrado, na autodeterminação dos povos, na consolidação da paz universal etc. São decorrentes da própria organização social (...) Inequívoca a contribuição dessa geração para o surgimento de uma consciência jurídica de grupo e, consequentemente o
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redimensionamento da liberdade de associação e de outros direitos coletivos.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM Preâmbulo Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, Considerando ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor de pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, Agora, portanto, A ASSEMBLÉIA GERAL proclama A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. Artigo I. Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo II. 1 - Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2 - Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem Governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. Artigo III. Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IV. Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V. Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo VI. Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei. Artigo VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo VIII. Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. Artigo IX. Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo X. Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. Artigo XI. 1. Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias
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necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. Artigo XII. Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. Artigo XIII. 1. Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Todo homem tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar. Artigo XIV. 1. Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas. Artigo XV. 1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade. Artigo XVI. 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Artigo XVII. 1. Todo homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. Artigo XVIII. Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular. Artigo XIX. Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Artigo XX. 1. Todo homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. Artigo XXI. 1. Todo homem tem o direito de tomar parte no Governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo homem tem igual direito de o ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do Governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. Artigo XXII. Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Artigo XXIII. 1.Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. Artigo XXIV. Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas. Artigo XXV. 1. Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social. Artigo XXVI. 1. Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
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menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será ível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. Artigo XXVII. 1. Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 2. Todo homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor. Artigo XXVIII. Todo homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados. Artigo XXIX. 1. Todo homem tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo homem estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas. Artigo XXX. Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.
Atividade Agora que você conheceu a Declaração Universal dos Direitos do Homem, compare-a com a nossa Constituição Federal e identifique quais os artigos dessa declaração estão presentes na nossa Constituição Federal de 1988.
Comentário Para desenvolver essa atividade, leia atentamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como o Título II da nossa Carta Magna, estabelecendo um paralelo entre as duas. Dessa maneira você conseguirá identificar quais os artigos estão presentes em ambas. Depois, para melhor gravar o conteúdo até agora estudado, identifique a qual geração pertencem os artigos identificados por você na Constituição Federal.
Direitos Individuais e Coletivos 1. Direitos Individuais Os direitos individuais são aqueles que afetam diretamente o indivíduo, em particular (MOTTA, 2006, p. 70). Silva (2006, p. 176) define direitos individuais como sendo os direitos do indivíduo isolado. É terminologia empregada
para
“denominar
um
grupo
dos
direitos
fundamentais,
correspondente ao que se tem denominado direitos civis ou liberdades civis”, embora, para ele, essa terminologia esteja ultraada e deva ser evitada.
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Embora o art. 5º possua 78 incisos, os direitos individuais são apenas cinco: direto à vida, direito à liberdade, direito à segurança, direito à igualdade e direito à propriedade. Todos esses incisos são variações desses cinco direitos fundamentais. Silva (2006, p. 190) não concorda com essa opinião, uma vez que, para ele: O artigo assegura “a inviolabilidade do direito à vida nos termos seguintes (...)”, mas, nos termos seguintes, constantes dos incisos e parágrafos, nada mais se diz sobre a vida, a não ser a inviolabilidade da vida privada, que não é direito à vida, mas direito à privacidade.
Essa não é a opinião da maioria da doutrina. Motta (2006, p. 72) afirma que: Os setenta e sete incisos que se seguem ao caput são apenas variações destes cinco direitos, de forma que existem “n” variações do direito à vida, como a proteção à intimidade, a proteção à integridade física, a vedação ao tratamento desumano etc.
2. Direitos Coletivos Os direitos coletivos são aqueles que amparam um determinado grupo de pessoas que buscam a satisfação de um direito que a todas pertencem (MOTTA, 2006, p. 70). Assim, são direitos coletivos o direito de associação e de reunião, o direito de entidades associativas de representar seus afiliados e o direito de receber informações de interesse coletivo. Os direitos coletivos, na verdade, se confundem com os direitos sociais, previstos no art. 6º. A proposta inicial, na Constituinte era o de elaborar um capítulo disciplinando, especificamente, os direitos coletivos, o que não foi feito. O Poder Constituinte, que elaborou a CF/88 juntou esses direitos com os individuais e espalhou-os por toda a constituição, confundindo-os com os direitos sociais e com os direitos difusos. 3. Características dos direitos individuais e coletivos Os
direitos
individuais
e
coletivos
possuem
determinadas
características que os diferenciam dos demais direitos do homem. Silva (2006, p. 180) amplia essas características a todos os direitos fundamentais. Sendo assim, os direitos difusos, os direitos sociais, os direitos à nacionalidade e os direitos políticos também teriam essas características. Essa também é a nossa opinião, uma vez que desconsiderar, nos dias de hoje, os direitos sociais e difusos, é um verdadeiro retrocesso à época da barbárie. São os direitos sociais e difusos que garantem o bom convívio entre os indivíduos e o bemestar social. Mas como a maioria da doutrina relaciona as características dentro dos direitos individuais e coletivos, vamos conhecê-las agora. a) Imprescritibilidade: esses direitos podem ser usufruídos a qualquer tempo, não sofrem prescrição. São direitos que não sofrem corrosão com o tempo (MOTTA, 2006, p. 74). 89
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b) Inalienabilidade: significa dizer que esses direitos não podem ser vendidos, doados ou renunciados pelo seu titular. Silva (2006, p. 181) afirma que “são direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial”. c) Universabilidade: são direitos universais porque são reconhecidos em todo o mundo, tanto interna quanto externamente. d) Fundamentais: Motta (2006, p. 74) afirma que esses direitos são fundamentais porque “transcendem a Constituição brasileira, encontram fundamento na Declaração dos Direitos do Homem e buscam preservar a dignidade da pessoa humana”. e) Petrificados: no sentido de que, para retirá-los do texto constitucional, é necessário elaborar uma nova Constituição. Esses direitos não podem sofrer alterações de cunho restritivo, “porque não item emendas tendentes, ainda que remotamente, a aboli-los, não sendo possível por obra do legislador infraconstitucional reduzir-lhes o alcance” (MOTTA, 2006, p. 74). 4. Direito à vida Moraes (2006, p. 30) afirma que o direito à vida “é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”. Assim, tratamos de direito à vida tanto quando se fala no direito de permanecer vivo, quanto ao direito de viver dignamente. Nesse sentido, Silva (2006, p. 197) afirma que: Vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. (...) Tudo que interfere em prejuízo desse fluir espontâneo e incessante contraria a vida.
O direito à vida é inerente ao homem. É um direito histórico, que sempre esteve presente em nosso ordenamento. 5. Direito à liberdade A liberdade como princípio constitucional não se refere apenas à liberdade de locomoção, mas também à liberdade de pensamento, à liberdade de consciência, de crença religiosa e de convicção filosófica ou política. Nesse sentido, Silva (2006, p. 234) afirma que o direito não trata apenas da liberdade objetiva, que é a liberdade de fazer e de atuar. O certo é falar em “liberdades”, dividindo-as em cinco grupos: - Liberdade da pessoa física: de locomoção e de circulação; - Liberdade de pensamento: de opinião, de informação, religiosa, artística etc. 90
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- Liberdade de expressão coletiva: de reunião, de associação; - Liberdade de ação profissional: livre escolha e de exercício de trabalho, ofício e profissão; - Liberdade de conteúdo econômico e social: livre iniciativa, livre comércio, autonomia contratual, de ensino e de trabalho. 6. Direito à igualdade O direito à igualdade está presente na constituição em dois sentidos. O primeiro, no art. 5º, caput, quando afirma que “todos são iguais perante a lei”, é o sentido formal. Significa dizer que todos nós somos iguais, devendo possuir igualdade de tratamento pela lei. O segundo sentido é o material, no sentido de tratar “desigualmente os desiguais”, igualando-os aos outros. Essa igualdade material está espalhada por todo o texto constitucional. Um bom exemplo é a proteção aos direitos do consumidor, garantido constitucionalmente, no sentido de que o consumidor é a parte presumidamente mais fraca da relação comercial e, portanto, merece ter tratamento diferenciado para se colocar em pé de igualdade com o produtor/comerciante. Para Aristóteles, a idéia de igualdade está diretamente ligada à idéia de justiça. É ele quem define justiça como sendo “dar a outrem o que lhe é devido segundo uma igualdade”. 7. Direito à propriedade O direito de propriedade surge no direito romano, que institui o direito à propriedade privada. Desde então, os ordenamentos jurídicos ocidentais trazem o direito de propriedade como direito fundamental. A nossa Constituição Federal trouxe uma inovação: ao antigo direito de propriedade privada, ela vinculou o princípio da função social da propriedade, que consiste no dever de explorar a propriedade, sob pena de perdê-la a outrem. Isso porque hoje, a preocupação com a exploração sustentável da propriedade é muito maior. E no Brasil, essa preocupação constitucional reflete, também nas normas constitucionais e nas ações governamentais, principalmente para propriedades rurais. Essa preocupação não está apenas nas desapropriações de terras rurais e criação de Projetos de Assentamentos, mas também na tributação progressiva, prevista na constituição, tanto para imóveis urbanos, com o IPTU, quanto para imóveis rurais, com o ITR. Aliás, é importante observar que o ITR tem função extrafiscal, pois seu objetivo maior é garantir a exploração sustentável da terra, produzindo adequadamente e respeitando o meio ambiente.
Direitos Sociais Motta (2006, p. 159) conceitua direitos sociais como “aqueles que se direcionam à inserção das pessoas na vida social, tendo o aos bens que 91
Sobre a relação que Aristóteles faz entre direito, igualdade e justiça, leia novamente o tema 15 do Caderno de Conteúdos e Atividades de Introdução ao Estudo de Direito.
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satisfaçam suas necessidades básicas”. São direitos que visam promover o bem-estar social. Esses direitos estão ligados à segunda geração de direitos fundamentais. Moraes (2006, p. 177) afirma que os direitos sociais são fundamentais do homem: Caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando a concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.
Há várias discussões sobre os direitos sociais. Há doutrinadores que defendem a idéia de que eles não fazem parte das cláusulas pétreas da Constituição Federal e poderiam, portanto, ser modificados ou até excluídos da mesma. Nesse sentido, Motta (2006, p. 159) afirma que “os direitos sociais não são considerados cláusulas pétreas, podendo ser abolidos por emenda constitucional”. Mas há divergências quanto a essa opinião, que vêm sendo amplamente discutidas. Para alguns doutrinadores contemporâneos, os direitos sociais, embora dependam de regulamentação, fazem parte do rol de cláusulas pétreas e não poderiam, portanto, ser retirados da constituição. Isso porque são direitos fundamentais, reconhecidos internacionalmente como tal. Nesse sentido, Silva (2006, p.286) afirma que os direitos sociais são uma dimensão dos direitos fundamentais do homem, possibilitando “melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”. Ora, não cabe, nos dias de hoje, pensar em um país que não contemple e não garanta o cumprimento desses direitos sociais. Nesse rol de direitos fundamentais, estão os direitos do trabalhador e do consumidor. É o homem como cidadão, tendo suas relações hipossuficientes resguardadas e Apátrida: pessoa que não possui nenhuma nacionalidade. Polipátrida: pessoa que possui mais de uma nacionalidade.
amparadas pelo Estado. Dessa maneira, ressaltamos a idéia de que a conquista dos direitos sociais foram marcadas por lutas sociais, tendo seu auge na época da Revolução Industrial. Nessa época, a maioria dos direitos do trabalhador, hoje tidos como fundamentais, foram consagrados. Os direitos sociais são de enorme relevância, mas sempre marcados por ameaças à sua permanência no ordenamento jurídico. Esses direitos estão previstos nos art. 6º a 11 da Constituição Federal de 1988, e tratam da educação, da saúde, do trabalho, da moradia, do lazer, da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e à infância e da assistência aos desamparados.
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Direitos à Nacionalidade Nacionalidade é o vínculo jurídico estabelecido entre o indivíduo e o Estado, tornando-o parte integrante do povo ao Estado. Silva (2006, p.318) afirma que “sociologicamente, é certo que a nacionalidade indica a pertinência da pessoa a uma nação (...) Nacionalidade é o vínculo jurídico-político de Direito Público interno, que faz da pessoa um dos elementos componentes da dimensão pessoal do Estado”. Como adquirirmos a nacionalidade? Temos dois modos de aquisição da nacionalidade: a forma originária e a forma adquirida. a) Originária: também chamada de primária, é aquela definida pelo critério do jus soli ou do jus sanguini. O critério do jus soli, também chamado de critério da territorialidade, é aquele que determina ser nacional aquele que nascer no território nacional. Já o critério do jus sanguini (critério da cosanguinidade) é aquele que determina ser nacional aquele que for filho de nacionais (considera, portanto, a origem de seus ascendentes). O Brasil adota os dois critérios: o jus soli é adotado para todos aqueles que nascem no Brasil, independente de os pais serem brasileiros ou não. E o critério jus sanguini é utilizado para determinar a nacionalidade de filhos de brasileiros que nascem no exterior. b) Adquirida: só podem adquirir a nacionalidade brasileira por meio da naturalização. Esse é o único meio que o nosso ordenamento considerou. A naturalização é um ato da pessoa que deseja se tornar nacional. Pode ser ordinária ou extraordinária. Será ordinária quando for concedida por lei. Ex: o direito de se naturalizar concedido pela CF/88 aos originários de países de língua portuguesa (art. 12, II, “a”). Mesmo assim, o estrangeiro deverá preencher os requisitos exigidos pela lei que concedeu o direito, além de depender de ato do Poder Executivo, declarando a naturalização (esse ato é discricionário). Será extraordinária quando o estrangeiro residir no Brasil por mais de 15 anos ininterruptos, desde que não tenham condenação penal e mediante requerimento. Esse ato não está sujeito a ato do Poder Executivo, pois trata-se de uma manifestação de vontade do estrangeiro interessado.
Atenção! Somente brasileiros naturalizados podem perder a nacionalidade. Brasileiros natos (nacionalidade originária) não perdem a nacionalidade.
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Sobre a nacionalidade, leia o Caderno de Conteúdo e Atividades de Organização Política e Judiciária do Estado.
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Direitos Políticos Os direitos políticos correspondem à possibilidade de participar da vida Sobre os direitos políticos, leia novamente o tema 07 desse Caderno de Conteúdos e Atividades, no item sobre a soberania.
política do país. Compreende tanto a capacidade de votar quanto de ser votado. É forma de exercício da soberania. Moraes (2006, p.207) define direitos políticos: “é o conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania popular”. Compreendem, portanto: a) direito de sufrágio: é a capacidade de eleger e de ser eleito. b) alistabilidade: é o direito de votar em eleições, em plebiscitos e em referendos. c) elegibilidade: é a capacidade de ser votado. d) iniciativa popular de lei: a CF/88 prevê a possibilidade de o povo apresentar projeto de lei para análise do Congresso, desde que cumpridas as exigências da lei 9.709/1998. e) ação popular: a ação popular é um remédio constitucional previsto na CF/88. estudá-lo-emos a seguir. f) organização e participação em partidos políticos.
Garantias constitucionais As
garantias
constitucionais
–
também
chamadas
“remédios”
constitucionais – são os instrumentos colocados à disposição do cidadão para defender seus direitos. Segundo a doutrina, os remédios constitucionais são o direito de petição, o Habeas Corpus, o Mandado de Segurança, o Mandado de Vamos conhecê-los?
Injunção, o Habeas Data e a Ação Popular. 1. Direito de Petição (art. 5º, XXXIV) O Direito de Petição é aquele pertencente a uma pessoa, de invocar a atenção dos poderes públicos para uma determinada questão ou situação (MORAES, 2006, p. 164). Está diretamente ligado à Jurisdição, que é poder do Estado de se manifestar no caso concreto para a resolução de um determinado conflito. Assim, depende de provocação da parte interessada, manifestando expressamente sua vontade em ver o conflito resolvido pelo Estado.
Sobre o Direito de Petição, leia novamente o tema 02 do Caderno de Conteúdos e Atividades de Direito Processual Civil I.
2. Habeas Corpus (art. 5º, LXVIII e LXXVII) Habeas Corpus é uma garantia individual ao direito de locomoção, consubstanciada em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido amplo – o direito do indivíduo de ir, vir e ficar (MORAES, 2006, p. 109).
O habeas corpus é, portanto, um instrumento para garantir a liberdade do indivíduo, seja ela apenas ameaçada (habeas corpus preventivo) ou tolhida (habeas corpus repressivo). O habeas corpus possui natureza de ação penal, já que é nessa esfera que a ameaça ao direito de locomoção ocorre com maior freqüência. Não há 94
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custas processuais para impetrar o habeas corpus. Outra característica interessante é a dispensa de advogado. Isso porque o legislador entendeu que o direito de locomoção é tão importante que qualquer pessoa poderia se utilizar desse instrumento para garantir a liberdade sua ou de outrem. O objetivo do habeas corpus é o de “evitar ou cessar violência ou ameaça na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (MORAES, 2006, p. 111. Grifos do autor). 3. Mandado de Segurança (art. 5º, LXIX e LXX) O Mandado de Segurança poderá ser impetrado toda vez que houver interesse em proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Assim, o Mandado de Segurança é determinado por exclusão, para proteger direito líquido e certo. Se o direito já é líquido e certo, não há que se falar em provas desse direito. Silva (2006, p. 447) define direito líquido e certo como sendo “o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração”. Também só caberá Mandado de Segurança quando houver uma autoridade coatora, que age com abuso de poder. Essa autoridade pode ser pública (de instituições públicas) ou de instituições privadas. A Constituição Federal estabeleceu duas modalidades de Mandado de Segurança: o individual e o coletivo. a) Mandado de Segurança Individual: será utilizado para proteger direito líquido e certo individual. Somente o titular desse direito poderá impetrar essa modalidade de Mandado de Segurança. b) Mandado de Segurança Coletivo: será impetrado por partido político ou por organização sindical, para defender os interesses de seus membros ou associados. 4. Mandado de Injunção (art. 5º, LXXI) O Mandado de Injunção será concedido sempre que a falta de norma regulamentadora
torne
inviável
o
exercício
de
direitos
e
liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. O objetivo do mandado de injunção é conceder à norma constitucional dependente de regulamentação imediata aplicação. Neste caso, o juiz irá estabelecer o cumprimento da norma para o caso concreto. Também irá comunicar o poder Legislativo da falta de regulamentação. Mas em função do princípio da tripartição dos Poderes, não poderá estabelecer multa, por exemplo, ao Poder Legislativo, se ele não fizer a norma. 95
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5. Habeas Data (art. 5º, LXXII e LXXVII) O habeas data será utilizado, de acordo com o art. 5º, LXXII, para: a) assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se puder fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou istrativo. Isso significa que o habeas data será utilizado quando a autoridade istrativa não disponibilizar as informações que são públicas a quem estiver interessado. Mas observe que o habeas data só poderá ser utilizado se não houver nenhum outro meio para conseguir essas informações. Isso significa que se o interessado não tiver, antes, solicitado o documento na istração, não poderá impetrar o habeas data. Atenção: se houver alguma taxa para fornecimento do documento, a mesma deverá ser paga. Não cabe habeas data para entrega de documento que não foi entregue por falta de pagamento do tributo correspondente. 6. Ação Popular (art. 5º, LXXIII) Silva (2006, p. 462) define a Ação Popular como sendo a legitimidade concedida ao povo, ou a parte dele, para pleitear a tutela jurisdicional de interesse que não pertence a um único indivíduo, mas à coletividade. “ela há de visar a defesa de direito ou interesse público. O qualificativo popular prende-se a isto: defesa da coisa pública, coisa do povo”. São interesses coletivos, segundo o art. 5º, LXXIII, o patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural do país e a moralidade istrativa. Observe que a constituição estabeleceu que qualquer cidadão poderá impetrar a Ação Popular. Isso significa que o cidadão é aquele capaz de uso e gozo de seus direitos políticos. Além disso, apenas um cidadão basta para impetrar a ação. O diferencial está no fato de que ele não interpõe a ação por interesse próprio e, sim, por interesse coletivo.
Conclusão Neste tema você conheceu os direitos e garantias fundamentais da República Federativa do Brasil previstos na Constituição Federal. Vimos também que ela estabelece alguns “remédios” constitucionais pára a garantia dos direitos: o direito de petição, o Habeas Corpus, o Habeas Data, o Mandado de Segurança, o Mandado de Injunção e a Ação Popular.
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Atividade final Questão 01. São remédios constitucionais: a) A Ação Popular, o Mandado de injunção, a Soberania e a Cidadania. b) O Mandado de Segurança, o Habeas Corpus, o Habeas Data, o Mandado de Injunção, o direito de Petição e a Ação Popular. c) O Direito de petição, o Habeas Corpus, a Soberania e o Mandado de Injunção. d) Todas as proposições são falsas. Questão 02. Marque a alternativa INCORRETA, quanto aos direitos individuais e coletivos: a) Embora o art. 5º possua 78 incisos, os direitos individuais são apenas cinco. Todos esses incisos são variações dos cinco direitos fundamentais. b) Os direitos coletivos são aqueles que amparam um determinado grupo de pessoas que buscam a satisfação de um direito que a todas pertencem. c) Os direitos individuais e coletivos possuem características peculiares somente a eles, não se podendo estender aos outros direitos fundamentais essas características. d) O direito à vida está regulamentado no art. 5º da CF/88 e diz respeito ao direito de permanecer vivo e ao direito de viver dignamente. Questão 03. São características dos direitos fundamentais: a) Imprescritibilidade e inalienabilidade somente. b) São imprescritíveis, inalienáveis, universais, fundamentais e petrificados. c) Universabilidade e inalienabilidade somente. d) São petrificados somente.
Comentário Na atividade 01, você deverá lembrar quais são os remédios constitucionais previstos no art. 5º da Constituição Federal de 1988. Os remédios
constitucionais
são
instrumentos
utilizados
para
garantir
o
cumprimento dos direitos fundamentais previstos na constituição. Na atividade 02, você deverá se atentar para as características dos direitos individuais e coletivos. É importante que você observe que o direito à vida é concedido pela CF/88 não apenas sobre o direito de permanecer vivo, mas também sobre o direito de viver dignamente. Observe também que as características dos direitos fundamentais se estendem a todos os direitos fundamentais. Na atividade 03, observe as características dos direitos e garantias fundamentais, lembrando que essas características, apesar de as termos 97
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estudado no item referente aos direitos individuais e coletivos, se estendem a todos os direitos fundamentais.
Síntese do tema Neste tema, conhecemos os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros, previstos na Constituição Federal de 1988.
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