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Revisão: Márcia Santos
Capa: Matheus de Alexandro
Diagramação: Vinicius Torquato
Edição em Versão Impressa: 2021
Edição em Versão Digital: 2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
M482d Doutrina brasileira do habeas corpus: um estudo de história do direito / Vitor Tadeu Ca
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À minha avó, Maria Magdalena de Souza Carramão, que sempre me ensinou a importância do estudo e trabalho para uma vida digna. Aos meus pais, Osvaldino e Aidê, e a minha irmã, Verônica. À Isabela, na esperança que esta compreenda que certos vínculos são eternos, porque são fundados no amor.
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar, a quem tudo devo. Ao Prof. Fábio Correa de Souza, meu orientador, por sua constante atenção, generosidade e paciência no decorrer da orientação. À Ângela Jorge Tadros, que efetuou toda a revisão textual e gramatical, bem como me auxiliou muito na pesquisa. Ao eterno amigo de graduação, também doutor, Guilherme Cruz de Mendonça, que colaborou com a leitura do texto e suas opiniões acadêmicas. À Procuradoria da Fazenda Nacional, instituição da qual faço parte desde 2003, e que por decerto contribui muito para a justiça fiscal em nossa República e à Escola da AGU, que me contemplou com uma bolsa parcial de doutoramento. Aos meus ex-alunos da Faculdade Itaboraí/CNEC, que muito contribuíram para com a evolução deste trabalho durante as discussões nas aulas de graduação.
“Em 1889 o Brasil se diferenciava muito do que é hoje: não possuíamos Cinelândia nem arranha céus; so bondes eram puxados por burros e ninguém rodava em automóvel, o rádio não anunciava o encontro do Flamento com o Vasco, porque nos faltavam rádio, Vasco e Flamengo: na Estrada de Ferro Central do Brasil morria pouca gente, pois os homens, escassos, viajavam com moderação; existia o morro do Castelo, e Rio Branco não era uma avenida- era um barão, filho de visconde. O visconde tinha sido ministro e o barão foi ministro depois. Se eles não se chamassem Rio Branco, a avenida teria outro nome. As pessoas não voavam, pelo menos no sentido exato deste verbo. Figuradamentte, sujetos sabidos, como em todas as épocas e em todos os lugares, voavam em cima dos bens dos outros, é claro mas positivamente, a mil metros de altura, o voo era impossível, que Santos Dumont, um mineiro terrível, não tinha fabricado ainda o primeiro aeroplano, avó dos que por aí zumbem no ar.” ( Graciliano Ramos , Pequena História da República )
SUMÁRIO
FOLHA DE ROSTO
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
EPÍGRAFE
PRÓLOGO
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO: PREMISSAS METODOLÓGICAS
1. FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA HISTÓRIA DO DIREITO 1. Conceitos de História e de História do Direito 2. Metodologia da História do Direito 3. História do direito no Brasil
4. Considerações sobre a história do direito brasileiro 4.1 O direito no período colonial 4.2 Breve histórico das Constituições brasileiras
2. INSTITUIÇÕES JURÍDICAS DO IMPÉRIO: SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PODER MODERADOR E CONSELHO DO ESTADO 1. O Supremo Tribunal de Justiça 2. O Poder Moderador na Constituição de 1824 3. O Conselho de Estado
3. A CONSTITUIÇÃO DE 1891: HISTÓRIA E ASPECTOS PRINCIPAIS 1. Governo Provisório 2. Principais alterações promovidas pela Carta de 1891 2.1 Separação de poderes 2.2 Dualidade Justiça Federal/Estadual 2.3 Direitos individuais
4. CRIAÇÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: JUDICIARISTAS E ANTIJUDICIARISTAS 1. Origens da jurisdição constitucional e do judicial review 2. Criação da jurisdição constitucional e do Supremo Tribunal Federal 3. Judiciaristas e antijudiciaristas na Primeira República
5. ESTADO DE SÍTIO, QUESTÕES POLÍTICAS E A DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS 1. Estado de sítio 2. A doutrina das questões políticas 3. A doutrina (genuinamente) brasileira do habeas corpus 3.1 Considerações sobre o conceito de mutação constitucional 3.2 Panorama do instituto do habeas corpus e seu desenvolvimento no direito brasileiro 3.2.1 O habeas corpus no Brasil Império 3.2.2 O habeas corpus na Primeira República 3.2.3 Julgamentos históricos 3.2.4 Outros julgados em habeas corpus pelo STF (1910-1926) 4. Reformas de 1926 e o fim da doutrina do habeas corpus 5. Posições doutrinárias sobre a doutrina brasileira do habeas corpus
6. A CONSTITUIÇÃO DE 1934 E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 1. Origens históricas 2. Principais alterações da Carta de 1934 2.1 Separação de poderes 2.2 Poder Judiciário
2.3 Mandado de segurança 2.4 Direitos individuais 3. Judicial review: julgamentos históricos 3.1 Habeas corpus n. 26178 (imunidades parlamentares e estado de sítio) 3.2 Mandado de segurança 111 (Aliança Nacional Libertadora) 3.3 Habeas corpus n. 26155 (caso Olga Benário) 3.4 Intervenção do Estado no domínio econômico (Mandado de Segurança 333)
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
PÁGINA FINAL
PRÓLOGO
A obra em questão equivale, com algumas pequenas modificações, à minha tese de doutoramento, junto ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá (ESA). Meu interesse pela história constitucional brasileira, desde a época de graduação, me levou a pesquisar e sistematizar o que se convencionou chamar doutrina brasileira do habeas corpus na Primeira República. Sempre me questionei o ensino do Direito Constitucional nas faculdades brasileiras excessivamente pautado por modelos estrangeiros, a despeito de nossa ria história constitucional. A obra, então, busca resgatar, mediante um trabalho de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, a jurisprudência brasileira do Supremo Tribunal Federal no período da primeira Constituição republicana. Embora esta se pautasse no modelo norte-americano, que pouco ou nada tinha a ver com a nossa realidade coronelista, julgados interessantes da Corte Suprema buscavam conferir alguma proteção aos direitos individuais, em face das arbitrariedades do Poder Executivo, mediante ampliação interpretativa do escopo do instituto do habeas corpus. O trabalho busca situar a doutrina do habeas corpus como controle de constitucionalidade (judicial review) em seus primórdios no direito brasileiro, ando também pela jurisprudência sob a Constituição de 1934, de curtíssima duração mas que deixou também importante contribuição doutrinária e jurisprudencial. Resgatar o estudo da História do Direito brasileiro é uma das propostas do presente trabalho. Ao leitor que se dispõe a fazê-lo, desejo uma excelente leitura.
PREFÁCIO
Esta é a publicação da tese de doutorado de Vitor Tadeu Carramão Mello, intitulada Doutrina brasileira do habeas corpus: judicial review na primeira república? A tese foi defendida no programa de pós-graduação em direito da Universidade Estácio de Sá (PPGD/Unesa) perante banca composta pelo Prof. Cláudio Carneiro Bezerra Pinto, do PPGD do Centro Universitário Guanambi (PPGD/UNIFG), pelo Prof. Daniel Braga Lourenço, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do PPGD/UNIFG e pelos Profs. Gustavo Silveira Siqueira e Rafael Mario Iorio Filho, do PPGD/Unesa, além de mim, na condição de presidente. Vitor Mello, procurador da fazenda nacional, ingressou no doutorado da Unesa vindo do doutorado da Universidade Gama Filho por ocasião da extinção desta instituição. Sempre dedicado, atencioso e animado, Vitor deu sequência ao seu curso de doutoramento, venceu dificuldades pessoais e professionais e, em meio à pandemia da COVID-19, apresentou a sua tese em julho de 2020, evento que, como tantos outros, aconteceu por intermédio de plataforma digital em razão do distanciamento social. O autor faz uma análise de história do direito, especialmente da história do direito constitucional brasileiro, e, assim, aponta a implantação do judicial review, no Brasil, a partir da primeira constituição republicana e com esteio na produção concernente ao habeas corpus. Isto a despeito da doutrina das questões políticas e de outras resistências. O estudo tem por foco a constituição de 1981 e a constituição de 1934. O presente livro realça como é importante conhecer a história, como é relevante conhecer as constituições anteriores para a melhor compreensão da constituição atual, o quanto a experiência anterior contribui para o entendimento do ambiente fático-normativo contemporâneo. Como os institutos e as ideias vão se moldando ao longo do tempo. Conforme o autor registra, a percepção de desvalorização das vivências constitucionais precedentes, em função da classificação destas constituições como semânticas ou nominais, não pode levar
a se imaginar que a carta de 1988 é o marco zero ou que pouco se tenha produzido de maior valia sob a vigência dos sistemas constitucionais de então. A tese de Vitor Mello merece ser lida por trazer à reflexão como arranjos institucionais, circunstâncias fáticas e normativas, convergem para explicar o controle judicial de constitucionalidade, a própria supremacia da constituição, os direitosfundamentais, de modo a contribuir para a percepção dos dilemas, desafios e problemas hodiernos, quando se segue discutindo a separação de poderes, a doutrina dos atos políticos subsiste mediante certa noção de discricionariedade, a eficácia jurídica e social dos direitos, quando o projeto de fazer da constituição de 1988 uma constituição normativa permanece em construção, sob ameaças, avanços e retrocessos. Trata-se de um trabalho contínuo. E é tributário da história. E pode justificá-la. Boa leitura!
Visconde de Mauá, Bocaina de Minas, Santa Clara, verão de 2021.
Fábio Corrêa Souza de Oliveira Professor do PPGD/Unesa, da UFRJ e Diretor do PPGD/UNIFG
INTRODUÇÃO: PREMISSAS METODOLÓGICAS
Conforme leciona Richard Posner, o direito é, de todos os saberes, aquele mais voltado para a história e para o ado. O direito venera a tradição, o precedente e as práticas antigas.¹ No entanto, o ensino da disciplina História do Direito vem sendo um tanto negligenciada pelas universidades brasileiras, quando muito relegada a um semestre ou a uma disciplina optativa. Não se pretende questionar aqui a importância da doutrina estrangeira, e, em se tratando de Direito Constitucional, da doutrina norte-americana, alemã e portuguesa, constantemente invocada pelos constitucionalistas pátrios. No entanto, a história constitucional da Primeira República e das duas primeiras Constituições republicanas (1891 e 1934) é muito rica em discussões sobre jurisdição constitucional e controle de constitucionalidade (embora ainda não se usasse exatamente tal termo), intervenção federal, habeas corpus e estado de sítio. Os escritos deixados por juristas como Rui Barbosa, João Barbalho, Alberto Torres, Epitácio Pessoa, Pedro Lessa, Carlos Maximiliano e Oliveira Vianna perfazem uma verdadeira teoria constitucional brasileira que em nada fica devendo à teoria norteamericana ou alemã, conforme leciona o Prof. Christian Edward Cyril Lynch.² Recentemente foi suprida uma lacuna com a publicação da obra do professor Carlos Guilherme Francovich Lugones, intitulada As bases da intervenção federal no Brasil: a experiência da Primeira República. Na referida obra, fruto de tese de doutoramento, o autor analisa meticulosamente o instituto da intervenção federal na Primeira República e como ele foi utilizado para servir a neutralizar instabilidades políticas nos Estados.³ Trata-se de instituto pouco estudado pela doutrina, cuja análise histórica revelase importante para a sua compreensão na contemporaneidade. O controle de constitucionalidade, no entanto, é instituto amplamente difundido na jurisprudência e estudado na doutrina brasileira, principalmente após a Constituição de 1988, conquanto fosse entre nós previsto desde a Carta
Republicana de 1891. Para se fazer a análise histórica de um instituto jurídico, faz-se mister compreender o contexto político da época e analisá-lo à luz destas circunstâncias. Na época das Cartas de 1891 e 1934 certos conceitos como direitos fundamentais, jurisdição constitucional e até mesmo controle de constitucionalidade não estavam devidamente construídos, o que significa ser impossível entendê-los com base numa concepção hodierna principalmente pós 1988. Conforme leciona o Prof. Christian Lynch, a doutrina hegemônica na época, crente em uma distinção mais ou menos clara entre política e direito, sustentava haver competências puramente políticas do Legislativo e do Executivo, acerca das quais não cabia ao Poder Judiciário se pronunciar: eram as questões políticas. A oposição mais ampla entre conservadores e progressistas se refletiu, no campo do direito constitucional, em uma oposição entre antijudiciaristas, ciosos da autoridade e independência dos dois poderes propriamente políticos e judiciaristas, que defendiam a garantia dos direitos fundamentais e eleições limpas pelo Judiciário eram essenciais para a manutenção da República e democracia.⁴ Assim sendo, a principal discussão na época, hoje mais que pacificada, reside na possibilidade de o Judiciário anular atos do Executivo e do Legislativo Federal, quando eivados de inconstitucionalidade, o que constitui a gênese da ideia de judicial review. Utiliza-se, na tese, a expressão do direito norte-americano, uma vez que este foi fonte de inspiração para os autores brasileiros da época. Aqui se vai buscar como unidade disciplinar as origens do judicial review no direito brasileiro, e como este se refletiu no direito brasileiro, por meio da doutrina brasileira do habeas corpus, entendida esta como um instrumento de proteção dos direitos individuais pelo Poder Judiciário ante o autoritarismo e coronelismo reinante. É um programa de trabalho semelhante àquele que preocupava os fundadores da Escola dos Annales ao libertar a historiografia sa da sua forma clássica, imprescindível, é certo, mas que dificultava novas abordagens dos fenômenos históricos, sociais e por isso mesmo jurídicos, limitando uma criação que precisava escapar ao colonialismo para fazer-se mais útil à humanidade.
Se houve alguma tentativa de inovar e contribuir com o desenvolvimento do trabalho em questão, por certo isto se deu por meio de uma abordagem interdisciplinar entre o direito e a história e a eleição do tema em questão, uma vez que a doutrina e jurisprudência do judicial review na Primeira República e na Constituição de 1934 foram pouco estudadas na literatura jurídica nacional, carecendo o direito brasileiro de uma obra sistemática sobre o tema. A análise da doutrina e jurisprudência na presente obra será feita à luz dos juristas pátrios que escreveram sobre o tema à época (1891-1937), analisando-se as diferentes correntes e discussões doutrinárias e como estas repercutiram nas decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal. Do ponto de vista jurídico, busca-se mostrar as origens do judicial review no direito brasileiro por meio de uma jurisprudência que permitiu discutir a judicialização da política e a proteção dos direitos individuais por meio do Judiciário, em um país onde, até 1988, não havia uma democracia plena, mas alternância entre períodos marcados por regimes autoritários e outros com laivos de autoritarismo (como o foi na Primeira República). Do ponto de vista histórico, entende-se que o estudo do ado do direito a a importar justamente para, ao demonstrar as profundas diferenças existentes entre experiências jurídicas do ado e da atualidade, ter a capacidade de relativizar o presente, contextualizar o atual, desnaturalizando-o e colocando-o na contingência e na provisoriedade histórica ao qual ele pertence, conforme lição de Ricardo Marcelo Fonseca.⁵ A República dos Bruzundangas de Lima Barreto produziu instituições e construções jurisprudenciais que em nada deixam a dever às atuais, apesar de pouco estudadas. Para tanto, a título de fundamentação teórica do presente trabalho, faz-se necessário um percurso na metodologia da história do direito, conforme anteriormente mencionado, pouco estudada nas universidades pátrias. O primeiro capítulo trata justamente da importância da história do direito na formação dos juristas e da metodologia que deve ser e será utilizada num trabalho deste jaez. Tal metodologia será empregada ao longo de todo o trabalho. Também serão feitos breves comentários sobre a história do direito no Brasil e a gênese do direito brasileiro no período colonial.
A partir daí, parte-se para o cerne do trabalho. Assentadas tais premissas, de que o estudo do ado oxigena a compreensão do presente, busca-se uma análise de alguns institutos jurídicos do Brasil Império sob a égide da Carta de 1824. Embora o controle de constitucionalidade não existisse formalmente nesta época, as instituições do Supremo Tribunal de Justiça, Poder Moderador e Conselho de Estado tiveram um importante papel nas discussões que se desenharam sob as Constituições posteriores de 1891 e 1934, razão pela qual convém que se faça um estudo destas instituições no capítulo terceiro. A Carta de 1891 é tratada nos capítulos quarto e quinto, inicialmente por suas origens históricas e as principais alterações que promoveu na ruptura com a ordem constitucional anterior, com ênfase na separação de poderes, Poder Judiciário e direitos individuais. Pera por todo o capítulo a oposição entre judiciaristas e antijudiciaristas, que permeou toda a discussão constitucional na Primeira República, haja vista que as questões políticas, entendidas estas como aquelas infensas à apreciação do Poder Judiciário, eram justamente aquelas fundamentais à manutenção do sistema oligárquico. A doutrina brasileira do habeas corpus, singular criação jurisprudencial do STF na Primeira República que permitia uma incipiente proteção judicial dos direitos individuais, também será amplamente estudada no sétimo capítulo, juntamente com o estado de sítio e a doutrina das questões políticas. Por meio da primeira é que se desenvolveu a ideia da possibilidade de o Judiciário anular atos inconstitucionais do Poder Executivo e Legislativo. Com o presente trabalho, intenta-se demonstrar de que forma a doutrina genuinamente brasileira do habeas corpus contribuiu para o desenvolvimento de institutos relativos ao controle de constitucionalidade que vieram a ser incorporados na Constituição de 1934. Antes do seu estudo, neste capítulo, serão tratadas questões relativas ao estado de sítio e questões políticas. Ainda no sétimo capítulo, faz-se uma análise das decisões consideradas históricas do STF no período compreendido entre as Cartas de 1891 e 1934, cotejando-as com a doutrina da época, e perquirindo porque seriam consideradas históricas e quais contribuições tiveram no desenvolvimento do Direito Constitucional brasileiro, principalmente em relação aos institutos do controle de constitucionalidade e proteção aos direitos individuais pelo STF.
Por fim, no oitavo capítulo, é abordada a Constituição de 1934, com a mesma roupagem da de 1891: sua origem histórica, principais alterações por ela trazidas e análise dos julgamentos históricos do STF em habeas corpus e mandado de segurança, instituto incorporado por esta última. Algumas questões revelam-se importantes e pretendem ser respondidas na presente obra, sujeita a constante aperfeiçoamento: 1) De que forma a polêmica entre judiciaristas e antijudiciaristas contribuiu com a evolução da proteção constitucional dos direitos dos cidadãos? 2) A interpretação decorrente da doutrina brasileira do habeas corpus e a jurisprudência respectiva constituíram as bases do judicial review na Primeira República? 3) Como foram produzidas tais discussões em uma sociedade coronelista, patriarcal e marcada por uma grande inefetividade do direito constitucional e quais foram as discussões importantes que permearam os acórdãos do Supremo Tribunal Federal neste período? 4) De que forma o instituto do judicial review foi recepcionado pela Constituição de 1934 e quais foram as alterações por esta introduzidas nesta figura jurídica? A questão central da obra é, portanto, a doutrina brasileira do habeas corpus como judicial review na Primeira República. Entende-se como judicial review a possibilidade de o Poder Judiciário rever atos eivados de inconstitucionalidade do Poder Executivo e/ou Legislativo. Importante será, pois, perquirir as origens do judicial review no direito norte-americano, que foi tomado como base para o seu desenvolvimento deste instituto no Brasil. Por meio deste estudo, também se pretende, ao analisar as questões anteriormente levantadas, atender às finalidades previstas por José Vicente Carvalho de Mendonça e Christian Lynch⁷, em artigo que tratam de uma revisão da doutrina da efetividade e da importância do estudo da história constitucional brasileira, vazada nos termos seguintes:
(…) A Constituição de 1988, para ser bem compreendida, pode e deve ser estudada também à luz de suas antecessoras, sem que isso implique, decerto,
nenhuma interpretação retrospectiva. Há, na atual constituição, comandos herdados de constituições anteriores, e que, naturalmente, já foram interpretados no ado. Tais interpretações merecem ser recuperadas e compreendidas. Seu caráter autoritário, oligárquico ou elitista não condena seu estudo. A função científica da história constitucional não é a de ser exemplar ou não-exemplar; é a demostrar a mutabilidade da noção de constituição; é a de estudar sua relação com o desenvolvimento social e político das sociedades. O papel científico de uma história constitucional brasileira, em especial, deve ser o de revelar como se desenvolve o constitucionalismo num país periférico, orientado obsessivamente pela modernização. A democracia constitucional de 1988 não nasceu ex novo da constituinte, como Minerva da cabeça de Júpiter. Se a democracia é processo sempre inacabado, a história é seu natural reflexo. Para compreender tais questões, e, antes disso, para exercer um neoconstitucionalismo pleno, é preciso mergulhar na história constitucional brasileira, conhecer seus textos, seus comentadores, seus debates.
Notas
1. Posner, Richard. Fronteiras da Teoria do Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2011, p. 167. 2. Lynch, Christian. O retorno da história e a experiência constitucional da Primeira República. Prefácio da obra de Lugones, Carlos Guilherme Francovich. As bases da intervenção federal no Brasil. A experiência da Primeira República. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. 3. Lugones. op. cit., p. 35. 4. Lugones. op. cit., p. 35. 5. Fonseca, Ricardo Marcelo. Introdução Teórica à História do Direito. Curitiba: Juruá Editora, 2010, p. 36.
6. Barreto, Lima. Os Bruzundangas. São Paulo: Martin Claret, 1985. Domínio público. A obra literária satiriza a República brasileira instituída pela Constituição de 1891. 7. Lynch, Christian Edward Cyril; Mendonça, José Vicente Santos de. Por uma história constitucional brasileira: uma crítica à doutrina da efetividade. Revista Direito e Praxis, v. 8, n. 2, 2017, p. 1002.
1. FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA HISTÓRIA DO DIREITO
Entender os fundamentos do nosso objeto de estudo revela-se fundamental para o seu bom desenvolvimento. A historiografia se difere da filosofia, na medida em que esta busca compreender com clara inteligência o universal, o absoluto, o eterno e o imutável, enquanto aquela procura fixar de fato a esfera sempre cambiante e mutável dos fenômenos por meio dos quais procede a marcha da espécie humana, cujos descobrimentos são somente casualmente recordados pelo filósofo.⁸ No âmbito do direito, a história deste busca reconstruir os fatos de um determinado período, enquanto que a filosofia questiona sobre a essência do direito e de seus institutos. Ambas são estudos intimamente ligados ao direito. O trabalho busca uma análise historiográfica de um período específico do direito brasileiro.
1. Conceitos de História e de História do Direito
A História é o estudo do ado humano, o que pode ser feito sob diferentes enfoques. Neste contexto, pode-se fazer uma história econômica, política, social, ou de uma área específica do saber: História da Filosofia, da Medicina, da Educação ou do Direito, dentre outras. Segundo Koselleck, o significado peculiar de História pode ser entendido como uma fórmula geral para um dado movimento circular de caráter antropológico, que remete à relação recíproca entre a História e o conhecimento. O saber jurídico está intimamente ligado à História, posto que se volta para o ado: o advogado e o juiz pesquisam a jurisprudência dos tribunais, o pesquisador e professor do Direito, para uma melhor compreensão de certos institutos, pesquisa a sua evolução histórica, trabalha sobre a realidade como o historiador. Neste ponto, ousamos discordar do jurista italiano Piero Calamandrei, segundo o qual “o advogado trabalha sobre a realidade como o historiador, que recolhe os fatos segundo um critério de escolha preestabelecido, desprezando aqueles que, segundo o seu critério, seriam irrelevantes”.¹ Diferentemente dos advogados, que defendem interesses, o historiador do Direito atua como cientista, pesquisando os fatos históricos, para descrever a realidade tal como ela se mostrou num determinado período, privilegiando um enfoque, seja político, social ou jurídico, dentre outros. Daí, portanto, exsurge a importância do método no estudo da História do Direito. Neste ponto, estamos com Marcelo Rubem Fonseca, segundo o qual a conclusão trivial de que a História do Direito seria, afinal, a simples “reconstituição dos fatos jurídicos do ado”, pode ser severamente questionada e duvidada por vários ângulos. Por isso, ao pensar a História do Direito, deve ser colocada a questão teórico-metodológica dessa disciplina.¹¹ No dizer do comparativista Antônio Manuel Hespanha, a História do Direito é,
de fato, um saber normativo, mas de uma maneira que é diferente daquela em que o são a maioria das disciplinas dogmáticas que constituem os cursos jurídicos. Nas palavras do autor português:¹²
Enquanto que as últimas visam criar certezas acerca do direito vigente, a missão da História do Direito é antes a de problematizar o pressuposto implícito e acrítico das disciplinas dogmáticas, ou seja, o de que o direito dos nossos dias é o racional, o necessário, o definitivo. A História do Direito realiza esta missão sublinhando que o direito existe sempre em sociedade e que, seja qual for o modelo usado para descrever as suas relações com os contextos sociais (simbólicos, econômicos, etc.), as soluções jurídicas são sempre contingentes e, relação a um dado envolvimento (ou ambiente).
A agem acima se aplica bem à doutrina brasileira do habeas corpus e à polêmica entre judiciaristas e antijudiciaristas que permeou as discussões jurídicas durante a Primeira República brasileira, conforme trataremos adiante. Como o direito ainda era muito cerceado pela política, era natural que surgissem novas interpretações e enfoques que visassem a conferir-lhes uma maior efetividade.
2. Metodologia da História do Direito
Como qualquer ramo do conhecimento ao ser estudado, a abordagem deve ser feita com método. Na História do Direito não poderia ser diferente então. Conforme destaca Hespanha, esta disciplina pode tanto servir para problematizar o pressuposto acrítico de disciplinas dogmáticas de que o direito atual é o necessário, o definitivo, ou, ao contrário, servir como discurso legitimador, como no Antigo Regime, onde prevaleceu uma matriz cultural tradicionalista, segundo o qual “o que era antigo era bom”.¹³ Por outro lado, a história jurídica pode servir a um propósito de descobrir o que o jurista português Antonio Pedro Barbas Homem chama o espírito das instituições. Nas palavras do autor:¹⁴
O estudo histórico das instituições implica um projeto hermenêutico e uma específica compreensão metodológica. Utilizo a expressão instituição política para referir, de acordo com o sentido tradicional da historiografia, às grandes organizações do Estado através das quais se exerce a istração e a justiça: cortes, conselhos, tribunais (…)
Identificar uma instituição requer uma precisão conceitual. No dizer de Koselleck, a título exemplificativo:¹⁵
Que elementos estão incluídos na palavra Estado para que ela se torne um conceito? Delimitação, território, burguesia, legislação, jurisdição, istração, impostos, Exército, citando aqui os mais recorrentes. Estes
conteúdos diversos, com sua terminologia própria, mas também com sua qualidade conceitual, estão integrados no conceito Estado e abrigam-se sob um conceito comum. Os conceitos são, portanto, vocábulos nos quais se concentra uma multiplicidade de significados. O significado e o significante de uma palavra podem ser pensados separadamente. No conceito, significado e significante coincidem na mesma medida em que a multiplicidade da realidade e da experiência histórica se agrega.
Os conceitos de jurisdição constitucional, estado de sítio, questões políticas, podem ser compreendidos dentro do Estado, como subconceitos pertencentes a um conceito maior. Importante também é, segundo o autor alemão,¹ analisar os conceitos históricos à luz da realidade histórica da época, sem importar, contudo, com uma interpretação retrospectiva dos institutos atuais. Assim, o que hoje é o controle de constitucionalidade no direito brasileiro nem de longe se assemelha às ideias que se tinham sobre tal matéria no início do século XX. Fundamental o recurso, também, às fontes do direito. John Gillissen divide-as em três sentidos: fontes históricas, reais e formais.¹⁷ Fontes históricas são, para o autor belga, todos os elementos que contribuíram, durante séculos, para a formação do direito positivo atualmente em vigor num determinado país. No nosso trabalho, estudaremos algumas fontes formais do direito brasileiro, a saber, a doutrina e jurisprudência da Primeira República e da Carta de 1934. Estas são fontes do direito, que podem ser acrescidas de outras fontes da história, tais como manuscritos, textos de jornais, discursos parlamentares ou mesmo literatura da época, que também serão pontualmente citadas. A análise das fontes é fundamental, mas ao estudar História do Direito, há que se atentar, como foi dito acima, para não cair em uma interpretação retrospectiva, ou seja, estudar os institutos do ado à luz de conceitos e interpretações do presente. O que se pode chamar de controle de constitucionalidade na Primeira República e na Constituição de 1934 é um pouco diferente do controle constitucional hodierno, vez que as noções de controle concentrado, ação direta interventiva, e mesmo controle difuso incidental como hoje em dia inexistiam no
período em questão. O que havia era uma construção doutrinária semelhante ao judicial review do direito norte-americano, no sentido de proteger direitos individuais em face dos constantes estados de exceção, por meio do Poder Judiciário. Entende-se aqui por judicial review a possibilidade de o Judiciário rever atos inconstitucionais do Executivo e do Legislativo. Ricardo Marcelo Fonseca¹⁸ aponta dois erros comuns em que pode incorrer o historiador do direito: o primeiro, um discurso histórico distanciado do ado e próximo do presente, numa distorção da experiência humana presidida por uma lógica que só faz sentido para o historiador. É o caso de buscar-se os precedentes de instituições jurídicas atuais em épocas nas quais tais instituições nada tinham a ver com o modo como são no presente. A segunda distorção ocorre em mostrar os institutos jurídicos atuais como um resultado consequente da experiência histórica, por meio de um discurso legitimador. Aqui nos servimos das lições de Paolo Grossi:¹
(…) Historicidade significa insularidade; relativa – e óbvio –, mas insularidade. Não por acaso falávamos mais acima de universo jurídico caracterizado por uma extraordinário complexidade. Isso significa que é preciso confrontar regras e formas jurídicas sobretudo com o patrimônio subjacente de valores fundamentais; que a análise deve ser antes de tudo sincrônica, mensurando regras e formas com as forças que circulam no interior do universo; que devemos nos precaver (ou ao menos desconfiar firmemente) de comparações diacrônicas fáceis, demasiado fáceis e simplistas.
Na tese em questão, atentou-se para não incorrer em nenhuma destas imprecisões, uma vez que o judicial review nas Cartas de 1891 e 1934 é analisado à luz da situação política da época, com amparo nos doutrinadores e decisões judiciais contemporâneas a esse período. Mas por que estudar o ado só pelo ado se o trabalho é jurídico? Entendemos que a abordagem histórica pode servir a relativizar certas ideias que se têm na concepção jurídica atual, como, por exemplo, a de que o controle concentrado de constitucionalidade tem uma importância muito maior do que o difuso, quando a história constitucional
brasileira mostra justamente o contrário. Ou mesmo para entender melhor a separação de poderes na República atual, por meio de uma análise de como eram as tensões entre o Executivo e o Judiciário quando este ou a ser teoricamente independente, ao menos na previsão constitucional.
3. História do direito no Brasil
Em solo brasileiro, a história e a cultura, de uma forma geral, não são muito valorizadas. Somos um país que carece de memória, a despeito de toda a sua riqueza cultural. O filósofo Renato Janine Ribeiro aponta, em um artigo, a falta de conexão do brasileiro com o ado e a incapacidade de este aprender com os erros pretéritos, diferentemente do que ocorre em sociedades europeias e até mesmo latino-americanas, como a Argentina e o Chile.² A parca relação do povo brasileiro com a história e o ado pode ser observada na falta de conservação dos museus, bem expressa em interessante agem de Renato Janine Ribeiro:²¹
Poucas semanas antes da eleição de 2018, o fogo destruiu o Museu Nacional, com seu acervo enorme de elementos da natureza e da história brasileiras – e não apenas brasileira, porque incluía uma múmia egípcia. Pouco escapou. Nada justifica dizer que tenha sido proposital, mas a frequência com que museus altamente simbólicos flambam é inquietante. Dos grandes museus que simbolizam a nacionalidade (o Nacional; o Imperial, em Petrópolis; o Paulista, no local em que foi proclamada a independência, em 1822), o primeiro foi-se, o segundo está bem cuidado e o terceiro só escapou porque sua diretora, sem consultar sequer seu chefe, o então reitor da Universidade de São Paulo, decidiu em dia de 2013 fechá-lo, dados os riscos enormes que corriam o prédio e a coleção. O Museu da Língua Portuguesa, moderníssimo, de título altamente significativo, ardeu; por sorte, seu acervo era virtual, mas mesmo assim caro, difícil de reconstruir.
Mas não há uma lógica no modo como as duas principais cidades brasileiras maltratam seus museus? Porque ambas também destruíram seus lugares de nascimentos, seus berços. Em 1922, ano simbólico como poucos, pois se celebrava o centenário de independência, pôs-se abaixo o morro do Castelo, onde em 1567 a cidade tinha sido fundada. O que é abater a origem? Em São
Paulo, o Colégio dos Jesuítas, que dá nome ao Pátio do Colégio em que foi fundada a cidade, em 1554, faz tempo é uma construção fake, copiando a original, mas sem preservar nada de sua materialidade.
Diferente não é com o estudo da história do direito que, na doutrina brasileira mais antiga, teve poucas obras destinadas a esse tema, a despeito de estas poucas serem bastante substanciais e profícuas, talvez pelo fato de que o nosso direito, na fase colonial, consistiu em uma transposição do direito português para terras tropicais. Podem-se citar, como obras historiográficas mais antigas, contemporâneas à primeira Constituição Republicana, as de Agenor de Roure²² e Aurelino Leal.²³ Tais obras, que serão abordadas no decorrer do trabalho, constituem uma verdadeira análise historiográfica do espírito da Constituição de 1891, contraposta a do Império. No período imperial, a obra de Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente, revela-se o primeiro tratado de Direito Constitucional brasileiro.²⁴ Somente com a obra de Paulo Bonavides e Paes Andrade²⁵ é que surge a primeira tentativa sistemática de uma história constitucional brasileira por meio de uma análise das Constituições. Também é bastante profunda a historiografia de Waldemar Ferreira, autor mais conhecido no âmbito do Direito Comercial, mas que tem importante compêndio de História Constitucional do Brasil.² Situar e mapear a doutrina brasileira do habeas corpus, que assentou as bases do judicial review no direito brasileiro, eis o objeto maior do nosso trabalho. O tema em questão é quando muito objeto de nota de rodapé nos manuais e tratados de Direito Constitucional modernos, a despeito de sua importância, dado o esforço do Poder Judiciário à época para proteger alguns direitos individuais com as poucas garantias existentes na Constituição de 1891 e o contexto político da época.
4. Considerações sobre a história do direito brasileiro
A obra trata de questões constitucionais no período da Primeira República e da Constituição de 1934. Por que, então, introduzir este parágrafo sobre o direito no período colonial? A ideia é ter uma breve noção de como surgiu nosso ordenamento jurídico, de forma totalmente exógena, o que justifica a busca por modelos estrangeiros nos períodos posteriores.
4.1 O direito no período colonial
O Brasil, por força da colonização portuguesa, teve transplantado para o seu território uma herança jurídica europeia. Tanto que no período colonial vigoravam, em nosso território, as Ordenações Manuelinas e Filipinas, conjunto de leis esparsas e compiladas do direito português.²⁷ No período colonial, o direito brasileiro teve a mesma origem da cultura em geral, transplantado da metrópole para a colônia, não tendo sido obra da evolução gradual e milenária de uma experiência grupal, como ocorre com o direito dos povos antigos, tais como grego, o assírio, o germânico, dentre outros. ²⁸ Na tradição histórica brasileira, as instituições foram moldadas de cima para baixo e de fora para dentro. Não poderia ser diferente no período colonial, no qual a condição de colonizados fez com que tudo surgisse de forma imposta e não construída no dia a dia das relações sociais. Resta cristalino que o direito pátrio deita suas raízes no direito português, em especial as Ordenações Filipinas, promulgadas em 1603, cujas normas relativas ao direito civil vigoraram até 1916,² ano da promulgação do primeiro Código Civil Brasileiro. No tocante à organização do Poder Judiciário, no período colonial, como o que aconteceu com o governo em geral, esta deu-se por meio da burocracia e das relações pessoas de parentesco. Os magistrados partiam de Portugal a fim de ocuparem os postos no Poder Judiciário local, mas sempre visando a atender aos interesses da Metrópole.³ Havia, a bem verdade, a figura dos Tribunais da Relação, incipiente organização do Poder Judiciário. Aqui é de se destacar a interessante síntese de Paulo Paranhos:³¹
Incipiente e despida de nacionalismo, a justiça do período colonial, mormente no que se refere ao Rio de Janeiro, deixa marcada uma época em que a evolução do
direito parece refrear perante a revolução das ideias, não acompanhando as transformações verificadas em países como Áustria, França, Inglaterra, que, mesmo sob o signo do absolutismo monárquico, e lançavam avançadamente no campo do direito e da prática da justiça social.
Sobre o direito no Brasil colonial, convém trazer à baila lúcida agem de Arno Wehling e Maria José C. M. Wehling:³²
Um dos pilares do exercício do poder e da organização social no Brasil colonial foi a legislação metropolitana. Mas não devemos supervalorizá-la: havia uma abismo entre o país formal, existente nas normas jurídicas públicas e privadas, e o país real da Colônia, onde às leis eram frequentemente inaplicadas ou mal aplicadas, por causa da força dos proprietários rurais e dos comerciantes, além da venalidade dos funcionários. As próprias leis, normalmente editadas sob a pressão de interesses do momento eram, no dizer do historiador João Francisco Lisboa no século XIX, profusas e confusas, facilitando a corrupção e o patronato. Também podiam ser contraditórias, pois inexistia a concepção de um sistema jurídico plenamente organizado. A legislação colonial era um emaranhado de normas. As mais importantes estavam contidas nas consolidações, como foram as Ordenações Afonsinas, vigentes no início do século XVI, as Ordenações Manuelinas, que vigoraram até 1603, e as Ordenações Filipinas, dessa data em diante. Compunham essas consolidações os princípios e dispositivos do direito civil sobre família, sucessões, obrigações, contratos e propriedade, do direito penal e do direito processual.
As instituições políticas dos clãs familiares: personalismo, mandonismo³³, coronelismo³⁴, dentre outras, foram moldadas desde o período colonial e influenciaram profundamente todo o direito do período subsequente, bem como ajudam a explicar a inicial subserviência e posterior fortalecimento do Poder Judiciário perante o Executivo. Refoge ao objetivo do presente trabalho tratar do direito do período colonial e da
Constituição do Império de forma aprofundada. Apenas foi feita uma breve digressão para entender a origem do direito brasileiro. No entanto, o estudo do Poder Moderador na Carta de 1824 e do Conselho de Estado revela-se de suma importância para que seja possível entender a função e importância do Poder Judiciário nas Constituições subsequentes. Não Obstante, a questão que surge é justamente essa: como identificar o espírito da nação em um país de origem colonial, com larga tradição autoritária, oligárquica e coronelista? De forma a conceituar oligarquia, utiliza-se definição de Norberto Bobbio, transcrita abaixo:³⁵
Oligarquia significa etimologicamente ‘governo de poucos’, mas, nos clássicos do pensamento político grego, que transmitiram o termo à filosofia política subsequente, a mesma palavra tem o muitas vezes o significado específico e eticamente negativo de “Governo dos Ricos”, para o qual se usa hoje igualmente um termo de origem grega, “plutocracia.” (…) O termo, bem como o conceito, entraram largamente no uso da ciência política graças à aplicação que Robert Michels fez da teoria das elites, destinada a explicar o fenômeno das minorias governadas no âmbito da ação estatal, à organização dos grandes partidos de massa. (…)
O bacharelismo também constituía importante instituição política da época. Utiliza-se este termo para designar a situação caracterizada pela predominância de bacharéis na vida política e cultural do país, fenômeno que, entre nós, deita raízes em Portugal.³ A obra de Raymundo Faoro também explica o estamento burocrático brasileiro desde a época da colonização até a República.³⁷ Em uma tentativa de responder a esta questão, surgem, na primeira metade do século XX, obras que constituem verdadeiras tentativas de interpretações do Brasil. Os escritos de Sergio Buarque de Holanda³⁸, Gilberto Freyre³ , Celso Furtado⁴ e mesmo Oliveira Vianna constituem variantes dessa indagação, e são fundamentais para o nosso trabalho, a despeito de, por vezes, mitigarem certos aspectos da tradição autoritária brasileira e contribuírem para uma visão idílica
do Brasil como um país sem racismo, cordial e alegre.⁴¹ Seria possível, pois, em meio a todo este ranço de autoritarismo, alijamento da participação popular, que as Constituições brasileiras tivessem um mínimo de efetividade? É justamente aí que entram em cena os institutos do judicial review e direitos individuais. A nosso ver, para que uma Carta Constitucional seja minimamente efetiva, utilizando terminologia de Barroso⁴², ela deve prever e respeitar três institutos principais: separação de poderes, direitos dos cidadãos e controle de constitucionalidade, todos eles interligados entre si. A separação de poderes, desde como preconizada por Montesquieu⁴³, ando pelo sistema de freios e contrapesos norte-americano, evita a concentração de poderes nas mãos de uma pessoa, que gera um evidente autoritarismo. Pois bem: A Constituição do Império previa o Poder Moderador, que em grande parte se sobrepunha aos demais, além de ignorar qualquer forma de judicial review. Por outro lado, a Carta de 1891, inspirando-se na Constituição norte-americana, procurou introduzir, ainda que timidamente, tais institutos em nosso ordenamento pátrio. Os institutos da separação de poderes, controle de constitucionalidade e proteção aos direitos do cidadão foram mantidos na Carta de 1934, de curtíssima vigência. Conforme ressaltado anteriormente, a história não é evolutiva nem linear, por isso, não se presta a legitimar o presente. Entretanto o estudo histórico dos institutos se presta justamente a compreender que o direito é construído ao longo do tempo, e que todos os períodos têm importância na formação de um ordenamento jurídico, a despeito de doutrinas constitucionais pós-1988 em geral julgarem irrelevante toda a produção doutrinária e jurisprudencial em matéria constitucional anterior à Carta atual.⁴⁴ Com efeito, a tradição autoritária brasileira relegou ao ostracismo o estudo das Cartas anteriores. Isso não significa que não tenha havido produções doutrinárias e jurisprudenciais relevantes em matéria constitucional pré-1988, o que esta obra busca, ainda que parcial e pontualmente, resgatar.
4.2 Breve histórico das Constituições brasileiras
“Na acidentada trajetória institucional do Estado brasileiro, o elevado número de Constituições não diluiu sequer a quantidade de emendas e remendos, de boa e má inspiração, que buscaram adaptá-las a um figurino cada vez mais disforme”. A frase de Luis Roberto Barroso⁴⁵, sintetiza bem a ideia da obra que foi pioneira em tratar as Constituições brasileiras sob o prisma da efetividade. Em trabalho anterior, José Afonso da Silva já havia classificado as normas constitucionais sob a ótica da eficácia, ou seja, a partir dos efeitos que elas estão aptas a produzir.⁴ A efetividade se refere ao grau de correspondência das normas constitucionais com a realidade social a elas subjacente. Partindo da classificação ontológica das Constituições de Karl Lowenstein,⁴⁷ Barroso classifica todas as Constituições brasileiras. O referido autor alemão foi o primeiro a elaborar uma classificação das Constituições de acordo com o que elas efetivamente são na prática, de acordo com o seu grau de correspondência com a realidade e não com o que prescreviam, sendo, portanto, uma classificação ontológica.⁴⁸ Dentro desta perspectiva, nas palavras do autor tedesco, Constituição semântica é aquela em que a sua realidade ontológica não é senão a formalização da existente situação do poder político em benefício exclusivo dos detentores do poder fático, que dispõem do aparato coativo do Estado.⁴ Assim, as Constituições brasileiras de 1824, 1937 e 1967 teriam sido puramente semânticas, visto que se limitaram a dar um verniz de legitimidade a regimes puramente autoritários, despidas de qualquer efetividade social. Por outro lado, Constituição nominal é aquela juridicamente válida, mas cuja dinâmica do processo político não se adapta a suas normas, o que não se confunde com a conhecida manifestação de uma prática constitucional diferente do texto constitucional (que seria, essa última, a Constituição semântica).⁵ Em outras palavras, o objetivo da Constituição nominal é, em um futuro mais ou menos não muito longe, converter-se em uma Constituição normativa e determinar realmente a dinâmica do processo do poder em lugar de estar submetida a ela. Esta perspectiva se encaixa como uma luva, para se utilizar termo de Machado de Assis,⁵¹ às Constituições brasileiras de 1891, 1934 e 1946.
Com efeito, o próprio Lowenstein ressalta que a Constituição nominal encontra seu terreno natural em aqueles Estados que o constitucionalismo democrático ocidental se implantou, sem uma prévia incubação espiritual ou maturidade política, em ordem social do tipo colonial ou feudal agrário, despida de uma classe média consciente intelectualmente de si mesma. Nada mais aplicável, portanto, ao Brasil da Primeira República, que evoluiu de uma monarquia para uma oligarquia. O mesmo autor tedesco ressalta que a América Latina continua sendo um terreno tradicional em que se assenta a Constituição nominal, mas com progressos no sentido de um processo normativo.⁵² O professor norte-americano David Ritchie trabalha a expressão pertencimento constitucional (Constitutional Ownership), no original em inglês, que se refere ao nível de pertencimento que um povo deve ter sobre o documento que é base legal e política do Estado-Nação onde vivem.⁵³ Já a doutrina alemã, com a sua peculiar precisão linguística, define a Constituição como uma expressão e forma do autoconhecimento nacional. ⁵⁴ Pois bem, tanto sob o prisma da doutrina moderna norte-americana ou alemã, as Cartas de 1891 e 1934 carecem de pertencimento. Com efeito, a Constituição de 1891 inspirou-se nitidamente na Carta norte-americana de 1787. Na ausência de um modelo nacional, há uma tendência em buscar modelos no estrangeiro, e a República norte-americana serviu de inspiração. Por outro lado, a de 1934 já deita raízes na Constituição de Weimar alemão, posto que, além dos direitos individuais, buscou proteger os direitos sociais. Assim ensina a doutrina tradicional, embora na Primeira República houvesse alguns movimentos intervencionistas, como o Convênio de Taubaté, que interveio na produção do café. Não se pretende, aqui, discordar da aplicação que Barroso fez da classificação de Lowenstein às Constituições brasileiras. De fato, as Cartas outorgadas de 1824, 1937 e 1967 apenas se prestaram a dar uma áurea de legitimidade a regimes autoritários, quais sejam, o Império, o Estado Novo de Vargas e a ditadura militar. O que se observa na obra clássica de Barroso é uma tendência a desconsiderar a produção doutrinária e jurisprudencial anterior à Carta de 1988, colocando a partir desta última toda a doutrina de Direito Constitucional digna de relevância a ser estudada. Nas palavras do autor citado:
A descontinuidade institucional frustra a cristalização de um sentimento constitucional. Entre nós, a ausência de um forte sentimento democrático ou de uma arraigada consciência nacional, como na França, e natural impossibilidade de transplantar-se experiência histórica alheia reserva a via exclusiva da sedimentação jurídica, numa ambição prospectiva nem sempre bem dosada.⁵⁵
Pois bem, a nosso ver, realmente, em uma República onde o povo assistiu a tudo bestializado, no dizer de Aristides Lobo, realmente não havia um sentimento constitucional. Diferente do We the people estudado por Bruce Ackerman⁵ , a proclamação da República brasileira foi um movimento elitista. Mas, no plano exclusivamente jurídico, será que a doutrina brasileira do habeas corpus, a doutrina sobre a intervenção federal e os limites ao estado de sítio, não constituíram tentativas de balizar e aperfeiçoar certos institutos constitucionais que tiveram alguma efetividade? A própria Ana Paula de Barcellos, reconhece, em obra sistematizadora, que a Constituição de 1891 garantiu, de forma geral, os direitos individuais de liberdade e propriedade clássicos, bem como os direitos políticos, além de prever a separação entre Igreja e Estado. A mesma autora ressalta a importância da doutrina brasileira do habeas corpus, ampliando o escopo deste instituto para a defesa contra qualquer ilegalidade ou abuso de poder, tal qual um mandado de segurança.⁵⁷ Na Constituição de 1824, havia o Poder Moderador, que funcionava como uma espécie de aglutinador entre as diferentes tendências políticas liberais e conservadoras. Na Constituição de 1891, havia a previsão de uma jurisdição constitucional, implementada com a criação do Supremo Tribunal Federal e da Justiça Federal, a quem cabia o julgamento inicial das causas de envergadura constitucional. A possibilidade de o Poder Judiciário rever atos do Poder Legislativo e Executivo não era previsto na Constituição, mas, tal qual o judicial review norte-americano⁵⁸, podia ser deduzido da mesma e veio a ser implementada no julgamento de vários casos pelo STF. As Constituições de 1937 e 1967, que se prestaram a mascarar regimes autoritários, foram puramente semânticas, enquanto que a de 1946 seria nominal, eis que continha um projeto de Estado e governo que chegou a ser utilizado no período da redemocratização pós-Estado Novo, com a Constituição de 1946.
Notas
8. Abbagnano, Nicola. Dicionário de Filosofia. Historiografia. México: Fondo de Cultura Econômica, 1986, p. 617. 9. Koselleck, Reinhart. Futuro. ado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC Rio, 2006, p. 97. 10. Calamandrei, Piero. Eles, os juízes vistos por nós, os advogados. São Paulo: Ed. Pilares, 2015, p. 91. 11. Fonseca, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à História do Direito. Biblioteca de História do Direito. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 23. 12. Hespanha, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica europeia. Publicações Europa-América. Mira-Sintra: Mem Martins, 1998, p. 1. 13. Hespanha. op. cit., p. 15-18. 14. Homem, António Pedro Barbas. O espírito das instituições. Um estudo de história do Estado. Coimbra: Almedina, 2006, p. 15. 15. Koselleck, Reinhart. Futuro. ado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC Rio, 2006, p. 109. 16. Koselleck. op. cit., p. 97. 17. Gilissen, John. Introdução histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, p. 25. 18. Fonseca. op. cit., p. 20. 19. Grossi, Paolo. A ordem jurídica medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 11. 20. Ribeiro, Renato Janine. O Brasil voltou cinquenta anos em três. In: Geiselberger, Heinrich (org.). A grande regressão: um debate internacional sobre os novos populismos: e como enfrentá-los. São Paulo: Ed. Estação
Liberdade, 2019. 21. Ibidem, p. 327. 22. Roure, Agenor de. A Constituinte Republicana. Brasília: Senado Federal, 1979. 23. Leal, Aurelino. História constitucional do Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, 1994. 24. Bueno, José Antônio Pimenta. Direito Público e Análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1977. 25. Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1989. 26. Ferreira, Waldemar. História do Direito Constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1954. 27. Apud Lopes, José Reinaldo de Lima. O direito na história. Lições Introdutórias. São Paulo: Atlas, 2014, p. 231-241. 28. Sobre o tema, é interessante a análise de Cristiani, Claudio Valentim. O direito no Brasil colonial. In: Wolkmer, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2009, p. 351. 29. Ibidem, p. 355. 30. Ibidem, p. 357. 31. Paranhos, Paulo. A Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Revista da ASBRAP, n. 2, 1995, p. 32. 32. Wehling, Arno; Wehling, Maria José Cavalleiro. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2005, p. 312-313. 33. Os termos são de Oliveira Vianna. Instituições políticas brasileiras, v. I. Niterói: Ed. Eduff, 1987, p. 150. 34. O coronelismo é profundamente analisado por Vitor Nunes Leal, na obra
clássica Coronelismo, enxada e voto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976. Nessa obra são tecidas inúmeras considerações sobre as fraudes nas eleições municipais brasileiras, p. 23: “Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário deste tipo de liderança é o “coronel”, que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras. Dentro da esfera própria de influência, o ‘coronel’ como que resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes instituições sociais. Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam, Também se enfeixam em suas mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que freqüentemente se desincumbe com a sua pura ascendência social, mas que eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas.” ( grifos do autor) 35. Bobbio, Norberto; Mateucci, Nicola; Pasquino, Gianfranco. Dicionário de Política, v. II. Brasília: Ed. UnB, 2016, p. 835-836. 36. José Wanderley Kozima, Instituições, retórica e o bacharelismo no Brasil, artigo publicado em Fundamentos de História do Direito, Antônio Carlos Wolkmer, (org.) p. 365-385. No conto Teoria do Medalhão, de Machado de Assis, domínio público. 37. Faoro, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro, v. I e II. Porto Alegre: Ed. Globo, 1979. 38. Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, onde se desenvolve a ideia do homem cordial como inato ao brasileiro. 39. Freyre, Gilberto. Casa grande e senzala. Rio de Janeiro: Record, 1979, descreve a formação do povo brasileiro, sob uma ótica da “democracia racial.”, um pouco criticada hodiernamente, mas traz elementos importantes para a compreensão sociológica do Brasil enquanto sociedade de duas classes opostas, senhores e escravos. 40. Furtado, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Ed. Gusmão, 1979.
41. Essa visão idílica do Brasil também é corroborada por Stefan Zweig, autor austríaco que residiu na cidade de Petrópolis, na obra Brasil país do futuro, Editora Guanabara, Waissman, 1953, em que faz uma exortação às paisagens natural do Brasil e ao seu futuro promissor, conforme se depreende da seguinte agem, que parece caricata aos dias atuais: “No Rio a vida pode ser boa para todos. A ideia de que ser rico, de viver em uma dessas casas maravilhosas cercadas de parques e situadas nos outeiros da Tijuca, é muito sedutora. É mais fácil ser pobre aqui do que noutra cidade. O mar é livre para o banho, e a beleza para todos os olhos, as pequenas necessidades da vida custam pouco dinheiro, as pessoas são afáveis e é infinda a multiplicidade das pequenas surpresas diárias que fazem feliz uma pessoa, sem que ela saiba o porquê disso.” 42. Barroso, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1989. 43. Montesquieu. Do espírito das leis. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 50. 44. Sobre o tema é de consultar-se o escólio de Barroso, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. 45. Barroso, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 35. 46. Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 28. 47. Lowenstein, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Editorial Ariel, 1976, p. 465. 48. O radical onto, em grego, se refere ao ser. 49. Lowenstein. op. cit., p. 218. 50. Ibidem, p. 218. 51. O romance machadiano A mão e a luva utiliza esta metáfora para descrever uma relação de casamento por interesse entre a protagonista Guiomar e o seu cônjuge, Luis Alves, na frase final: “Guiomar, que estava de pé defronte dele, com as mãos presas nas suas, deixou-se cair lentamente sobre os joelhos do marido, e as duas ambições trocaram o ósculo fraternal. Ajustavam-se ambas,
como se aquela luva tivesse sido feita para aquela mão” (Assis, 1998,p 120, Atica.). 52. Op. cit., 1976. 53. Ritchie, David. Pertencimento Constitucional. In: Asensi, Felipe Dutra; Paula, Daniel Giotti de (coords.). Tratado de Direito Constitucional; Constituição, Política e Sociedade. v. 1. 54. No original em alemão: Die Verfassuns als Ausdruckforme der nationalen Selbstimmung, Christian Tomuschat and Reiner Schmidt, Der Verfassungsaat im geflecht der internationalen Beziehungen, tradução livre. 55. Barroso. op. cit., p. 48. 56. Ackerman, Bruce. Nós, o povo soberano. Belo Horizonte: Martins Fontes, 2012, p. 5. 57. Barcellos, Ana Paula de. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Forense/Gen, 2008, p. 83. 58. Para uma ampla análise do judicial review norte-americano, consulte-seobra de Corwin, Edward S. The doctrine of judicial review. Its legal and historical basis and other essay. Princeton: Princeton University Press, 1999, que será abordada oportunamente no quarto capítulo. Também para uma análise mais recente do judicial review no direito canadense, recomenda-se a leitura da obra de Hiebert, Janet L. Limiting Rights. The dilemma of judicial review. Montreal & Kingston.: McGill Queen`s University Press, 1996. Ambas as obras serão abordadas no quinto capítulo desta obra.
2. INSTITUIÇÕES JURÍDICAS DO IMPÉRIO: SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PODER MODERADOR E CONSELHO DO ESTADO
Entender o desenho institucional do Estado brasileiro, mediante o espírito das instituições, para utilizar-se terminologia de Antônio Pedro Barbas Homem⁵ , revela-se fundamental em um estudo de História do Direito. A ideia do judicial review (possibilidade de o Poder Judiciário rever os atos inconstitucionais do Poder Legislativo e Executivo) inexistia no Brasil Império sob a égide da Carta de 1824. Segundo Leslie Goldstein, antes da Primeira Guerra Mundial, apenas Estados Unidos e Noruega tinham um tribunal com poder para afastar leis adotadas pela legislatura, e em ambos este tribunal não adveio da Constituição escrita, mas do precedente. Segundo o Barão Homem de Mello, o ato violento da dissolução da constituinte (de 1823) foi um gravíssimo erro político, filho da mais imprudente precipitação, que repercutiu dolorosamente em todo o seu reinado. ¹ No Brasil Império, a Carta de 1824, além de seu caráter semântico, a utilizar-se terminologia de Lowenstein, tinha uma viés nitidamente autoritário e centralizador. Três instituições por ela previstas revelam-se importantes para o nosso estudo. São elas: o Supremo Tribunal de Justiça, o Poder Moderador e o Conselho de Estado.
1. O Supremo Tribunal de Justiça
Como não havia controle de constitucionalidade no Império, por certo que inexistia uma Corte Constitucional nos moldes do Supremo Tribunal Federal. No entanto, ante a existência de um Poder Judiciário após a Independência, naturalmente havia uma Corte Superior denominada Supremo Tribunal de Justiça. Esse Tribunal desempenhava um papel de revista, qual seja, de uniformização da jurisprudência, sem ter um viés de Corte Constitucional. Nos termos do art. 163 da Carta do Império, na Capital,
além da relação que deve existir, haverá também um tribunal com a denominação de Supremo Tribunal de Justiça, composto de Juízes Letrados, tirados das relações por suas antiguidades, e serão condecorados com o título de Conselheiros”. ²
Sobre o Supremo Tribunal de Justiça é de transcrever-se lição do precursor do Direito Constitucional brasileiro, Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente: ³
A instituição do Supremo Tribunal de Justiça, ou corte de cassação, é filha de um alto, de um sublime pensamento, que compôs graves dificuldades, e que conseguiu firmar a ordem e harmonia na divisão dos poderes políticos de acordo com a perfeição e a inteira independência do poder judicial. (…) Era pois essencial, indispensável descobrir um meio, criar uma autoridade que tivesse a alta missão não de ser uma terceira instância, sim de exercer uma
elevada vigilância, uma poderosa inspeção e autoridade, que defendesse a lei em tese, que fizesse respeitar o seu império, o seu preceito abstrato, indefinido, sem se envolver na questão privada, ou interesse das partes, embora pudesse aproveitar ou não a elas por via de consequência.
Da leitura da agem acima, depreende-se que a função do Supremo Tribunal de Justiça era cassar decisões das Cortes inferiores, ou confirmá-las, devolvendo-as, se fosse o caso, para novo julgamento. A ideia de Tribunal Constitucional ainda não existia à época do Império, tão somente a de um tribunal de revista.
2. O Poder Moderador na Constituição de 1824
Em obra de cunho histórico, político e jurídico, Christian Lynch trata, de forma acurada, da agem da monarquia à oligarquia no Estado brasileiro, qual seja, do Império à Primeira República. ⁴ Ressalta o autor que a transição da etapa monárquica para a etapa oligárquica é a consequência, muitas vezes involuntária, do próprio êxito do príncipe na consecução de seus objetivos de criação de uma ordem nacional articulada e integrada. ⁵ A própria estrutura do Império favoreceu a criação de uma oligarquia que seria dominante durante a Primeira República. Quando esta sobreveio, portanto, estava pavimentado o caminho que levaria à substituição do Poder Moderador pela jurisdição constitucional. Refoge, pois, ao escopo do presente trabalho, analisar, sob um prisma histórico, político e sociológico, a transição do Império para a Primeira República. A obra, como se apresentou, é um trabalho de história do direito, que se propõe a analisar as instituições jurídicas da jurisdição constitucional (judicial review) no direito brasileiro da Primeira República. Pois bem, a instituição jurídica mais relevante do Império, para a análise em questão, é o Poder Moderador, utilizado pelo príncipe na consecução de seus objetivos políticos. Conforme o art. 98 da Carta Imperial de 1824, de viés nitidamente autoritário e centralizador,
o Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, para que, incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos. A ideia do Poder Moderador, consoante lição também de Christian Lynch, em outro artigo ⁷, se encontra delineada de sua forma definitiva na obra de Benjamin Constant intitulada Princípios Políticos, publicada em 1814. A grande
preocupação de Constant era com a estabilidade do poder. Vale aqui transcrever as palavras do autor, com sua lúcida análise: ⁸
O Poder Moderador teria aí o papel fundamental de impedir que os outros três poderes, entrando em choque, levassem uns aos outros de vencida, assegurando a estabilidade do Estado liberal e os direitos civis dos cidadãos. Ao contrário de Montesquieu, cuja tese de divisão de poderes foi adotada por todos os países que se pretendem liberais, essa novidade de Constant não foi formalmente adotada por nenhuma das grandes potências que então dominavam o cenário político ocidental.
Não havia, pois, judicial review, no Império brasileiro, a despeito da existência de um Poder Judicial e do Supremo Tribunal de Justiça. O papel da jurisdição constitucional era desempenhado, de forma análoga, por esse quarto poder, o suposto pouvoir neutre (poder neutro) de Benjamin Constant. De forma favorável ao Poder Moderador, é de se invocar doutrina da época, do nosso primeiro constitucionalista em terras pátrias, José Antônio Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente:
Este poder, que alguns publicistas denominam poder real ou imperial, poder conservador, incontestavelmente existe na nação, pois que não é possível nem por um momento supor que ela não tenha o direito de examinar e reconhecer como funcionam os poderes que ela instituiu para o seu serviço, ou que não tenha o direito de providenciar, de retificar sua direção, de neutralizar seus abusos. (…) O destinatário deste grande poder neutro deve estar cercado de todos os respeitos, tradições e esplendor, da força da opinião e do prestígio. (…)
O exercício do poder moderador é quem evita nos perigos públicos o terrível dilema da ditadura ou da revolução; todos os atributos do monarca levam suas previdentes vistas a não querer nem uma nem outra dessas fatalidades, que quase sempre se entrelaçam e reagem.
Da leitura do último parágrafo da agem acima, depreende-se que o Poder Moderador fazia às vezes da jurisdição constitucional que seria implementada na Primeira República, sob a égide da Carta de 1891. Ferrenho monarquista, Pimenta Bueno nasceu a 4 de dezembro de 1803, em São Vicente, então pertencente a Santos. Exerceu vários cargos políticos no Império, dentre os quais deputado provincial em São Paulo, presidente da província de Mato Grosso, magistrado e desembargador do Tribunal da Relação do Maranhão.⁷ Conforme afirma seu biógrafo abaixo citado, é possível concluir que ele foi um precursor do Direito Constitucional, tal como hoje entendido: sua obra, de 1857, nada ficou a dever as da atualidade, embora pouco estudada hodiernamente. Ainda em relação ao Poder Moderador, convém ressaltar que esse detinha atribuições em relação aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, todas previstas no art. 98 da Carta de 1824. No tocante ao Poder Legislativo, o imperador o exercia nomeando os senadores na forma do art. 43 da Constituição, convocando a Assembleia Geral e ordinária nos intervalos das sessões, sancionando os decretos e as resoluções da Assembleia Geral, aprovando e suspendendo interinamente as resoluções das assembleias provinciais e prorrogando, ou aliando a Assembleia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos em que exigir a salvação do Estado (art. 101, § 1 da Constituição Imperial). Um número muito grande de funções extremamente autoritárias, num verdadeiro “parlamentarismo às avessas”. Em relação ao Poder Executivo, o Imperante exercia o Poder Moderador nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado (art. 89, §§ 1 e 2, art. 101, § 1). Essa atribuição é exercida atualmente pelo Presidente da República (art. 84, VI da Carta de 1988). No tocante ao Poder Judicial, o Imperador o exercia suspendendo os magistrados nos casos do art. 154 da Constituição, perdoando e moderando as penas impostas
aos réus condenados por sentença e concedendo anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade e o bem do Estado. As duas últimas atribuições são exercidas atualmente pelo presidente da República (art. 84 da Carta em vigor) e se denominam direito de graça do presidente (conceder indulto e comutar pena). Quanto à primeira atribuição, suspender os magistrados, é mais um indício de autoritarismo, posto que hoje tão bem sedimentada está a garantia da vitaliciedade e inamovibilidade dos magistrados. A análise do Poder Judicial do Império será feita no terceiro capítulo desta obra, ao tratarmos da origem do Supremo Tribunal Federal. Por derradeiro, ainda citando Pimenta Bueno, a sabedoria da Constituição, ao tempo que reconhecia e consagrava a existência do Poder Moderador, reconhecia também que suas atribuições não deviam, à exceção do art. 6, serem exercidas sem prévia audiência do Conselho de Estado, uma garantia para neutralizar inspirações ministeriais porventura convenientes⁷¹. Este poder neutro foi fundamental ao equilíbrio entre os Poderes num Império onde ausente era a jurisdição constitucional, sem a necessidade de decretações constantes de estado de sítio, tal qual na Primeira República. A ideia também se assemelha à defendida por Carl Schmitt no início do século XX, segundo a qual a guarda da Constituição deveria ser feita por um órgão executivo neutro, imbuído de amplos poderes para tanto.⁷² Novamente aqui nos valemos de lição de Christian Lynch, segundo o qual o regime republicano presidencial e federativo transplantara para o Brasil a instituição que, aos olhos dos americanistas, constituía o Poder Moderador das repúblicas federativas: a jurisdição constitucional.⁷³ A jurisdição constitucional seria, portanto, o Poder Moderador da República, conforme lição de Ruy Barbosa e Campos Salles, autores da Primeira República. Mesmo no Império, em 1841, o liberal histórico Teophilo Otoni aludira a um “supremo Poder Moderador” que, detido pela Suprema Corte, teria o poder de declarar a inconstitucionalidade das normas nos Estados Unidos.⁷⁴ Em 1870, foi a vez de Tavares Bastos⁷⁵ definir o Judiciário norte-americano como “o grande Poder Moderador da sociedade”. Importante, pois, a reter, é que, a despeito do seu caráter autoritário (ou mesmo justamente por conta dele), o Poder Moderador pavimentou o caminho para a criação de uma jurisdição constitucional na Primeira República. Conforme leciona o mesmo autor em outro artigo⁷ , durante o Segundo Reinado,
a estabilidade do incipiente Estado de Direito foi garantida pelo modelo político forjado por Bernardo Pereira de Vasconcelos em 1830, denominado “saquarema” por ser obra do Partido Conservador. A pedra de toque deste modelo residia na autonomia do Poder Moderador que assegurava aos partidos políticos alternância no poder, tanto a nível das províncias como do governo local. Esta confiança no sistema da alternância levou os partidos a abrirem mão do recurso às revoltas ou golpes de Estado para alcançarem o poder, o que não ocorreu na Primeira República. Sem dúvida, o vetusto Poder Moderador deu margem a inegáveis autoritarismos. Conforme ressalta Oliveira Vianna, a exacerbação do Poder Moderador levou ao ocaso do Império.⁷⁷ Como o Poder Moderador pertencia ao imperador e estava acima dos outros poderes, não havia responsabilidade institucional para os seus atos. Com a reforma liberal de 1834, de onde redundou o Ato Institucional (Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834), foi concedido maior autonomia às províncias (para legislar sobre organização judiciária, instrução política, polícia, criação de empregos, prisões, etc.)), além da extinção do Conselho de Estado, que foi, no entanto, recriado em 1841.⁷⁸ Este órgão revela-se importante para compreender o desenho institucional do Império antes da criação da jurisdição constitucional, por isso, tratar-se-á dele adiante.
3. O Conselho de Estado
Outro órgão fundamental para entender a dinâmica de Poderes do Império é o Conselho de Estado, entendido por muitos como um quinto poder, fundamental ao exercício do Poder Moderador.⁷ Em um país onde havia escravidão institucionalizada, a despeito de a Constituição não a prever expressamente, é natural que houvesse um órgão que fizesse as vezes de controlar as querelas geradas por esse instituto.⁸ Não que o Conselho de Estado analisasse somente as questões relativas à escravidão, mas é fato que houve uma preponderância destas, conforme se verá. Para bem entender o funcionamento do Conselho de Estado, recorrer-se-á à obra de José Reinaldo de Lima Lopes, que analisa amplamente as decisões do Conselho de Estado no período 1841-1870, bem como a sua importância institucional.⁸¹ A instituição do Conselho de Estado, embora não com a mesma configuração do Brasil Império, existia no Portugal medieval. Menciona-se, a título meramente ilustrativo, que por meio do regimento de 8 de setembro de 1569⁸², de D. Sebastião, pertencem ao Conselho de Estado as coisas que o rei particularmente determinar, as que se prendem com o serviço real e bem do reino, e as coisas de maior importância e qualidade que pertencem à fazenda régia. Esse mesmo órgão vai conhecer novos regimentos nas épocas filipina (1624) e joanina (1645), sintetizadas por Barbas Homem três tipos de intervenções emblemáticas deste órgão em matérias de Estado e soberania: 1) Nos assuntos internacionais. Os documentos dos séculos XVII e XVIII referem-se à consulta do Conselho de Estado nas negociações diplomáticas e em textos normativos relativos às relações internacionais; 2) Na renúncia ao exercício do poder. Com D. Afonso VI invoca-se a audição do Conselho de Estado; 3) Nos impedimentos dos reis. O Conselho de Estado, ao tempo unicamente composto pelos secretários de Estado, deu parecer acerca do notório
impedimento e moléstia da rainha D. Maria I e da sua substituição por D. João.⁸³ No Brasil Imperial, com nítida inspiração no instituto português, este órgão era previsto pelo art. 137 da Carta Imperial, composto de Conselheiros Vitalícios, nomeados pelo imperador, e em número não superior a dez, com as mesmas qualidades que deviam concorrer para serem senadores. Os Conselheiros eram ouvidos em todos os negócios graves e medidas gerais da pública istração, principalmente sobre a declaração de guerra, ajustes de paz, negociações com as nações estrangeiras, assim como em todas as ocasiões em que o Imperador se proponha exercer qualquer das atribuições do Poder Moderador, indicadas no art. 101, à exceção da 6 (nomear e demitir livremente os Ministros de Estado), conforme art. 144 da Carta Imperial. A fim de proceder-se um breve resumo das várias ocasiões em que o Imperador ouviu o Conselho de Estado no Império, procedeu-se a uma consulta da obra de José Reinado de Lima Lopes, que faz um estudo aprofundado e interessante sobre o tema.⁸⁴ Observa-se que, em muitas das suas consultas, tal órgão foi instado a manifestar-se sobre temas que seriam de alçada da jurisdição constitucional a ser criada na Primeira República. Por exemplo, sabe-se que na primavera de 1853, em 28 de outubro, havia chegado à Seção de Justiça do Conselho de Estado uma dúvida sobre a lei do 4 de setembro que hoje é chamada Lei Eusébio de Queiroz, de abolição do tráfico negreiro, em seu artigo 8, que diz:
Todos os apresamentos de embarcações, de que tratam os artigos primeiro e segundo, assim como a liberdade dos escravos apreendidos no alto-mar ou na costa antes do desembarque, no ato dele, ou imediatamente depois em armazéns e depósitos sitos nas costas e postos, serão processados e julgados em primeira instância pela Auditoria de Marinha e em segunda pelo Conselho de Estado. ⁸⁵
Ora, em 1874, quatro décadas depois da sanção da lei pela qual alguns juízes, a pedido de curadores de órfãos e incapazes, libertavam escravos (sobretudo espólios), alegando que seu estado servil era ilegal, visto que desde 1831 eram automaticamente livres todos os que entrassem nos portos brasileiros.
Menciona-se aqui que o Conselheiro José Tomás Nabuco de Araújo, pai do futuro abolicionista Joaquim Nabuco, tinha uma finalidade específica: proibir o tráfico. No entanto, o Conselho de Estado adotou posição restritiva: não se sentiu à vontade para ampliar as consequências da lei, no delicado campo do fim da escravidão e do seu impacto na propriedade e patrimônio dos lavradores. Na referida obra, chega-se à conclusão que o século XIX ficou mais conhecido como o século da legalidade, no qual a vitória do sistema constitucional liberal impa à interpretação um limite bem conhecido: desde a codificação do direito privado e da constitucionalização do direito público – ambas precedentes do final do século XVIII, cultivou-se o respeito à lei e a crença na sua importância para a reforma da sociedade, para a abolição dos privilégios antigos, para igualar e libertar, bem como se temia que a volta dos intérpretes (magistrados e doutores em direito) pusesse a perder o esforço revolucionário do novo Poder Legislativo. Volta-se, então, ao poder de legislar como um poder misto, segundo Constant: o processo legislativo imaginado em várias Constituições do século XIX era, portanto, complexo e misto: dizia-se que o rei participava do Legislativo tanto propondo as leis quanto vetando as que lhe eram encaminhadas pelas assembleias representativas. Convém ressaltar, como uma das ideias mestras da obra de Lima Lopes, que o Brasil do século XIX insistia em que a atividade de legislar estava depositada de forma preeminente na Assembleia Geral, quanto se procurava garantir que houvesse poderes conservadores capazes de impor limites à Assembleia. Tal espécie de aristocracia política combinava o Poder Moderador e seu auxiliar, o Conselho de Estado. Não havia, no Brasil Império, um tribunal constitucional, uma vez que ao Supremo Tribunal de Justiça cabia tão somente a função de revista. Curiosamente, quando a Constituição de 1891 deu ao Supremo Tribunal Federal o poder de receber recursos de decisões que não houvessem aplicado à Constituição adequadamente, alguns juristas chamavam esse remédio de “recurso extraordinário de revista”. Como outra interpretação importante fixada pelo Conselho de Estado, deve-se dar destaque à Lei Eusébio de Queiroz, ou Lei do Ventre Livre, que havia transferido à competência do Conselho.
Por fim, é interessante ressaltar, com apoio em José Reinaldo de Lima Lopes, que a divisão de poderes estabelecida na primeira Constituição, a do Império, não era tão evidente para os espíritos da época.⁸ Os juízes estavam encarregados de aplicar a lei, mas podiam ser responsabilizados pela sua não aplicação, pois como todos os empregados públicos, eram considerados responsáveis pelos erros e abusos cometidos no exercício de suas funções. Ou seja, pouco ou nada se falava em independência do Poder Judiciário. Por isso mesmo, as Seções do Ministério da Justiça variavam ao longo do tempo em suas atribuições, mas sempre houve alguma encarregada dos assuntos da istração da justiça e dos atos do Poder Moderador. Na organização de 1842 (Decreto n. 1786, de 3 de maio 1842), foram criadas três seções: a primeira, dos negócios eclesiásticos; a segunda, da contabilidade e orçamento; e a terceira, funcionando como chancelaria, expedindo os decretos do Poder Moderador e cuidando de questões de segurança e tranquilidade pública. Em suma, o que se tinha era um Judiciário cerceado e, por isso mesmo, o Conselho de Estado, órgão istrativo, era chamado a se manifestar em questões que seriam próprias de uma jurisdição constitucional.
Notas
59. Homem, António Pedro Barbas. O espírito das instituições. Um estudo de história do Estado. Coimbra: Almedina, 2006, p. 15. 60. Goldstein, Leslie Friedman. Constitutionalism as Judicial Review: Historical Lessons from the U.S. Case, University of Pennsylvania Press, inserir ano, p. 78. 61. Apud Sobrinho, Barbosa Lima. A Constituinte de 1823. Brasília: Senado Federal, 1973, p. 103. 62. Domínio público. 63. Bueno, José Antonio Pimenta. Direito Público e Análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1979, p. 175.
64. Lynch, Christian Edward Cyril. Da Monarquia à oligarquia: História Institucional e Pensamento Político brasileiro (1822-1930). Prefácio de Pierre Rosanvalon. São Paulo: Alameda, 2014, p. 21-45. 65. Op. cit., p. 65. 66. Domínio público. 67. Lynch, Christian Edward Cyril. O Poder Moderador na Constituição de 1824 e no anteprojeto Borges de Medeiros de 1933. Um Estudo de Direito Comparado. Revista de Informação Legislativa, Brasília, 2000,47, n. 188, 2010, p. 93. 68. Ibidem, p. 94. 69. Bueno, José Antônio Pimenta. Direito Público e Análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1979, p. 203. 70. A biografia de Pimenta Bueno foi consultada na obra Grandes Juristas Brasileiros, v. II, organizada por Almir Gasquez Rufin e Jaques Camargo Penteado. São Paulo: Martins Fontes, inserir ano, artigo de Paulo Napoleão Nogueira de Souza, p. 277-313. 71. Bueno. op. cit., p. 213. 72. Schmitt, Carl. O guardião da Constituição. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2007, p. 35-40. 73. Lynch, Christian Edward Cyril. Da Monarquia à oligarquia: História Institucional e Pensamento Político brasileiro (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2014, p. 68-69. 74. Lynch, Da monarquia à oligarquia, p. 142. 75. Apud Moraes Filho, Evaristo de. As ideias fundamentais de Tavares Bastos. Brasília: Difel/MEC, 1979, p. 85. 76. Lynch, Christian Edward Cyril. Esforços de judicialização da política na Primeira República: o voto vencido do Ministro Pedro Lessa no julgamento do HC 3528, de 1914. Revista dos Tribunais, ano 101, v. 916, 2008, p. 119.
77. Vianna, Oliveira. O ocaso do Império. 2. ed. São Paulo: Cia Melhoramentos, , p. 156-178. 78. Lopes, José Reinaldo de Lima. O direito na história. São Paulo: Ed. Atlas, 2014, p. 311. 79. Streck, Lênio. Jurisdição Constitucional. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019, p. 122. 80. Para uma análise jurídica do instituto da escravidão e sua regulamentação civil e penal, consulte-se obra de Barreto, André Campello. Manual Jurídico da escravidão – Império do Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2017. 81. Lopes, José Reinaldo de Lima. O oráculo de Delfos. O Conselho de Estado no Brasil Império. Rio de Janeiro: Saraiva, 2010, p. 135. 82. Homem, António Pedro Barbas. O espírito das instituições. Um estudo de história do Estado. Coimbra: Almedina, 2006, p. 152. 83. Ibidem, p. 153-154. 84. Lopes, José Reinaldo de Lima. O Oráculo de Delfos, Atribuições do Conselho de Estado no Brasil Império. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 45. 85. Domínio público. 86. Lopes, O oráculo de Delfos, p. 138.
3. A CONSTITUIÇÃO DE 1891: HISTÓRIA E ASPECTOS PRINCIPAIS
“O povo assistiu a tudo bestializado.” A crônica de Aristides Lobo dá nome ao livro do historiador José Murilo de Carvalho, que narra a transição da Monarquia para a República sob o prisma das massas.⁸⁷ Conforme salienta a também historiadora Maria Emília Prado⁸⁸, antes da Proclamação da República, compreendia-se que a descentralização só poderia ser implantada com a mudança na forma de governo, que foi um movimento das elites apoiado pelo Exército, sem participação popular, dado o caráter escravocrata e patriarcalista da nossa sociedade, conforme bem realçado na obra de Gilberto Freyre.⁸ Como se trata de um trabalho de História do Direito, o foco será nos aspectos institucionais e jurídicos operados por esta mudança de regime, antes de adentrarmos na doutrina brasileira do habeas corpus. O grande desafio da proclamação da República foi operar uma tríplice mudança de regime (da forma de governo: Monarquia para República, do sistema de governo: parlamentarista para presidencialista e da forma de Estado, de unitária para centralista) em uma sociedade escravocrata, patriarcal, coronelista, sem o mínimo de participação popular. Conforme acentua Paulo Bonavides, de um ponto de vista ideológico, a Primeira República foi o coroamento do Liberalismo no Brasil, cujas bases constitucionais bem demonstravam o compromisso com a doutrina que não pudera medrar no texto constitucional anterior, em que prevalecia o Poder Moderador. Os clãs familiares de Oliveira Vianna ¹, o coronelismo e as eleições fraudadas descritas por Vitor Nunes Leal ², o bacharelismo ³ na política, o estamento burocrático de Raymundo Faoro ⁴, tudo isso era a realidade da sociedade brasileira às vésperas do século XX e durante a República Velha, isto constituía o pano de fundo atrás do qual se desenhavam as discussões políticas e jurídicas. A Constituição de 1891 se insere, portanto, na tradição de ruptura e descontinuidade do constitucionalismo brasileiro, a utilizar-se termo de Canotilho ⁵, em lição nestes termos vazada:
A Constituição de 1976 insere-se na linha de descontinuidade do direito constitucional português. O código binário continuidade/descontinuidade aplicado no direito constitucional significa basicamente o seguinte: existe continuidade constitucional quando uma ordem jurídico-constitucional que sucede a outra se reconduz, jurídica e politicamente, à ordem constitucional precedente; fala-se de descontinuidade constitucional quando uma nova ordem constitucional implica uma ruptura com a ordem constitucional anterior.
Sendo assim, ante a ausência de modelos nacionais, face à monarquia que fora transplantada de Portugal, é natural que a inspiração para uma nova Constituição fosse buscada no estrangeiro, mais precisamente na Constituição norteamericana. Sobre a proclamação da República, o estado de instabilidade institucional que se seguiu antes e durante a Constituição de 1891, poderia traçar estudos sob inúmeros vieses. O que nos interessa, propriamente, são as origens do judicial review (controle de constitucionalidade) a partir dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal no período 1891-1930. Para tanto, três pontos se revelam fundamentais de análise: a criação de uma jurisdição constitucional, a dicotomia entre Justiça Federal e Justiça Estadual, e a doutrina sobre a possibilidade de o Judiciário rever atos do Poder Legislativo e Executivo. Paulo Bonavides salienta que a Constituinte e a Constituição da Primeira República nasceram de um vasto movimento de ideias que acompanhou toda a crise política do Primeiro Reinado, cujo golpe de 15 de outubro foi a culminação. Por outro lado, os republicanos constituíam minoria na opinião pública e estavam divididos: Silva Jardim, às vésperas da República, hostilizava Quintino Bocaiúva. Não havia, entre eles, um líder comunitário, dos que arrastam multidões, já que mesmo Rui Barbosa se mostrava claudicante em relação à forma republicana de governo, embora apoiasse a federativa. ⁷ Neste sentido, é de transcrever-se lição de Aurelino Leal, jurista e historiador contemporâneo aos fatos narrados: ⁸
Seja como for, todas as reformas que mais ou menos desde 1830 eram pleiteadas no Brasil – como a temporalidade do senado, a extinção do Poder Moderador, a descentralização das províncias, a autonomia das províncias, a autonomia municipal, a liberdade dos cultos, de reunião, acrescidas, mais tarde, do casamento civil, registro civil de nascimentos e óbitos e secularização de cemitérios – foram realizadas quando se partir a cadeia da evolução que as tinha preparado pela intercorrência revolucionária.
O autor baiano divide a organização constitucional do Brasil na primeira República em duas partes: a realizada pelo Governo Provisório e a do Congresso Constituinte. Tratar-se-á das principais alterações promovidas em ambas as fases logo a seguir.
1. Governo Provisório
Novamente nos valendo dos ensinamentos de Aurelino Leal, a proclamação do novo regime foi tornada oficial pelo Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889. O art. 4 ordenava que a nação brasileira fosse regida pelo Governo Provisório, enquanto não se procedesse à eleição do Congresso Constituinte. O Governo interviria com a força para fazer cessar desordens nos Estados, cujas autoridades não pudessem reprimi-las. A 20 de novembro pelo Decreto n. 7, o Governo Provisório dividiu os seus poderes com os governadores, por ele nomeados, dissolvendo e extinguindo todas as Assembleias provinciais. O decreto de 19 de novembro estabeleceu o sufrágio universal. A obra liberal do Governo Provisório foi abundante. A 7 de janeiro de 1890, foi decretada a separação da Igreja do Estado, a 24 o casamento civil, a 20 de setembro foi abolida a pena de galés, mandou-se computar a prisão preventiva na pena e regulou-se a prescrição da condenação. Já estava reunida a Constituinte, quando o Governo Provisório decretou a organização da justiça local e alterou a redação de artigos do Código Penal. Não se descurando da necessidade de uma Carta Constitucional, o Governo Provisório nomeou, por decreto de 3 de dezembro de 1889 uma comissão, composta pelos Dra. Joaquim Saldanha Marinho, como presidente, Américo Braziliense de Almeida Mello, como vice-presidente, Antonio Luiz dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José Antônio Pedreira de Magalhães, para elaborar o projeto de Constituição, que viria a ser promulgada em 1891.¹
2. Principais alterações promovidas pela Carta de 1891
Fortemente inspirada na Constituição norte-americana de 1787,¹ ¹ o texto constitucional não constituía, no entanto, uma cópia fiel desta última, uma vez que atenta a algumas realidades da política brasileira. Foi a mais sucinta de todas as Constituições brasileiras, contendo apenas originalmente 91 artigos e tendo sofrido apenas uma emenda constitucional, com as Reformas de 1926, que em uma linha diametralmente oposta à mutação constitucional operada pela doutrina do habeas corpus, teve um viés centralista e autoritário. No tocante à organização do Estado, uma Constituição pode ser estudada sob dois prismas principais: em relação à distribuição de competências entre os entes federativos e em relação à divisão/separação dos poderes e mútuas ingerências entre eles. Quanto ao primeiro aspecto, em outra obra importante de história constitucional brasileira, Waldemar Ferreira¹ ², embora mais conhecido por seus escritos na seara do direito mercantil, salienta que cada província formou um Estado, incumbido de prover, a expensas próprias, as necessidades de seu governo e istração. Pelo que hoje compreende-se como simetria constitucional, os Estados seriam regidos pela Constituição e leis, que adotassem, respeitados os princípios constitucionais da União, assim debulhados: a) a forma republicana; b) o regime representativo; c) o governo presidencial; d) a independência e harmonia dos Poderes; e) a temporariedade das funções eletivas e a responsabilidade dos funcionários; f) a autonomia dos Municípios; g) a capacidade para ser eleito ou elegível nos termos da Constituição; h) regime eleitoral que permita a representação das minorias; i) a inamovibilidade e vitaliciedade dos magistrados e seus vencimentos; j) os direitos políticos e individuais assegurados pela Constituição; k) a não reeleição dos Presidentes e Governadores; l) a possibilidade da reforma constitucional e a competência do Poder Legislativo para decretá-la. Dentro desta órbita, os Estados estabeleceriam sua Constituição e suas leis. Ressalta-se que a transferência da Capital Federal para o Planalto Central já estava prevista no art. 3 da Carta de 1891, que dispunha ficar pertencendo à
União, no Planalto Central da República, uma zona de 4000 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal. Por seu turno, o art. 11 dispunha sobre vedações gerais aos entes federativos, semelhante ao art. 19 da Carta atual. O art. 6 dispunha sobre a intervenção federal, instituto amplamente utilizado pelos Governos da Primeira República a fim de neutralizar dissidências políticas nos Estados e fazer prevalecer a política federal nestes, instituto tema da tese de doutoramento de Carlos Guilherme Lugones.¹ ³ Faz-se aqui necessária uma análise de cunho político. No Brasil Império, a relativa estabilidade político-institucional era forjada pelo Poder Moderador amparado no Conselho de Estado, que serviam para agrupar os diferentes grupos políticos (no caso, os liberais e conservadores) sob uma mesma coordenação. No entanto, com a República, houve a instalação de um sistema federativo, liberal, presidencialista, mas com a manutenção de uma estrutura agrária, coronelista, patriarcalista e mandonista, com pouquíssima transparência das eleições. A questão a ser colocada é, portanto, esta: como assegurar mínima estabilidade política a um sistema quando as condições sociais conspiravam contra tanto e ante a ausência de um poder coordenador? Novamente, eram utilizados com abundância dois mecanismos de exceção institucional: a intervenção federal, prevista no art. 6, mais utilizada para neutralizar interferências contrárias nos Estados, e o estado de sítio, previsto no art. 80 da mesma Carta, em caso de agressão externa ou comoção intestina, que foi muitas vezes empregado. O nosso trabalho se deterá sobre esse último e sobre a doutrina brasileira do habeas corpus como seu contraponto, na medida em que, na sua origem, permitia estabelecer discussões sobre os limites das medidas decretadas em estado de sítio como questões políticas. A Constituição de 1891 era rígida, só podendo ser alterada por emenda, e previa como cláusulas pétreas a forma república-federativa de Estado e a igualdade de representação dos Estados no Senado Federal. Antes de adentrarmos nestas discussões, no próximo capítulo, cumpre tecer considerações sobre três pontos que se julgam relevantes no arcabouço constitucional de 1891: separação de poderes, dualidade entre Justiça Federal e Justiça Estadual e criação de uma jurisdição constitucional, com adoção do judicial review (possibilidade de o Poder Judiciário rever atos do Poder
Legislativo e Executivo).
2.1 Separação de poderes
Inicialmente formulada por Montesquieu¹ ⁴ e aperfeiçoada pelos norteamericanos com o seu sistema de freios e contrapesos, a doutrina da separação de poderes no Brasil pode ser bem expressa na máxima de Seabra Fagundes, segundo a qual “legislar é aplicar o direito positivo, istrar é aplicar a lei de ofício e julgar é aplicar a lei contenciosamente.”¹ ⁵ Embora o istrativista brasileiro citado lhe seja posterior, a Carta de 1891 parece ter adotado esta formulação, estabelecendo uma nítida divisão de funções entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Diferentemente da ordem constitucional monárquica, onde o Moderador constituía uma espécie de sobrepoder, a primeira Constituição Republicana se caracterizou por um certo desiquilíbrio entre os Poderes Judiciário e Executivo, quanto a possibilidade de o primeiro rever atos deste último. Atento a esta realidade, Oliveira Vianna assentou que:¹
O problema central da obra revisionista há de ser, pois: a) Ou investir o Poder Judiciário, tornado exclusivamente federal, de uma força e de uma autonomia, estendidas até o máximo das possibilidades; ou b) Criar um quarto poder, tal como o antigo Poder Moderador, que, sendo vitalício, também tenha, entretanto, o direito de iniciativa, que o Poder Judiciário, não tem. Em suma: ou isto ou qualquer outra coisa que represente um centro de força, de natureza essencialmente política; mas, completamente fora de qualquer atinência ou dependência com grupo partidários.
Em outra agem, o referido autor niteroiense previa a necessidade que o
Brasil tinha de um Poder Executivo forte, e de um Judiciário mais forte ainda¹ ⁷. Convém ressaltar que à época a doutrina do judicial review ainda não estava bem estabelecida em solo brasileiro, o que deu ensejo a várias discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o alcance do instituto do habeas corpus, à época, a principal forma de controle constitucional, ao lado do recurso extraordinário, também previsto, mas com um escopo mais limitado. Seguindo formulação de Montesquieu e dos federalistas norte-americanos, a Carta de 1891 previa o Poder Legislativo (dividido em Câmara dos Deputados, nos seus arts. 16 a 27) e Senado (arts. 30 a 33), um Poder Executivo, composto pelos presidentes e ministros de Estado (arts. 41 a 53) e um Poder Judiciário (arts. 55 a 62), composto pelo Supremo Tribunal Federal, Justiça Federal e Estadual, este último com uma configuração totalmente diferente do Império. Ao Poder Legislativo (no caso, ao Congresso Nacional), competia, dentre outras atribuições, orçar a receita, fixar a despesa federal anualmente e tomar as contas de cada exercício financeiro, autorizar o Poder Executivo a contrair empréstimos e fazer operações de crédito, legislar sobre a dívida pública e estabelecer os meios para o seu pagamento, regular o comércio internacional, legislar sobre navegação de cabotagem, autorizar o governo a declarar a guerra e fazer a paz, resolver definitivamente sobre os tratados internacionais, legislar sobre correios e telégrafos federais, declarar estado de sítio, legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República e o processual da Justiça Federal, conceder anistia e comutar penas e legislar sobre terras e minas de propriedade da União (art. 34 da Constituição Republicana de 1891). Noutro giro, ao Presidente da República, chefe maior do Poder Executivo, cabia, dentre outras atribuições, sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e resoluções do Congresso, expedir decretos, instruções e regulamentos para sua fiel instrução, nomear e demitir livremente os Ministros de Estado, exercer ou designar quem deva exercer o comando supremo das forças de terra e mar, istrar o exército e a armada, prover os cargos civis e militares de caráter federal, excetuadas as disposições constitucionais, dar conta anualmente da situação ao País ao Congresso nacional, nomear os magistrados federais mediante proposta do Supremo Tribunal Federal (tal como ocorre, até hoje, no direito norte-americano) e nomear os membros do STF e os ministros diplomáticos sujeitos à aprovação do Senado, bem como declarar, por si, ou seus agentes responsáveis, o estado de sítio em qualquer ponto do território nacional (art. 48). Em todas essas atribuições o presidente tinha auxílio dos ministros do
Estado (arts. 49 a 52). O art. 54 previa os crimes de responsabilidade do presidente da República, diferentemente do Poder Moderador, o qual o imperador não tinha responsabilidade. Em relação ao Poder Judiciário, dois pontos fundamentais hão de ser destacados: a dualidade Justiça Federal/Justiça Estadual e a criação de uma jurisdição constitucional, ambos de inspiração nitidamente norte-americana. Observa-se que a Carta de 1891 previu com clareza uma demarcação de funções entre os poderes, com interferências e controles mútuos em todas as esferas. Novamente é aqui de recorrer-se à lição de Amaro Cavalcanti¹ ⁸, segundo o qual nem a separação ou a independência importa o isolamento ou a hostilidade, tampouco a harmonia quer dizer confusão, nem exclui toda e qualquer hipótese de oposição e resistência nos casos precisos.
2.2 Dualidade Justiça Federal/Estadual
A divisão entre Justiça Federal/Justiça Estadual, de inspiração nitidamente norteamericana, não existia no Império e é uma decorrência lógica do regime federalista, na medida em que a primeira julga as causas de interesse primordial da União. Era prevista desde o Decreto 866/1889 do Governo Provisório e foi encampada pela Constituição republicana. Conforme salientado por Agenor de Roure¹ , na Constituinte Republicana, diversos sistemas foram objeto de estudo e duas correntes se formaram no seio da Assembleia, uma querendo a unidade da magistratura ou da justiça; e outra, querendo a dualidade da magistratura. Vitoriosa já a unidade de legislação, alguns defenderam que a sua adoção devesse implicar a da unidade da magistratura, mas esta opinião restou vencida ao votar-se o parecer pela Comissão (dos 20 membros presentes, 13 votaram a favor da dualidade e 7 pela unidade). O texto retirado foi então transformado em voto separado pelos Srs. José Higino, Virgílio Damásio, Amaro Cavalcanti, Casimiro Jr. e Manoel F. Machado. Com efeito, a Carta de 1891 previa, em seu art. 59, a competência dos Tribunais Federais e, de forma simétrica, no art. 60, em suas sete alíneas, a competência da Justiça Federal (em paralelo com o atual art. 109 da Constituição), cujo teor se transcreve:
Art. 60. Compete aos Juízes e Tribunais Federais processar e julgar: a) As causas em que alguma das partes fundar a ação, ou a defesa, em disposição da Constituição Federal; b) todas as causas propostas contra o Governo da União ou Fazenda Nacional, fundadas em disposição da Constituição, leis e regulamentos do Poder Executivo, ou em contratos celebrados com o mesmo Governo;
c) as causas provenientes de compensações, reivindicações, indenização de prejuízos ou quaisquer outras propostas, pelo Governo da União contra particulares ou vice-versa; d) os litígios entre um Estado e cidadãos de outro, ou entre cidadãos de Estados diversos, diversificando as leis destes; e) os pleitos entre Estados estrangeiros e cidadãos brasileiros; f) as ações movidas por estrangeiros e fundadas, quer em contratos com o Governo da União, quer em convenção ou tratados da União com outras nações; g) as questões de direito marítimo e navegação assim no oceano como nos rios e lagos do País; h) as questões de direito criminal ou civil internacional; i) os crimes políticos. ¹¹
A primeira alínea demarca a competência da Justiça Federal para o (ainda incipiente) controle difuso de constitucionalidade, artigo que não guarda paralelo com a contemporaneidade, uma vez que tal controle pode ser exercido por qualquer órgão do Poder Judiciário. Tanto que a obra principal de Rui Barbosa sobre o controle de constitucionalidade se intitula Os atos inconstitucionais do Congresso e do Poder Executivo perante a Justiça Federal, na qual são estabelecidas as seguintes premissas:¹¹¹
(…) que a inviolabilidade das patentes e dos empregos vitalícios pertence à classe dos direitos individuais, consagrados pela Constituição republicana; Que tais direitos não podem ser alterados, senão em virtude de deliberação constituinte; Que, ao terem as câmaras esse poder, só poderiam delegá-lo por ato legislativo, mediante os trâmites competentes;
(…) Que o estado de sítio não suspende a Constituição, mas unicamente as garantias limitadas por ela ao definir esse recurso extraordinário de governo, e não estando entre essas a vitaliciedade das funções inamovíveis, exorbita de nosso direito constitucional o arbítrio que violou; Que, por consequência, a nulidade desses excessos, perante a Constituição, é manifesta e irrecusável; Que os tribunais não têm autoridade para os revogar, mas tem-na, indubitavelmente, para lhes negar execução, e manter contra eles o direito dos indivíduos, quando o caso for submetido à justiça, em ação regular, pelos prejudicados; Que este direito de examinar a constitucionalidade dos atos legislativos, ou istrativos, é a chave de nosso regímen constitucional, seu princípio supremo; Em suma, que as ações propostas emanam de um direito superior à força de todos os poderes constituídos, e correspondem a uma obrigação dos tribunais, rudimentar no regime americano, que é o nosso.
A jurisdição constitucional da Primeira República, composta pela Justiça Federal e pelo Supremo Tribunal Federal, será abordada no item a seguir. Por ora, é importante ressaltar que as demais alíneas do art. 60 demarcam a competência da Justiça Federal em causas onde há um interesse da União, bem como uma questão de Direito Internacional (que também é supraestadual). De acordo com o art. 57 da Carta, os juízes federais eram vitalícios, só podiam perder o cargo por decisão judicial, e seus vencimentos eram irredutíveis. Da mesma forma que os ministros do STF, eram os juízes indicados pelo presidente da República, em outra inspiração nitidamente norte-americana. Neste ponto, ressalta Carlos Maximiliano que há três princípios de investidura de magistrados: a eleição pelo povo, a nomeação pelo Poder Executivo e a escolha feita pelos próprios membros da judicatura, sendo que a superioridade do processo de nomeação pelo Executivo sobre o da eleição ressalta, nos Estados Unidos, do contraste entre a Justiça dos Estados e a Federal.¹¹²
No tocante à Justiça Estadual, a Constituição da República previa sua competência de forma subsidiária e residual, assentando no art. 61 que as decisões dos juízes ou Tribunais dos Estados nas matérias de sua competência porão termo aos processos e às questões, salvo quanto a:
a) habeas corpus; ou b) espólio de estrangeiro, quando a espécie não estiver prevista em convenção, ou tratado.
O art. 59, parágrafo 1, previa as hipóteses de recurso obrigatório das sentenças das Justiças do Estado, em última instância para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.
Da leitura dos artigos, depreende-se que, embora a atribuição do controle difuso de constitucionalidade não fosse expressamente da Justiça Estadual, caso surgisse essa discussão incidental, era necessário recurso ao STF, encarregado da última palavra em matéria constitucional. A criação de uma jurisdição constitucional, composta pelo Supremo Tribunal Federal e pela Justiça Federal, bem como a garantia de vários direitos individuais no art. 72, serviu de pano de fundo para a construção da doutrina do habeas corpus, que procurava assegurar o controle e garantia dos direitos individuais pelo Poder Judiciário, muitas vezes ameaçados e/ou coarctados pelas constantes decretações de estado de sítio e intervenção federais.
Antes de adentrarmos na doutrina e jurisprudência do habeas corpus, tema do próximo capítulo, é importante entender o funcionamento da jurisdição constitucional na Primeira República, bem como a discussão doutrinária que se travou entre os judiciaristas e antijudiciaristas, relativamente aos limites do Poder Judiciário e à doutrina das questões políticas.
2.3 Direitos individuais
De cunho predominantemente liberal, individualista e inspirada no direito norteamericano, a enxuta Carta de 1891 previu alguns direitos individuais em seu art. 72. Convém ressaltar que a expressão direitos fundamentais ainda não havia sido cunhada à época, por ser uma construção doutrinária do pós-guerra, atrelada ao princípio da dignidade da pessoa humana. O caput do art. 72 assegurava aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, em uma clara inspiração na property do filósofo John Locke.¹¹³ Nos parágrafos do referido artigo, havia menção às garantias da legalidade, igualdade, extinção dos privilégios do Império, liberdade religiosa, casamento civil, secularidade dos cemitérios, laicidade do ensino, liberdade de associação, representação, reunião, circulação e entrada pelo território nacional e inviolabilidade do domicílio. Também eram previstas a livre manifestação do pensamento, com responsabilidade pelos excessos e vedado o anonimato, prisão somente com ordem judicial, exceto flagrante, possibilidade de fiança, juiz natural, plena defesa, direito de propriedade, sigilo de correspondência, individualidade das penas, abolição das penas de galé, banimento judicial e pena de morte, ressalvada as disposições militares. Também era garantido o livre exercício profissional, a proteção das marcas e patentes, o direito de autor, a legalidade em matéria tributária e a instituição do júri. À magistratura federal eram garantidas a vitaliciedade e irredutibilidade dos vencimentos, no art. 56 da Constituição, garantias estas que não existiam ao tempo do Império. No entanto, não era prevista a garantia da inamovibilidade, justamente a que objetiva isentar o Judiciário de pressões políticas. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de se manifestar no
julgamento de um habeas corpus em 1923, que será abordado oportunamente. A despeito de prever vários direitos individuais, apenas um remédio processual apto à proteção deles era previsto, o habeas corpus, a ser concedido sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder (art. 72, parágrafo 22). Por outro lado, previa o art. 80 da mesma Constituição o instituto do estado de sítio, muito utilizado à época. Justamente da tensão entre o estado de sítio (art. 80) e a garantia dos direitos individuais (art. 72) é que surgiu a doutrina brasileira do habeas corpus, permeada pela discussão acerca das questões políticas.
Notas
87. Carvalho, José Murilo de. Os bestializados, O Rio de Janeiro e a República que não foi. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2019, p. 5-10. 88. Prado, Maria Emilia. Memorial das desigualdades. Os imes da cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2005, p. 164 e segs. 89. Freyre, Gilberto. Casa grande e senzala. Rio de Janeiro: Record, 1979, p. 15. 90. Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1989, p. 257. 91. Vianna, Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras, p. 91. 92. Leal, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 93. Kozima, José Wanderley. Instituições, retórica e o bacharelismo no Brasil. In: Wolkmer, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 365-385.
94. Faoro, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro, v. 1. Porto Alegre: Editora Globo, 1979, p. 84: “O patrimonialismo, organização política básica, fecha-se sobre si próprio com o estamento, de caráter marcadamente burocrático. Burocracia não no sentido moderno, como aparelhamento racional, mas da apropriação do cargo – o cargo carregado de poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da esfera própria de competência. O Estado ainda não é uma pirâmide autoritária, mas um feixe de cargos, reunidos por coordenação, com respeito à aristocracia dos subordinados.” 95. Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 195. 96. Bonavides Paulo; AndradePaes de, op. cit., p. 213. 97. Baleeiro, Aliomar. Constituições brasileiras. Volume II, 1891. Brasília: Senado Federal, 2012, p. 57. 98. Leal, Aurelino. História constitucional do Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, 2002, p. 201. 99. Ibidem, p. 203. 100. Ibidem, p. 204. 101. Para tanto, consultamos a compilação The Declaration of Independence and other great documents of American History, 1775-1865. Edited by John Grafton. Nova York: Dover Publications, 2017, p. 11. 102. Ferreira, Waldemar. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1958, p. 70-71. 103. Lugones, Carlos Guilherme Francovich. As bases da intervenção federal no Brasil. A experiência da Primeira República. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 13 e segs. 104. Montesquieu. Do espírito das leis. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 205110. 105. Fagundes, J. M. de Seabra. O controle dos atos istrativos pelo Poder
Judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 5. 106. Vianna, Francisco José de Oliveira. Problemas de política objetiva. Rio de Janeiro: Record, 1974, p. 72. 107. Vianna, Oliveira.Ibidem, p. 45. 108. Cavalcanti, Amaro. Regime Federativo e a República brasileira. Brasília: Ed. UnB, 1983, p. 105. (Coleção Temas Brasileiras, v. 48) 109. Para um maior aprofundamento sobre as discussões constituintes que permearam a unidade ou dualidade da Justiça, consulte Roure, Agenor de. A Constituinte Republicana. Brasília: Senado Federal, 1979, coedição com a Editora da Universidade de Brasília, p. 3-33, onde são transcritos trechos detalhados de votos de vários membros da Assembleia Constituinte. 110. Domínio público. 111. Barbosa, Rui. Os atos inconstitucionais do Congresso e do Poder Executivo ante a Justiça Federal, p. 158. Domínio público. Disponível em: http://bit.ly/3rcX04l. o em: 10 jun 2020. 112. Maximiliano, Carlos. Comentários à Constituição brasileira de 1891. ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2005, p. 135. (Coleção História Constitucional Brasileira) 113. Locke, John. Segundo Tratado sobre o governo. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1988, p. 198. (Coleção Os Pensadores)
4. CRIAÇÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: JUDICIARISTAS E ANTIJUDICIARISTAS
a-se, agora, à análise da jurisdição constitucional dentro da qual prosperou a doutrina do habeas corpus.
1. Origens da jurisdição constitucional e do judicial review
Consoante lição do constitucionalista García de Entería,¹¹⁴ no âmbito europeu, a jurisdição constitucional deita suas raízes no seguinte fragmento da famosa sentença ditada pelo juiz inglês Sir Edward Coke no caso do Doutor Bonhamns, em 1610: “E aparece nos nossos livros, que em muitos casos, o common law controlará atos do Parlamento, e às vezes os julgará serem nulos.” Os problemas em torno da agem acima citada e sua tese central, base do judicial review, para o constitucionalista espanhol, são os seguintes: a) o grau de fidelidade de Coke aos precedentes que utilizou; b) à medida que assumia, ou entendia, a subordinação da lei ao Parlamento inglês na common law; c) a influência de sua doutrina presumida sobre a prática judicial britânica e, em especial, sobre a implantação da judicial review of legislation norteamericana.¹¹⁵ Citando as discussões no direito inglês, García de Entería chega à conclusão que a doutrina de Coke, nas ocasiões marcadas, resulta ser, em rigor, uma raiz muito frágil de uma futura judicial review norte-americana, em tanto esteve determinada, mais por uma concepção de limitação do Poder Legislativo, pela luta contra o absolutismo monárquico em uma época concreta. Mauro Capeletti, também em obra referência sobre o tema¹¹ , assenta que, na Inglaterra, o princípio da supremacia do Parlamento – e, portanto, da supremacia da lei positiva – imposto, na Inglaterra, a partir da Revolução Gloriosa de 1868, não conduziu, na América, ao mesmo resultado que na sua metrópole, qual seja, ao resultado de retirar as leis do controle de validade por parte dos juízes. As origens do controle de constitucionalidade em solo europeu são pouco estudadas no direito brasileiro¹¹⁷, cuja doutrina de controle constitucional buscou inspiração norte-americana, no multicitado Marbury vs Madison. As razões para tal podem ser resumidas pela conclusão do constitucionalista Hubert Pope¹¹⁸: “A existência e desenvolvimento de toda lei, quer se trate de uma lei ordinária ou de uma lei fundamental, é fruto da existência de um tribunal com poder para interpretá-la e fazê-la valer”. Pois bem, na Inglaterra, os tribunais não podiam interpretar e fazer valer outra lei que não a ordinária, ante a ausência de uma
Constituição escrita. Já nos Estados Unidos, poderiam sim, e com isso os norteamericanos criaram a primeira jurisdição constitucional. No direito norte-americano, Edward S. Corwin¹¹ indaga qual a base legal exata do poder da Suprema Corte de avaliar a constitucionalidade de atos do Congresso. Analisando literatura recente na matéria, compila-se uma série de opiniões. Há radicais que sustentam que o poder deve sua existência a um ato de clara usurpação pela Suprema Corte, na decisão Marbury vs Madison. Há conservadores que apontam para cláusulas da Constituição que, segundo eles, especificamente conferem este poder. Também há juristas que recusam em voltar para o Marbury vs Madison, segundo os quais eventos subsequentes proveram a doutrina desta decisão. Corwin também aponta autores históricos que mostram que uma parte considerável dos membros do corpo que elaborou a Constituição têm registros de terem favorecido o judicial review em uma ocasião ou outra, seja antes, durante ou depois da Convenção. Finalmente, há outros escritores históricos que representam o judicial review como desenvolvimento natural de ideias que foram de domínio comum no período em que a Constituição foi estabelecida. A obra de Corwin procura analisar criticamente todas essas fundamentações do judicial review no direito norte-americano, por meio de vários artigos, o que refoge também ao objeto da obra. O que ressalta da sua leitura é o fato que, em um país de common law, com um direito fortemente baseado em precedentes, é uma tendência a justificar o judicial review a partir de uma perspectiva histórica, a despeito de não haver previsão expressa na Constituição. Já no direito brasileiro, a Constituição de 1891 previa, ainda que de forma incipiente, os institutos do recurso extraordinário e a competência da Justiça Federal e do Supremo Tribunal Federal para julgar questões envolvendo matéria constitucional, conforme veremos adiante. No entanto, os meios de assegurar o judicial review eram ainda muito incipientes em um país marcado por toda uma estrutura oligárquica e coronelista que maculava a efetividade da norma constitucional. Assim, é natural que houvesse surgido construções doutrinárias e jurisprudenciais de forma a permitir um desenvolvimento do judicial review, da qual a doutrina do habeas corpus foi o maior exemplo. Dado que a Constituição de 1891 instituiu no Brasil uma República presidencialista e federativa, era natural que os Estados Unidos, país com o mesmo regime político e forma de governo, fosse a fonte de inspiração para o
nosso controle de constitucionalidade, ainda inexistente no Império. Como se trata da base do controle judicial de controle de constitucionalidade em solo brasileiro, amplamente citada por Rui Barbosa no Habeas Corpus 300, de 1892¹² , convém aqui transcrever a síntese de Luis Roberto Barroso¹²¹ sobre os fundamentos do julgado em questão:
Ao expor suas razões, Marshall enunciou os três grandes fundamentos que justificam o controle judicial de constitucionalidade. Em primeiro lugar, a supremacia da Constituição. ‘Todos aqueles que elaborassem constituições escritas a encaram como a lei fundamental e suprema da nação. Em segundo lugar, e como consequência natural da premissa estabelecida, afirmou a nulidade da lei que contrarie a Constituição. Um ato do Poder Legislativo contrário à Constituição é nulo. E, por fim, o ponto mais controvertido de sua decisão, ao afirmar que o Poder Judiciário é o intérprete final da Constituição’ (…)
O estudo desse clássico precedente é importante para se entender a doutrina constitucional de Rui Barbosa, amplamente assentada nele¹²². Ao estabelecer a competência do Judiciário para rever os atos do Legislativo e do Executivo à luz da Constituição, as teses nele veiculadas davam poderes aos juízes sobre os dois últimos ramos do governo, que jamais seriam aceitos ivamente por Jefferson e pelos republicanos do Congresso, em uma discussão semelhante a que se travou entre os judiciaristas e antijudiciaristas na Primeira República. O julgado é citado inúmeras vezes por Rui Barbosa. Na obra que procurou sistematizar o controle de constitucionalidade difuso no direito brasileiro¹²³, onde o autor conhecido como Águia de Haia assenta que:
(…) as bases da Constituição republicana consistem na supremacia da Lei Fundamental sobre todas as leis e sobre todos os poderes, na limitação estrita da autoridade da legislatura e da autoridade da istração às suas fronteiras escritas, na impenetrabilidade da muralha de garantias, que protegem o indivíduo com o círculo de sua cinta acastelhada de formas solenes e de tribunais tutelares, na intervenção reparadora das justiças da União em todos os casos de violência
ao direito constitucional, desça ela de que alturas descer. (…) Toda medida, legislativa, ou executiva, que desrespeitar preceitos constitucionais, é, de sua essência, nula. Atos nulos de legislatura não podem conferir poderes válidos ao Executivo. (…) Aos tribunais federais compete declarar a nulidade dos atos legislativos por quebra da Constituição Federal. Essa declaração, regularmente provocada, corresponde, para as justiças da União, não só a um direito legal, como a um dever inevitável.
Em outra obra, o mesmo autor reconhece que, nos Estados Unidos, até os meninos de escola não ignoram o asilo supremo reservado aos tribunais pela Constituição a si mesma e aos direitos que ela protege contra as invasões quer do Executivo, quer do Congresso, diferentemente do Brasil da Primeira República, onde as arbitrariedades cometidas pelas constantes decretações de estado de sítio eram frequentes.¹²⁴ Nesse escrito são exemplificados vários outros julgados da Suprema Corte norte-americana que anularam atos do Congresso Federal¹²⁵, dentre os quais citam-se a título exemplificativo:
1. Questão Hayburn. Ag. 1792. Contra a lei de 23 de março de 1792, que conferia autoridade aos tribunais em matéria de pensões; 2. United States v. Yale Todd Fev., 1794. Sentença contra a lei de 23 de março 1792, já aludida, que conferia à justiça poderes não judiciais; 3. Marbury v. Madison. (…); 4. United States v. Ferreira. Dez. 1851. Contra as leis de 3 de março 1823, 26 de junho 1834, e 3 de março 1849, que conferiam aos tribunais de distrito atribuições extrajudiciais; 5. Dred Scott v. Stanford. Contra o ato legislativo que vedava a posse de escravos nos Estados setentrionais; 6. Gordon v. United States. Dez. 1864. Contra as leis de 25 de fevereiro de 1862
e 3 de março 1863, relativas ao curso legal do papel moeda; 7. Ex parte Garland. Dez. 1866. Contra a lei de 24 de janeiro de 1865, concernente ao juramento de solicitadores, e advogados nos tribunais federais; 8. Hepburn v. Griswold. Dez. 1864. Contra as leis de 25 de fevereiro de 1862 e 3 de março 1863, relativas ao curso legal do papel moeda; 9. United States v. De Witt. Dez. 1869. Contra a seção 19, c. 169, da lei de 2 de março de 1867, sobre matéria penal, qualificando-a como exorbitante dos poderes atribuídos ao Congresso; 10. The Justice v. Murray. Dez. 1869. Contra disposição do parágrafo 5 à 80; 11. Stat. 756, acerca do habeas corpus, como contrária à emenda 7 à Constituição dos Estados Unidos; 12. Collector v. Day. Dez. 1870. Contra as leis federais tocantes ao imposto sobre a renda, income tax (13 Stat. 281, 479; 14 Stat; 137, 477), declarando inconstitucionais os ônus impostos aos vencimentos da magistratura dos Estados.
Tais julgados revelam-se importantes quando do estudo da doutrina brasileira do habeas corpus, por meio da qual se procurava afastar atos inconstitucionais do Executivo, principalmente, durante as constantes decretações de estado de sítio. Resta agora uma breve análise sobre o órgão supremo da jurisdição constitucional, o Supremo Tribunal Federal.
2. Criação da jurisdição constitucional e do Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal (STF), juntamente com a Justiça Federal, foi inicialmente previsto pelo Governo Provisório pelo Decreto 848, de 11 de outubro de 1890. Conforme acentua Felisbelo Freire,¹² o poder judiciário federal e a justiça federal foram criados antes da promulgação da Constituição e o Supremo Tribunal Federal foi constituído com a nomeação de seus membros, antes que o voto da nação, por seus representantes, dissesse se aceitava ou não o princípio da dualidade da magistratura nas bases em que lhe foi organizada no Governo Provisório. Escolhidos dez dos antigos ministros do Supremo Tribunal do extinto Império, e mais dois desembargadores, por ato de 12 de novembro de 1890, foram nomeados: José Antonio de Araújo Freitas Henrique, Tristão de Alencar Araripe, João José de Andrade Pinto, Olegário Herculano de Aquino e Castro, Joaquim Francisco de Faria, Ignacio José de Mendonça Uchôa, Antonio de Souza Mendes, Ovídio Fernandes Trigo de Loureiro, Joaquim da Costa Barradas, Barão de Sobral e Desembargador Barão de Lucena. Diferentemente do Supremo Tribunal de Justiça do Império, mais semelhante a um tribunal de revista ou de cassação, o então STF tinha a função precípua de uma corte genuinamente constitucional, tendo atuado, ao longo da história constitucional brasileira, como uma caixa de ressonância da sociedade, a utilizarse expressão de Emília Viotti da Costa, na medida em que muitos de seus julgados atendiam aos anseios desta última.¹²⁷ O STF era então composto de 15 (quinze) juízes, nomeados pelo presidente, dentre os juízes federais mais antigos e os cidadãos de notável saber e reputação elegíveis para o Senado (art. 55). O Senado era o órgão responsável pelo julgamento dos Ministros do STF. Sobre as funções da Excelsa Corte, convém transcrever o art. 58 da Carta de 1891, cujo texto se revela fundamental para o estudo:
Art. 58. Ao Supremo Tribunal Federal compete: I - Processar e julgar, originaria e privativamente: a) O Presidente da República, nos crimes comuns, e os Ministros de Estado, nos casos do art. 50; (crime de responsabilidade) b) Os Ministros diplomáticos; c) Os pleitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros; d) Os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União, ou os Estados; e) Os conflitos dos Juízes ou Tribunais federais entre si, ou entre esses e os dos Estados. II - Julgar, em grau de recurso, as questões resolvidas pelos Juízes e Tribunais Federais, assim como as de que trata o presente artigo, parágrafo 1, e o art. 60; III - Rever os processos findos nos termos do art. 78. Par. 1. Das sentenças da Justiça dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) Quando se questionar sobre a validade ou a aplicabilidade de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) Quando se contestar a validade de leis ou atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos os atos ou lei impugnados.¹²⁸
Da leitura acima, depreende-se que o inciso I delimita a competência originária do STF em matéria penal de autoridades, bem como em direito internacional e interestadual. O parágrafo 1 trata da competência recursal. Nesta, o STF atua como tribunal de revista e tribunal constitucional, juntamente com a Justiça Federal.
Antes que a célebre polêmica Kelsen-Schmitt houvesse aportado entre nós,¹² a Constituição brasileira já havia previsto uma jurisdição constitucional, ao eleger o Supremo Tribunal Federal como último guardião da Constituição, fato que não ou despercebido à Rui Barbosa, conforme palavras deste:¹³
Declarar inconstitucionais esses atos quer dizer que tais atos excedem, respectivamente, a competência de cada um desses dois poderes. Encarregando, logo, ao Supremo Tribunal Federal a missão de pronunciar como incursos no vício de inconstitucionalidade os atos do Poder Executivo, ou do Poder Legislativo, o que faz a Constituição é investir o Supremo Tribunal Federal na competência de fixar a competência a esses dois poderes, e verificar se estão dentro ou fora dessa competência os seus atos, quando judicialmente contestados sob esse aspecto.
A mesma ideia kelseniana do STF guardião da Constituição foi abordada por João Barbalho Ulhoa Cavalcanti, que também desenvolve o gérmen do controle difuso de constitucionalidade, ao tratar da inércia da prestação jurisdicional.¹³¹
O âmbito da autoridade judiciária neste objeto não é tão extenso como a primeira vista pode afigurar-se. Ela decide da competência constitucional dos poderes públicos, com relação ao ato que lhe é submetido e tem jus para declará-lo insubsistente e sem eficácia, em sendo contrário à Constituição. Mas isto não se refere a todo e qualquer ato, e sim unicamente aos que, além de infringirem a Constituição, ou de tratado ou de lei feitos de conformidade com ela, forem lesivos de direitos.
Embora todas essas questões pareçam por demais óbvias na contemporaneidade, não o eram nos tempos da Primeira República, em que o judicial review era visto com desconfiança pelo direito, em razão da eficácia contramajoritária da jurisdição constitucional.¹³² Tal desconfiança se agrava mais ainda em uma sociedade marcadamente coronelista, patriarcal, na qual o Poder Judiciário ainda era alvo de muitas influências políticas.
Por isso mesmo, o próprio controle difuso de constitucionalidade é mais compatível com um Poder Judiciário mais contido e menos ativista, uma vez que a aplicação da lei é apenas afastada no caso concreto, diferentemente do controle concentrado, mais ligado à judicialização da política, posto que, neste, a norma é fulminada de nulidade. Tendo em vista que o controle de constitucionalidade sequer existia no Império, a sua instituição, ainda que de forma difusa e incidental, já representa um grande avanço no direito brasileiro. Há poucos registros sobre o exercício do controle de constitucionalidade exercido por controle difuso na Primeira República, fora das decisões em habeas corpus. Leda Boechat Rodrigues aponta, em minuciosa pesquisa,¹³³ julgado de 19 de setembro de 1895, na Apelação Cível n. 112, em que era apelado o Marechal José de Almeida Barreto, reformado contra sua vontade pelo Decreto de 7 de abril de 1892, foi proferido o seguinte acórdão:
É nulo o ato do Poder Executivo que reforma forçadamente um oficial militar, fora dos casos previstos na lei. A Fazenda Nacional é obrigada a pagar os vencimentos e vantagens pecuniárias que deixou de perceber o oficial assim reformado e que serão abonados enquanto perdurarem os efeitos desse ato ilegal.
Outro julgado citado por Leda Boechat diz respeito à demissão de professor.¹³⁴ Dentro da mesma ordem de ideias, o STF julgando a Apelação Cível n. 148, em que era apelado o Major Alcides Bruce, anulou o ato do Poder Executivo de 31 de maio de 1894, que o demitira de lente substituto efetivo da Escola Militar. Diz o acórdão, relatado pelo Min. José Higino:
São nulos, por contrários à lei os atos do Poder Executivo, embora expedidos durante o estado de sítio, demitindo um lente substituto do cargo vitalício que exercia no curso superior da Escola Militar da Capital, e dando provimento definitivo a uma cadeira de lente na mesma escola, em prejuízo dos direitos daquele substituto. É condenada a Fazenda Nacional a pagar os vencimentos devidos ao lente demitido, desde a data da demissão até que cessem os efeitos dos atos ditos ilegais.
O acórdão teve o voto vencido do ministro H. Espírito Santo que fez a crítica da tese e mostrou-se ardente defensor de uma rigorosa atitude de autorrestrição judicial, em uma postura evidentemente antijudiciarista:
A doutrina estatuída pelo Acórdão consagra a usurpação para o Poder Judiciário, das funções do Executivo que privativamente competem ao Presidente da República, cuja responsabilidade perante a Nação ficará diminuída, desde que estes atos estejam sujeitos à revisão e exame daquele poder. Com a tal doutrina, pois, não sei se continuará em vigor o que se lê no art. 15 da Constituição, ou se virtualmente ficou revogado: “São órgãos da soberania nacional o poder legislativo, o executivo e o judiciário, harmônicos e independentes entre si. Que independência é essa do Poder Executivo, se os atos de sua privativa competência podem ser infirmados pelo Judiciário? Onde a harmonia sem independência? De harmônicos e independentes entre si que eram os poderes, ará por força do acórdão a ser o Executivo dependente do Judiciário.”
Essa discussão sobre a judicialização da política, mais do que comum nos dias de hoje, mas extremamente inovadora na Primeira República, deu ensejo à formação de duas correntes doutrinárias: a dos judiciaristas, de cunho liberal, que objetivava dotar o Poder Judiciário de maiores poderes e outra mais conservadora, antijudiciaristas, que procurava cercear os poderes do Judiciário, em uma contenda parecida a dos limites do Poder Moderador no Império.
3. Judiciaristas e antijudiciaristas na Primeira República
A oposição entre conservadores e liberais no Império, aglutinados por meio do Poder Moderador, deu ensejo, na Primeira República, à polêmica entre antijudiciaristas e judiciaristas, relativamente à extensão do Poder Judiciário. Os primeiros defendiam um Poder Judiciário mais contido em relação à proteção dos direitos individuais e controle constitucional, constantemente limitada pelo que outrora se designava de questões políticas, a saber, infensas à apreciação judicial. Nessa linha de pensamento é de citar-se Fellisbelo Freire¹³⁵, que criticava os poderes excessivos conferidos à nossa Corte Suprema.
Nesses últimos anos, o Supremo Tribunal enveredou por um caminho inconveniente e prejudicial à pureza do regímen republicano, dominado por um ideal de ser o poder Supremo da República, o supremo árbitro de sua política, imiscuindo-se assim na esfera de ação política do Presidente da República. Aos espíritos imparciais do país e que veem as coisas por um prisma da maior imparcialidade, essa posição do Tribunal não deixa de impressionar muito mal, porque ela não pode deixar de produzir um desiquilíbrio constitucional entre os Poderes da República, que se devem manter com toda a estabilidade no mesmo plano de igualdade, em sua respectiva esfera de ação.
A tão propagada norte-americana regra de Thayer, segundo a qual só se declara a inconstitucionalidade manifesta, encontrou sua formulação no direito brasileiro sob a pena de Amaro Cavalcanti¹³ , nos seguintes termos:
a) A competência do Judiciário refere-se a casos ou controvérsias particulares e às partes interessadas nos mesmos; isto é, não pode tomar conhecimento ou
resolver questões genéricas e abstratas, mas somente, questões in specie, que lhe sejam apresentadas sob a forma de processo. b) Todavia, quando o julgador não for o Supremo Tribunal Federal, será conveniente que ele proceda com uma cautela e hesitação, mais que ordinária, afastando-se inteiramente de declarar uma lei inválida, a não ser em casos claríssimos, (…) até que o Supremo Tribunal Federal tenha oportunidade de manifestar-se a respeito da matéria; (…) c) Também, em regra, o Judiciário não deverá pronunciar-se contra a validade de uma lei, sem que isso torne-se absolutamente necessário para a decisão da causa; d) O judiciário jamais deverá atender ao argumento da inconstitucionalidade de um ato, quando invocado por uma parte, cujos direitos não sejam realmente ofendidos pelo mesmo; (…) e) A validade da legislação nunca deverá ser aferida pelos motivos, que influíram na sua adoção, quer fossem públicos ou pessoais, quer honestos ou menos ilícitos.
Percebe-se no controle difuso de constitucionalidade uma maior aproximação à justiça no caso concreto, uma vez que a decisão é individualizada, enquanto o inexistente (até a Carta de 1967) controle concentrado atenderia mais ao valor da segurança jurídica, posto que retira a norma inconstitucional ab initio do ordenamento jurídico. A jurisdição constitucional sempre foi vista com certa cautela no direito norteamericano em razão da denominada eficácia contramajoritária, pelo fato de os juízes não serem eleitos pelo povo. Tanto que a doutrina da França, país que sempre adotou o controle político de constitucionalidade pelo Conselho Constitucional, chegou a se referir à jurisdição constitucional como o governo dos juízes nos Estados Unidos. No âmbito do direito argentino, Alexandre Gigliotti traça interessantes
aplicações da regra de Thayer, sendo vedado aos juízes: a) fazer declarações em abstrato; b) expedir consultas; c) exercer de ofício o controle de constitucionalidade.¹³⁷ Também profundamente antijudiciarista e conservador, o futuro presidente Campos Salles afirmou, em um de seus discursos, que o tribunal do Império não é senão uma superior instância da justiça ordinária comum, um tribunal de revisão, não sendo um tribunal político, não julgava as questões de direito público. Para ele, aquilo que a Revolução de 1831 já havia dado (maior autonomia às províncias), já seria agora ressuscitado como capaz de satisfazer às justas exigências da República Federativa em 1891.¹³⁸ Noutro giro, a corrente judiciarista, capitaneada por Rui Barbosa, com apoio em João Barbalho, Levi Carneiro e Silva Marques procurava ampliar os poderes do Poder Judiciário para proteger os direitos individuais em face das constantes decretações de estado de sítio e intervenções federais em um período marcado pela constante instabilidade política. A doutrina do habeas corpus surge justamente como uma mutação constitucional doutrinária e jurisprudencial para conferir um escopo maior ao único remédio heroico positivado, de forma que este protegesse também outros direitos individuais. Poucas são as decisões encontradas, em nossa pesquisa, onde o STF exerceu alguma forma de controle de constitucionalidade fora do habeas corpus. Leda Boechat também cita algumas, como exemplos de controle difuso, duas declarações de inconstitucionalidade de leis estaduais em matéria tributária.¹³ Aos 24 de novembro de 1894, o Excelso Pretório declarou, por unanimidade, inconstitucional a lei de 25 de agosto de 1892, do estado da Bahia, que criara, sob a denominação de imposto de estatística, um verdadeiro imposto de importação estadual sobre as mercadorias estrangeiras já tributadas pela União. Tal imposto, disse o Tribunal, era incompatível com o art. 7, n. 1, combinado com o art. 9, parágrafo 3 da Constituição.¹⁴ Um ano e meio depois, o Pretório Excelso também declarou inconstitucionais leis orçamentárias ainda do estado da Bahia, que estabeleciam imposto de exportação sobre as mercadorias nacionais saídas daquele Estado para outros Estados. Em acórdão sucinto, o STF tomou conhecimento do recurso, uma vez que contestava a validade de leis de um Estado em face da Constituição Federal
e as decisões dos tribunais estaduais haviam considerado válidas as leis impugnadas. E o acórdão foi assim redigido:
E considerando que, sendo livre, isto é, isento de direitos, o comércio de cabotagem às mercadorias nacionais (art. 7, n. 2 da Constituição), não pode ser tributada por um Estado a saída de tais mercadorias de um porto seu para o de qualquer outro Estado da União, e inconstitucionais são, pois, as leis orçamentárias do Estado da Bahia que violam este preceito: acórdão em dar provimento ao recurso para, julgando o recorrente desobrigado do imposto que lhe foi cobrado, mandar que lhe seja restituída a quantia de (…), que indevidamente pagou, condenada nas custas a Fazenda Estadual da Bahia.¹⁴¹
Uma questão importante à época, que soaria absurda e totalmente despropositada nos dias atuais, é a responsabilidade penal dos juízes por declaração de inconstitucionalidade. Como exemplo, é citado por Leda Boechat¹⁴² acórdão de 19 de dezembro de 1896, onde se lê:
É absolvido o juiz que deixa de cumprir a lei sem intenção criminosa, condição elementar da culpa. Trata-se do Dr. Aureliano Campos, juiz seccional do Distrito Federal, denunciado pelo Procurador Geral da República como incurso em excesso de função, por ter julgado inconstitucional e mandado cessar, por sentença proferida em processo de habeas corpus, a custódia de um paciente que fora preso pelo furto de umas calças avaliadas em quinze mil réis. O juiz, disse o Tribunal, julgara ‘de acordo com a opinião enunciada antes da promulgação da Lei n. 221 por alguns magistrados e legisladores constituintes, de ser a justiça da União mantenedora das garantias da liberdade individual, expressas no art. 72 da Constituição.’ Assim procedera ‘sem a intenção criminosa, condição elementar de culpa’ (Código Penal, art. 24), incompatível com a profunda convicção de que ele se achava imbuído de dever negar cumprimento a uma lei ordinária (art. 23 combinado com o art. 20 da Lei n. 221)., que sua consciência lhe dizia ser limitativa do preceito constitucional. (…) O STF, recomendando ao denunciado a exata observância do art. 23 da Lei n. 221, absolve-o da acusação intentada, pagas as custas pela Fazenda Nacional.
Por fim, convém ressaltar que a importância do Poder Judiciário como órgão de coordenação de poderes não ou desapercebida a um outro autor pouco conhecido da época, Silva Marques¹⁴³, que, em uma agem extremamente progressista para o período, chegou a defender ao Poder Judiciário uma atribuição parecida ao outrora Poder Moderador. A transcrição é relativamente extensa, mas compensada pela sua originalidade histórica:
Composto de funcionários vitalícios e inamovíveis, com vencimentos fixos e não sujeitos à diminuição, ele oferece, não só pela sua independência, como também pela neutralidade nas lutas políticas, maiores garantias do que qualquer dos dois outros poderes; do que o Executivo, porque ele é naturalmente o mais propenso à prática de abusos, do que o Legislativo, porque sendo ele o poder político por excelência, tudo resolveria de acordo com os interesses partidários da maioria. Mas para que o Poder Judiciário possa desempenhar tão elevada missão, necessário é que ele seja realmente independente, que as suas funções não se limitem a simples aplicações da lei nas relações do direito privado, mas se estendam soberanamente ao domínio do direito público, como supremo intérprete da Constituição. É justamente nisso que consiste a diferença fundamental entre o Poder Judiciário do Império e da República.
E sobre a função moderadora do Judiciário:
Na vigência do regime monárquico-parlamentar, acima dos chamados poderes políticos, havia a função moderadora do chefe de Estado, que sobrepunha àquele para dirimir os conflitos; o Poder Judiciário não tinha competência para julgar da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis, limitava-se a interpretar os atos do Legislativo aos casos de direito privado que lhe eram submetidos. (…)
Era assim no Império quanto à organização do Legislativo, de cujo seio saía o Executivo, é assim na República, e embora não se trate de matéria constitucional, a verdade é que não se pode dispensar essa intervenção porque ela constitui por natureza a garantia mais séria que por ventura possa ter o direito eleitoral. Ele contribui desse modo para a organização dos outros poderes e torna-se depois o árbitro supremo da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos atos de cada um, que pode declarar nulos ou insubsistentes quando contrários aos textos ou ao espírito da Constituição.
Verdade é que o Supremo Tribunal ficou aquém da função moderadora que lhe era depositada, o que pode ser explicado pela conjuntura política da época e pelo fato de as instituições jurídicas ainda não estarem inteiramente consolidadas.
Notas
114. Apud García de Entería. Formación de la Constitución y de la jurisdicción constitucional. Madri: Civitas, 1988. “And it appears in ours books, that in many cases, the common law will control acts of parliament, and sometimes adjuge them to be utterly void (…) Herle saith, some status are made against law and right, who made them perceiving, would not put them in execution” (transcrição do original em inglês, tradução livre).: Sentença do doutor Edward Coke, p. 33. 115. Ibidem, p. 35. 116. Capeletti, Mauro. O controle de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2002, p. 62. Para maiores contribuições sobre precedentes do controle de constitucionalidade na Europa na Antiguidade e na Idade Média, consulte esta mesma obra. 117. Para um maior desenvolvimento do judicial review na Europa, consulte a obra de Entería, García de. Formación de la jurisdición constitucional, p. 43-61.
118. Apud Entería, p. 43. 119. Corwin, Edward. The doctrine of judicial review. Its legal and historical basis and other essays. London: Humphrey Milford Oxford University Press, 1914, p. 1-13. 120. O referido habeas corpus será oportunamente estudado quando da análise do estado de sítio na Primeira República, no próximo capítulo. 121. Barroso, Luis Roberto. Marbury contra Madison. Os grandes julgamentos da história. José Roberto de Castro Neves (org.), Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 382. 122. A fim de possibilitar um alcance do contexto histórico e fundamentos do complexo julgamento e da sua fundamentação, transcreve-se aqui a síntese bem feita de Luis Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência, p. 4-5: “Thomas Jefferson tomou posse, e seu Secretário de Estado, James Madison, seguindo orientação do Presidente, recusou-se a entregar os atos de investidura àqueles que não os haviam recebido. Entre os juízes de paz nomeados e não empossados estava Willian Marbury, que propôs ação judicial (writ of mandamus), em dezembro de 1801, para ver reconhecido seu direito ao cargo. O pedido foi formulado com base em uma lei de 1789 (the Judiciary Act), que havia atribuído à Suprema Corte competência originária para processar e julgar ações daquela natureza. A Corte designou a sessão de 1802 (1802 term) para apreciar o caso. Sucede, contudo, que o Congresso, já agora de maioria republicana, veio a revogar a lei de reorganização do Judiciário federal (The Circuit Court Act, de 1801), extinguindo os cargos que haviam sido criados e destituindo seus ocupantes. Para impedir questionamentos a essa decisão perante a Suprema Corte, o Congresso suprimiu a sessão da Corte em 1802, deixando-a sem se reunir de dezembro de 1801 até fevereiro de 1803. Esse quadro era agravado por outros dois elementos de tensão, dentre os quais é possível destacar dois: a) Thomas Jefferson não considerava legítima qualquer decisão da Corte que ordenasse ao governo a entrega dos atos de investidura, e sinalizava que não iria cumpri-la; b) a partir do início de 1802, a Câmara deflagrou processo de impeachment de um juiz federalista, em uma ação política que ameaçava estender-se até os Ministros da Suprema Corte. (…) No desenvolvimento de seu voto, Marshall dedicou a primeira parte à demonstração de que Marbury tinha direito à investidura no cargo. Na segunda parte, assentou que, se Marbury tinha
o direito, necessariamente deveria haver um remédio jurídico para assegurá-lo. Na última parte, enfrentou duas questões distintas: a de saber se o writ of mandamus era a via própria e, em caso positivo, se a Suprema Corte poderia legitimamente concedê-lo. À primeira respondeu afirmativamente. (…) Ao enfrentar a segunda questão – se a Suprema Corte tinha competência para expedir o writ- Marshall desenvolveu o argumento que o projetou na história do direito constitucional. Sustentou, assim, que o parágrafo 13 da Lei Judiciária de 1789, ao criar uma hipótese de competência originária incorria em uma inconstitucionalidade”. 123. Barbosa, Rui. Os atos inconstitucionais da Justiça e do Congresso perante a Justiça Federal. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2000, p. 08-09, grifo nosso. 124. Barbos, Rui. O Congresso e a Justiça no Regímen Federal. Domínio público. 1895. Disponível em: http://bit.ly/3rcX04l. o em: 13 jul. 2020. 125. Barbosa, Rui. O Congresso e a Justiça no Regímen Federal, p. 438-439. 126. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Tipografia Batista de Souza, 1913, p. 4. 127. O termo caixa de ressonância é cunhado pela historiadora Emilia Viotti da Costa, O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania, obra na qual tece uma interessante historiografia da Corte Suprema, STF – O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania, São Paulo: IEJE, p. 15. 128. Domínio público. 129. Apenas a título explicativo em linhas gerais, resumidamente, a polêmica Kelsen-Schmitt girava em torno de quem deveria ser o guardião da Constituição. Para Kelsen, na obra Jurisdição Constitucional, esta função caberia a um tribunal judicial com função para tanto designada pela Constituição. Já para Schmitt, caberia a um órgão marcadamente político, partindo este de uma noção estrita de justiça, semelhante ao Conselho de Estado. 130. Barbosa, Rui. O Supremo Tribunal Federal e a Constituição brasileira. Escritos e discursos seletos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, , p. 15.
131. Cavalcanti, João Barbalho Ulhoa. Constituição Federal brasileira: comentários. Rio de Janeiro Companhia Tipo-litografia, 1930, p. 224. 132. Bickel, Alexander. The least dangerous branch. The Supreme Court at the bar of politics. 2. ed. New Haven and London: New Yale University Press, 1997, p. 180: A expressão eficácia majoritária da jurisdição constitucional é cunhada por Alexander Birkel, para se referir ao fato que os juízes constitucionais das Cortes Supremas não são eleitos, mas, sim, escolhidos pelo Presidente. 133. Rodrigues, Leda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal, tomo I (1891-1898). Defesa das Liberdades Civis. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1991, p. 61 e segs. 134. Ibidem, p. 66-67. 135. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Tipografia Batista de Souza, 1913, p. 9. 136. Cavalcanti, Amaro. Regímen federativo: A República brasileira. Disponível em; http://bit.ly/3kh31uJ. o em: 16 jan. 2021. 137. Ghigliano, Alejandro E. Del “control” judicial de constitucionalidade. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1952, p. 85. 138. Salles, Campos. Discursos na Primeira República. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902, p. 130. 139. Rodrigues, História do Supremo Tribunal Federal, tomo I, p. 73-79. 140. Recurso Extraordinário n. 17, Recorrentes, Moreira e Cia.: Recorrida: Fazenda Estadual do Estado da Bahia; STF. Jurisprudência, 1894, p. 4-6. 141. Domínio público. 142. Rodrigues, História do Supremo Tribunal Federal, tomo I, p. 73-79. 143. Marques, Silva. Elementos de Direito Público e Constitucional. Rio de Janeiro: Benjamin de Águila Editor, 1945, p. 166.
5. ESTADO DE SÍTIO, QUESTÕES POLÍTICAS E A DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS
Três institutos revelam-se centrais ao nosso estudo, uma vez que intimamente interligados no contexto jurídico-político da Primeira República: o estado de sítio, a doutrina das questões políticas e a doutrina brasileira do habeas corpus. Tratar-se-á deles adiante.
1. Estado de sítio
Conforme já abordado, a maior dificuldade político-institucional da Primeira República foi justamente estabelecer um Estado liberal, federalista e presidencialista em uma sociedade ainda fortemente marcada pelos clãs familiares¹⁴⁴, recém-saída de uma estrutura escravocrata e com eleições fortemente fraudadas.¹⁴⁵ É, pois, a posse de terra o alicerce onde se assenta o mandonismo. O fazendeiro de café, que governava o país, não se mantinha no poder pela força militar, mas se “eternizava no governo graças a uma máquina eleitoral que se estendia por todo o país, mergulhando suas raízes na terra”.¹⁴ Justamente aqui convém transcrever a crítica feita por Oliveira Vianna aos elaboradores do Direito, que, excessivamente inspirados em modelos estrangeiros, acabavam por desconsiderar a realidade nacional:¹⁴⁷
Certo, os elaboradores do nosso escrito – que, nas capitais litorâneas, no Parlamento e nas Universidades, organizam e constroem sistemas constitucionais para o nosso povo – não pensam assim. Julgam que estes tipos sociais, estes usos e costumes, estas instituições sociais – que estão aí vivas e atuantes no seio das nossas populações rurais das matas, dos sertões, dos pampas, da orla marinha e formam o substrato vivo do Direito Público costumeiro (do nosso Direito Constitucional e istrativo não escrito) são apenas formas aberrantes ou retardadas, ilegais ou deturpadas das suas belas regras, (…) e como tais, não merecem ser consideradas nem nos seus programas de partidos, nem nas construções jurídicas (Constituições que elaboram para o nosso povo).
Na ausência de um Poder Moderador, havia os instrumentos de exceção como a intervenção federal e o estado de sítio, este mais extremo e aquela mais localizada, como forma de neutralizar as pressões políticas e fazer prevalecer os interesses do governo central.
Com efeito, o art. 80 da Carta de 1891, assim dispunha (sua transcrição revela-se importante para a compreensão da matéria):
Art. 80. Poder-se-á decretar em estado de sítio qualquer parte do território da União, suspendendo-se aí as garantias constitucionais por tempo determinado quando a segurança da República o exigir, em caso de agressão estrangeira, ou comoção intestina (art. 34, n. 21)¹⁴⁸
Segundo o filósofo italiano Giorgio Amgaben, estado de exceção suspende a norma, portanto, “introduz no direito uma zona de anomia” e o faz para “tornar possível a normatização efetiva do real”. Ele separa a norma de sua aplicação para tornar possível a aplicação.”¹⁴ O direito dos países anglo-saxões utiliza o termo martial law para designar a regulação temporária por autoridades militares em uma determinada área em épocas de emergência quando as autoridades civis são consideradas incapazes para a função. Os efeitos legais da declaração de martial law diferem nas diferentes jurisdições, mas geralmente envolvem uma suspensão dos direitos civis e a extensão da população civil ao direito e à justiça militar. Embora temporários na teoria, o estado de martial law pode continuar indefinidamente.¹⁵ Já o constitucionalista português Canotilho¹⁵¹ utiliza o termo “incorporação constitucional” do Direito de Necessidade, instituto oriundo do Direito Penal. Tal incorporação se revela uma interessante interpretação do instituto do estado de sítio, uma vez que
a incorporação constitucional de uma disciplina extraordinária para situações de emergência significa que se pretende não apenas uma causa de justificação eventualmente excludente de culpa por fatos ou medidas praticadas para defender a ordem constitucional (o que pressupõe a ‘ilicitude constitucional’), mas uma causa justificativa que exclua a ideia de ilicitude dos mesmos fatos ou medidas.¹⁵²
A analogia com o Direito Penal é importante para entender que o estado de sítio, tal como o estado de necessidade no Direito Criminal, é uma exceção, e, portanto, deve ser interpretado restritivamente. No entanto, o que ocorreu na Primeira República foi justamente uma banalização deste instituto, fato que naturalmente levou ao surgimento de uma doutrina e jurisprudência defensiva das liberdades individuais. Antes de adentrarmos na doutrina brasileira do habeas corpus, é importante entender que este era uma das poucas formas de controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal à época da Carta de 1891, ao lado de alguns poucos julgados do STF em apelação. Os primeiros habeas corpus impetrados junto a essa Corte Suprema versam justamente sobre as prisões políticas decorrentes do estado de sítio decretados nos governos militares de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Por tal razão, faremos um breve estudo sobre os habeas corpus 300, 406, 410 e 415. A maior obra de Rui Barbosa sobre o estado de sítio¹⁵³ nada mais é que a compilação de sua petição inicial no Habeas Corpus 300, julgado em 23 de abril de 1892, em favor de presos políticos, alguns deles desterrados por ordem do Marechal Vice-Presidente da República, para Cucuí e Tabatinga. Com a dissolução do Congresso Nacional em 4 de novembro de 1891, Deodoro provocara uma reação que culminou com a Revolta da Armada, renunciou ao poder, ando-o ao Vice Presidente Floriano Peixoto. Seguiram-se manifestações contrárias à atitude e o Governo decretou, então, o estado de sítio com suspensão das garantias constitucionais por 72 horas, e fez prender grande número de cidadãos, civis e militares.¹⁵⁴ No dia 18, ingressou Rui no STF com o pedido de habeas corpus em favor dos cidadãos ilegalmente presos e retidos em constrangimento ilegal, ou ameaçados dele, pelo Decreto n. 791, de 10 do mesmo mês, que declarara o estado de sítio. Três eram as teses centrais que o jurisconsulto se propunha a demonstrar: 1) a inconstitucionalidade do estado de sítio, pelo que eram juridicamente inválidas as medidas de repressão adotadas na sua vigência; 2) dessa inconstitucionalidade era o Supremo Tribunal Federal o competente para conhecer; 3) findo o estado de sítio, começa para os detidos políticos o direito ao julgamento segundo as
formas usuais do processo. A inconstitucionalidade do sítio era, portanto, o tema central da argumentação. A propósito, definindo o papel da magistratura e do Poder Judiciário no regime recém-inaugurado, bem como a sua importância no controle dos atos inconstitucionais do Poder Executivo, tema já tratado no capítulo anterior. Sem prejuízo da fundamentação bem concatenada, houve por bem o STF desprover o remédio heroico, em julgado datado de abril de 1892, cuja fundamentação parcial se transcreve:¹⁵⁵
Considerando que, pelo art. 30, parágrafo 1 da Constituição Federal, compete ao Presidente da República, no recesso do Congresso Nacional, a atribuição de declarar em estado de sítio qualquer parte do território da União, quando a segurança da República o exigir, em caso de agressão estrangeira ou comoção intestina, (…) Considerando que durante o estado de sítio é autorizado o Presidente da República a impor, como medida de repressão, a detenção em lugar não destinado aos réus de crimes comuns e o desterro para outros sítios do território nacional; Considerando que estas medidas não revestem o caráter de pena, que o Presidente da República, em caso algum poderá impor, visto não lhe ter sido conferida a atribuição de julgar, mas são medidas de segurança, de natureza transitória, enquanto os acusados não são submetidos aos seus juízes naturais nos termos do art. 72, parágrafo 15 da Constituição; (…) Considerando, portanto, que antes do juízo político do Congresso, não pode o Poder Judicial apreciar o uso que fez o Presidente da República daquela atribuição constitucional, e que, também, não é da índole do Supremo Tribunal Federal envolver-se nas questões políticas do Poder Executivo ou Legislativo; Considerando que, ainda quando na situação criada pelo estado de sítio, estejam ou possam estar envolvidos alguns direitos individuais, esta circunstância não habilita o Poder Judicial a intervir para nulificar as medidas de segurança
decretadas pelo Presidente da República, visto ser impossível isolar esses direitos da questão política, que os envolve e compreende, salvo se unicamente tratar-se de punir os abusos dos agentes subalternos na execução das mesmas medidas; (…) Considerando, finalmente que a cessação do estado de sítio não importa, ipso facto, na cessação das medidas tomadas dentro dele, as quais continuam a subsistir, enquanto os acusados não forem submetidos, como devem, aos tribunais competentes, pois, do contrário, poderiam ficar inutilizadas todas as providências aconselhadas em tal emergência por graves razões da ordem pública. Negam, por esses fundamentos, a pedida ordem de habeas corpus.
Observa-se, na fundamentação do julgado, uma grande deferência à doutrina das questões políticas e um mínimo de tentativa de judicialização da política, salvo pelo voto vencido do Min. Pisa e Almeida, que concedia a ordem para serem apresentados o senador vice-almirante Eduardo Wandenwolk e outros cidadãos mencionados na petição de habeas corpus. Entendeu o referido ministro, citando as Constituições argentina e chilena, que,
durante o estado de sítio, tem o Governo a faculdade de efetuar as prisões que a segurança do Estado exigir, mas, em se levantando o estado de sítio, os cidadãos continuam presos ou desterrados, sem serem sujeitos a processo, havendo assim para eles uma suspensão de garantias por tempo indeterminado, contra a expressa disposição do art. 82 da Constituição, cuja lei os provê de remédio para resguardarem-se de semelhante violência, a saber, o habeas corpus.
Convém ressaltar que, nos Habeas Corpus 406, 410 e 415, ainda impetrados sob a égide do governo militar de Floriano Peixoto, o STF deferiu a ordem de soltura, mas sob fundamento que a prisão militar e a incompetência de foro onde o paciente responde constituem constrangimento ilegal, ível, portanto, de ser
atacado, na via estreita do habeas corpus. O fundamento foi, portanto, diferente, do célebre Habeas Corpus 300, e dos identificados pelos números 406, 415, 1063, e 1074, nos quais se buscaram afastar atos inconstitucionais decretados sob o regime do estado de sítio não mais em vigor.¹⁵ A doutrina do habeas corpus não estava ainda delineada nesta época, só vindo a se manifestar em 1914, com o julgamento do caso Nilo Peçanha de que se falará a seguir. O instituto do estado de sítio voltou a ser analisado sob a égide da Constituição de 1934, no Habeas Corpus n. 26178, que analisou o alcance das imunidades parlamentares sob tal medida, julgado que será mencionado no capítulo seguinte. Antes da análise desta doutrina genuinamente brasileira, faz-se necessária uma análise da doutrina das questões políticas, muito utilizada no Direito Constitucional brasileiro até a Carta atual.
2. A doutrina das questões políticas
Como uma espécie de anteparo à doutrina do habeas corpus e à judicialização da política na Primeira República, estava contraposta a doutrina das questões políticas. Embora não prevista no texto constitucional da primeira Carta Republicana, a Constituição de 1934 a encampou no seu art. 68, dispositivo que a autoritária Constituição de 1937 repetiu ipsis literis no seu art. 94. As Constituições de 1946 e 1967 foram omissas a respeito desse tema, embora a doutrina e a jurisprudência a reconhecessem constantemente neste período. As reformas constitucionais de 1926, única alteração formal sofrida na Carta de 1891, vieram justamente a cristalizar a doutrina das questões políticas e limitar o escopo de aplicação do instituto do habeas corpus, tendência que foi seguida nas Cartas posteriores. Sobre esse tema, é oportuno trazer à colação o escólio de Anna Cândida da Cunha Ferraz, que, em obra sobre mutação constitucional¹⁵⁷, assentou:
A experiência constitucional brasileira, desde 1891, revela limitações e restrições ao controle jurisdicional. Várias disposições, de ordem constitucional ou mesmo legal, expressamente excluem determinado atos do poder revisional do Judiciário. Assim, o artigo 60, § 5, da reforma constitucional de 1926, dispunha que § Nenhum recurso judiciário é permitido, para a Justiça Federal, ou local, contra a intervenção dos Estados, a declaração de estado de sítio e a verificação de poderes, o reconhecimento, a posse, a legitimidade, a perda de mandato aos membros do Poder Legislativo ou Executivo, federal ou estadual; assim como, na vigência do estado de sítio, não poderão os tribunais conhecer dos atos praticados em virtude dele pelo Poder Legislativo ou Executivo.’ De teor semelhante o artigo 18 das Disposição Transitórias da Constituição de 16 de julho de 1934, que excluía os atos do Governo Provisório, dos interventores federais nos Estados e mais delegados do mesmo Governo’ de qualquer apreciação judiciária.
Salienta a autora paulista que a mutação constitucional seria um exercício do poder constituinte difuso. Em clara ponderação, Rui Barbosa traz contexto histórico americano em que a Corte Suprema deixa clara a possibilidade de anulação de atos legislativos desde que eivados de inconstitucionalidade, no entanto, quando se tratava de causa de cunho eminentemente político a Corte Americana não apreciava o mérito das questões.¹⁵⁸ Conclui o autor da Primeira República que, mesmo havendo questões puramente políticas, revelando a esfera discricionária do Estado, região de conveniências opinativas e apreciações arbitrárias onde a autoridade não se encontra com os direitos fixados na lei fundamental, os tribunais podem apreciar o mérito de questões puramente políticas se estas ofenderem disposição constitucional quanto aos direitos fundamentais do indivíduo:
Atos políticos do Congresso ou do Executivo, na acepção em que esse qualificativo traduz exceção à competência da justiça, consideram-se aqueles, a respeito dos quais a lei confiou a matéria à discrição prudencial do poder, e o exercício dela não lesa direitos constitucionais do indivíduo. Em prejuízo destes o direito constitucional não permite arbítrio a nenhum dos poderes. Se o ato não é daqueles, que a Constituição deixou a discrição da autoridade, ou se, ainda que o seja, contravém às garantias individuais, o caráter político da função não esbulha no recurso reparados às pessoas agravadas.
Percebe-se, da leitura da agem acima, que a proteção aos direitos ora denominados individuais pode servir como instrumento de controle de atos decretados sob o véu da questão política, em argumentação semelhante à desenvolvida na petição inicial do Habeas Corpus 300, parcialmente encampada pelo voto do ministro Toledo Pisa. Mas quais seriam, enfim, tais questões alijadas do controle judicial? Na obra O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional, que em verdade se trata de um
estudo sobre o direito do Amazonas sobre o território do Acre, incorporado ao território brasileiro pelo Tratado de 1903, o constitucionalista enumera taxativamente quais seriam estas questões, abaixo enumeradas:¹⁵
1. A declaração de guerra e a celebração da paz; 2. A mantença e direção das relações diplomáticas; 3. A verificação dos poderes dos representantes dos governos estrangeiros; 4. A celebração e rescisão de tratados. 5. O reconhecimento da independência, soberania e governo de outros países; 6. A fixação das extremas do país com seus vizinhos; 7. O regímen do comércio internacional; 8. O comando e disposição das forças militares; 9. A convocação e mobilização da milícia; 10. O reconhecimento do governo legítimo nos Estados quando contestado entre duas parcialidades; 11. A apreciação, nos governos estaduais, da forma republicana, exigida pela Constituição; 12. A fixação das relações entre a União ou Estados e as tribos indígenas; 13. O regímen tributário; 14. A adoção de medidas protecionistas; 15. A distribuição orçamentária da despesa; 16. A issão de um Estado à União; 17. A declaração da existência do estado de insurreição;
18. O reconhecimento da paz nos Estados insurgentes e a reconstrução neles da ordem federal; 19. O provimento de cargos federais; 21. O exercício da sanção e do veto sobre as resoluções do Congresso; 22. A convocação extraordinária da representação nacional.
A fixação dos limites à inapreciabilidade das questões políticas diante da violação dos direitos individuais é que constitui o cerne da doutrina brasileira do habeas corpus, a ser abordada no item seguinte. A doutrina das questões políticas foi amplamente utilizada no julgamento pelo STF do Habeas Corpus 1063, no qual se discutia o estado de sítio e a duração das prisões políticas após o término do período de exceção. Adotando interpretação conservadora, entendeu o Excelso Pretório que os efeitos do estado de sítio não se extinguem, com relação às pessoas que por ele foram atingidas, se não depois que o Congresso conhecer dos atos praticados pelo chefe do Executivo. Citando a Lei de 3 de abril de 1878 da França Republicana¹ , a Constituição do Equador¹ ¹ e a Lei de 5 de fevereiro de 1867 dos EUA¹ ², entendeu o STF, por maioria, denegar a ordem de soltura. Houve, a bem verdade, tentativa nos votos vencidos capitaneados pelo Min. Pisa de Almeida de desenvolver a doutrina de que
cessado o estado de sítio, devem cessar todas as medidas repressivas autorizadas na vigência dele pela Constituição; e assim, não pode a mesma Justiça deixar de proclamá-las inconstitucionais na atualidade (embora fossem justificáveis quando se decretaram, pois disso julgará o Congresso), e, consequentemente, ocasionarem aos que as sofrem coação ilegal
Esse entendimento do voto vencido sagrou-se vencedor quando do julgamento do Habeas Corpus 1073, impetrado em favor do senador João Cordeiro e outro.
Em julgado onde se discutia o desterro dos pacientes em estado de sítio declarado pelo Decreto Legislativo 456, de 1897, o STF fez um pequeno aceno à judicialização da política, e fixou alguns parâmetros para o controle de medidas durante o estado de sítio. Já se preconizava neste voto um delineamento da doutrina do habeas corpus. Também nele se assentou que, sem formal transgressão do espírito da Lei Fundamental, não pode o presidente da República arrogar-se o direito de desterrar presos políticos para sítios destinados aos sentenciados em crimes comuns, no caso, a Ilha de Fernando de Noronha. Para elucidação, convém transcrever parte do voto vencedor do Min. Lúcio de Mendonça, onde se faz ampla referência à doutrina de Rui Barbosa de 1892¹ ³:
Considerando que, com a cessação do estado de sítio, cessam todas as medidas de repressão durante ele tomadas pelo Poder Executivo, porquanto: 1) Essa extrema medida, medida de alta polícia repressiva, só pode ser decretada por tempo determinado (Constituição, art. 80) e fora dar-lhe duração indeterminada ou prorrogar lhe os efeitos além do prazo prefixado no decreto que a estabelece; 2) Absurdo seria subsistirem as medidas repressivas, somente autorizadas pelas exigências da segurança da República, que determinam a declaração do sítio, quando tais exigências têm cessado pelo desaparecimento da agressão estrangeira, ou da comoção intestina, que as produziram, pois seria a sobrevivência de um efeito já sem causa, (…) 3) Outro e não menor absurdo seria que pudessem durar indefinidamente transitórias medidas de repressão deixadas ao arbítrio do Poder Executivo, quando nas próprias penas impostas pelo Judiciário, com todas as formas tutelares do processo, é substancial a determinação do tempo que hão de durar.
3. A doutrina (genuinamente) brasileira do habeas corpus
O objeto central de nossa obra (ainda que nela sejam tratados períodos anteriores e posteriores a esta doutrina) é detalhado neste item.
3.1 Considerações sobre o conceito de mutação constitucional
O Direito não existe apartado da sociedade que ele regula. Embora Hans Kelsen, brilhantemente, tenha conseguido isolar o Direito das demais Ciências Sociais e criar uma teoria pura do direito¹ ⁴ que procurou estudar o direito de forma pura e sem influências de outros ramos do conhecimento, tal teoria peca pela excessiva abstração. Assim sendo, o neoconstitucionalista italiano Gustavo Zagrebelsky utiliza o termo ductilidade constitucional (ou direito dúctil) para se referir justamente a esta permeabilidade de valores da Constituição.¹ ⁵ A obra do constitucionalista italiano, embora relativamente curta, é de grande complexidade e difícil leitura. Conquanto tenha sido escrita posteriormente ao período histórico estudado nesta obra, contém interessantes reflexões. Uma delas é a de que o Direito Constitucional não deve se resumir a um catálogo de garantias em numerus clausus. Permeia esta obra a ideia de que o constitucionalismo moderno é uma ordenação sistemática e racional da comunidade política, através de um documento escrito, no qual, se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político. A utilizar-se metáfora do constitucionalista, o direito constitucional é um conjunto de materiais de construção, porém o edifício concreto não é obra do direito constitucional enquanto tal, mas sim uma política constitucional que versa sobre as possíveis combinações desses materiais.¹ A Constituição de 1891 continha um projeto liberal de Estado de Direito e uma enumeração de direitos individuais em seu art. 72. Todavia, dadas as constantes decretações de estado de sítio e intervenções federais com o objetivo de garantir a neutralidade institucional, a doutrina brasileira do habeas corpus revelou-se uma interpretação constitucional extensiva combinando alguns destes materiais, como art. 72 da Constituição, a doutrina norte-americana inspiradora do texto constitucional e interpretação sistemática do direito. A Constituição de 1934, mais extensa, possuía um caráter dirigente e compromissório, tendo incorporado o instituto do mandado de segurança como uma possível solução para a restrição do escopo do habeas corpus pelas Reformas Constitucionais de 1926. Ao longo do nosso trabalho, foram analisados os principais julgados do STF em habeas corpus, no período da Constituição de 1891, e em habeas corpus e mandado de
segurança, sob a vigência da Constituição de 1934. O importante a reter é que tal doutrina serviu a sedimentar a ideia que, quando o direito à liberdade de locomoção é ameaçado em conjunto com outro direito individual, é cabível a utilização do remédio estreito do habeas corpus. Entre a Constituição real e a efetiva, para utilizar-se terminologia de Ferdinand Lassalle, sempre medeia uma diferença.¹ ⁷ Esta discrepância é maior nas Constituições nominais, como as de 1891 e 1934, ou seja, as que o texto constitucional difere em grande parte da prática. Em tais situações, é natural que a norma constitucional, dotada de grande abstração e caráter político, sofra um processo de concretização. A rigor, toda norma constitucional é constantemente concretizada. A Constituição tem caráter prospectivo, volta-se para o futuro, mas não é também uma mera carta de intenções. Ao tratar dos processos de mudança da Constituição, Anna Cândida da Cunha Ferraz distingue entre os formais e os informais¹ ⁸, ou seja, os primeiros consistentes na emenda e revisão, e os segundos, na chamada mutação constitucional. Ao tratar desta última em outra obra¹ , indica os elementos para que uma mutação no texto da Constituição seja considerada constitucional: 1) importar em alteração do sentido, do significado ou do alcance da norma constitucional; 2) não ofender a letra nem o espírito da Constituição; 3) a alteração se processar por modo ou meio diferente das formas organizadas do poder constituinte instituído ou derivado. Para Jellinek, mutação da Constituição é a modificação que deixa indene seu texto sem mudá-lo formalmente que se produz por fatos que não ter que vir acompanhados pela intenção, ou consciência de tal mutação.¹⁷ Destaca a autora como uma espécie de mutação a interpretação constitucional, dividindo-a em legislativa, judicial e istrativa. Como exemplo de mutação por interpretação judicial, a autora cita a própria doutrina brasileira do habeas corpus, “a mais importante contribuição do Judiciário no desenvolvimento da construction, em terno da Constituição brasileira”.¹⁷¹ A interpretação constitucional também foi analisada em obra clássica de Carlos Maximiliano¹⁷², autor contemporâneo à Carta de 1891, para o qual interpretar é determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. Ao tratar da reforma da lei sem alterar o texto, salienta que não pode o intérprete alimentar a
pretensão melhorar a lei com desobedecer às suas prescrições explícitas. Ou seja, o limite da interpretação deve ser o texto da lei. E aduz que no campo do Direito Constitucional a Hermenêutica e o Costume exercem o seu papel sutilmente modificador, apesar de ser ali maior o rigor, mais profundo o respeito pelas letras dos preceitos supremos. Sobre a mutação constitucional, analisando a discrepância entre o texto constitucional e a realidade, assenta que:
Há outra espécie de revisão, invisível e poderosa, é a que resulta da ação contínua dos costumes políticos: uma Constituição revê-se cada dia pela sua própria aplicação; porque as instituições que ela estabeleceu têm por elementos, sem cessar renovados, homens que pensam e que atuam em face de uma realidade mutável.
Ora, o art. 72, parágrafo 22 da Carta de 1891 dispunha que “dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.”¹⁷³ Perceba, que o texto original possibilitava um escopo mais amplo ao habeas corpus, alterado pela Reforma de 1926, ou a constar a seguinte redação: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção”¹⁷⁴. Por outro lado, é interessante notar que um jurista do escol de Pontes de Miranda, de um viés mais conservador, tenha se manifestado não de forma contrária à tal doutrina originariamente, mas a encampando após a Constituição de 1934, com a criação do mandado de segurança. Sobre o tema, manifestou-se o célebre jurista:
O habeas corpus continua a ser remédio especial para a liberdade física; apenas, hoje, a garante em qualquer circunstância. Que sempre se restringiu ao direito de ir, ficar e vir, mostramo-lo à sociedade, na parte deste trabalho relativa a Inglaterra, que os Estados Unidos assim o mantem, provamo-lo em seguida; e que o Brasil apenas o aperfeiçoou, sem transmudar seu objeto, havemos de discutir com os fundamentos da nossa jurisprudência.
(…)
Convém ressaltar que à época, muito comum era, talvez até mais do que hoje em dia, o recurso ao chamado argumento de autoridade. Conforme ensina Carlos Maximiliano, sempre se usou nas lides judiciárias, com excessiva frequência, bombardear o adversário com as letras de arestos e nomes de autores, como se fossem argumentos. E ressalta o mesmo autor que na República prevaleceram Rui Barbosa, no Direito Constitucional, Clovis Bevilacqua, no civil, e J. X. Carvalho de Mendonça, no Comercial.¹⁷⁵
3.2 Panorama do instituto do habeas corpus e seu desenvolvimento no direito brasileiro
A fim de compreender as linhas gerais do instituto do habeas corpus e as formas que ele se revestiu no direito brasileiro no períododesta obra, recorrer-se-á à obra de Pontes de Miranda, célebre jurisconsulto, matemático, sociólogo, filósofo e escritor, que conseguiu desenvolver escritos em quase todas as áreas do direito existentes à sua época, fora os outros temas citados.¹⁷ O referido autor desenvolveu um dos maiores tratados no mundo sobre habeas corpus ¹⁷⁷, que se torna obra de referência para quem deseja estudar o assunto. Partindo da origem do instituto do habeas corpus nos direitos inglês e norteamericano, analisa o seu desenvolvimento no Brasil Império, na Primeira República e até a Constituição de 1946, com destaques nas discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Da leitura de Pontes de Miranda, depreende-se que o instituto do habeas corpus teve sua origem no direito dos países de common law, a saber, Inglaterra e Estados Unidos. A explicação disto é dada pelo comparativista francês René David, para o qual, no sistema de common law, nas suas origens, remedies precede rights, ou seja, em primeiro lugar o processo. A gênese da common law foi constituída por um certo número de processos (forms of actions) nos termos dos quais podia ser proferida uma sentença.¹⁷⁸ Em outras palavras, a Inglaterra é o país da Europa em que as liberdades públicas foram mais cedo protegidas contra o despotismo do soberano, embora não seja o país da Declaração dos Direitos do Homem, de origem sa.¹⁷ Dentro desta linha, a primeira liberdade que os ingleses se orgulham de ter protegido é a de não ser detido arbitrariamente, ou seja, a freedom of arrest. O desenvolvimento do direito constitucional e da forma democrática na Inglaterra é balizado por leis particulares – Magna Carta de 1215, Bill of Rights, Habeas Corpus Act, que –, dentro da ideia de devido processo legal (due process of law), asseguram o indivíduo contra uma detenção arbitrária. A expressão habeas corpus, emprestada do direito inglês, tornou-se no mundo inteiro a expressão de
um ideal, qual seja, a de ninguém ser privado de sua liberdade indevidamente.¹⁸ O fim era evitar, ou remediar, quando impetrado, a prisão injusta, as opressões e detenções excessivamente prolongadas. A ordem era do teor seguinte: “Toma (literalmente: tome, no subjuntivo, habeas, de habere, ter, exibir, tomar, trazer, etc.), o corpo deste detido e vem submeter ao Tribunal o homem e o caso.”¹⁸¹ Interessante, pois, é a observação de René David, no sentido que a regulamentação técnica do habeas corpus no Direito inglês foi mais efetiva do que no da Europa continental da civil law, uma vez que nestes o mesmo princípio da inviolabilidade da pessoa humana foi proclamado, mas não foram instituídos remédios eficazes para dar-lhes plenos direitos.¹⁸² É interessante também a observação de René David sobre a contradição da origem do habeas corpus no direito britânico, que se transcreve:¹⁸³
O paradoxo é que o procedimento de habeas corpus tinha, em sua origem, outro objeto. Não visava garantir a liberdade dos cidadãos, mas sim reforçar a autoridade real diante dos senhores. Vinculado à prerrogativa real, o procedimento do habeas corpus não poderia jamais ser instaurado contra medidas de detenção instauradas em nome do rei, por mais arbitrárias que essas medidas pudessem ser.
Partindo, então, do direito inglês, Pontes de Miranda analisa as origens do instituto do habeas corpus no direito norte-americano, profundamente inspirado naquele. Citando Blackstone, eis a fórmula para entender o habeas corpus no direito norte-americano: “Troque-se a palavra ‘rei’ pela palavra ‘povo’, e ter-se-á aí, toda a filosofia do processo do habeas corpus na América do Norte.”¹⁸⁴ Como fontes formais do habeas corpus no direito-americano, é de citar-se as emendas e adições à Constituição¹⁸⁵, cuja Emenda 5 estatui que “no person shall be deprived of life, liberty or property, without due process law” (ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal). Outra emenda, a quarta, tornou defesa a possibilidade dos general warrants, ou mandados gerais, que, no direito inglês, foram considerados ilegais pela corte do Banco do Rei. Do mandado deveria constar a causa e a descrição do lugar e pessoa a ser buscada.
Também convém esclarecer o escopo deste instituto no direito norte-americano, que era até onde se cravam os limites da liberdade física. Citando Story, Pontes de Miranda doutrina que, no direito norte-americano, “aos olhos da lei, todos os obstáculos à liberdade física, quaisquer que sejam e como se tenham efetuado, se equiparam à prisão para os efeitos do habeas corpus”.¹⁸ O direito estadunidense também previa a suspensão de garantia, instituto mãos próximo ao estado de sítio e que só foi utilizado uma vez, durante a Guerra de Secessão norte-americana (1865-1870). Esta argumentação foi muito utilizada pela doutrina brasileira da Primeira República, como vimos, fortemente inspirada no direito norte-americano, para justificar a extensão do habeas corpus à proteção de outros direitos individuais. emos, então, à análise deste instituto no direito pátrio.
3.2.1 O habeas corpus no Brasil Império
Tal qual procedeu-se anteriormente, antes de analisarem-se as instituições jurídicas da Primeira República, faz-se necessário um breve percurso pelas do Império, como fizemos outrora com o Supremo Tribunal de Justiça, o Poder Moderador, o Conselho de Estado. Utilizaremos também como apoio o tratado de Pontes de Miranda e obra de Andrei Koerner, fruto de sua tese de doutoramento.¹⁸⁷ A Constituição de 1824 não previu o habeas corpus, no entanto, mas estabeleceu o direito de liberdade em seu art. 179, § 8, dispunha que:
Ninguém pode ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei; e nestes, dentro de vinte e quatro horas, contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz, e nos lugares remotos, dentro de um prazo razoável, que a lei marcará atenta à extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada farpa constar ao réu o motivo da prisão, o nome de seu acusador e os das testemunhas, havendo-as.¹⁸⁸
Anteriormente, logo após a partida de Dom João VI para Portugal, foi expedido o Decreto de 23 de maio de 1821, que estabelecia:
(…) que desde sua data em diante nenhuma pessoa livre possa ser presa sem ordem por escrito do juiz ou magistrado criminal do território, exceto somente o caso de flagrante delito, em que qualquer do povo deve prender o delinquente. (…) nenhum juiz ou magistrado criminal possa expedir ordem de prisão sem preceder culpa formada.¹⁸
A pretensão do instituto do habeas corpus só adveio com o Código Criminal de 1830, que o previu nos arts. 183-188, mas a sua efetiva criação foi efetuada com o Código de Processo Criminal, em 1832. Convém aqui transcrever os dispositivos, para uma melhor compreensão:
Código Criminal (1830), arts. 183 e 184 Dos crimes contra a liberdade individual. Recusarem os juízes, a quem for permitido ar ordens de “habeas corpus”, concedê-lo quando lhes forem regularmente requeridas, nos casos em que podem ser legalmente adas; retardarem sem motivo a sua concessão, ou deixarem de propósito, e com conhecimento de causa, de as ar, independente de petição, nos casos em que a lei determinar; Recusarem os oficiais de justiça, ou demorarem por qualquer modo a intimação de uma ordem de “habeas corpus”, que lhes tenha sido apresentada, ou a execução das outras diligências necessárias para que esta ordem surta efeito.
Código de Processo Criminal (1834), art. 340 Todo o cidadão, que entender que ele ou outrem sofre prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem direito de pedir ordem de “habeas corpus” em seu favor.¹
Segundo Pontes¹ ¹, entre o período compreendido entre 1832 e 1871, não foi alargada a aplicabilidade do habeas corpus, senão no que decorria da linguagem do Código de Processo Criminal. Mudança sobreveio com a edição da Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871, que estatuiu no seu art. 18, parágrafo 8: “Não é vedado ao estrangeiro requerer para si ordem de habeas corpus, nos casos em que esta tem lugar”. Esta lei também fixou a competência dos juízes de direito para o julgamento do habeas corpus e estabeleceu a responsabilidade do detentor da ordem. Apesar de o habeas corpus, no Brasil Império, restringir-se à liberdade física, Pontes de Miranda cita duas questões interessantes. Concedia-se a ordem, por
exemplo, ao escravo libertado a título oneroso pelo filho do senhor, ou senhora, enquanto o contrário não fosse resolvido por meio da ação da autoridade competente. Isso acontecia ainda quando se provasse que o filho não tinha poderes especiais para conceder essa libertação, a qual devia ser levada à sua conta (Relação de Belém, 14 de agosto de 1876). Outro caso pode ser citado, igualmente curioso: a Relação de Recife a 29 de agosto de 1884, decidiu que se devia conceder a ordem a todo indivíduo contra o qual fosse decretada a prisão como escravo, embora se presumissem outorgadas indevidamente as suas cartas de alforria, o que só poderia ser resolvido em ação ordinária.¹ ² Neste ponto, é de citar-se Machado de Assis, que, no conto “Pai contra mãe”, começa com a frase de que “A escravidão levou consigo ofício e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais”. Em obra fruto de tese de doutoramento, Andrei Koerner analisa o habeas corpus como instrumento de controle social no Brasil no período do Império e da Primeira República, até 1920, trabalho que se revela importante para o nosso estudo.¹ ³ A obra do cientista político da Unicamp procura analisar como o habeas corpus era utilizado dentro do seu escopo criminal, diferentemente desta obra, que trata da ampliação do instituto do habeas corpus na Primeira República para proteger outros direitos individuais. Conclui o autor que, no Império, o habeas corpus tinha a natureza de um recurso criminal, sendo alçado na Primeira República à condição de remédio garantidor de outros direitos previstos na Constituição. Em uma primeira parte, analisa toda a prática do habeas corpus no Império moldada à luz das práticas escravistas, que não eram previstas na Constituição. Nas palavras do autor:¹ ⁴
A prática judicial prudência e conservadora era também consequencia das condições político-institucionais do exercício do cargo pelos magistrados. Na tomada de decisão o magistrado era colocado diante de uma situação complexa: ele devia considerar instrumentos legais heterogêneos, fundados em princípios jurídicos contraditórios e conceitos jurídicos confusos, indivíduos de diferentes categorias sociais, outras circunstâncias particulares da situação (mesmo não previstas na lei, e não presentes nos autos), e, enfim, os efeitos políticos e sociais de sua decisão.. (…) Enfim, havia o problema social da escravidão, que impunha ao magistrado a consideração dos efeitos sociais de sua decisão.
Em um segundo momento, a partir de 1871, ressalta que a parcela mais importante da atividade policial era voltada ao comportamento dos indivíduos por meio da detenção de suspeitos, de acusados de vadiagem, de desordens, ou outros comportamentos considerados atentatórios à ordem pública, que gera um aumento nos pedidos de habeas corpus relativa à demanda judicial dos atingidos pela ação policial que não eram necessariamente escravos.¹ ⁵
3.2.2 O habeas corpus na Primeira República
A ampliação doutrinária e jurisprudencial da utilização do habeas corpus deu-se após a mudança perpetrada pela Constituição republicana de 1891. Com efeito, não havendo mais o Poder Moderador, a forma mais disseminada de ar o Poder Judiciário, que só funciona mediante provocação para assegurar o controle de constitucionalidade e os direitos individuais, era por meio do instituto do habeas corpus, previsto no já citado art. 72, parágrafo 22 da Carta. Andrei Koerner¹ , ainda analisando o habeas corpus sob o aspecto penal e processual penal, cita acórdão do STF de 10 de janeiro de 1900, no qual este negou habeas corpus a pacientes intimados pela polícia para se retirarem de um estabelecimento comercial e aí não retornarem, porquanto estava na competência da autoridade policial fazer a inspeção destes estabelecimentos. No caso, as pacientes eram prostitutas e a casa um prostíbulo disfarçado. Transcreve-se parte da decisão da obra de Koerner:
É negado provimento ao recurso do despacho que julgou improcedente o pedido de habeas corpus preventivo, porquanto o ato da autoridade policial contra o qual se reclama está dentro da esfera de suas atribuições em face da lei. As pacientes alegavam que, trabalhando na casa comercial em que eram empregadas, foram intimadas pela autoridade policial para retirarem-se incontinenti do estabelecimento, o que aliás não podiam fazer ser prestar contas aos seus patrões. Desde então, estavam impossibilitadas de penetrar na dita casa, acham-se ameaçadas, se o fizerem, de prisão pela mesma autoridade. O juiz negou a ordem pedido, considerando que “a casa de chope em que estavam as pacientes, que se entregavam à prostituição, era um bordel disfarçado sob as aparências de um estabelecimento comercial e um foco permanente de conflitos, sendo que, nos termos da lei, incumbe à polícia manter a ordem pública e ter severa vigilância sobre as mulheres de má vida que ofendem a moral pública e os bons costumes.”
A doutrina brasileira do habeas corpus representa a coroação do judiciarismo republicano já explanado no capítulo anterior, embora a os lentos, defendido dentre outros, por Rui Barbosa, na cátedra, Pedro Lessa, como Ministro, Amaro Cavalcanti e Felisbelo Freire, em oposição ao antijudiciarismo conservador defendido por Campos Salles¹ ⁷, Alberto Torres,¹ ⁸ dentre outros. Na prática do regime, porém, prevaleceu a orientação de Campos Salles que em 1898 assumiu a Presidência da República e estabilizou o regime por meio do modelo político da Política dos Governadores, que garantia definitivamente o federalismo a partir de um pacto de aliança entre as oligarquias estaduais e o Executivo federal. É de ressaltar-se que o Poder Judiciário à época não estava isento de pressões políticas, o que influenciava em muito os julgados, já que o Supremo Tribunal e a Justiça Federal tendiam a validar as interpretações conservadoras da oligarquia. Sobre a relativa falta de isenção do Poder Judiciário, assim se manifesta Christian Lynch, em uma percuciente síntese do tema:¹
É verdade que, como não poderia deixar de ser, as nomeações para ministros do Supremo também se efetuavam conforme os critérios do jogo oligárquico. No entanto, uma vez que, em virtude da vitaliciedade, os ministros e juízes federais permaneciam em seus cargos, independentemente das mudanças na política federal e dos Estados, as minorias oposicionistas podiam eventualmente obter decisões favoráveis do Judiciário Federal. Daí alguma incerteza sobre os resultados das decisões dos tribunais, e a severa insatisfação com as decisões que contrariassem os interesses das oligarquias dominantes, (…)
Como se trata de um trabalho de história de direito, procuramos analisar os julgados do Supremo Tribunal Federal que compam a chamada doutrina do habeas corpus, adotando como fonte os julgamentos históricos disponíveis no site do Supremo Tribunal, bem como obras doutrinárias da época que comentavam os julgados. Dentro da hermenêutica² , a doutrina do habeas corpus é uma interpretação extensiva do conceito deste instituto. Para bem delimitar qual seria o alcance original deste instituto, utilizaremos a lição do processualista Tourinho Filho.
Embora a obra seja muito posterior ao período estudado, o autor enumera as hipóteses de (possível ou já existente) constrangimento ilegal (entendido este como o cerceamento do direito de ir e vir) capaz de ensejar a impetração de habeas corpus. São elas:² ¹
I. Quando não houver justa causa; entendida esta como aquela que é conforme o direito; II. Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III. Quando quem ordenar a coação não tiver qualidade para fazê-lo; IV. Quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V. Quando não for alguém itido a presar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI. Quando o processo for manifestamente nulo; VII. Quando extinta a punibilidade.
Percebe-se que todas as hipóteses elencadas acima são relativas à restrição do direito de locomoção por questões materiais ou processuais da prisão e da ação penal, mas não estendidas a outros direitos, que atualmente seriam amparados por mandado de segurança. No entanto, a própria redação original do art. 72, parágrafo 22 já dava margem a esta interpretação extensiva, ao falar em “iminente perigo de sofrer violência ou coação por se achar em ilegalidade ou abuso de poder”, redação esta alterada pela Reforma de 1926. Pontes de Miranda² ², no entanto, se manifestou de forma contrária a esta interpretação extensiva, assentando, em interessante agem, que:
A tese reacionária e a antítese liberal fizeram explodir a mais memorável
contenda jurídica constitucional do Brasil. Mais: da América Latina. Muito devemos nós, brasileiros, a esse choque do primeiro quartel do século. (…) Sem aquelas discussões não teríamos, mais tarde, a técnica legislativa constitucional de que se valeram os constituintes de 1934 e 1946.
Embora adote um viés mais conservador em várias partes da sua obra, Pontes reconhece a importância desta doutrina para a história do direito brasileiro, razão pela qual nos propusemos a estudá-la mais a fundo. emos, então, a uma análise dos julgamentos no período 1892-1926 que lhe deram ensejo. O embrião da referida doutrina deu-se com as discussões sobre os limites ao estado de sítio, nos Habeas Corpus, já citados, 300, 406, 410 e 415, o primeiro, ainda sem nenhum controle judicial sobre as medidas adotados no estado de sítio, e os três últimos, acenando com a possibilidade de controle de algumas medidas, mormente após a cessação da excepcionalidade. Ainda que muito incipiente, tais acórdãos representam um pequeno avanço no controle de questões políticas quando em jogo direitos individuais. Convém citar, também, o Habeas Corpus 1974² ³, impetrado por Olympio Lima em favor de membros da família Imperial, para que fosse concedida uma ordem de habeas corpus para cessar a pena de banimento que foi aplicada a todos os membros desta família após a Proclamação da República. Embora a conclusão do acórdão tenha sido extremamente conservadora com a denegação da ordem para a Família Imperial retornar ao Brasil, o seu argumento principal não deixa de ser republicano, uma vez que se assentou que a garantia do habeas corpus está entre as que o art. 72 da Constituição reserva aos brasileiros, bem como aos estrangeiros residentes no Brasil. Mas pelo banimento os membros da dinastia deposta perderam a qualidade de brasileiros e a sua residência no Brasil, conforme voto do Min. Bernardino Ferreira. O banimento da família real, instituído pelo Decreto 78-A, de 21 de dezembro de 1889, foi considerado, portanto, uma questão política, embora o julgado em questão não adote este termo, mas fale em ato não penal nem judiciário do Poder Público, mas de natureza inteiramente diversa, tanto que não teria sido revogado pela Constituição de 1891, que abolia a pena de banimento judicial.
3.2.3 Julgamentos históricos
a-se, agora, à análise dos julgamentos históricos do Supremo Tribunal Federal no período entre 1904-1926, que consolidaram a doutrina brasileira do habeas corpus até a Reforma Constitucional de 1926. Por que tais julgamentos foram considerados históricos pelo Supremo Tribunal Federal? É evidente que para a história do direito eles tiveram fundamental importância, pois ajudaram na construção de uma doutrina que influenciou posteriormente mandado de segurança, mas também para a História do Brasil foram importantes, pois todos eles estão associados a algum momento da história nacional. Por isso, ao tratar dos julgamentos, faremos breves comentários sobre o contexto histórico que os norteou. Utilizaremos, de forma sistemática, todos os julgamentos disponíveis na página do Supremo Tribunal Federal como históricos.² ⁴ Posteriormente, faremos uma síntese de outros julgamentos esparsos que encontramos em pesquisa doutrinária, em livros e periódicos da época. Não que estes sejam menos importantes, mas a nossa metodologia adotou como prioridade analisar todos os julgamentos que foram elencados como históricos pelo Supremo Tribunal Federal. Convém ressaltar que, dada a instabilidade política reinante no período, o Supremo Tribunal Federal era constantemente instado a dar posse a candidatos eleitos, manifestar-se sobre dualidades de Assembleias Legislativas, assuntos que seria impensáveis nos dias atuais. a) Revolta da Vacina (Recurso de Habeas Corpus 2244) Durante o Governo Rodrigues Alves (1902-1906), que promoveu a modernização da cidade do Rio de Janeiro, o médico sanitarista Oswaldo Cruz foi convocado para combater as epidemias que assolavam a cidade, que era conhecida como “túmulo de estrangeiros”. Em fins de 1904, o governo enviou ao Congresso o projeto de lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola. A determinação rigorosa tinha amparo na realidade, já que, somente naquele ano, a doença vitimou mais de quatro mil pessoas. Aprovada em 31 de outubro, a norma despertou a ira da oposição, sob a liderança do senador Lauro Sodré e do Deputado Barbosa Lima e também de Rui Barbosa que, na tribuna do Senado, se
valeu de sua retórica peculiar para atacar a vacinação. Assim como o direito veda ao poder humano invadir-nos a consciência, assim lhe veda a transpor-nos a epiderme. Em uma discussão que chega a lembrar a polêmica em torno da necessidade de quarentena em razão do coronavírus, instado a manifestar-se no Recurso de Habeas Corpus 2244, o STF, já prenunciando a doutrina do habeas corpus, entendeu que houve violação ao art. 72, § 11 da Constituição (livre circulação de pessoas em tempos de paz), sob os seguintes fundamentos:
Considerando, porém, que a entrada forçada em casa do cidadão para o serviço de desinfecção, sendo apenas autorizada por disposição regulamentar, importa em flagrante violação do artigo 72, § 11 da Constituição Federal, o qual cometeu à Lei o encargo de prescrever em quais casos é permitido, de dia, a entrada em casa particular sem consentimento do respectivo morador; (…) Considerando, pois, que sendo inconstitucional a disposição regulamentar que faculta à autoridade sanitária penetrar, até com o auxílio da força pública, em casa particular para levar a efeito operações de expurgo, a coação de que tal ato possa provir é manifestamente injusta, e, portanto, a iminência dela importa ameaça de constrangimento ilegal que legitima a concessão de habeas corpus preventivo.
Neste importante julgado, concedeu-se a ordem de habeas corpus para assegurar a inviolabilidade do domicílio, ou a afronta à livre circulação de pessoas, em uma pequena ampliação do escopo do instituto. Reveste-se, portanto, de importância jurídica e histórica, dada a relevância do evento até mesmo para a cidade do Rio de Janeiro e para a saúde pública brasileira. b) Caso do Conselho Municipal do Distrito Federal (Recursos de habeas corpus 2793, 2794, 2797, 2799 e 2990)² ⁵ Estes julgados deram origem propriamente ao núcleo da doutrina do habeas corpus. Como os acórdãos têm fundamentação muito parecida, adotaremos como
paradigma o Recurso de Habeas Corpus 2793. Em uma época em que as instituições políticas não estavam bem sedimentadas, era relativamente comum a dualidade de Assembleias Legislativas em alguns Estados da Federação. Cuidou-se de recurso de decisão de juiz federal que negou habeas corpus em que se discutia, preliminarmente, a inconstitucionalidade do Decreto do Poder Executivo 7689, de 26 de novembro findo, que “determinou que, até ulterior deliberação do Congresso Nacional, o prefeito istre e governe o Distrito independentemente da colaboração do Conselho Municipal, que é considerado não existente, por não se ter constituído na forma do direito”² .
O objetivo do writ era, portanto, obter uma ordem com o efeito de se julgar regularmente organizado e em funções o Conselho Municipal, o que o STF negou, já acenando com uma possibilidade de judicialização da política, conforme se verifica do voto do Min. Pindaíba de Matos: Assim posta a questão é, sem dúvida, o habeas corpus autorizado pelo art. 72, § 22, da Constituição, na amplitude de seus termos – “dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder” – o único meio legal e hábil contra a lesão do direito, se efetivamente ela se deu. Não se pode, porém, com fundamento no citado art. 12 do Decreto 516, negar ao Poder Judiciário competência para conhecer da regularidade da formação do Conselho, desde que, chamado para julgar a questão, é esse o ponto substancial e único de divergência para julgar a questão, (....). É, pois, intuitiva a competência do Poder Judiciário, para no caso concreto, conhecer de todas as circunstâncias de fato e de direito relativas à organização do Conselho. Deixando de cumprir disposição legal tão clara e expressa, reconhecendo três cidadãos não diplomados, reconhecimento manifestamente nulo, não tinha o Conselho o número legal indispensável para instalar-se e funcionar, que é dois terços do mesmo Conselho, isto é, onze intendentes reconhecidos.² ⁷
c) Dualidade de assembleias no Rio de Janeiro (Habeas Corpus 2984 e 3061) Durante o Governo Hermes da Fonseca (1910-1914), marcado por grande instabilidade política, intervenções federais e estado de sítio eram constantes, e houve casos de dualidade de Assembleias no país. O caso ocorrido no Rio de Janeiro colocou os três poderes da República em disputa, após a intervenção federal decretada na cidade de Niterói, no dia 3 de dezembro de 1910. A duplicata de Assembleia Legislativa ocorreu no Estado do Rio de Janeiro; uma, reconheceu e proclamou presidente do Estado o Dr. Francisco Chaves de Oliveira Botelho; outra, reconheceu e proclamou o Dr. Manoel Edwiges de Queiroz Vieira. A Mesa desta última impetrou ao STF habeas corpus, sob a alegação de lhes ter sido obstado realizar sessão especial nessa data para dar posse ao novo Presidente, eis que por parte da força pública federal fora ocupado o edifício das suas sessões, sendo-lhes vedado o ingresso. Conforme consigna Edgard Costa,² ⁸ na discussão do caso, a argumentação contra o pedido dos Impetrantes cingiu-se ao seguinte: 1) que ao Tribunal faltava competência para conhecer dele por se tratar de questão política; 2) que os impetrantes não provaram a coação alegada; 3) que não provaram igualmente a sua qualidade de deputados; 4) que havia cessado a coação de que se queixavam. A fundamentação do julgado é decerto muito extensa, conta com vários votos vencidos e muitas discussões sobre intervenção federal, que refogem ao nosso tema, razão pela qual não aprofundaremos. Do voto vencedor do Ministro Amaro Cavalcanti, depreende-se uma análise minuciosa da doutrina das questões políticas. Com base no Caso Luther vs Border do direito norte-americano, acena com a possibilidade de o Judiciário adentrar questões políticas para amparar os direitos individuais e garantir o seu exercício, e que não estando submetido à análise do Poder Judiciário nenhum ato do Presidente da República, este seria competente para conhecer do habeas corpus. No mérito, entendeu a Assembleia Legislativa do Estado do Rio não ser a dos impetrantes; e sim a dos adversários, por ser a primeira oriunda de um projeto de lei, no que foi acompanhado pelo Min. Pedro Lessa. O Habeas Corpus 3631 foi impetrado em caráter preventivo, mas com a mesma causa de pedir. A despeito de a discussão de mérito ser um tanto óbvia para os
dias de hoje, as preliminares sobre o conhecimento do habeas corpus trazem interessantes considerações sobre as relações entre os Poderes, conforme se verifica da ementa do julgado abaixo:²
Primeiro acórdão. Compete ao Poder Judiciário garantir com habeas corpus a liberdade individual necessária ao exercício das funções políticas. Não havendo provado o constrangimento ilegal, mas considerada a possibilidade de sua existência, converte-se o processo em diligência, a fim de serem requisitados os necessários esclarecimentos da autoridade competente. Segundo acórdão. Não existindo mais os motivos que justificavam as apreensões e receios, por haver o Presidente da República ordenado a reposição de um dos pacientes no cargo de governador do Estado, e nem se achando provado o alegado constrangimento ilegal, julga-se prejudicado e sem mais objeto o pedido de habeas corpus.
d) Dualidade de assembleias no Estado da Bahia (Habeas Corpus 3137 e 3145) Consigna Edgar Costa²¹ que o ambiente político no quatriênio presidencial de Hermes da Fonseca – de que são reflexos os casos do Conselho Municipal do Distrito Federal e do Estado do Rio – atingiu seu clímax com o caso da Bahia. Tal caso se assemelha em muito aos anteriores. Cuidou-se de habeas corpus impetrado por Rui Barbosa, em 13 de janeiro de 1912, ao STF, em favor do Dr. Aurélio Viana e outros, que sofriam constrangimento no exercício de suas funções. O Tribunal, por unanimidade, com restrições do Min. Godofredo Costa, deliberou fossem prestados esclarecimentos pelo Presidente da República, Governador do Estado e Presidentes da Câmara e Senado. Após prestados os devidos esclarecimentos, o Tribunal julgou prejudicado e sem mais objeto o pedido de habeas corpus, visto não mais existirem os motivos que justificavam as apreensões e receios, por haver o Presidente da República ordenado a reposição de um dos pacientes, nem se achado provado o devido constrangimento ilegal.
O importante a ressaltar aqui é que foi novamente firmada a competência do Supremo Tribunal para conhecer de habeas corpus relativo à garantia do livre exercício dos poderes políticos. e) Caso Nilo Peçanha (Habeas Corpus 3697) A matéria de fundo é muito semelhante a dos julgados anteriores. Em 1914, Nilo Peçanha foi eleito Governador do Estado do Rio de Janeiro, mas sofreu constrangimentos por ocasião da sua posse, em razão de um estado de sítio decretado e prorrogado três vezes sem causa constitucional definida. Na fundamentação do julgado, também extensa, teceram-se considerações sobre o habeas corpus para assegurar o exercício de cargos políticos e a inafastabilidade das questões políticas. Importante ressaltar, segundo Christian Lynch²¹¹, o voto vencido do ministro relator Pedro Lessa, que, no mérito, destacou o caráter “manifestamente inconstitucional” do ato e ou por cima da doutrina de que ao Judiciário era vedado examinar os motivos que haviam levado o Judiciário a decretar o estado de sítio. Segundo Lessa, era
público e notório, e verificado todos os instantes, que não estamos em guerra com qualquer nação estrangeira, e que não há em qualquer ponto do país a mais leve comoção intestina, casos únicos em que a Constituição permite a medida extrema do estado de sítio. Ressaltou ele, também, o caráter político da jurisdição constitucional e a recusou aceitar a autoridade da jurisprudência constitucional argentina que guiava a interpretação conservadora da Constituição desde a década de 1889, invocando a jurisprudência liberal dos EUA, país onde a suspensão do habeas corpus só havia sido decretada uma vez, durante a Guerra de Secessão.
No entanto, o Min. Pedro Lessa restou vencido. Prevaleceu o voto do Min. Relator Amaro Cavalcanti, que ratificou a tese governista de que “não cabia ao Poder Judiciário julgar dos motivos e razões que o teve o Presidente da República para decretar o estado de sítio e tomar as medidas de segurança que a Constituição autoriza”. Segundo ele, o Poder Judiciário devia se comportar de forma mais conservadora, eximindo-se das indagações relativas a origens de
governo. Infelizmente, o STF mostrou-se relutante em dar uma o adiante na judicialização da política. No entanto, o voto do Min. Pedro Lessa teve importância no sentido de defender a tese de judicialização da política, bem como mitigar a inafastabilidade do controle jurisdicional sobre esta. f) Caso Macedo Soares (Habeas Corpus 3127) Este caso traz à baila novamente a questão das prisões políticas decretadas durante o estado de sítio no governo Hermes da Fonseca, abrangendo o território do Distrito Federal e das comarcas de Niterói e Petrópolis. A tese vencedora, constante do voto condutor do Ministro Amaro Cavalcanti, consagrou a doutrina das questões políticas e de que só o Presidente da República é competente para conhecer as razões do estado de sítio (art. 80, parágrafo 2 da Constituição). Ou seja, a inconstitucionalidade do estado de sítio firmava-se como uma questão política, com base em toda aquela argumentação conservadora e antijudiciarista. Sem embargo, mais uma vez, é de ressaltar-se o voto vencido do Min. Pedro Lessa, sempre com sua originalidade e sagacidade ao defender a judicialização da política, procurando afastar a jurisprudência conservadora argentina e invocando o direito norte-americano. Apenas a título de ilustração, transcreve-se parte do voto:²¹²
Essa atribuição do Supremo Tribunal Federal (art. 59 e 61 da Constituição) abrange todas as leis elaboradas pelo Poder Legislativo e todos os atos e decisões do Poder Executivo. Na Constituição, nenhum exceção, nenhuma restrição se nos depara a esse princípio de direito público federal. Nunca se entendeu que esse princípio seja contrário à independência dos outros dois poderes. Estes podem fazer tudo, menos o Legislativo leis inconstitucionais, e o Executivo decretar medidas inconstitucionais, ou ilegais. Este é o nosso sistema tal qual foi engendrado na América do Norte e transplantado para o Brasil e outros países. (…) Mesmo depois de aprovado o sítio pelo Congresso, nada pode embaraçar uma decisão em que o Tribunal garanta direitos individuais lesados pelo ato do
Executivo, aprovados pelo Legislativo. Como, pois, se há de abster o Tribunal de amparar direitos individuais, feridos pelo decreto de sítio, porque este ainda não foi examinado pelo Congresso?
g) Liberdade de imprensa e imunidades parlamentares (Habeas Corpus 3536) Este writ foi impetrado pelo próprio Rui Barbosa em seu favor contra ato do Governo que proibira a publicação no jornal O Imparcial de discurso por ele redigido e proferido no Senado Federal. Como causa de pedir, alegou o Impetrante-paciente que não poderia ter um discurso seu, já lido no Parlamento, impedido de ser publicado, uma vez que, na condição de senador da República, garantia-lhe a Constituição inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos. Em uma interpretação parcialmente inovadora, houve por bem o Supremo Tribunal Federal deferir a ordem para assegurar a Rui Barbosa o direito constitucional de publicar os discursos proferidos no Senado, onde, quando e como lhe conviesse. No entanto, o fundamento da concessão não estava propriamente na liberdade de expressão; e sim, na imunidade parlamentar do senador, em uma discussão que viria ser retomada sob a Constituição de 1934. A fundamentação do julgado é, a propósito, elucidativa:
(…) Considerando que o senador, como representante da soberania nacional, está na sua qualidade isento da ação do Poder Executivo, embora o estado de sítio, sob pena de itir-se uma restrição, uma fiscalização, uma ascendência deste poder contra o outro, com manifesto sacrifício do preceito imperativo do citado art. 15, que instituiu três poderes políticos, independentes e harmônicos entre si, o que é de alta sabedoria e previdência para o equilíbrio do regime político da federação brasileira; Considerando que o constrangimento ou coação de um deputado ou senador no exercício de seu mandato concedido pela soberania nacional, partindo de poder público, incide evidentemente na hipótese do art. 72, § 22, da Constituição da República, que manda conceder “habeas corpus” sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou abuso de poder;
Considerando que o fato de que se queixa o senador impetrante do presente habeas corpus de achar-se privado de publicar os seus discursos na Imprensa, fora do Diário Oficial, por ato do chefe de Polícia desta cidade, importa em manifesta restrição na sua liberdade de representante da Nação, porque o seu mandato deve ser cumprido em sessões públicas do Parlamento (art. 18 da Constituição); Considerando que neste regime político a publicidade dos debates do Parlamento é da sua essência, porque todos os Poderes Políticos surgem da nação no exercício da soberania;²¹³ (grifo nosso)
h) Liberdade de reunião e expressão (Habeas Corpus 4781) Mais progressista ainda e, a nosso ver, ápice da doutrina brasileira do habeas corpus, foi o writ 4781, impetrado por Rui Barbosa, na qualidade de candidato de oposição à Presidência da República, para garantir o exercício de algumas liberdades individuais, a saber, de reunião e pensamento. Pedia o Impetrante que aos pacientes fosse assegurado o direito de reunião e livre manifestação de pensamento, a fim de poderem, a salvo de qualquer coação, no estado da Bahia, na cidade de Salvador, sua capital, reunir-se, realizando comícios nas ruas e praças públicas, teatros ou quaisquer recintos, manifestando livremente a sua opinião em propaganda da candidatura de Rui no pleito marcado para 13 de abril de 1919. Em voto muito bem fundamentado do Min. Eduardo Lins, dividiu-se a questão em três questões a decidir: 1) Se a espécie é da competência originária do Tribunal; 2) Se, para ela, tem cabimento o habeas corpus; 3) Se se acham provados os respectivos requisitos. Em uma argumentação escolástica, o Ministro responde afirmativamente a cada uma das questões acima. Quanto a primeira foi invocado o art. 22, in fine, da Lei n. 221 de 1894, pois não
era lícito contestar a urgente necessidade das garantias pedidas para os pacientes, sendo materialmente impossível impetrar a ordem ao juiz seccional da Bahia e chegar o pedido, em grau de recurso, ao Tribunal. A segunda questão resolveu-se de forma afirmativa. O Tribunal tem reconhecido que o habeas corpus era o meio adequado para assegurar o exercício de qualquer direito incontestável, no caso, a liberdade de locomoção. Em última análise, a proibição dos comícios implicava um atentado contra esta liberdade, porquanto se os seus promotores fossem utilizar deste direito, seriam levados à prisão. Seria, pois, postergada. Este writ foi impetrado pelo próprio Rui Barbosa em seu favor contra ato do Governo que proibira a publicação no jornal O Imparcial de discurso proferido pelo autor no Senado Federal. Como causa de pedir, alegou o impetrante-paciente que não poderia ter um discurso seu, já lido no Parlamento, impedido de ser publicado, uma vez que, na condição de senador da República, garantia-lhe a Constituição inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos. Ainda é feita uma menção às faculdades do direito de liberdade de locomoção, que é subdividido em três direitos: 1) o de permanecer o indivíduo em qualquer lugar, à sua escolha, desde que seja franqueado ao público; 2) o de ir de qualquer parte, para esse lugar; e o de vir, para ele, também de qualquer outro ponto; 3) o de não ter a sua liberdade cerceada em nenhuma destas duas faculdades. Segundo escólio de Edgard Costa, ²¹⁴ a terceira questão decompunha-se em três: - os lamentáveis fatos ocorridos na capital baiana em 25 de março; - o fato de o senador J. Seabra ter feito publicar que iria para a praça pública, quando discursasse o Conselheiro Rui Barbosa, contestar-lhe os discursos face a face; - e a proibição de comícios decretada pela polícia do Estado. As duas primeiras razões não autorizavam a concessão do habeas corpus: aquela, por se referir a fatos pretéritos; e esta, por ser um direito do Senador Seabra, como será de qualquer outro cidadão, apartear o orador de um comício e lhe contestar as palavras, direito que não se poderia limitar ou coibir, sem flagrante atentado aos mesmos princípios legais invocados pelos pacientes. A terceira razão, entretanto, autorizava indiscutivelmente a concessão da ordem, pois que envolvia ostensivo e violento atentado à garantia dos direitos consagrados pelos §§ 8 e 12 do art. 72 da Constituição Federal, que tratavam, respectivamente, da liberdade de associação e da livre manifestação de
pensamento. A polícia baiana efetivamente decretara a proibição dos meetings alegada, e as informações do governador a confirmavam. Encontram-se neste julgado interessantes discussões sobre os limites ao exercício dos direitos individuais. O Ministro Viveiros de Castro apenas num ponto divergia do relator: entendia assistir à polícia a faculdade de localizar os comícios. Assentava que o caso em julgamento versava sobre o exercício do direito de manifestação de pensamento, na época em que esse exercício se fazia mais que necessário, por se tratar da eleição do primeiro Magistrado da Nação. As garantias constitucionais não podiam ser recusadas, mas tornava-se mister a coibição de abusos. O Ministro Pires Albuquerque acompanhou o voto do relator, e teceu considerações sobre a efetividade dos direitos individuais:
(…) depois de trinta anos de prática do regime, que se fazia necessário conceder a ordem de habeas corpus, então requerida, para que na terra de seu berço, aos seus conterrâneos, nas vésperas de uma eleição em que era candidato, pudesse livremente falar o Conselheiro Rui Barbosa, senador da República, autor principal da Constituição, havia pouco sagrado, nas festas em que a Nação comemorara o seu jubileu, o maior dos brasileiros vivos. Esse direito o paciente acabara de exercer na Capital da República, e o estava exercendo então em Minas e São Paulo, sem que sofresse a ordem pública, sempre cercado das mais amplas garantias e das atenções devidas ao seu incomparável merecimento e à relevância dos serviços que tem prestado ao País. Por que, pois, se havia de vedar na Bahia o que nesses Estados se lhe permitia?²¹⁵
i) Independência da Magistratura e suas garantias constitucionais (inconstitucionalidade do Tribunal de Remoções do Estado de Minas Gerais) Embora tais julgamentos não contem da lista de julgamentos históricos disponível no sítio do Supremo Tribunal Federal, consideramos-nos deveras importante por discutir uma das garantias da magistratura assente nos dias atuais, porém não expressamente prevista na Carta de 1891: a inamovibilidade, qual
seja, impossibilidade de remoção por razões políticas. A Constituição da República garantia aos juízes federais apenas a vitaliciedade e a irredutibilidade de vencimentos, em seu art. 57 e parágrafos. De acordo com doutrina de Araújo Castro, os juízes seccionais são nomeados pelo presidente da República, mediante proposta do Supremo Tribunal Federal, a qual não pode conter mais de três nomes para cada uma das vagas. Os substitutos dos juízes seccionais são nomeados pelo presidente da República dentre os bacharéis ou doutores em Direito.²¹ Nada se menciona, entretanto, em relação aos juízes de direito, que estavam sujeitos a maiores pressões políticas. Conforme mencionado na coletânea de Edgard Costa²¹⁷, em 1923, o Juiz de Direito do Estado de Minas Gerais, tendo sido posto em indisponibilidade por ato do Governo, em vista de decisão do Tribunal Especial de Remoções, impetrou no Supremo Tribunal uma ordem de habeas corpus a fim de reassumir o exercício daquele cargo, alegando como principal fundamento do pedido ser contrária à Constituição Federal a criação daquele Tribunal especial, visto compor-se, além do Presidente da Relação, do Presidente do Senado e do Procurador- Geral do Estado, funcionário do Executivo, demissível ad nutum. Em sessão de 15 de outubro, tendo como relator o Min. Guimarães Natal, o Tribunal, preliminarmente, não conheceu do pedido, por não ser caso de habeas corpus. Esse mesmo writ foi reiterado três vezes, todas elas tendo sido denegado pelo STF. Em 1925, voltou o STF a debater a inconstitucionalidade do Tribunal de Remoções de Minas Gerais, por meio de recurso de habeas corpus interposto por juiz de direito, posto em disponibilidade em consequência de resolução daquele Tribunal. Inconformado com a sua indisponibilidade com vencimentos reduzidos, um juiz de direito da Comarca de Cássia requereu ao Tribunal de Justiça do Estado, que o indeferiu ao fundamento de a Constituição não prever a inamovibilidade dos magistrados, tão somente a vitaliciedade sujeita a decisão judicial. A questão foi, então, em grau de recurso, submetida ao Pretório Excelso, que, em voto do Min. Pedro dos Santos, deu provimento para dar provimento à ordem de reintegração. Este voto assentou os fundamentos da inamovibilidade dos juízes, em uma interpretação nitidamente judiciarista. Partindo do princípio da separação e independência entre os Poderes previsto no art. 15 da Lei Suprema de 1891, o STF reconheceu a inamovibilidade como um princípio inerente à
magistratura e assentou que²¹⁸:
Ora ninguém, nem sequer com relativa plausibilidade, poderá contestar que os requisitos necessários, em nosso regime político, para assegurar a independência do Judiciário, que é o que ora importa conhecer são: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a a irredutibilidade de vencimentos. Nos regimes em que o Poder Legislativo assume a posição de intérprete supremo da Constituição e os juízes são obrigados a cumprir as leis sem indagar se elas são ou não constitucionais, como o francês, a subordinação do Judiciário ao Legislativo é evidente, e, por isso, não há porque contra este arrimar a independência daquele. (…) Nos sistemas políticos, porém, como o americano, que é o nosso, em que o Judiciário é o árbitro supremo do da constitucionalidade, assim dos atos do Executivo como do Legislativo, àqueles predicados que o resguardam da ação do primeiro, indispensável é associar a irredutibilidade dos vencimentos que garanta contra as reações possíveis do segundo.²¹
Por fim, invocando o art. 74 da Constituição e a doutrina estrangeira, bem como jurisprudência pretérita, chega o Min. Relator que a inamovibilidade é inerente à independência dos juízes. Não chega a declarar inconstitucional o Tribunal de Remoção de Minas, apenas por não ser composto de juízes de maioria e estabelece a conclusão de que a remoção, que não pode ser decretada, é a remoção acintosa, como medida de perseguição, e não a remoção determinada por motivo de conveniência pública, e mesmo particular de magistrado, em processo regularmente estabelecido. Considerando que, à época, o Poder Judiciário era sujeito a constantes influências políticas, mesmo na cúpula, o julgado representa um avanço importante no sentido de delimitar a independência deste Poder. j) Tenentismo (Habeas Corpus 8801, 8811 e 8826)
O Governo Arthur Bernardes (1922-1926) foi marcado por um crescente
autoritarismo e antijudiciarismo, tanto que ele recebeu os apelidos de “presidente do sítio”, em face das várias decretações deste estado. Também foi marcado pela ascensão do movimento tenentista, promovido por militares do Exército, entre os anos de 1920 e 1930, que tinha como objetivo proporcionar melhores condições de vida aos militares, além de contribuir para uma ampla reforma na política brasileira. Como a toda ação equivale uma reação, é natural que esse movimento fosse coibido pelo governo e decretadas prisões políticas dos militares revoltosos, como aconteceu com a Revolta do Forte de Copacabana de 1922 e a de 1924 em São Paulo. Revoltados com as arbitrariedades praticadas pelo governo federal, cerca de mil soldados liderados pelo General Isidoro Dias Lopes se ergueram no dia 5 de julho e tentaram tomar o poder no Estado. A repressão foi feroz. Arthur Bernardes decretou estado de sítio em São Paulo imediatamente após o início do levante e enviou o Exército para restaurar a ordem a qualquer custo. Os pedidos de Habeas Corpus 8801, 8811 e 8826 foram impetrados por militares que participaram do levante do Forte de Copacabana em 1922 e tiveram sua prisão política decretada, após a decretação do estado de sítio na capital. Em todos eles, a ordem foi deferida, ao fundamento de serem as prisões ilegais. Nada de muito inovador se fixou nos julgados, apenas os registramos como um importante julgamento histórico.
3.2.4 Outros julgados em habeas corpus pelo STF (1910-1926)
Em artigo publicado em coletânea organizada por Christian Lynch e outros²² , Leonardo Sato e Priscila Gonçalves²²¹ ressaltam a importância dos periódicos jurídicos como fonte histórica do direito.
Os periódicos jurídicos produzem e disseminam informações jurídicas, como novas produções legais, julgados que reforçam orientações jurisprudenciais, julgados que inauguram novos entendimentos, atos executivos, discussões doutrinárias, artigos de opinião jurídica ou política. Até há não muitos anos, eram o meio privilegiado por que se avam as produções jurídicas mais recentes e destacadas. Entendidos como documento histórico, formam um conjunto e fontes que desenvolveu em torno de si uma linha de pesquisa específica, o periodismo jurídico. Essa linha foi mais desenvolvida em países como Portugal, Espanha e Itália desde a década de 1960. No Brasil, essa abordagem é ainda tênue, mas com resultados.
A perspectiva do periodismo jurídico foi adotada até então em nossa obra, posto que fizemos referência aos julgamentos históricos do STF quando do estudo da doutrina brasileira do habeas corpus. Como toda criação doutrinária e jurisprudencial, ela não é absoluta. Há julgados da Excelsa Corte neste período em sentido contrário e outros que procuram atenuar os efeitos da interpretação extensiva do habeas corpus. De forma a mostrar as divergências jurisprudenciais internas de tal doutrina, fizemos uma consulta à Revista do STF no período 1914-1923, também disponíveis em meio eletrônico.²²² Também se realizou uma consulta a obras doutrinárias de Lúcio de Mendonça²²³ e Tavares Bastos²²⁴, já citadas anteriormente, na parte de compilação dos julgados, estes últimos relativas a decisões de juízes e tribunais. Não se tem aqui a pretensão de ser exaustivo na análise dos julgados do STF, dado que o distanciamento histórico por si só não permite afirmar que foi ada a totalidade dos julgados no período 1910-1926. O objetivo aqui é
demonstrar que a doutrina do habeas corpus foi hegemônica, mas não absoluta, e que mesmo ao julgar o habeas corpus em sua acepção originária, qual seja, para evitar ou relaxar uma prisão ilegal, por vezes era conferida uma interpretação extensiva para assegurar algum direito individual implicitamente violado. É o que se percebe, por exemplo, das seguintes decisões colhidas nas revistas acima citadas²² :
Ementa: “O habeas corpus só tem por fim defender o direito de livre locomoção e, excepcionamente, o exercício de um a função pública desde que a situação jurídica do paciente seja líquida, certa e incontestável.” (Habeas Corpus 5606, Rel. Min. Edmundo Lins, julgado em 28/04/1920)Ementa: “Só é issível o habeas corpus para assegurar o exercício de função eletiva, quando esse direito é líquido, certo e incontestável.” (Habeas Corpus n. 6820, Rel. Min. Pedro Lessa, julgado em 25/04/1921) Ementa: “O Supremo Tribunal Federal só concede habeas corpus para a proteção de um direito, mediante as duas seguintes condições essenciais: a) que, para essa proteção, não haja nenhum outro remédio jurídico eficaz; b) de tal sorte que o habeas corpus não tenha, por escopo, criar, para ele, um título, mas apenas, remover o obstáculo que a autoridade opõe, ilegalmente, ao respectivo exercício. Os Juízes Municipais do Acre servirão pelo tempo de quatro anos, podendo ser reconduzidos a critério do Governo Federal. Aplicação do Decreto n. 9831 de 1912, art. 131. (Habeas Corpus n. 8718, Rel. Min. Edmundo Lins, julgado em 25/11/1922).
As ementas acima transcritas revelam-se favoráveis à doutrina do habeas corpus, embora estabelecendo alguns temperamentos: direito líquido, certo e incontestável, requisitos a serem absorvidos pela legislação posterior quando da criação do mandado de segurança. São encontrados também outros julgados que deferiram a ordem de habeas corpus para assegurar outros direitos muito além da liberdade de ir e vir, como se verifica²²⁷:
“Ementa: É isento de serviço militar o sorteado único arrimo de sua mulher, incapaz fisicamente ou de filho menor.” (Habeas Corpus n. 8535, Rel. Min. Alfredo Pinto, julgado em 05/06/1922) “Ementa: Aos pilotos diplomados, antes de 1907, não pode ser applicadas as disposições de Leis e regulamentos posteriores, com exigências novas, desconhecidas por ocasião de receberem os seus títulos de habilitação.” (Habeas Corpus n. 8401, Rel. Sr. Min. Pedro dos Santos, julgado em 17/04/1922) Ementa: “Por meio do habeas corpus não podem ser dirimidas questões versantes sobre o pátrio poder. Não conhece o Supremo Tribunal Federal de habeas corpus originária sinão nos casos expressos e taxativos da Lei. Aplicação da Lei n. 221, de 1894, art. 23 e do Regimento Interno do Supremo Tribunal.” (Habeas Corpus n. 8488, Rel. Sr. Ministro Leoni Ramos, julg. em 08/05/1922). Ementa: “As pessoas que se propem a exercer a profissão de cirurgião dentista, devem-se mostrar habilitadas, por título conferido pelas faculdade oficiais, ou equiparadas, na forma da Lei.” É condição para o exercício da profissão de cirurgião dentista, o registro do título ou licença, no Departamento Nacional de Saúde Pública. Aplicação da Constituição Federal, art. 72, § 24 e do Decreto n. 14.354, de 1920, arts. 155 e 157. (Habeas Corpus n. 8559, Rel. Min. Muniz Barreto, julgado em 12/07/1922)” Ementa: “Não é o habeas corpus meio idôneo para resolver questões puramente de direito civil. (Habeas Corpus n. 8719, Rel. Min. Hermegildo de Barros, julgado em 11/11/1922).” Ementa: “Constitui constrangimento ilegal, saneável por meio de habeas corpus, a aplicação de penas disciplinares, fora dos casos taxativamente enumerados nos regulamentos, sem a observância das formalidades processuais estabelecidas nos regulamentos. (Habeas Corpus n. 8727, Rel. Min. Viveiros de Castro, julgado em 22/11/1922)”
Percebe-se que o Supremo Tribunal Federal tutelou, por meio do habeas corpus, o livre exercício profissional, a isenção do serviço militar, o excesso das
punições disciplinares, em julgados que vão muito além da concepção originária do instituto. Essa ideia encontra-se presente em outro singular julgado da época, que concedeu habeas corpus para assegurar a prática da religião espírita:²²⁸
“A simples prática do espiritismo não constitui crime algum. Importa, portanto, em constrangimento ilegal, privar a respectiva sociedade de reunir-se ou ameaçar os seus membros de prisão e processo se tal o fizerem.” (Sentença do Juízo de Direito da Primeira Vara Criminal e acórdão do Conselho da Corte de Apelação de 18 de janeiro de 1908)
Convém ressaltar que, embora a Constituição de 1891 prevesse a separação entre a Igreja e o Estado, o Código Penal de 1890 era bem claro nos arts. 156, 157 e 158, inseridos no título “Dos crimes contra a tranquilidade pública” e, mais especificamente, no capítulo “Dos crimes contra a saúde pública”:
Art. 156. Exercer a medicina em qualquer de seus ramos, a arte dentária ou a farmácia; praticar a homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo, ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis e regulamentos. Penas- de prisão celular por um a seis anos, e multa de 100$000 a 500$000. Parágrafo único. Pelos abusos cometidos no exercício ilegal da medicina em geral, os seus atores sofrerão, além das penas estabelecidas, as que forem impostas aos crimes que derem casos. (…) Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar curas de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública: Penas- de prisão celular de um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$500.
Parágrafo 1º. Se, por influência, ou por conseqüência de qualquer desses meios, resultar ao paciente privação ou alteração, temporária ou permanente, das faculdades psíquicas. Penas- de prisão celular por um ano a seis anos, e multa de 200$000 a 500$000. Parágrafo 2º. Em igual pena, e mais na privação de exercício da profissão por tempo igual ao da condenação, incorrerá o médico que diretamente praticar qualquer dos atos acima referidos, ou assumir a responsabilidade deles. (…) Ministrar ou simplesmente prescrever, como meio curativo, para uso interno ou externo, e sob qualquer forma preparada, substância de qualquer dos reinos da natureza, fazendo ou exercendo, assim, o exercício do denominado curandeirismo. Penas- prisão celular por um a seis anos, e multa de 200$000 a 500$000. Se resultar morte: Pena de prisão celular por seis a vinte anos.²²
Por ser considerado um crime contra a “tranquilidade pública”, o espiritismo não estava inserto como crime contra a pessoa, mas crime de consequências públicas, como o são o estelionato e afins. Já os espíritas que trabalhavam nos centros espíritas como “médicos receitistas” podiam ser enquadrados triplamente no Código Penal: indivíduos sem habilitação profissional, que se propunham a curar através do “espiritismo”, prescrevendo medicações homeopáticas. Vale ressaltar que a Constituição de 1891, no art. 72²³ , § 3º, dispunha que “todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum” e, no § 5º, que “os cemitérios terão caracter secular e serão istrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a pratica dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis.” A liberdade religiosa era constitucionalmente assegurada, mas com algumas restrições, o que de fato dava azo ao artigo do Código Penal acima citado. A decisão judicial acima citada deu contornos ao texto legal, ressalvando que a simples prática do espiritismo não constituía crime algum, e que, portanto, o cidadão não poderia ser preso por
conta disso. Assegurou, portanto, o livre exercício da liberdade religiosa conjugado com a liberdade de locomoção, por meio da utilização do habeas corpus preventivo. Observa-se, no entanto, uma restrição a utilizar-se o remédio constitucional para questões de natureza civil, principalmente relativas à posse, para as quais já existiam os interditos proibitórios. Também há diversos julgados que buscam fixar os contornos do instituto habeas corpus em sua acepção originária, qual seja, dentro do campo penal e processual penal. Embora não sejam objeto primário de nosso estudo, revela-se interessante a transcrição de algumas, que fixaram teses, algumas até hoje em voga:²³¹
Ementa: “A ausência de criminalidade do facto, que se reconhece em habeas corpus, trancando o procedimento criminal, é a manifesta, não depende de exame de provas da causa, que só na causa, com segurança, pode ser feito.” (Habeas Corpus n. 8085, Rel. Min. Sebastião de Lacerda, julgado em 16/11/1921) Ementa: “Desde que a nulidade do processo não seja manifesta e evidente, não pode ser declarada em processo de habeas corpus.” (Habeas Corpus n. 8309, Rel. Sr. Ministro Guimarães Natal, julgado em 28/01/1922) Ementa: “A réu pronunciado por Juiz competente, em processo regular e por facto que a Lei penal considera criminoso, é de ser negado habeas corpus.” (Habeas Corpus n. 8502, Rel. Min. Alfredo Pinto, julgado em 22/05/1922). Ementa: “Não constitui constrangimento ilegal a prisão preventiva regularmente decretada por Juiz competente.” (Habeas Corpus n. 8501, Rel. Min. Muniz Barreto, julgado em 29/05/1922) Ementa: É ilegal a prisão do indiciado que não o foi em flagrante delito, mas em consequência de pronúncia decretada por juiz manifestamente incompetente. (Habeas Corpus n. 8511, julgado em 29/05/1922) “Ementa: A falta de indicação do tempo e lugar do crime, na denúncia, constitui simples irregularidade, sem caracter de nulidade substancial, capaz de invalidar o processo.” (Habeas Corpus n. 8530, Rel. Min. Hermenegildo de Barros,
julgado em 05/06/1922) Ementa: “É radicalmente nulo o processo criminal em que houve falta de citação inicial, tendo os acusados deixado o districto da culpa e em cumprimento de ordem de superior hierárquico.” (Habeas Corpus n. 8551, Rel. Min. Sebastião de Lacerda, julgado em 12/06/1922) Ementa: “É nulo o julgamento feito à revelia do réu, nos casos em que não o podia ser.” (Habeas Corpus n. 8259, Rel. Min. Edmundo Lins) Ementa: “A réu pronunciado por Juiz competente, em processo regular e por fato criminoso, ainda não prescrito, é de ser negado habeas corpus.” (Habeas Corpus n. 8725, Rel. Min. Viveiros de Castro, julgado em 06/12/1922). Ementa: “Não pode ser processado criminalmente por desfalque verificado contra a Fazenda Pública quem prova haver obtido plena e geral quitação do Tribunal de Contas. (Habeas Corpus n. 9831, Rel. Min. Guimarães Natal, julgado em 30/07/1923”)
4. Reformas de 1926 e o fim da doutrina do habeas corpus
A ideia de rever a Carta brasileira não era nova. Juristas como Rui Barbosa já haviam sugerido reformas para ampliar o judiciarismo e o liberalismo. No entanto, a reforma veio em sentido diametralmente oposto: concentrar poderes no Executivo para enfrentar, especialmente, o crescimento do Tenentismo. O projeto de emenda foi elaborado com a supervisão direta do Presidente. Originalmente, ele pretendia modificar 38 dos 91 artigos da Constituição. Graças ao Congresso, a alteração foi menos radical, mas relevante, por tocar justamente na doutrina do habeas corpus e combater a judicialização da política. O cerne da reforma estava em duas mudanças, concentradas nos artigos 60 e 72. A primeira determinava que
nenhum recurso judiciário é permitido (... contra a intervenção (federal nos estados, a declaração do estado de sítio, e a verificação de poderes, o reconhecimento, a posse, a legitimidade e perda de mandato dos membros do Poder Legislativo ou Executivo federal ou estadual²³²
em um evidente sufocamento do judiciarismo republicano. A segunda foi impedir a concessão de habeas corpus durante a vigência do estado de sítio, elevando a máxima potência a doutrina das questões políticas. Todas essas medidas suplantavam, por ora, a construção da doutrina do habeas corpus, que viria a ser incorporada, sob a forma do mandado de segurança, na Constituição de 1934. A reforma também facilitou a expulsão de estrangeiros, ampliou o poder de veto do Presidente e mudou algumas atribuições do Congresso Nacional, em um viés nitidamente autoritário e centralizador.
Aliomar Baleeiro se refere ao fim da doutrina brasileira do habeas corpus, cujo principal colaborador foi Herculano de Freitas (1865-1926) e que deu parecer sobre as emendas de 3 de setembro de 1925 e veio a ser, mais tarde, ministro do Supremo Tribunal Federal. Também afirma-se que Francisco Campos, deputado por Minas àquela época, teria sido o representante do pensamento de Bernardes naquela época, que logrou vencer a obstrução dos oposicionistas e liberais, bem como a obra de Pontes de Miranda por nós já citada.²³³ E ainda trata Baleeiro dos pródromos do mandado de segurança após a Reforma Constitucional de 1926, em uma síntese assim vazada:
“Dois Ministros do Supremo – Alberto Torres, sugerindo, em 1914, um “mandado de garantia”, a fim de desagravar direitos “lesados por atos do Poder Público, ou de particulares, para as quais não haja outro recurso especial, e Edmundo Muniz Barreto, no Congresso Jurídico de 1922, defendendo a introdução do “amparo” mexicano – já haviam semeado as primeiras ideias sobre o assunto.” Aliás, a Lei n. 3185, de 11 de junho de 1904, destinada a coibir os abusos dos impostos interestaduais e intermunicipais, como já vimos, facultava o interdito proibitório e a manutenção de posse aos contribuintes ameaçados de cobrança desses tributos inconstitucionais. Repare-se que a esse diploma, resultante do projeto Serzedelo Correa, foi a primeira lei federal nossa, que, regulando o comércio interestadual, disciplinou tributos estaduais tendo sido julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em acórdão da lavra de Epitácio Pessoa.
Embora tenha sepultado, momentaneamente, a doutrina do habeas corpus, haja vista ter restringido o alcance do instituto, as discussões sobre o mandado de segurança se iniciaram nessa época e foram retomadas e incorporadas sob a Carta de 1934.
5. Posições doutrinárias sobre a doutrina brasileira do habeas corpus
Indiscutível que a doutrina do habeas corpus representou uma grande e, por vezes, subestimada, construção do direito brasileiro. Conforme síntese de Haroldo Valladão, cristalizou a “ideia de que a justiça vem em primeiro lugar: o remédio processual terá que vir sempre a seu serviço” e garantiu, até 1926, o judiciarismo republicano.²³⁴ A reforma também facilitou a expulsão de estrangeiros, ampliou o poder de veto do Presidente e mudou algumas atribuições do Congresso Nacional, em um viés nitidamente autoritário e centralizador. Sintetiza o autor que tal doutrina se aplicou extensivamente para: exercício de funções públicas eletivas, exercício de uma profissão, durante o estado de sítio, em caso de intervenção nos Estados. Até para presos, durante o estado de sítio, irem ao Tesouro receber seus vencimentos, para alunos serem considerados aprovados. Chega a afirmar o autor, de viés internacionalista, que tal doutrina brasileira do habeas corpus sagrou-se única no mundo jurídico internacional – segundo se pode ler no estudo de Phanor J. Eder, Habeas Corpus Desembodied: The Latin American Experience. No entanto, é interessante observar que Pontes de Miranda, jurista de escol mas de viés nitidamente mais conservador, tenha se manifestado de forma contrária a ela, antes da criação do mandado de segurança pela Carta de 1934, conforme se verifica:²³⁵
O habeas corpus continua a ser remédio especial para a liberdade física; apenas, hoje, a garante em qualquer circunstância. Que sempre se restringiu ao direito de ir, ficar e vir, mostramo-lo à saciedade, na parte deste trabalho relativa à Inglaterra; que os Estados Unidos assim o mantêm, provamo-lo em seguida; e que o Brasil apenas o aperfeiçoou, sem transmudar o seu objeto, havemos de discutir com os fundamentos da nossa jurisprudência. Não para aí, todavia,
escrevemos na 1 edição, ivergindo das decisões do Supremo Tribunal, a opinião do senador RUI BARBOSA, a quem mais deve o nosso direito constitucional (…)
Como se vê, a doutrina é liberalíssima, mas, na prática, excluído, como foi, o requisito da liquidez, os seus efeitos poderiam ser anárquicos, uma vez que nem todo o país frui a serenidade moral do grande jurista que a pregou. Assim, contra a opinião extrema da interpretação extrapolante ficamos nós. “ Como se vê, Pontes de Miranda reconhece o argumento de autoridade de Rui Barbosa²³ , mas adota uma interpretação textualista, fiel ao texto do art. 72, parágrafo 22 da Constituição. Por outro lado, alerta para o extremo oposto, o de tirar ao Poder Judiciário função social de tecer ou examinar os atos do Poder Legislativo ou Executivo, invocando doutrina de Story. Não chega, a ser, portanto, antijudiciarista a posição de Pontes de Miranda, mas apenas textualista, semelhante à Escola da Exegese sa. O lado bom desta doutrina foi ter motivado a criação do mandado de segurança, instituto mais específico.
Também houve a oposição de Felisbelo Freire²³⁷, que se opondo ao judiciarismo republicano e criticando a decisão do STF no caso do Conselho Municipal do Distrito Federal, assentou:
Nestes últimos anos, o Supremo Tribunal enveredou por um caminho inconveniente e prejudicial à pureza do regímen republicano, dominado por um ideal de ser o poder supremo da República, o supremo árbitro de sua política, imiscuindo-se assim na esfera de ação política do Presidente da República (…). O habeas corpus tem tido uma latitude enorme em sua significação jurídica e constitucional, não se limitando a servir de amparo e proteção à liberdade pessoal do cidadão, (…). Mas, o Tribunal o tem estendido a servir de amparo e proteção a direitos políticos, exercendo assim a função de legislador, criando um direito novo que não existia e dando um aspecto inteiramente desconhecido a essa garantia constitucional.
Outros juristas de viés mais progressista, como João Barbalho Ulhoa Cavalcanti²³⁸ e Levi Carneiro²³ , tiveram escritos apoiadores de tal doutrina. Aplicando-se a teoria tridimensional do direito do jus filósofo Miguel Reale²⁴ , a doutrina do habeas corpus promoveu a integração de fato com o valor, por meio da interpretação extensiva do art. 72, parágrafo 2 da Constituição. Depreende-se dos julgados que embasaram a doutrina, a despeito de uma ampliação do texto do art. 72, parágrafo 22 da Constituição, uma interpretação constitucional marcada pelos princípios de Savigny, compilados por Carlos Maximiliano no direito brasileiro.²⁴¹ Por exemplo, no Habeas Corpus 4781, adotou-se amplamente a interpretação sistemática para assegurar a liberdade de expressão na publicação do discurso. Dentro do que era esperado do Supremo Tribunal ao exercer a função moderadora, conclui-se que ele foi um tanto contido, mas diante das circunstâncias históricas, é de se louvar o esforço em estabelecer parâmetros para controlar a constitucionalidade dos atos do Executivo e do respeito aos direitos individuais em um regime constantemente sob estado de exceção. No entanto, a doutrina do habeas corpus também teve outros detratores. Além de Pontes de Miranda e Felisbello Freire, podem-se citar excertos de Lúcio de Mendonça²⁴² e Tavares Bastos. O primeiro rechaça a doutrina com base em alguns parágrafos do art. 72 da Constituição de 1891, ressaltando que o habeas corpus não protege nem o direito de propriedade nem o direito de petição. Já Tavares Bastos, em obra específica sobre o instituto do habeas corpus, ressalta que “a chamada escola liberal dá grande elasticidade ao conceito jurídico de habeas corpus, e tão longe leva as suas consequências que poder-se-ia considerálo remédio para todas as lesões de direito, dando-se o habeas corpus sempre que houver constrangimento da liberdade.”²⁴³
Notas
144. Sobre o tema, consulte Oliveira Vianna, Instituições políticas brasileiras, onde é feita uma extensa análise dos tipos sociais, instituições sociais e usos e costumes que permeavam o Brasil durante a República Velha. Sobre os tipos sociais, menciona-se, por exemplo, a p. 150: o “oligarca”, o “coronel”, o “manda-chuva”, o “potentado do sertão”, o “caudilho da fronteira”, o “oposicionista sistemático”, o “governista incondicional”, o “genro”, o “sobrinho” e o “afilhado”, os “encostados”, da burocracia; o “político profissional”, o “presidente-soldado de partido”; o juiz “nosso”; o “delegado nosso”; “o eleitor de cabresto”; o “capanga”; o “cangaceiro”; o “coiteiro; etc. Como instituições sociais, menciona o autor niteroiense os partidos nacionais (Partido Conservador, Partido Liberal e Partido Republicano); os partidos dos governadores e os partidos dos coronéis, logo abaixo; a solidariedade da família senhorial (o clã parental), as lutas de famílias, o nepotismo, o banditismo coletivo (cangaceiros) e o fanatismo religioso no caso da rebelião de Canudos. No que toca aos usos e costumes, menciona-se as atas falsas, os tumultos eleitorais. Tudo isso é importante para entender o contexto político em que se desenvolveram as discussões jurídicas a ele subjacentes. 145. A respeito do processo eleitoral na Primeira República, obra de relevo é Coronelismo, enxada e voto, do ministro e professor Vitor Nunes Leal, já citada. 146. Telatolli, Rodolpho. P. 65. Disponível em: http://bit.ly/3pPum8g. o em: 16 fev. 2021. 147. Vianna, Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras, p. 156. 148. Domínio público. 149. Amgaben, Giorgio, sobre estado de exceção, apud Gianotti, José Arthur; Moutinho, Luiz Damon Santos. Os limites da política. Uma divergência. São Paulo: Cia. das Letras, 2017, p. 156. 150. Enciclopédia Britannica, no original em inglês: “temporary rules by military authorities of a authorities of a designated area in time of emergency when the civil authorities are deemed unable to function. The legal effects of a declaration of martial law differ in various jurisdictions, but they generally involve a suspension of normal civil rights and the extension to the civilian population of summary military justice or of military law. Although temporary in theory, a state of martial law may in fact continue indefinitely”. Domínio
público. 151. Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1085. 152. Domínio público. 153. Barbosa, Rui. Estado de sítio: sua natureza, seus efeitos, seus limites. Rio de Janeiro Cia. Ed. Casa de Rui Barbosa, 1998.. Domínio público. Disponível em: http://bit.ly/36yL0lL. o em: 14 fev. 2021. 154. Para um análise crítica do julgado e do Habeas Corpus 300, consultar: Costa, Edgard. Os grandes julgamentos do Supremo Tribunal Federal-Primeiro volume (1892-1905). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1964, p. 17-35. 155. STF. Portal do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://bit.ly/2Ywxxqp. o em: 28 mar. 2020. Todos os acórdãos citados nesta seção foram retirados deste portal. 156. Como fonte dos julgamentos, utilizou-se a página de julgamentos históricos do Supremo Tribunal Federal, no endereço eletrônico https://bit.ly/3j91fev. Ressalta-se que todos os julgamentos mencionados subsequentemente também foram retirados deste portal, por meio de o em: 29 mar. 2020. 157. Ferraz, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição: mutações constitucionais e inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 107. 158. Barbosa, Rui. O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional. Vol. XXXVII, tomo V, 1910. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1983, p. 112. Domínio Público. Disponível em: http://bit.ly/39CZ13R. o em: 14 fev. 2020, p. 250. 159. Ibidem, p. 163-164. 160. “Levantado o estado de sítio, os tribunais militares continuarão a conhecer dos crimes e delitos, cujos processos lhe tenham sido conhecidos.” 161. O art. 61, n. 27 da Constituição do Equador, igualmente prescreve que os presos sejam submetidos aos tribunais militares, ainda que tenha cessado o estado de sítio.
162. A referida lei proíbe ao Poder Judiciário conceder de habeas corpus aos cidadãos que tenham envolvido na rebelião. 163. Barbosa, Rui. Estado de sítio. Sua natureza, seus efeitos, seus limites. Rio de Janeiro: Cia. Ed. Casa de Rui Barbosa, p. 178. 164. Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 5. 165. Zagrebelsky, Gustavo. Derecho Dúctil. Ley, Derechos e Justicia. Madrid: Editorial Trotta, 2006, 135. 166. Ibidem, p. 13. 167. Lassalle, Ferdinand. O que é uma Constituição? São Paulo: Ed. Pilares, 2015, p. 35. 168. Ferraz, Anna Cândida da Cunha de. Mutação, Reforma e Revisão das normas constitucionais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, 5. p. 29. 169. Ferraz, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição: mutações constitucionais e inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 15. 170. Jellinek, Georg. Reforma y mutación de la. Constitución. Tradução de Christian Föster. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 15. 171. Ibidem, p. 138. 172. Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 278. 173. Domínio público. 174. Domínio público. 175. Maximiliano, Carlos. Hermêneutica e aplicação, p. 272. 176. Para uma biografia sobre Pontes de Miranda, recomenda-se a consulta à
obra Grandes Juristas brasileiros. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2011, v. 1, p. 135-140: “Pontes de Miranda foi um jurista, sociólogo, escritor, matemático, poeta e filósofo brasileiro, dentre outras habilidades”. 177. Miranda, Pontes de. Teoria e prática do habeas corpus. Direito constitucional e processual comparado. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1961. 178. David, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 364. 179. David, René. O direito inglês. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 76. 180. Ibidem, p. 77. 181. Miranda, Pontes de. História e prática do habeas corpus. Direito constitucional e processual comparado. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1961, p. 21. 182. Ibidem, p. 79. 183. Ibidem, p. 79. 184. Ibidem, p. 85. 185. Domínio público. 186. Miranda, Pontes de. História e prática do habeas corpus. Direito constitucional e processual comparado. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1961, p. 89. 187. Koerner, Andrei. Habeas corpus, prática judicial e controle social no Brasil. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1989. 188. Domínio público. 189. Domínio público. 190. Domínio público. 191. Miranda. p. 155-156.
192. Ibidem, p. 134-135. 193. Koerner. op. cit., p. 20-22. 194. Ibidem, p. 51. 195. Op. cit., p. 137. 196. Koerner, p. 216. 197. Salles, Manuel Ferraz de Campos. Discursos: na República. v. II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902, p. 87. 198. Torres, Alberto. A organização nacional. 4. ed. Brasília: Editora UnB, 1982. (Coleção Temas Brasileiros, v. 39). 199. Esforços sobre a judicialização da política no direito brasileiro: o voto vencido do Ministro Pedro Lessa no julgamento do HC 3528, de 1914. Revista dos Tribunais, ano 101, v. 916, p. 119. 200. Neste sentido, a já citada frase de Carlos Maximiliano, segundo o qual “interpretar é determinar o sentido e o alcance da norma.” Para um maior aprofundamento sobre a hermenêutica, consulte a obra de Lênio Streck, em especial Hermenêutica jurídica em crise e um artigo de nossa autoria, “O controle difuso de constitucionalidade e a resposta adequada à Constituição, em Direito, Constituição e críticas/Ensaios em homenagem ao Prof. Lênio Streck”, Multifoco, 2019. 201. Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal 4. Rio de Janeiro: Saraiva, 2006, p. 592-600. 202. Miranda, Pontes de. Teoria e prática do habeas corpus. Direito constitucional e processual comparado. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1961, p. 239. 203. Disponível em: https://bit.ly/2Ywxxqp. o em: 14 fev. 2020. 204. Disponível em: https://bit.ly/2Ywxxqp. o em: 15 mai. 2020. 205. Disponível em: https://bit.ly/2Ywxxqp. o em:15 mai. 2020.
206. Domínio público. 207. Domínio público. 208. Costa, Edgard. Os grandes julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Primeiro volume (1892-1925). Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1964, p. 107. 209. Disponível em: https://bit.ly/2Ywxxqp. so em: 15 mai. 2020. 210. Costa. op. cit. , pp. 145-150. 211. Lynch, Christian Edward Cyril. Esforços de judicialização da política na Primeira República. O voto vencido do Ministro Pedro Lessa no julgamento do HC 3528, de 1914, Revista dos Tribunais, ano 101, v. 916m, , p. 125-127. Revista dos Tribunais, ano 101, v. 916m, p. 119. 212. Disponível em: https://bit.ly/2Ywxxqp. o em: 15 fev. 2020. 213. Domínio público. 214. Costa, Edgard. Os grandes julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Primeiro volume (1892-1925). Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1964, p. 255. 215. Domínio público. 216. Castro, Araújo. Manual da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Editores Leite Ribeiro e Maurílio, 1918, p. 151. 217. Costa. op. cit., p. 336-351. 218. Ibidem, p. 351. 219. Domínio público. 220. Lynchm Christian Edward Cyril; Souza, Elizeu Santiago Tavares de; Casimiro, Paulo Herique Paschoeto (org.) Pensamento Político Brasileiro. Temas, problemas e perspectivas. 1. ed. Curitiba: Apris, 2019. 221. O Supremo Tribunal Federal na crise da política dos Estados na Primeira
República: dos votos ao periódico jurídico “O direito”. In: Lynch, Christian Edward Cyril; Souza, Elizeu Santiago Tavares de; Casimiro, Paulo Henrique Paschoeto (org.). Pensamento Político Brasileiro. Temas, problemas e perspectivas. 1. ed. Curitiba: Apris, 2019. 222. Disponível em: http://bit.ly/3r9tSuQ. o em: 29 jun. 2020. 223. Mendonça, Lucio de. Páginas jurídicas. Rio de Janeiro: ed. Garnier, 1903, p. 184 e segs. Mendonça, Lúcio de. Páginas Jurídicas. Rio de Janeiro: Ed. Garnier, 1903, p. 184 e segs. 224. Bastos, José Tavares . O habeas corpus na república. Bastos, José Tavares. O habeas-corpus na República. Rio de Janeiro: Ed. Garnier, 1911, p. 623 e segs. 226. Domínio público. 227. Disponível em: http://bit.ly/2P8Hj0o. o em: 14 fev. 2021. 228. O interessante julgado não é do STF, mas trata-se de sentença do Juízo de Direito da Primeira Vara Criminal de 20 de dezembro de 1907 e Acc. Do Cons. Da Corte de Apelação de 18 de janeiro de 1908 e é citado na obra de Tavares Bastos, O habeas corpus na República, Garnier, Rio de Janeiro, 1911, p. 635, na parte final. 229. Domínio público. 230. Domínio público. 231. Disponível em: bit.ly/2P8Hj0o. o em: 14 fev. 2020. 232. Domínio público. 233. Baleeiro, Aliomar. O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido. Rio de Janeiro: Forense, 1968, pp. 68-69. Para um maior aprofundamento do pensamento autoritário de Francisco Campos, consulte, dentre outros, O Estado Nacional e outros ensaios. Biblioteca do Pensamento Repúblicano-20. Câmara dos Deputados,1957. 234. Valladâo, Haroldo. O judiciarismo brasileiro e sua realização através da doutrina brasileira do habeas corpus. Revista de Informação Legislativa, 1964
Senado Federal 235. Miranda, Pontes de. História e prática do habeas corpus. Direito constitucional e processual comparado. 4. Edição. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1961, p. 233. 236. Sobre argumento de autoridade, consulte Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito: “À época, o argumento de autoridade era muito invocado no direito brasileiro, sendo, no direito constitucional, Rui Barbosa o autor mais invocado; no civil, Clovis Bevilacqua, e no Comercial, Teixeira de Freitas, desde a época do Império.” Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 82. 237. Freire, op. cit. p. 102. 238. Constituição Federal brasileira (1891) comentada, edição fac-similar, Coleção História Constitucional Brasileira, p. 122: “segue-se, de modo irrecusável, que terminado o prazo fixado, cessam estas medidas e volta para todos os cidadãos (incluídos aqueles afastados ou detidos), o regimen normal com a plenitude das garantias constitucionais. Do contrário, haveria suspensão destas fora já do estado de sítio, o que é inissível num regimen constitucional.” 239. Federalismo e judiciarismo, Alba oficinas gráficas, 1930, p. 168: “O Judiciário- regulador das relações entre a União e os Estados e entre os poderes federais é, por assim dizer, a garantia da Federação. (…) Aí está a Suprema Corte agindo como poder moderador, como poder de equilíbrio, retardador, compensador.” 240. Reale, Miguel. Filosofia do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1996, p. 582 e seguintes. 241. Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 105. Os critérios de interpretação de Savigny são o lógico, o sistemático, o gramatical e o literal. 242. Mendonça, Lúcio de. Páginas Jurídicas. Rio de Janeiro: Ed. Garnier, 1903: “E, além de tudo, a ideia consagrada em nosso direito positivo: basta ler o art. 65 da regimento interno do Supremo Tribunal Federal, (…) e os artigos seguintes. Se, a cada, o, no processo de habeas corpus, a lei fala em prisão e detenção,
em carcereiro ou detentor, é porque so´cogita de tal medida como remédio para as prisões ilegais, em ameaça destas. Demonstra-se até por absurdo que o habeas corpus não pode proteger todos os direitos individuais. Se os protegesse, protegeria também o direito de propriedade, que o art. 72, parágrafo 17 da Constituição mantém em toda a sua plenitude. (…) O direito de petição é outro também garantido pelo art. 72 da Constituição. Ora imaginemos que qualquer cidadão endereça ao Congresso uma petição reclamando contra abusos de autoridade, ou representando necessidade de ordem pública, e a mesa da Câmara Legislativa a que e dirige o peticionário acintemente o repele, sem lhe tomar conhecimento da representação. Caber-lhe-á pedir habeas corpus contra quem assim lhe desrespeita o direito de petição?” 243. Bastos, Tavares. O habeas corpus na República. Rio de Janeiro: H. Garnier Livreiro, 1911, p. 160.
6. A CONSTITUIÇÃO DE 1934 E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Neste Capítulo, busca-se demonstrar como o constitucionalismo social aportou na Constituição de 1934, bem como analisar as estruturas do Poder Judiciário, controle de constitucionalidade e direitos individuais neste diploma, seguido dos julgamentos históricos do STF em habeas corpus e mandados de segurança. Procura-se trabalhar as mudanças efetuadas sobre o judicial review, inaugurado com a Constituição de 1891, pela ordem constitucional imediatamente posterior.
1. Origens históricas
Conforme anota Naud²⁴⁴, a Era Vargas se inicia com a anistia, por decreto, de todos os envolvidos nos movimentos revolucionários da época. Com o Decreto 19.398, de 11 de novembro de 1930, que institui o Governo Provisório de Getúlio, é declarada a ampla discricionariedade do governo para exercer todas as competências não só do Poder Executivo, mas também do Poder Legislativo e, inclusive, impor sanções ao Poder Judiciário. Assim, o Poder Executivo governou de 1930 a 1934 por meio de decretos que podiam versar sobre qualquer matéria. Além disso, as matérias reguladas sob a forma de decreto-lei não eram íveis de controle de constitucionalidade. Portanto, é natural que o controle da Constituição se restringisse aos habeas corpus e mandados de segurança. Paulo Bonavides Andrade²⁴⁵ traça um interessante paralelo entre a Constituição de 1891 e a de 1934. Segundo ele, esta última foi fruto do movimento de 1930, das mudanças operadas pelo Governo Provisório de Vargas e da Revolução Constitucionalista de 1932, que buscava justamente submeter o início de um governo autoritário a uma Constituição. A Assembleia Constituinte reunida em 1933 contrastou com a de 1891, pois teria havido uma maior participação popular, diferentemente da anterior, onde “o povo assistiu a tudo bestializado”. Por conta disso, é costume dizer-se que a Carta de 1934 teve um sentido eminentemente social, seguindo uma tendência constitucional do pós-guerra enquanto que a de 1891 seria liberal. De fato, no Período pós-República Velha houve o surgimento de outras classes sociais, como uma burguesia industrial e uma classe média urbana, representada pelos movimentos militares que eclodiram a partir de 1922.²⁴ Sem dúvida a Constituição de 1934 foi extremamente importante para a história constitucional brasileira, por instituir institutos como um controle de constitucionalidade mais apurado (possibilidade de o Senado estender efeitos gerais a uma decisão do STF), o Poder Judiciário com a criação de duas novas Justiças (Eleitoral e Militar, a Justiça do Trabalho só viria a ser implementada em 1941), a criação do mandado de segurança, os direitos sociais e um
assistencialismo social incipiente. Percebe-se nela, também, um certo dirigismo constitucional²⁴⁷, entendido este como a fixação de fins a serem atingidos pelo Estado, o que está presente, por exemplo, no art. 138 (proteção aos desvalidos, amparo à maternidade e infância, socorro às famílias de prole numerosa, proteção da juventude e medidas istrativas para reduzir a mortalidade infantil e promover a higiene social, combate às endemias, amparo às famílias de prole numerosa e organização da educação básica (arts. 138 a 157), o que indica sem dúvida uma influência de vários grupos sociais na sua elaboração. No dizer de Bonavides, o constitucionalismo social das quatro Constituições brasileiras do século ado jamais operou por via eliminatória, cancelando direitos e garantias expressos nas antecedentes declarações, mas antes obrou com vistas a conservá-los, modificando-lhes tão somente a índole e o espírito, de tal maneira que os acréscimos de inspiração social se impam dominantes. O teor social domina a Constituição de 1934, que incorporou também os direitos e garantias já contidos na primeira declaração republicana, onde imperou o individualismo.²⁴⁸ Lamentavelmente, apesar do seu espírito progressista, esta Constituição teve uma vigência muito curta pois foi substituída pela autoritária Carta de 1937 após o golpe do Estado Novo. Conforme ressalta Boris Fausto²⁴ , para espanto dos liberais, o próprio Getúlio Vargas chegou a dizer, em discurso anterior ao movimento revolucionário, que “a minha diretriz no Governo do Rio Grande se assemelha ao direito corporativo ou organização de classes promovida pelo fascismo, no período da renovação criadora que a Itália atravessa.” Estudar o autoritarismo, instituto muito marcante na história e no direito brasileiro, refoge aos objetos desta obra, pois foi marcante nas Constituições de 1824, 1937 e 1967 e Atos Institucionais, em vários períodos da história brasileira.²⁵ O que será aprofundado agora são os aprimoramentos que tal Constituição realizou na extinta doutrina brasileira do “habeas corpus” e no controle de constitucionalidade, como a nova separação de poderes, o Poder Judiciário, a criação do mandado de segurança e a regulamentação dos direitos individuais. Ao final, procederemos uma análise dos julgamentos históricos (segundo pesquisa no sítio do STF) e de como eles abordaram estes institutos, cotejandose com o período anterior.
O estado de sítio também era previsto no art. 34, alínea 20 como competência do Poder Legislativo para declará-lo, sendo objeto no julgamento do Habeas Corpus n. 26178, que será abordado oportunamente, julgado este que discutiu a extensão do estado de sítio às imunidades parlamentares, tema ainda não abordado anteriormente. Alguns autores criticam a Carta de 1934 por ser extensa demais. Realmente se comparada à anterior que continha 92 artigos (a de 34 possui 187, mais que o dobro). Neste sentido, é de transcrever-se agem de Oscar Tenório, em uma crítica que também caberia à Constituinte de 1988:
Uma Constituição deve compor-se de princípios gerais e essenciais. Nem ser lacônica declaração de direitos, nem amontoado de regras peculiares à legislação ordinária. Importante é que se estabeleçam as linhas fundamentais, de forma que, através de flutuações e necessidades, o regime se desenvolva, se ajuste às realidades, se modifique de acordo com as necessidades. Assim não procedemos. Cada qual pensou no dilúvio, e quis, no bojo constitucional, encontrar amparo. Receosos da Revolução, da mudança de paradigmas da República, manietaram, no texto fundamental rígido, problemas que em todo momento a experiência vai retificando, consertando, aperfeiçoando. Tudo isto seria pecado venial, se adotássemos o tipo das Constituições abertas. Não. A rigidez da Carta de 34 torna difícil qualquer reforma, a não ser que a vontade presidencial reclame a medida, e conte com um Parlamento amigo.²⁵¹
2. Principais alterações da Carta de 1934
Tal como fizemos em relação à Carta de 1891, analisaremos a Constituição de 1934 em relação aos aspectos fundamentais ao nossos trabalho, quais sejam, separação de poderes, Poder Judiciário e direitos individuais. Tratar-se-á, também, do novel instituto do mandado de segurança.
2.1 Separação de poderes
Para bem entender o controle de constitucionalidade na Constituição de 1934, é fundamental, como fizemos anteriormente, perar a separação de poderes, bem como o Poder Judiciário, órgão que exerce o controle de constitucionalidade em nosso sistema jurídico. Abordar-se-á, portanto, os artigos relativos ao controle de constitucionalidade em todos os Poderes. Diferentemente da Carta anterior, que possuía uma delimitação mais rígida entre os Poderes, a de 1934 previu uma maior interdependência entre os Poderes, com influências e controles recíprocos entre eles, bem ao modo do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) norte-americano. O Poder Legislativo, previsto nos arts. 22 a 50, era composto peloCongresso Nacional, bicameral, dividido em Câmara dos Deputados e Senado Federal. O significativo a ressaltar é a importância conferida ao Senado Federal na coordenação dos Poderes, a teor do que ocorre com a Constituição atual. Também cabia ao Senado, conforme previsto no art. 88, manter a continuidade istrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua competência, portanto, era um órgão muito relevante dentro do novo desenho institucional. Em relação ao controle de constitucionalidade, é importante ressaltar a atribuição prevista no art. 91, alínea IV, segundo o qual cabia a este órgão “suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário”²⁵². Este dispositivo foi repetido em todas as Constituições posteriores até a atual, que ainda se encontra em vigor no art. 52, X, embora de pouca utilização hodierna. Este artigo sempre foi muito utilizada em matéria tributária, quando o Supremo declarava, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei tributária. Todavia, não se têm notícias de julgamentos proferidos com aplicação deste artigo no período da Constituição de 1934.
O Poder Executivo também tinha atribuição no controle repressivo de constitucionalidade, posto que ao Presidente da República competia vetar projetos de lei quando eivados de constitucionalidade (art. 45 da Constituição). Já havia, portanto, uma previsão de controle prévio ou político de constitucionalidade. Observa-se, então, uma ampliação do controle difuso de constitucionalidade, que na Constituição anterior era à Justiça Federal e ao STF, em recurso extraordinário, muito pouco utilizado, ou em habeas corpus, que acabou se tornando o único meio. Para melhor entender o controle constitucional na Carta de 1934, importante se faz o estudo do Poder Judiciário e do mandado de segurança.
2.2 Poder Judiciário
A configuração do Poder Judiciário na Carta de 1934 foi extremamente importante, tanto que mantida, em linhas gerais, até a Carta atual. Enquanto que a de 1891 teve o condão de estabelecer a divisão entre as Justiças Federal e Estadual, inspirada no modelo norte-americano, cabendo à primeira o julgamento das causas que envolvessem a Constituição e interesse da União; e a segunda, a competência residual. Já a de 1934 introduziu dois novos ramos no Judiciário subsistentes até hoje, a saber, a Justiça Eleitoral e Militar. A Justiça do Trabalho somente viria a ser criada em 1941, sob a égide do Estado Novo, embora as discussões a respeito de sua criação datem dessa época e do final da República Velha. Já a Justiça Eleitoral era prevista no art. 83 e veio, dentre outras atribuições, a julgar casos em mandados de segurança que outrora eram julgados pela Federal, conforme previsto no art. 83, alínea f. É o que vimos na doutrina do habeas corpus que foi utilizada para dar posse a políticos devidamente eleitos ou dissolver Assembleias Legislativas em dualidade, função que seria da Justiça Eleitoral. No tocante à Justiça Militar, sua competência era restrita aos crimes militares, conforme arts. 84 a 87. Sobre o Poder Judiciário na Constituição de 1934, assim se manifestou Castro Nunes:²⁵³
A razão de ser da articulação do Supremo Tribunal com as justiças locais é a necessidade de assegurar em todo o país a autoridade do direito federal e a uniformidade das jurisprudências em torno da aplicação das leis federais, o que se realiza pelo recurso extraordinário. Tratando-se, porém, de justiças da União a mesma razão inexiste, salvo, por outro motivo, em se tratando de causas da liberdade.
As três justiças especiais de que cogita a Constituição (justiça militar, justiça especial do art. 122, 17 e justiça do trabalho são jurisdições federais, em princípio autônomas, escalonadas em instâncias dentro do seu próprio mecanismo. A articulação se apresenta, pois, em medida muito mais, ou talvez demasiado reduzida.
Em relação ao Supremo Tribunal Federal, também convém as palavras de Castro Nunes²⁵⁴:
O Supremo Tribunal é um aparelho sui generis no mecanismo judiciário, sem paridade com os tribunais de apelação, pois que inexato seria defini-lo como um Super-Tribunal desse gênero, e nem mesmo com as Cortes de Cassação conhecidas em utros países, das quais, todavia, se aproxima muito mais. Como instância de preservação do direito federal de que é instrumento o recurso extraordinário nas suas diferentes hipóteses, não é uma instância revisora dos julgados locais no sentido de uma terceira instância, um Super Tribunal de Apelação – de vez que limitada a jurisdição por ele exercida ao âmbito da questão federal, que se circunscreve ao julgamento de uma questão de direito, mesmo nas hipóteses que envolvam o mérito da causa, não se estendendo ao reexame dos fatos e das provas, que aceita nos termos postos pelo tribunal recorrido, o que acentua o traço, que lhe é peculiar, de jurisdição de direito público. Não é a rigor uma Corte de Cassação, porque não se limita a cassar a sentença tresmalhada e mandar que o tribunal recorrido profira outra – como de índole de tais cortes – mas julga, ele mesmo, a espécie, no decidir a questão federal que motivou o recurso. Por outro lado, nas causas da liberdade é ele por excelência o órgão da jurisdição do habeas corpus. Aqui não há limitações. Originariamente ou em recurso, cabelhe tutelar por aquele meio a liberdade individual comprometida em face da lei, seja qual for a jurisdição, local ou federal, comum ou especial. É, pois, um órgão à parte, desconhecido na orgânica judiciária tradicional, de sentido político na sua destinação constitucional, uma magistratura de exceção até mesmo nas garantias de função.
(…) O Supremo Tribunal é uma instância de superposição em relação a todas as jurisdições do país, em escala maior ou menor. É essa a sua posição no mecanismo judiciário. Não é um tribunal ordinário ou comum, senão o órgão de uma jurisdição especial, que lhe é própria, com as características acima expostas.
A agem, um tanto longa mas elucidativa, funciona como um resumo das funções do Supremo Tribunal sob a ordem constitucional de 1934: Corte constitucional, tribunal de superposição, Corte Constitucional que ganha novas atribuições se comparado com a Corte Suprema de 1891. O importante a reter é que ocorreu uma ampliação do judicial review (ou controle de constitucionalidade, uma vez que entendemos os termos como intercambiáveis dentro do contexto jurídico da época), que se reforça com a criação do instituto do mandado de segurança. Outra alteração importante, além do papel do Senado Federal, foi a criação da representação interventiva, ação a ser proposta pelo Procurador-Geral da República. A Constituição de 1934 assentou algumas características básicas do controle de constitucionalidade, que vigoram até nossos dias, que foram resumidas por Lucio Bittencourt²⁵⁵, na década seguinte de 1940:
O Poder Judiciário só se pronuncia em face de um caso concreto, para cuja decisão seja mister o exame da constitucionalidade da lei aplicável à espécie; – presumem-se constitucionais os atos do Congresso; – na dúvida, decidir-se-á pela constitucionalidade; – o juiz deve abster-se de se manifestar sobre a inconstitucionalidade, toda vez que, sem isso, possa julgar a causa e restaurar o direito violado; – sempre que possível, adotar-se-á a exegese que torne a lei compatível com a Constituição;
– a tradicional aplicação dos princípios constantes de uma lei, sem que se ponha em dúvida sua constitucionalidade, é elemento importante no reconhecimento desta; – não se declaram inconstitucionais os motivos da lei. Se esta, no seu texto, não é contrária à Constituição, os tribunais não lhe podem negar eficácia; – na apreciação da inconstitucionalidade, o Judiciário não se deixará influenciar pela justiça, conveniência ou oportunidade do ato do Congresso; – se, apenas, algumas partes da lei forem incompatíveis com a Constituição, estas serão declaradas ineficazes, sem que fique afetada a obrigatoriedade dos preceitos sadios; e – a inconstitucionalidade é imprescritível, podendo ser declarada em qualquer tempo.
Percebe-se, em tais regras, uma grande influência do direito norte-americano e da doutrina das questões políticas, muito utilizada sob a égide da Constituição de 1891. De qualquer forma, o controle difuso, o único vigente à época, é mais compatível com uma postura de autocontenção da jurisdição constitucional, posto que a norma somente é afastada no caso concreto. O controle concentrado é mais consentâneo com um Judiciário mais ativista, mas só veio a ser introduzido no direito brasileiro com a Carta de 1967 e a Emenda n. 1/1969.
2.3 Mandado de segurança
Por obra da Carta de 1934, o mandado de segurança foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, para proteção de direito certo e incontestável, na forma de seu art. 113, n. 33 e regulamentado pela Lei n. 191/36.²⁵ Este instituto veio a suprir uma importante lacuna na proteção de direitos individuais, conforme ver-se-á do julgamento do Mandado de Segurança n. 111, que visava assegurar o funcionamento da Aliança Nacional Libertadora, uma frente de esquerda composta por setores de caráter antifascista e anti-integralista. Conforme salienta Baleeiro, a primeira iniciativa se deu ainda em 1926, a Gudeste Pires, com o projeto n. 148, de 1926. Sobreveio a Revolução de 1930 e foi dissolvido o Congresso, antes de votar o Projeto n. 138. Na Comissão do Itamarati –aquela que elaborou o projeto que, depois de modificado, se converteu na Constituição de 1934, veio a consagrar-se tal instituto, nos termos propostos por João Mangabeira, com colaboração de Carlos Maximiliano e Temístocles Cavalanti. Na Constituinte de 1934, o assunto foi vivamente debatido por Maurício Cardoso, Levi Carneiro, Pedro Aleixo e outros.²⁵⁷ Em face do autoritarismo do Estado Novo, a Constituição de 1937 extinguiu a figura do mandado de segurança que só voltou a figurar como garantia constitucional com a redemocratização promovida pela Constituição de 1946, que promoveu a substituição da expressão direito certo e incontestável por direito líquido e certo. Na vigência desta Constituição, editou-se a Lei 1.533/51, que vigorou até 2009, com a edição da Lei 12.016. Tal remédio constitucional sempre se prestou a tutelar todos os direitos individuais não amparados por habeas corpus, e, mais recentemente, por habeas data. A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional n. 1/69 mantiveram o mandado de segurança no ordenamento jurídico brasileiro, assim como a Carta atual, que inovou ao instituir o mandado de segurança coletivo (art. 5, incisos LXIX e LXX).
2.4 Direitos individuais
A Carta de 1934 manteve um vasto rol de direitos individuais (vale ressaltar que a expressão direitos fundamentais não existia à época, por ser oriunda do PósGuerra), ao lado dos direitos sociais que introduziu. O Título III da referida Constituição previa uma Declaração de Direitos, composta dos Direitos Políticos (arts. 106 a 112: direito de nacionalidade e eleitoral), os Direitos Individuais eram previstos no art. 113 em uma enumeração muito semelhante à Carta de 1891. Vale ressaltar o art. 113, 34 segundo o qual: “A todos cabe o direito de prover à própria subsistência e à de sua família, mediante trabalho honesto. O Poder Público deve amparar, na forma da lei, os que estejam em indigência.”²⁵⁸ Trata-se de uma norma de cunho mais intervencionista, que contém em seu bojo a ideia de assistência social. Por seu turno, a origem da ação popular foi prevista no item 38: “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.”²⁵ Logo em seguida, aparecem os títulos da Ordem Econômica e Social, da Família, Educação e Cultura, em disposições inexistentes na Constituição anterior. Na parte econômica, já havia um dirigismo constitucional. Observa-se, também, normas protetivas de certos valores, como a família e a educação. Curioso é o art. 138, que estabelecia o Estado como estimulador da educação eugênica, provavelmente um resquício das teorias racistas e evolucionistas do final do século ado, mas que foram logo suplantadas após o final da Segunda Guerra, com as atrocidades cometidas pelo nazismo.
3. Judicial review: julgamentos históricos
Resta-nos, agora, tal como fizemos com a Carta de 1891, a análise dos julgamentos históricos que envolveram controle de constitucionalidade e direitos individuais. Como o período histórico da Carta de 1934 é muito mais curto que o da de 1891, eis que esta abrangeu quarenta anos, a despeito de três anos apenas daquela (1934-1937), apontamos quatro julgamentos principais disponíveis no sítio do STF. Três deles encontram-se disponíveis na página do STF: o Habeas Corpus n. 26178/35, que discutia sobre imunidades parlamentares na vigência do estado de sítio, o Mandado de Segurança n. 111, impetrado em favor da Aliança Nacional Libertadora e o Habeas Corpus n. 26155, impetrado por Heitor Lima em favor de Maria Prestes (ou Olga Benário), estrangeira presa, acusada de vários delitos contra a ordem econômica e social. O primeiro destes julgados discutia os limites do estado de sítio, o segundo, o direito à liberdade de associação, e o terceiro, o direito à liberdade individual, dentro de uma contexto ideológico. Diferentemente da Velha República, onde os grandes julgamentos tiveram como pano de fundo a manutenção da estabilidade de um regime oligárquico dominado pelos fazendeiros, sob a Constituição de 1934 os julgamentos ditos históricos tiveram como anteparo o combate à ideologia comunista, dentro da disputa direita-esquerda² que começava a se propagar pelo país, com a Aliança Nacional Libertadora, a Intentona Comunista de 1935 e o próprio Partido Comunista, cuja legalidade só foi julgada em 1949, sob a égide da Constituição de 1946. A estes movimentos se contrapunha a Ação Integralista Brasileira, liderada por Plínio Salgado. O comunismo era o grande vilão, a ideologia a ser combatida, como foi quando da ascensão dos militares ao poder em 1964. Conforme ressalta Emilia Viotti da Costa² ¹, os ministros do Supremo Tribunal, defensores das liberdades dos cidadãos, revelavam pouca simpatia pelos movimentos operários, principalmente quando organizados por socialistas, anarquistas ou comunistas. Essa tendência se reflete nos julgamentos sob a égide da Constituição de 1934 em habeas corpus e mandados de segurança, embora os artigos sobre a ordem econômica e social fossem mencionados em todos os
julgados. Em síntese, na Constituição de 1891, a doutrina do habeas corpus contribuiu com a proteção dos direitos individuais. A questão social era constantemente vista como questão policial, no dizer do Presidente Washington Luis, pouco ou nenhum amparo havia aos direitos trabalhistas e de greve pelo STF.² ² Na Constituição de 1934, a despeito de haver uma previsão dos direitos sociais, esta pouco se refletiu nas decisões judiciais. Observa-se, também, uma utilização dos mandados de segurança para tutelar certos direitos individuais ameaçados por atos do Executivo, como no caso Maria Prestes (Mandado de Segurança 111), ou para tutelar algum direito assegurado pela Constituição, como é o caso do Mandado de Segurança 333, que é um dos casos mais conhecidos da República e ados no Supremo Tribunal Federal. A fim de melhor entendermos os julgamentos, é importante tecer comentários sobre o seu contexto histórico e sobre a ideologia comunista que permeou a época, o que faremos adiante.
3.1 Habeas corpus n. 26178 (imunidades parlamentares e estado de sítio) ²³
O writ em questão foi impetrado por João Mangabeira em seu favor e dele e outros. Os pacientes encontravam-se presos sob fundamento de participarem de ingerência subversiva (no caso, a Intentona Comunista de 1935). A discussão central da ilegalidade da prisão cinge-se à extensão do estado de sítio decretado por Vargas em 1935 e sua extensão às imunidades parlamentares previstas no art. 32 da Constituição de 1934, cujo teor se transcreve, por ser importante à compreensão da questão:
Art. 32. Os Deputados desde que tiverem recebido diploma até à expedição dos diplomas para a Legislatura subsequente, não poderão ser processados criminalmente, nem presos, sem licença da Câmara, salvo caso de flagrância em crime inafiançável. Esta imunidade é extensiva ao suplente imediato de Deputado em exercício. § 1. A prisão em flagrante de crime inafiançável será logo comunicada ao Presidente da Câmara dos Deputados, com a remessa do auto e dos depoimentos tomados, para que ela resolva sobre a sua legitimidade e conveniência. § 2. Em tempo de guerra, os Deputados, civis ou militares, incorporados às Forças Armadas por licença da Câmara dos Deputados, ficarão sujeitos às leis e obrigações militares.² ⁴
O artigo citado encontra equivalência no art. 53 da Carta atual e serviu como um dos fundamentos da causa de pedir do habeas corpus. O parágrafo 2º falava na aplicação da legislação militar aos deputados somente se incorporados às Forças Armadas, o que não ocorria. Com base nesta argumentação, defenderam os
impetrantes que as imunidades parlamentares não se suspendiam nem no estado de guerra. O estado de guerra, tal como previsto no art. 161 da Constituição, “implicará a suspensão das garantias constitucionais que possam prejudicar direta ou indiretamente a segurança nacional.”² ⁵ A argumentação dos impetrantes centrase na natureza jurídica das imunidades parlamentares, que se assemelha às garantias do Poder Judiciário de vitaliciedade e inamovibilidade. A natureza jurídica das imunidades parlamentares não é de direito individual, e sim, de instituto atinente à organização do Estado, instituto não ível de suspensão por estado de guerra. Não pode, em estado de guerra, o presidente da República prender um deputado ou senador (pelo menos sob a ordem constitucional vigente até então). Sobre o estado de guerra e a suspensão das garantias, instituto do direito norteamericano, é interessante transcrever a seguinte agem da peça exordial:²
Nem se argua que o decreto de 21 de março suspendeu a garantia do habeas corpus. Est modus in rebus. Apenas estalava a Guerra de Sucessão, o Congresso norte-americano, legalizando o ato de Lincoln, votava a suspensão do habeas corpus. Não impediu isso que a Suprema Corte conhecesse, ainda aquela época, de vários casos de habeas corpus e, vigorante ainda a suspensão, o concedesse a Milligan, condenado à forca por uma comissão militar no Estado de Indiana. (…) Assim, embora decretado o estado de guerra, o habeas corpus subsiste como remédio processual idôneo para garantir a liberdade, desde que: I. não se trate do exercício de um direito individual; II. Quando o exercício do direito de um indivíduo não prejudique direta ou indiretamente a segurança nacional.
Resta agora analisar como o STF recepcionou a tese bem defendida na inicial em questão. Com o voto condutor do Min. Carvalho Mourão, é feita inicialmente uma distinção entre o estado de sítio e estado de guerra, assentando-se que as normas que os regulam nada mais são que a regulamentação do estado de necessidade no exercício das funções no Estado Democrático.
Estado de guerra, para o relator, referia-se somente à guerra internacional, não sendo aplicáveis suas leis à guerra civil. Invocando as instruções de Lincoln na Guerra de Secessão norte-americana, ressalta que não havia nenhum ato do presidente que reconhecesse, nos Estados Confederados, a condição de beligerante. Assim, o conceito de guerra internacional só se aplica à guerra entre Estados (pessoas jurídicas de Direito Internacional), sendo a esta aplicável a lei marcial. Delimitado o conceito de estado de guerra, guerra internacional e o campo de aplicação da lei marcial, ou o Ministro à análise do estado de sítio, invocando doutrina de Rui Barbosa sob a égide da Carta anterior² ⁷:
E esses limites, embora variem com as vicissitudes da luta, são as fronteiras intransponíveis da lei marcial. O estado de guerra, propriamente dito, o estado de sítio real, só existe dentre desses limites, fora daí não há lei marcial. Eis a razão porque Rui Barbosa sustentou que o estado de guerra não exige, necessariamente o estado de sítio, que o estado de sítio não decorre, jurídica e necessariamente, do estado de guerra, e, para tanto, citou exemplos eloquentíssimos, tirados da história do nosso próprio país. (…) O estado de sítio, propriamente dito, segundo a técnica do nosso Direito Constitucional aquele que os autores ses e muito dentre os italianos denominam estado de sítio político ou ficto, tem efeitos menos amplos do que os do estado de sítio real, no estado de guerra. Tanto assim que não importa transferência da jurisdição ordinária aos tribunais militares.² ⁸ (negrito nosso)
Feita essa distinção, invoca o ministro o previsto no art. 175, § 15 da Constituição de 1934, que previa “uma lei especial a regular o estado de sítio em caso de guerra, ou de emergência de guerra”² . Era aplicável, portanto, à situação em questão o caput do art. 175, que dispunha:
Art. 175. O Poder Legislativo, na iminência de agressão estrangeira, ou na
emergência de insurreição armada, poderá autorizar o Presidente da República a declarar em estado de sítio qualquer parte do território nacional, observando-se o seguinte: 1) o estado de sítio não será decretado por mais de noventa dias, podendo ser prorrogado, no máximo, por igual prazo, de cada vez; 2) na vigência do estado de sítio só se item essas medidas de exceção: a) desterro para outros pontos do território nacional, ou determinação de permanência em certa localidade; b) detenção em edifício ou local não destinado a réus de crimes comuns; c) censura de correspondência de qualquer natureza, e das publicações em geral; d) suspensão da liberdade de reunião e de tribuna. e) busca e apreensão em domicílio.²⁷
Pois bem. Entendeu o douto ministro julgador aplicável o art. 175 ao estado de sítio e, portanto, este não teria o condão de suspender as imunidades parlamentares. Invocando doutrinas sa e italiana, cita o art. 45 da Constituição italiana anterior ao fascismo, que guarda paralelo com a Constituição brasileira de 1934: “Art. 45. Nenhum deputado pode ser preso, fora do caso de flagrante delito, no tempo da sessão, nem trazido em juízo em matéria criminal, sem o prévio consenso da Câmara”.²⁷¹ Também é de ressaltar-se, no voto do Min. Carvalho Mourão, a invocação da doutrina sa de Duguit, que transcrevemos em tradução livre (original em nota de rodapé):²⁷²
Durante a guerra de 1914, o governo reconheceu que a inviolabilidade parlamentar se opõe a que, mesmo sob o regime do estado de sítio, a censura postal se exerça sobre as correspondências direcionadas aos membros do Parlamento ou expedidas por eles.
Por fim, invocando doutrina da Constituição anterior, entendeu-se que o Decreto n. 702, instituidor do estado de sítio, não suspendeu as imunidades parlamentares, nem a possibilidade de impetração de habeas corpus para direitos e prerrogativas que não estejam compreendidos pelo estado de guerra, quando o governo exceda os poderes excepcionais que lhe são outorgados. Muito semelhante, portanto, à construção inicial da doutrina brasileira do habeas corpus a partir do HC 300 até o caso Nilo Peçanha, em que se fixavam os limites do estado de sítio. A discussão sobre os limites do estado de sítio voltou à baila em 1935. Neste entendimento, foi o ministro relator acompanhado pelo Min. Plinio Casado, que corroborou o entendimento segundo o qual o estado de guerra suspende, tão somente, as garantias constitucionais das quais aS imunidades parlamentares não fazem parte. Salienta, também, que o estado de guerra do artigo 161 da Carta de 1934 é o mesmo estado de sítio do artigo 80 da Constituição de 1891, que neste tema se inspirou na Constituição argentina. Os ministros Eduardo Espínola e Bento de Faria não conheceram preliminarmente do pedido. No mérito, o ministro relator Carvalho Mourão teceu considerações sobre a licença da Câmara para responder a processo criminal. Entendeu este que a referida licença abrange autorização para prisão em caso de estado de guerra. Após uma análise dos debates da Constituinte de 1934, chegou o ministro à conclusão de que a prisão tinha um cunho meramente processual e que deveria ser mantida até o julgamento, conforme se verifica:²⁷³
Trata-se é verdade, unicamente, de autorização para o processo. De boa fé, entretanto, ninguém contestará que a autorização para o processo importa na hipótese, em realidade, de manutenção da prisão, e por tempo indeterminado, já que ninguém é lícito prever quanto pode durar um processo da ordem a que vão ser submetidos os quatro deputados, presos há mais de três meses.²⁷⁴
Ou seja, em um voto extremamente complexo e bem fundamentado, o Min. Carvalho de Mourão revelou-se judiciarista na preliminar, por entender que o estado de sítio não abarca as imunidades parlamentares, mas conservador no
mérito, ao defender que a prisão processual achava-se abrangida entre a licença concedida pela Câmara. Com este último fundamento, denegou a ordem de habeas corpus. Neste entendimento, foi acompanhado pelo Min. Carlos Maximiliano, que entendeu sob um viés um pouco diferente. Para o Ilmo. ministro, a decretação do estado de guerra suspenderia as imunidades parlamentares, ficando os deputados equiparados, em relação aos comunistas, à prisão por estado de guerra, e, em relação aos comuns, à prisão processual. Invocando doutrina tedesca, é interessante a distinção que o ministro faz entre o estado de sítio na Carta de 1891 e na de 1934, razão pela qual se transcreve parte do voto:
A Constituição vigente, sob inúmeros aspectos inferior tecnicamente a de 1891, sob inúmeros aspectos a esta sobreleva, no tocante às imunidades parlamentares. O texto revogado em 1934 prescrevia que o Legislativo só tomasse conhecimento do pedido para processar um de seus membros, depois que o processo criminal houvesse avançada até a pronúncia, exclusive. Logo, os quatro deputados ficaram equiparados, em relação ao processo contra os comunistas, e à prisão por estado de sítio, ao particular.²⁷⁵
Também votaram pelo indeferimento, atendo-se à questão da licença parlamentar, os Ministros Otávio Kelly, Lauro de Camargo, Plínio Casado e Eduardo Espínola, acrescentado este último o fundamento que a Emenda n. 1 à Constituição de 1934, que autorizou a declaração da comoção intestina grave equiparada ao estado de guerra, estabeleceu que o respectivo decreto deverá indicar as garantias constitucionais que não ficarão suspensas. Logicamente, portanto, fazia presumir a existência dos requisitos para pronúncia, isto é, prova plena do delito e indícios veementes de culpabilidade do acusado. Conforme consta dos atos retirados do sítio do STF, a decisão foi a seguinte:²⁷
Conheceram do pedido, apesar do estado de guerra e de ser originário, contra os votos dos Ministros Srs. Bento de Faria que dele não conhecia em virtude do estado e do Sr. Ministro Hermenegildo de Barros, por causa do estado de guerra
e por ser originário de meritis, indeferiram-no unanimemente.
Percebe-se, no julgado em questão, uma forte ideologia anticomunista que permeou todo o período do Governo Provisório de Vargas e motivou a decretação do estado de sítio. Tal anticomunismo veio a ser cristalizado na Constituição outorgada de 1937, com a doutrina da segurança nacional, prevista nos arts. 162 a 164, assim redigidos (a transcrição revela-se importante, porque, ao final do capítulo, comentaremos um caso julgado pelo STF sob a Carta de 1937):
Art. 162. Todas as questões relativas à segurança nacional serão estudadas pelo Conselho de Segurança Nacional e pelos órgãos especiais criados para atender à emergência da mobilização. (…) Art. 163. Cabe ao Presidente da República a direção geral da guerra, sendo as operações militares da competência e da responsabilidade dos comandantes chefes, de sua livre escolha. Art. 164. Todos os brasileiros são obrigados, na forma da lei, ao serviço militar e a outros encargos necessários à defesa da pátria, nos termos e sob as penas da lei,. Parágrafo único. Nenhum brasileiro poderá exercer função pública, uma vez provado não haver cumprido as obrigações e os encargos que lhe incumbem para com a segurança nacional.²⁷⁷
É interessante notar aqui como uma formação discursiva²⁷⁸ surgida em 1935, a utilizar-se termo de Foucault, no caso, a ideologia anticomunista, voltou a ser presente em outros momentos da história brasileira, como o golpe militar de 1964 e a recente ascensão da extrema direita ao poder após a derrocada do petismo e lulismo.
3.2 Mandado de segurança 111 (Aliança Nacional Libertadora) ²⁷
Dentro dos julgamentos históricos do Supremo Tribunal Federal sob a égide da Carta de 1934, merece relevo o Mandado de segurança n. 111, impetrado em favor da Aliança Nacional Libertadora. Em face das diferentes ideologias que polarizavam o mundo neste período, tal movimento teve um caráter antifascista e anti-imperialista, opondo-se politicamente à Aliança Integralista Brasileira, liderada por Plínio Salgado. Em abril de 1935, Luís Carlos Prestes voltou clandestinamente ao Brasil. Incumbido pela direção da Internacional Comunista de promover um levante armado que instaurasse no país um governo nacional-revolucionário, recebia a colaboração de um pequeno mas experiente grupo de experientes estrangeiros, entre os quais se incluía a sua mulher, a alemã Olga Benário (ou Maria Prestes). Espécie de embrião do futuro Partido Comunista que viria ser objeto do Habeas Corpus 1334, sob a égide da Constituição de 1937, a ANL espelhava a ideologia antifascista da época. A saga de Luís Carlos Prestes e sua ideologia de esquerda é bem narrada na obra de Jorge Amado, O cavaleiro da esperança, autor que, sem esconder sua verve comunista, explica:²⁸
A palavra de ordem de um Governo Popular Nacional Revolucionário surge da própria massa aderente à Aliança. Era ele a consequência natural da plataforma aliancista. Diante dos esforços da reação para sustentar-se no poder, das limitações que a cada dia impunha à Constituição de 34, do prestígio que dava ao integralismo mantendo-o como uma espada sobre o pescoço do povo, das suas ligações cada dia maiores com os diversos imperialismos, o inglês, o alemão e o americano, (…) faziam com que a massa não acreditasse possível a realização de qualquer das suas reivindicações senão dentro de um governo novo. (…)
Getúlio apoiava-se em uma trilogia clássica: Latifúndio, imperialismo e fascismo. O programa de um Governo Popular Nacional Revolucionário era exatamente o combate a esses inimigos do povo.
Dentro deste contexto, impetrou Heitor Lima mandado de segurança em favor da Aliança Nacional Libertadora, em face de decreto do Executivo que efetuou o fechamento de seus núcleos na capital e nas capitais dos Estados, requerendo fosse a autoridade coatora notificada para prestar informações. Regularmente intimado, o Ministro da Justiça e Negócios Interiores respondeu com os seguintes fundamentos:
A chamada Aliança Nacional Libertadora não ava de um disfarce do Partido Comunista, para, desta forma, poder exercer livremente sua atividade subversiva, por tal motivo, vinha sendo constantemente monitorada pelas autoridades policiais.²⁸¹
Pelos motivos expostos e mediante o Decreto n. 246, de 19 de julho do corrente ano, o Governo Federal, fundado no art. 29 da Lei n. 38, de 4 de abril de 1936, ordenou o fechamento de todos os núcleos e sedes da ANL. Ao final, ressalta o Ministro que o art. 113, n. 2 da Constituição, disciplinador do mandado de segurança, não se aplica ao caso em questão, uma vez que o fechamento dos núcleos e sedes de uma instituição, por motivo de ordem pública, não se confunde com a dissolução, ou cancelamento do registro, portanto, o referido ato não seria eivado de ilegalidade ou inconstitucionalidade. Ouvido o Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, Carlos Maximiliano, outrora Ministro do STF, manifestou-se com ênfase no caráter comunista e subversivo da instituição, opinando pela denegação da segurança, com as seguintes palavras:
Os inimigos da Constituição liberal vêm ao Pretório Excelso impetrar um
remédio democrático. Ora, a incoerência não pode ser apanágio de apóstolo, que deve, ao contrário, mostrar-se protótipo da sinceridade e da renúncia. Além da precipitação e descaso ao elegerem o caminho a seguir, ainda revelam olvido lamentável do papel superior da Corte Suprema. Esta é uma corporação política, não no sentido partidário, mas na acepção elevada do termo: altamente conservadora, guarda excelsa da lei, zeladora da pureza das instituições, olhando largo para o futuro, para as consequências próximas e remotas de seus arestos, intérprete iluminada dos textos, garantia serena e vigilante da família e da ordem jurídica e social. (…) Se a Corte Suprema der à suplicante, para esta subverter livremente a ordem política e social vigorante no Brasil, qual será, para as vítimas do plano terrível, o broquel contra a iniquidade (…)
Perceba-se, no parecer de Carlos Maximiliano, menção à judicialização da política pela Corte Suprema, mas no sentido de manter a ordem jurídico-política vigente, e não de subvertê-la, conforme convém ao Poder Judiciário. O Plenário do Supremo Tribunal Federal parece ter encampado a tese do parecer, mas ateve-se aos aspectos formais e legais da medida do ato dissolutório, sem adentrar na discussão política do papel da Corte Suprema. Conforme ressaltado no voto condutor do Ministro Manso, a Constituição não permite a dissolução por ato istrativo, mas não proíbe a suspensão temporária das atividades da sociedade. Afastou-se a tese trazida pela sociedade Impetrante, segundo a qual as associações, por previsão legal, só poderiam ser dissolvidas por sentença judicial e não por ato istrativo. Na ausência de um dispositivo expresso, concluiu pela legalidade e constitucionalidade do art. 1 do Decreto n. 229, de 11 de julho, que assim dispunha:
Serão fechados por seis meses, nos termos do art. 29, da Lei n. 58, de 4 de abril do corrente ano, todos os núcleos existentes nesta capital e nos Estados, da organização denominada Aliança Nacional Libertadora.²⁸²
Revela-se muito interessante tal julgado. Enquanto que a tese do STF concluiu pela legalidade do fechamento da Aliança Nacional Libertadora com base na aplicação da legislação civil e processual relativa às associações, o pano de
fundo, bem analisado no parecer de Carlos Maximiliano, foi justamente a possibilidade da judicialização da política no Judiciário para combater uma ideologia nociva ao interesse nacional, no caso, a ideologia comunista. Longe de nós, aqui, tecer comentários sobre o acerto ou não do julgado, posto que fugiria totalmente à tese em questão, que não é um trabalho de Ciência Política, e sim, de História do Direito, com o objetivo de trazer contribuições ao direito brasileiro atual por meio de análise dos precedentes da Excelsa Corte em um dado período histórico. A contribuição, portanto, que tal julgamento teria trazido foi justamente o aprofundamento das discussões acerca da judicialização da política. Por fim, ressaltar que a mesma questão foi enfrentada quando do julgamento do HC 297634²⁸³, impetrado em favor de Luís Carlos Prestes e do Partido Comunista, já sob a égide da Constituição de 1946. O pedido foi formulado no sentido de assegurar o regular funcionamento deste Partido e a livre circulação de seus dirigentes. No voto condutor do Min. Castro Nunes, observa-se uma argumentação muito semelhante àquela esposada quando do julgamento do Mandado de Segurança 111, dado que o Partido Comunista teria sido uma continuidade da Aliança Nacional Libertadora. Assim, o cancelamento do registro partidário seria de competência da Justiça Eleitoral. Invocando o princípio processual da competência por conexão, entendeu-se que a Justiça Eleitoral seria competente para a execução dos seus julgados, no caso, a dissolução do Partido Comunista Brasileiro. Em fundamentação cristalina e com farta invocação da legislação processual, entendeu-se, primeiro, que, não sendo a matéria eleitoral, posto que já esgotada esta, julgou cabível o conhecimento do habeas corpus. No mérito, entendeu o Ministro que o pedido não seria cabível em sede de habeas corpus, e sim, de mandado de segurança, no que foi acompanhado pelos outros Ministros. Em uma discussão semelhante à da Primeira República sobre os limites do habeas corpus, assentou o Ministro Castro Nunes:²⁸⁴
O que se reclama não é somente o direito de entrar e sair da sede da agremiação partidária, mas de exercer atos de istração da sociedade civil, cujo funcionamento está sendo reivindicado, com os meios necessários, ainda que proibida a prática de atos partidários. É para que se declare subsistente a
associação civil remanescente no tocante à disposição de seus haveres que se pede o habeas corpus, remédio manifestamente inidôneo para os direitos que se dizem viciados pelo arguido excesso de autoridade. (…) Ao tempo da jurisprudência extensiva que atribuía ao velho writ, na falta de outro remédio adequado, a virtude de alcançar outros direitos, pelo argumento de que estaria subordinado o seu exercício àquela liberdade-condição, seria possível utilizá-lo para atingir ao que então se chamava com Pedro Lessa – o direito – escopo. Ainda assim, já aquele tempo, registraram-se casso em que o Supremo Tribunal o declarou inidôneo para anular, v.g., por exemplo, o fechamento de um estabelecimento comercial, de um modo geral, para garantir o exercício da profissão comercial.²⁸⁵
Percebe-se, no Habeas Corpus 29.763, tal como ocorre no Mandado de Segurança 111, uma grande judicialização da política como pano de fundo, haja vista o interesse de sepultar a ideologia comunista, da qual o Partido Comunista era o principal artífice, vista como uma ameaça à segurança nacional. No entanto, nas razões do indeferimento do pleito, por não ser cabível o mandado de segurança, o Min. Castro Nunes invoca uma interpretação retrospectiva da doutrina brasileira do habeas corpus, vigente durante a Constituição de 1891, e ainda faz menção às exceções jurisprudenciais desta doutrina, conforme se verifica nos destaques acima. A crítica a se fazer, aqui, é justamente a utilização de uma interpretação retrospectiva de um instituto não mais em vigor no ordenamento jurídico de 1946 (a doutrina brasileira do habeas corpus – 1914-1926), e, ainda mais, com ênfase nas suas exceções e restrições que levaram à Reforma de 1926 e restringiram o alcance do habeas corpus. O voto é muito bem fundamentado, mas arcaico. Quisera o direito brasileiro atual pudesse aprender com o ado, não para restringir, mas para ampliar certas liberdades em uma interpretação histórica.
3.3 Habeas corpus n. 26155 (caso Olga Benário)
Com base em fundamentação semelhante, impetrou o advogado Heitor Lima, em 3 de junho de 1936, habeas corpus em favor de Maria Prestes (ou Olga Benário), presa à disposição do Sr. Ministro da Justiça para ser expulsa do território nacional, sob acusação de ter participado de atividades subversivas à ordem nacional, no caso, propagar a ideologia comunista. Segundo informação da TV Justiça, trata-se do julgamento histórico mais consultado no banco de dados do Supremo Tribunal Federal. Como causa de pedir, alega, dentre outras, o Direito Penal Internacional, segundo a qual dentro das nossas fronteiras a ninguém é lícito fugir à ação da soberania nacional, cabendo à União expulsar os estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivo aos interesses do País. Dentro dessa linha de raciocínio, ressalta que Maria Prestes, não tendo cometido nenhum ato nocivo aos interesses do País, deveria ser julgada pela jurisdição brasileira, afastando-se o decreto de expulsão em um brilhante raciocínio:²⁸
A paciente impetra habeas corpus, não para ser posta em liberdade, não para neutralizar o constrangimento de qualquer processo, não para fugir ao julgamento dos seus atos pelo Judiciário; mas, ao contrário, impetra habeas corpus para não ser posta em liberdade; para continuar sujeita ao constrangimento do processo que contra ela se prepara na polícia; para ser submetida a julgamento perante os tribunais brasileiros. Em suma: o habeas corpus é impetrado a fim de que a paciente não seja expulsa.
Como argumento subsidiário, alega o fato de que Maria Prestes estaria grávida, e que o direito brasileiro estabelece que a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Tecendo várias considerações sobre as teorias jurídicas do nascituro, salienta a necessidade de amparo à gestante e ao recém-nascido,
invocando o art. 141 da Constituição de 1934: “É obrigatório, em todo o território nacional, o amparo à maternidade e â infância, para o que a União, os Estados e os Municípios destinarão um por cento das respectivas rendas tributárias”.²⁸⁷ A despeito da brilhante argumentação da peça exordial, que pera pelo Direito penal (aplicação territorial da lei penal), Civil (teoria do nascituro), Constitucional (cabimento do habeas corpus) e Internacional (ilegalidade do decreto de expulsão) em seus argumentos, bem como um grande raciocínio lógico, houve por bem o Pretório Excelso indeferir não somente a requisição dos autos do respectivo processo istrativo, como também o comparecimento da Paciente e bem assim a perícia médica a fim de constatar o seu alegado estado de gravidez. No mérito:²⁸⁸
Atendendo a que a mesma Paciente é estrangeira e a sua permanência no país compromete a segurança nacional, conforme se depreende das informações prestadas pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça; Atendendo que, em tais caos não há como invocar a garantia constitucional do habeas corpus, à vista do Disposto no art. 2 do Decreto n. 702, de 21 de março deste ano; Acorda, por maioria, não tomar conhecimento do pedido.
Novamente, aqui, outro julgado que teve como contexto a doutrina da segurança nacional, embora o fundamento do não conhecimento fosse uma mera disposição regulamentar, qual, seja, o art. 2 do Decreto 72/1936. A ideologia da segurança nacional veio a ser cristalizada na subsequente Constituição de 1937, no seu art. 135, e, posteriormente, no Decreto-Lei n. 898, de 29 de setembro de 1969 e na Lei 6.620/1978. Raciocínio semelhante foi adotado no Mandado de Segurança n. 2264, impetrado em favor do escritor e diplomata João Cabral de Melo Neto, então cônsul do Ministério das Relações Exteriores, contra decreto do Presidente da República à época, que determinou que o paciente fosse posto em
disponibilidade inativa e não remunerada e por ter praticado atividades subversivas ligadas ao Partido Comunista do Brasil. Novamente, sob o voto condutor do Min. Hahneman Guimarães, o STF não conheceu do pedido preliminarmente, mas, no mérito, deferiu a segurança, para reintegrar o diplomata às suas funções.²⁸ Também adotou-se como fundamentação a inaplicabilidade da legislação que fundamentava o afastamento, posto ser anterior à Constituição de 1946. Trata-se de importante julgado, que deferiu o pedido de afastamento do ato istrativo.
3.4 Intervenção do Estado no domínio econômico (Mandado de Segurança 333)
A intervenção do Estado na economia foi novidade introduzida primeiramente na Constituição de 1934. Em uma Constituição que se pretendia social, fortemente inspirada na Constituição mexicana de 1917 e na alemã de Weimar de 1919, a ordem econômica e social foi tratada nos arts. 115 a 143. Salienta Alberto Venâncio Filho que “a partir da década dos anos trinta, acentuase o mecanismo de intervenção do Estado no domínio econômico, com a criação de autarquias econômicas para defesa de produtos da agricultura e da indústria extrativa.”² Dentro deste contexto, foi criado o Departamento Nacional do Café pelo Decreto n. 22.542/1933, que objetiva regulamentar a política externa do café, principal produto de exportação brasileiro desde a época da Primeira República. Relativamente a nossa política de exportação cafeeira, o economista Edmar Bacha assim a sintetizou em um artigo:² ¹
No início do séc. XX, o Brasil se viu numa posição de amplo domínio do mercado mundial de café e enfrentando uma situação de superprodução. Após uma explicação dos mecanismos do ciclo do café, descreve-se a primeira intervenção do Brasil no mercado do café, marcado pelo célebre Convênio de Taubaté de 1906. Dois outros episódios intervencionistas se seguiram antes de a política de valorização tornar-se permanente com a criação, em 1924, do Instituto Paulista de Defesa. (…)”
O caráter inusitado da intervenção do Estado na economia cafeeira, impondo aos produtores limitações, encargos e ônus repercutiu na esfera judicial. Neste, o STF foi chamado a julgar o Mandado de Segurança 333 do Distrito Federal, sendo Impetrante Monteiro e Barros & Cia. e outro, de 9 de dezembro de 1936, do qual foi relator o Min. Laudo de Camargo. No presente writ, foi questionada a legalidade da intervenção atribuída ao Departamento Nacional do Café relativa à
fixação de preços para aquisição das sacas. O Pretório Excelso julgou inconstitucional o tipo de intervenção atribuído ao DNC, contra os votos dos Ministros Carlos Maximiliano, Octavio Kelly, Costa Manso e Eduardo Espínola. Cuida-se de julgado histórico, uma vez que pela primeira o Supremo Tribunal Federal analisou a possibilidade de intervenção do Estado na economia, pela via do mandado de segurança. O acórdão restou assim ementado:² ²
Mandado de Segurança. Quota do Departamento Nacional do Café, sua inconstitucionalidade: nos termos do Decreto 22.121, ao Departamento Nacional do Café incumbe fixar o preço para aquisição das sacas, para o efeito de controle das vendas do café; não pode, no entanto, ser esse preço fixado ad libitum do Departamento, mas sim como prévio acordo do produtor; a decisão que obriga a alienação compulsória ao preço fixado é confisco, ou expropriação, na primeira hipótese é contrária à Constituição e na segunda deve o produtor receber justa indenização, verificando o ato de autoridade, determinando a entrega compulsória, deve-se dar o mandado de segurança para garantir o direito de propriedade violado.
O leading case sobre a matéria é, porém, o mandado de segurança 356 (DF), de 16 de abril de 1937, sendo Impetrante o Espólio de Vicente Dias Junior, e que confirma sentença do então Juiz Federal Castro Nunes, e assim dispõe na sua ementa:² ³
Mandado de segurança contra ato do Departamento Nacional do Café- Quota de sacrifício. As medidas autorizadas no Decreto 22.121, de 1932, e adotadas pelo Departamento, encontram assento no artigo 5, n. XIX, letra I da Constituição, que autoriza adotar normas gerais sobre produção e consumo, podendo estabelecer limitações exigidas pelo bem público. A fixação de preço de que cogita aquele decreto não é consensual, senão normativa ou regulamentar – o sacrifício de direito de propriedade está pressuposto nas medidas de economia dirigida, previstas naquele inciso constitucional.
O que se observa da leitura dos julgados acima é uma progressiva tentativa, ainda que tímida e contida, do Poder Judiciário e da jurisdição constitucional no exercício do controle de constitucionalidade e na proteção dos direitos individuais: Enquanto que na Constituição de 1824 tal função ficava ao alvedrio do Poder Moderador e do Conselho de Estado, sob a égide da Constituição de 1891, a criação da Justiça Federal e do Supremo Tribunal Federal permitiram uma primeira implementação destes institutos, juntamente com a doutrina brasileira do habeas corpus. Os órgãos em questão principiaram a criação de uma jurisdição constitucional, enquanto a referida doutrina ampliou o escopo desta na proteção dos direitos individuais. Houve, é bem verdade, um relativo arrefecimento com as Reformas de 1926, mas não a ponto de desnaturar o cerne destas mudanças que se refletiram em momento constitucional posterior. Já sob a égide da Constituição de 1934, a despeito de sua curta duração, houve o aprimoramento da proteção dos direitos individuais com a instituição do mandado de segurança, o reconhecimento dos direitos sociais e a ampliação do controle de constitucionalidade por meio de uma coordenação de poderes, principalmente com a função do Senado Federal de editar resolução dando efeitos gerais a uma lei declarada inconstitucional pelo Supremo. A referida Constituição, influenciada pela Constituição de Weimar de 1919 e pela Constituição mexicana de 1917, teve o mérito de introduzir no direito brasileiro o constitucionalismo social, também abordado pela jurisprudência constitucional e fixar alguns parâmetros básicos do controle de constitucionalidade utilizados até hoje. Neste período, o Supremo Tribunal Federal delimitou a extensão do estado de sítio e sua não aplicabilidade às imunidades parlamentares, mas revelou-se reticente em conceder ordens de habeas corpus e mandado de segurança sempre que estivesse presente a ideologia comunista, o principal inimigo a ser combatido. Também foi instado a analisar, pela primeira vez, em alguns julgados, a intervenção estatal na economia em face do direito de propriedade. Curioso é que, no julgamento do Habeas Corpus n. 29002, já sob a autoritária Constituição de 1937, de relatoria do Ministro Aníbal Freire, o STF, em tese inovadora para o período, julgou nula a citação por edital de exilados políticos no exterior, ao fundamento que, não estando os pacientes na situação de soltos ou foragidos, a citação não podia ser feita por edital afixado à porta do Tribunal de Segurança Nacional.² ⁴ Novamente uma decisão inovadora em sede de habeas corpus, ao assegurar aos impetrantes o direito ao contraditório e à ampla defesa
reconhecendo uma nulidade de citação.
Notas
244. Naud, Leda Maria Cardoso. Estado de sítio, 1ª parte. Revista de informação legislativa, v. 2, n. 5, p. 134-180, 1965. 245. Bonavides, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1989, p. 319. 246. Para um aprofundamento histórico da Revolução de 1930, consulte Fausto, Boris. A Revolução de 1930. Historiografia e história.São Paulo: Cia. das Letras, 1997.. 247. Para uma extensa e profunda análise do dirigismo constitucional na Carta de 1988 e na Constituição portuguesa de 1976, consulte Oliveira, Fabio Correa de Souza. Morte e vida da Constituição dirigente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 212 e seguintes. 248. Bonavides, op. cit. História Constitucional do Brasil, p. 321. 249. Fausto, Boris. A Revolução de 1930. Historiografia e história. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 20. 250. Para um aprofundamento do autoritarismo nas Constituições brasileiras, consulte a obra (tese de livre docência) de: Cerqueira, Marcelo. Cartas Constitucionais. Império, República e autoritarismo. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. 251. Rudino, Almir Gasquez; Penteado, Jacques de Camargo. Grandes juristas brasileiros, Livro II: Martins Fontes, 2016 apud Dolinger, Jacob Biografia de Oscar Tenório, p. 267. 252. Domínio público.
253. Nunes, José de CastroTeoria e prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 208. 254. Ibidem, p. 200/201. 255. Bittencourt, Lucio. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1949, p. 91 e segs. 256. 257. Baleeiro, Aliomar. O Supremo Tribunal Federal, este outro desconhecido. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 78-79. 258. Domínio público. 259. Domínio público. 260. Para uma análise política da díade direita-esquerda, consulte a obra de Bobbio, Norberto. Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política. 3. ed. São Paulo: Ed. Unesp, 1999.. 261. Costa, STF. O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania, p. 52. 262. Em relação ao direito de greve na Primeira República, consulte a obra de Siqueira, Gustavo Silveira. História do Direito De Greve No Brasil (1890-1946) – 2017. Rio de Janeiro: Saraiva, 2017. (Col. Direito e Emancipação, v. III). 263. Disponível em https://bit.ly/3pG9Asn. o em:15 jun. 2020. 264. Domínio público. 265. Domínio público. 266. Habeas Corpus n. 26178, Distrito Federal. Disponível em: https://bit.ly/2Ywxxqp. o em: 05 abr. 2020. 267. Disponível em: https://bit.ly/3pG9Asn. o em: 15 jun. 2020. 268. Domínio público. 269. Domínio público.
270. Domínio público. 271. No original, em italiano: “Art. 45. Nessun deputato puó essere arrestato, fuori del caso di flagrante delito, nel tempo dela secione, ne tradotto in giudizio in matéria criminale, senza il prévio consenso dela Camera”. Tradução livre. 272. Duguit, Traité de Droit Constitutionel, Tormo 4, 2. ed. de 1924, p. 218, citando obra de Pierre, Droit Politique et Parlamentaire; “Pendant la Guerre de 1914, le gouvernement a reconnu que l’inviolabilité parlamentaire s’oppose à ce que, meme sous le regime de l’État de siège, la censure postale s’ exerce sur les correspondances adresses aux membres du parlament ou expediées par eux.” 273. Disponível em https://bit.ly/3pG9Asn. o em: 15 jun. 2020. 274. Domínio público. 275. Domínio público. 276. Disponível em: https://bit.ly/3pG9Asn. o em: 15 jun. 2020. 277. Domínio público. 278. A expressão formação discursiva é aqui empregada no mesmo sentido que lhe empresta Foucault, na obra Resposta ao círculo epistemológico: Estruturalismo e Teoria da Linguagem. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1971, pp. 9-55. Trata-se de uma ideia na qual boa parte da sociedade acredita, por meio de um discurso, que pode ser retomado em outros momentos históricos. 279. Disponível em: https://bit.ly/3anng5p. o em: 12 jul. 2020. 280. Amado, Jorge. O cavaleiro da esperança. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1985, p. 258-259. 281. Domínio público. 282. Domínio público. 283. Disponível em: https://bit.ly/3j91fev. o em: 01 fev. 2021. 284. Disponível em https://bit.ly/3j91fev. o em 01 fev. 2021.
285. Domínio público. 286. Disponível em: https://bit.ly/3j91fev. o em: 01 fev. 2021. 287. Domínio público. 288. Disponível em: https://bit.ly/3j91fev. o em: 01 fev. 2021. 289. Para um aprofundamento deste julgado, consulte artigo de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy no Conjur, intitulado “João Cabral de Melo Neto no Supremo – MS 2264”, disponível em http://bit.ly/3aocTy7. o em 16/6/2020. 290. Venâncio Filho, Alberto. A Intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito Público Econômico no Brasil. Ed. Fac similar Rio de Janeiro: Renovar, , p. 35. 291. Bacha, Edmar. Política brasileira do café: uma avaliação centenária. In:Bacha, Edmar. Belíndia 2.0. Fábulas e ensaios sobre o país dos contrastes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 306. 292. Apud Rodrigues, Leda Boechat, História do STF, v. IV, p. 49. 293. Apud Venâncio Filho, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito Público Econômico no Brasil. Edicação fac smilarRio de Janeiro: Renovar, 1968, p. 99. 294. Apud Rodrigues, Leda Boechat, História do STF, tomo IV, v. I/1930-1963. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 117.
CONCLUSÃO
Chega-se, aqui, ao final de nossa incursão ao longo dos primórdios da história constitucional brasileira. No presente trabalho, buscou-se analisar as origens do judicial review (utiliza-se o termo em inglês, porque a inspiração é marcadamente norte-americana na Constituição de 1891) em solo brasileiro. Apesar da inspiração estadunidense, a realidade política era inteiramente diferente à época da promulgação da primeira Constituição republicana. A realidade política era marcada pelo domínio das oligarquias, pelas alianças entre o governo federal e estaduais, e destes com as elites locais, eleições fraudadas e constantes decretações de estado de sítio e intervenções federais, como forma de assegurar a parca neutralidade institucional junto aos Estados. O presente trabalho buscou analisar e responder como foi implantado o judicial review a partir da Constituição de 1891 e como a doutrina brasileira do habeas corpus foi o principal corolário daquele instituto. Entende-se como judicial review a possibilidade de o Poder Judiciário rever atos do Executivo e do Legislativo que estejam em confronto com o texto constitucional. Como não há previsão expressa na Constituição dos EUA, a doutrina norte-americana o deriva predominantemente do Marbury vs Madison, embora existam outras interpretações históricas e jurisprudenciais sobre a sua origem. É de ter-se em mente que, para a instalação do judicial review em um ordenamento jurídico, é preciso que haja uma separação de poderes instituída na Constituição, uma Corte suprema com atribuição constitucional e a previsão de garantias de direitos individuais, em uma ordem constitucional onde haja um mínimo de efetividade. A Constituição de 1824 carecia de alguns destes requisitos: com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça não fazia as vezes de uma Corte constitucional, o Poder Moderador funcionava como um sobrepoder que pairava sobre os demais, muitos direitos individuais não eram respeitados, apenas pelo fato de existir
escravidão, a despeito da ausência de sua previsão no texto constitucional e a Constituição ter sido outorgada, após a dissolução da Assembleia Nacional Constituinte de 1823, o que lhe tirava em grande parte sua legitimidade. Sem embargo, a Constituição republicana de 1891, bem como a subsequente de 1934, reuniam em sua origem os requisitos acima elencados, ao menos em sua previsão teórica: foram fruto ambas de uma Assembleia Nacional Constituinte, previam a separação de poderes e uma Corte Suprema, com atribuições constitucionais, além de inaugurarem a divisão de atribuições entre a Justiça Federal e a Estadual. No entanto, o cenário político-institucional era muito desfavorável à implantação plena destas instituições, bem como do judicial review. Havia, bem verdade, a previsão do recurso extraordinário, no entanto, o escopo deste último era muito limitado para assegurar o exercício da possibilidade de o Judiciário rever atos do Legislativo e Executivo. Por tal razão, antes da República, analisaram-se algumas instituições políticas e jurídicas do Império, para compreender como o novo regime de 1891 buscou romper com este último, mas manteve várias estruturas dele.. Viu-se que, no Império, a Constituição de 1824 tinha um caráter semântico, dada a sua pouca (ou quase nenhuma efetividade), o Poder Judiciário era cerceado e não havia controle de constitucionalidade, pelo menos na concepção que conhecemos. O Supremo Tribunal de Justiça, topo da estrutura judiciária, fazia as vezes de um tribunal de cassação. Ao lado da tríplice divisão de Poderes, havia o Poder Moderador, de viés nitidamente autoritário, que atuava como elemento neutralizador das diferentes tendências políticas (liberais e conservadores, que, na verdade, eram muito semelhantes) e das tensões entre os demais Poderes, na medida em que o Poder Moderador tinha atribuições sobre todos eles. Havia, também, o Conselho de Estado, órgão de consulta do Imperador, que era instado a manifestar-se em diversas questões que seriam de alçada da jurisdição constitucional na Primeira República. Proclamada a República, houve a transição de uma monarquia parlamentarista e de um Estado unitário para uma República presidencialista e Estado federativo. No plano político, houve a transição de uma monarquia para um governo de oligarquias. A Constituição de 1891, de nítida inspiração norte-americana, trouxe para a realidade brasileira inúmeros institutos distantes da realidade local. Assim, não havia mais o Poder Moderador, mas as instabilidade políticas
permaneciam, tanto no plano da Federação como das tensões entre os Poderes. Assim, era natural que se recorresse constantemente ao mecanismo da intervenção federal ou do estado de sítio, previstos, respectivamente, nos artigos 6 e 80 da Constituição. Adotou-se a forma federativa de Estado, mas estes eram dotados de parca autonomia financeira e institucional, sujeitos a constantes intervenções federais. O Poder Judiciário ganhou independência, se comparado com a ordem constitucional anterior, houve a criação de uma dualidade entre Justiça Federal e Estadual, decorrência de um regime federativo, e de uma jurisdição constitucional, exercida pelo STF e, em alguns pontos, pela Justiça Federal. No entanto, ante a forte prevalência do Poder Executivo comandado por oligarquias regionais e locais, este Poder estava constantemente sujeito a influências políticas e cerceado quanto a decisões mais protetivas de direitos previstos na própria Constituição. A doutrina das questões políticas, uma das vigas-mestras do constitucionalismo brasileiro até a Carta de 1988, dava respaldo a este cerceamento. Assim, eram questões políticas tudo aquilo que fosse infenso à apreciação judicial, o que ficava, por vezes, ao alvedrio do Poder Executivo. A doutrina brasileira do habeas corpus na Primeira República surge realmente como uma tentativa de judicialização da política e proteção de alguns direitos individuais em um contexto de autoritarismo e cerceamento ao Judiciário. Primeiramente, analisando os limites do estado de sítio e às medidas por este adotadas, a partir do Habeas corpus 300, o Supremo Tribunal deferiu ordens de habeas corpus para assegurar o exercício de vários outros direitos individuais, dentre os quais o direito de livre manifestação do pensamento, a liberdade religiosa, o livre exercício profissional e até a isenção do serviço militar. Também assegurou, por meio do instituto do habeas corpus, a posse em cargos públicos e a validade de Assembleias Legislativas, aí numa judicialização ainda mais evidente da política. A origem da doutrina brasileira do habeas corpus foi o HC 300, nos quais se discutiam os limites materiais e temporais das prisões políticas decretadas durante o estado de sítio. Ao conferir ao habeas corpus uma interpretação e um escopo maior do que o previsto originalmente no texto constitucional, o Excelso Pretório inovou ao permitir judicializar a política e conferir efetividade a alguns preceitos constitucionais. Duas conclusões centrais podem ser extraídas do presente trabalho, que, como toda obra , está sujeita a constante aperfeiçoamento e revisão. O trabalho foi
eminentemente descritivo, mas procurou tocar e amplificar discussões que am ao largo da contemporaneidade jurídica brasileira. A primeira delas é a desmistificação da ideia, muito em voga no constitucionalismo pós-1988, de que nenhuma produção no Direito Constitucional brasileiro anterior à Constituição de 1988 foi importante ou digna de relevância a ser estudada. A presente ideia realmente encontra apoio no fato de que o Brasil sempre teve uma tradição autoritária muito forte, e, mesmo nos períodos de distensão política (como o foi a Primeira República, até as Emendas 1926), o curtíssimo período da Constituição de 1934 e a redemocratização operada com a Constituição de 1946, a democracia era muito frágil e, por vezes, disfuncional. Por outro lado, as Constituições de 1824, 1937 e 1967/69 foram puramente semânticas, uma vez que se prestaram a dar uma aura de legitimidade a regimes autoritários. Sendo assim, soa até natural que a produção da doutrina constitucional pré-1988 fosse subvalorizada, diferentemente de outros ramos, como o Direito Privado, Processual e Criminal, cuja doutrina mais antiga ainda é bastante estudada hoje em dia. Essa ideia fica enfraquecida, quando se comprova, ao longo da obra , que houve sim, na história constitucional brasileira, produção digna de relevância a ser estudada e que em nada fica devendo à atual, se considerado o contexto político da época. A doutrina brasileira do habeas corpus, construção doutrinária e jurisprudencial que permitiu a concretização do judicial review na Primeira República, representa um início de judicialização da política e de tentativa de resguardo de direitos individuais pela Suprema Corte. Embora, de início, esta tentativa tenha sido tímida e pouco ousada, houve julgados bastante inovadores para a época que foram proferidos, como o que assegurou o direito de reunião e de liberdade de pensamento. Tanto que levaram a uma profunda reação conservadora que culminou com a edição das Reformas de 1926, que restringiram o escopo do instituto do habeas corpus à sua feição originária. No período da Constituição de 1934, houve a instituição do mandado de segurança e um maior detalhamento das funções Poder Judiciário e da Suprema Corte como órgão guardião da Constituição. Instado a se manifestar, em sede de habeas corpus e de mandado de segurança, o STF delimitou a aplicação do estado de sítio às imunidades parlamentares, mas mostrou-se bastante reticente em proteger algum direito individual sempre que tivesse a ideologia
anticomunista como pano de fundo. A segunda conclusão que se pode tirar é que a tentativa originária de concretização de direitos individuais e restrição a medidas autoritárias partiu, inicialmente, do Poder Judiciário com base em mecanismos a ele conferidos pela própria Constituição. Se este Poder ficou aquém ou cumpriu com o esperado, é tarefa difícil de julgar. Aos olhos da contemporaneidade, sem dúvida, ficou muito aquém do que poderia ter feito. No entanto, se nos transpmos para 100 anos atrás, e tentarmos nos colocar no contexto político do período e no que era o Brasil da época, veremos que talvez ele tenha sido um tanto ousado ao desenvolver a doutrina do habeas corpus. Cuida-se de um país que acabara de sair de um regime escravocrata, mas que se manteve patriarcal e coronelista. Como se trata de um estudo histórico, fez-se uma pesquisa nas obras literárias e jornalísticas da época. O Brasil e o mundo do início do século XX são uma realidade que nem de longe chega perto ao Brasil pós Constituição de 1988 e, muito menos, no século XXI. As Constituições de 1891 e 1934 continham um projeto político a ser implementado, muito distante, é verdade, da realidade institucional, mas um pouco mais factível do que a anterior de 1824 e a predecessora de 1937. Isto é comum à maioria dos países latino-americanos que foram egressos de regimes coloniais. No entanto, a trajetória constitucional brasileira foi marcada por um grande número de textos e mudanças, diferentemente da argentina, que conseguiu manter a mesma Constituição desde 1853, a despeito de ter ado por muitos períodos de autoritarismo. Mesmo com a Constituição de 1988, a tradição democrática ainda é frágil e pouco sedimentada. Assim, se o leitor que percorrer as páginas desta obraconseguir identificar que, mesmo em um contexto perene de autoritarismo e baixíssima legitimidade das instituições, houve um início de proteção das liberdades e das garantias, e de tentativa de concretização do desiderato constitucional, crê-se que, em parte, a obraterá alcançado os objetivos a que se propôs.
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