APONTAMENTOS DA TEOLOGIA DOS SACRAMENTOS Profa. Ivenise Teresinha Gonzaga Santinon
Introdução Com o Concílio Vaticano II e a sua Constituição “Sacrossanctum Concilium”, os sacramentos se viram revalorizados. Especialmente no ítem 59, desse documento, foi dado um destaque para a finalidade essencial dos sacramentos, desvalorizada ao longo dos anos da história da Igreja. Desenvolveu-se em cada um dos sete sacramentos a sua própria e distinta definição. Foi destacada a sua dimensão original: a santificação, a edificação e a instrução da Igreja e a celebração do culto do Corpo de Cristo. Toda a linguagem sacramental nasce na humanidade de Cristo que se comunica a nós na prolongação do seu Corpo, que é a comunhão de todos os seus membros, sem distinções. Os sacramentos devem ser sinais que sempre comuniquem a instrução para a edificação da Igreja. Dependem não só da crença nos seus significados, mas também das palavras, dos gestos e das coisas que servem para alimentar, fortalecer e exprimir a fé. São sinais de fé que nos impulsionam à caridade. A partir do Vaticano II, portanto, inseriu-se também o mistério dos sacramentos no contexto de uma eclesiologia renovada fazendo com que o sacramento seja um acontecimento da Igreja viva que celebra e também realiza o mistério do Cristo. A Igreja é o sacramento da salvação. O Vaticano II recupera o lugar dos sacramentos na celebração litúrgica com um conceito de ação e realização do mistério pascal de Cristo. Conforme BOFF: “O sacramento é um jogo entre o ser humano, o mundo e Deus”.1 O ser humano pode fazer de um objeto um símbolo divino e de uma ação, um rito. Como os gestos e as ações de Jesus durante a sua vida foram forças vitais, a Igreja manifesta e também comunica Deus aos homens através de gestos, símbolos e palavras, que são os elementos essenciais dos sinais. No Vaticano II, a SC no. 14 cita “os sacramentos: a participação ativa, consciente, plena e interior da Igreja no mistério de Cristo”. Participar é tomar parte desse mistério de Jesus de forma consciente. O Mistério Pascal está presente em todos os sacramentos igualmente. Celebrar um sacramento é celebrar o Mistério Pascal. Conforme o CaIC2 no. 1212: “Os sacramentos são os fundamentos de toda a vida; é a participação na natureza divina. A fé exige uma resposta através da Igreja que conduz a uma prática”. Os sacramentos são como um conjunto de ações simbólicas da qual é feita uma celebração. É uma ação 1 2
BOFF,L. O sacramento da vida e a vida dos sacramentos. Mínima Sacramentália.Vozes Catecismo da Igreja Católica
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conjunta onde o Pai, o Filho, com o Espírito Salto e o Povo de Deus fazem uma Sinergia.É uma força transformadora que sempre está relacionada com a vida em função de uma missão. Os sacramentos são da Igreja que os reconhece por séculos, existindo “através dela” e “para ela”. Os sacramentos devem estar inseridos numa adequada evangelização que pede uma resposta de fé do Povo de Deus: a missão. 1. Breve conceito de sacramento: Sacramento origina da palavra mystérion traduzido para o latim como sacramentum, enquanto realidade cristã de salvação. Fora usado neste sentido desde Paulo. Clemente de Alexandria também denomina mystérion como todo o conjunto das realidades salvíficas do cristianismo. Se tomarmos um dicionário antigo, o L. Quicherat. Dicionário Latino-português, teremos a definição etimológica: sacramento traduz sacramentum. Literalmente significa um juramento ou coisa sagrada (sacrum). Era usado em juramentos de bandeiras e eventos militares. A palavra sacramentum portanto, surge em primeiro lugar de um vocabulário popular-militar-religioso como juramento, contrato, pacto ou caução. Para Plínio, o moço, um escritor, a existência de um culto cristão na Igreja primitiva era chamado de sacramentum,com o sentido de juramento sagrado. O ponto de partida desta explicação é a história da salvação enquanto apresentada com acontecimentos salvíficos – mysteria – reaitulados nos sacramentos cristãos. Por isso, o Batismo e a Eucaristia são os primeiros e fundamentais mysteria. Os padres da Igreja detiveram-se em analisar o que se a no mystérion ou sacramentum procurando salientar a realidade e salvação que acontece quando a Igreja o realiza, uma procura do conteúdo de fé e salvação. Mais tarde, Ambrósio de Milão reservará o nome de mystérion ou sacramentum para os acontecimentos cultuais de maior importância e buscará numa síntese destes acontecimentos. Os sacramentos surgem como os grandes momentos de salvação da comunidade cristã visível que, por sua vez, aparece como sendo formada pelos sacramentos, nos quais atinge o cerne mesmo da salvação. Eles constituem simultaneamente realizações da Igreja e para a Igreja. Eles acontecem como Igreja e não apenas na Igreja. 2. A linguagem sacramental: Os sinais devem criar relações para nós. Essas relações deverão mostrar fatos e relembrar acontecimentos. A sacramentalidade torna-se mais ampla, já não está mais restrita a sete sinais. Deve-se educar os cristãos para esse entendimento. Colocar ritos que significassem e celebrassem a irrupção da graça na vida da pessoa e da comunidade em todos os momentos. A linguagem dos sacramentos não é apenas descritiva (descreve fatos), mas também é evocativa (envolve a pessoa com as coisas, com os gestos e com as palavras). Deve tocar a pessoa internamente. 2
Estabelece um encontro que modifica o ser humano e o leva a modificar também a práxis humana. Os sacramentos devem introduzir a uma conversão. Conforme BOFF: “Quem entendeu os sacramentos da vida, percebeu a vida dos sacramentos”. A linguagem dos sinais deve conter, mostrar, relembrar, visualizar e comunicar uma outra realidade diferente da matéria deles, mas que está ocultamente presente neles. O símbolo é o sinal cujo significante é transparente a outro significado que não o seu primeiro. Ex. Bandeira e suas cores, semáforo, duas pessoas quebram um anel. O símbolo é uma forma de mediação entre uma realidade empírica fragmentária e a totalidade, ou o sentido global não explicitado. O símbolo só pode ser entendido dentro de mútuas relações e não como coleção de coisas. A transparência dos sinais: o transcendente (o divino) se torna presente no imanente (o humano) fazendo com que uma realidade se torne transparente naquele acontecimento. Todo sacramento deve ser essa transparência que participa desses dois mundos: o transcendente e o imanente, ou seja, o divino e o humano inter-relacionados. O sacramento é ambivalente em sua linguagem: é um movimento que vem primeiramente de Deus para as coisas e, depois há um movimento das coisas para Deus, sempre presente em todas as coisas. Por isso, os sacramentos transmitem a graça sacramental através da fé de quem participa. É um efeito que exprime e se desenvolve na comunhão da Igreja e expressa pela “Lex Orandi”- Lei da oração - Lei da fé. A Igreja se torna o sacramento de salvação quando confirma, reafirma e age nesse sacramento que é o próprio Corpo de Cristo celebrado. Assim, é Cristo que age em todos os sacramentos. Com Cristo, a ação é realizada de fato pelo poder de Deus, mas também pela disposição de quem recebe o sacramento. A Igreja tem, portanto, uma missão já participando e conduzindo ao Mistério Pascal, que é a Salvação para a Vida Eterna. A imagem iniciadora da Igreja ressalta que toda a ação sacramental não procede dos recursos e da iniciativa humana: são obras de Deus. A salvação, a entrada na comunhão trinitária não é autooutorgada visto que se recebe gratuitamente do único Deus e Salvador. A partir de tais princípios se percebe os significados dos ministérios na Igreja: os ordenados, não ordenados, os da comunidade, dos pais, dos padrinhos e dos catequistas. É a vertente missionária dos sacramentos: a missão de continuar a própria missão do Cristo: salvar.
3. Cristo: o sacramento original. Cristo entra na história humana como um sinal sacramento. A encarnação é o cumprimento da prometida presença histórica de Deus no meio do povo eleito. Nele a 3
graça se tornou plenamente visível. Ele é a realização plena do mysterion escondido e revelado, o lugar mais importante da experiência e do encontro com Deus. Em Cristo, a comunhão de vida do homem com Deus, chega a seu ponto culminante e a manifestação de Deus, como Salvador, ao homem atinge o centro decisivo. Os diversos momentos, gestos, atitudes e ações de Jesus Cristo são considerados não como meros exemplos a imitar, mas já como manifestações de Deus ou como acontecimentos, nos quais a ação divina está presente em Cristo. Através disso se manifesta e realiza o desígnio salvífico de Deus. Esta é a refração do único Mistério que é Cristo na pluralidade dos mistérios cristológicos. Em nossa história presente, o mesmo Cristo, agora ressuscitado, vivo e vivificador continua atuando em nós. Aproxima-se de nós, se faz presente entre nós de diferentes maneiras e de um modo especial nos sacramentos, que por meio deles para cada um, em cada tempo, realiza a sua Páscoa. Os sacramentos “são eficazes porque neles atua o próprio Cristo: é Ele quem batiza”. O Catecismo da Igreja Católica (CaIC) diz que: “os sacramentos são como forças que brotam do Corpo do Cristo sempre vivo e vivificante”. Jesus “fala” nos sacramentos e sua presença é pura dádiva do Pai. É graça. Desde o princípio, a Igreja crê que a graça divina está infalivelmente presente na realização sacramento, desde que ele seja realizado na fé e na intenção de comunhão com a igreja universal. A presença de Cristo não depende nem da santidade do ministro nem de quem vai receber o sacramento. Não depende nem dos méritos humanos, mas age ex opere operato, isto é, uma vez realizado o rito sacramental, colocados os sagrados símbolos, Jesus Cristo se torna presente. Não em virtude dos ritos por eles mesmos (o que seria uma magia), mas em virtude da promessa de Deus mesmo. A causa da graça não é o ser humano, nem os símbolos por ele usados, mas unicamente Deus Pai e Jesus Cristo. A humanidade compete abrir-se à graça pela fé. Eis, portanto, a necessidade da fé para receber o sacramento. É Cristo quem batiza, quem consagra, quem perdoa... O ministro lhe empresta o seu ser. O homem co-opera nos sacramentos. Ao homem cabe abrirse em atitude de fé e não colocar obstáculo à ação de Deus em sua vida. A pastoral sacramentaria, portanto, deve levar as pessoas a uma autêntica conversão, isto é acolher na fé e em consciência a gratuidade do dom de Deus presente em cada sacramento. Por isso, todos os sacramentos procedem da Páscoa, do Cristo Ressuscitado. •
No Batismo nos submergimos em sua morte e ressurreição.
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Na Confirmação nos fazemos o seu melhor dom: o Espírito Santo.
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Na Eucaristia nos alimentamos com a sua própria pessoa para que tenhamos força. 4
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Na penitência somos comunicados do seu perdão, ou seja, fazemo-nos partícipes de sua vitória na cruz sobre o mal e o pecado.
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Na Unção dos enfermos, nos aproximamos da unidade eclesial com a nossa dor para sermos fortalecidos em nossa debilidade.
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Na Ordem através dos ministérios ordenados, o representamos no bem e no serviço para toda a comunidade eclesial.
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No matrimônio o sentido pleno do amor entre homem e mulher Ele mostra a sua cruz que se entregou por amor à Igreja, sua esposa.
4. Sacramentos e Igreja. Para o Novo testamento os sacramentos são essencialmente fatos eclesiais. A igreja é o Corpo Sacramental de Cristo por isso a Igreja é Sacramento. A Igreja como sacramento é a noção chave do Concílio Vaticano II. Ela é o Sacramento Universal de Salvação. “O Cristo constituiu seu Corpo que é a Igreja como um sacramento universal de salvação... o Senhor que havia recebido todo o poder no céu e na terra, fundou sua Igreja como Sacramento de Salvação.”(AG 5). Este conceito de Igreja-sacramento renova a própria imagem da Igreja. Contrapõe-se, de fato, a uma mentalidade que considerava a Igreja em si mesma, fora da qual não havia salvação, tratada negativamente apenas como sacramentalista. O Concílio desvelou sua verdadeira face. É uma Igreja que está no mundo como fermento da massa. A Igreja é, portanto, sinal-sacramento da união de Deus com a humanidade, e da humanidade consigo mesma. É a Igreja o sinal e instrumento de libertação e salvação. Ela é o Sacramento de Cristo porque contém e manifesta Jesus Cristo, do qual é o seu próprio corpo. Participa atualiza a presença sacramental de Cristo. A Igreja é o sacramento originante: ela é o lugar primordial da graça que o Espírito comunica em cada sacramento. Os sete sacramentos chegam a humanidade através da Igreja, Ela é o promotor da unidade no Espírito. A missão de Cristo é chamar todos à unidade, à glória do único Deus, criador e Pai, no Espírito Santo. Ela é o sacramento escatológico. Com a vinda de Cristo na história e na nossa vida, começou a plenitude dos tempos. Com Cristo a humanidade já participa do mistério pascal, que o tempo favorável é chegado e o Reino está próximo (Mt 1,15). Para ele, no tempo determinado cada um busca e encontra toda a “energia” da expectativa existente entre o já e o ainda não realizado. Os sacramentos da Igreja e a Igreja como sacramento devem ser um desafio a lutar constantemente contra o egoísmo e um convite a viver a lei do amor. Os sete sacramentos são 5
essencialmente fatos eclesiais: O Batismo é a entrada no Corpo de Cristo; a Confirmação com o Batismo constituem a unidade de inserção cristã na Igreja; a Unção é a oração de fé de uma comunidade comprometida com a doença; a reconciliação restabelece a comunhão; o matrimônio é a união e a comunhão com Cristo e com a Igreja; a Eucaristia o sinal por excelência da comunhão eclesial. Os sacramentos do Batismo, Eucaristia e Confirmação são chamados de Iniciação Cristã. É Deus, com Cristo e com a Igreja quem age nos sacramentos apesar dos homens e das mulheres. Sua graça é independente da humanidade, no entanto, ele quer contar com a humanidade. Ao homem cabe abrir-se em atitude de fé e não colocar obstáculos à ação de Deus em sua vida. Em outras palavras, a graça está sempre presente em cada sacramento, no rito realizado e é conferida àquele que não se opõe. 5. Os sete sacramentos falam da vida humana e da totalidade da ação do Cristo na história. A definição dada no Concílio de Trento foi de que “Os sacramentos da Nova Lei são sete, nem mais, nem menos, a saber: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Extrema-Unção, Ordem e Matrimônio”. Esta já comporta um significado que ultraa o mero valor quantitativo dado aos sacramentos. O sete é um número clausus. É o símbolo da perfeição e da totalidade de uma pluralidade ordenada. É a soma dos elementos do Cosmos (4: terra,água,fogo,ar), realidade imanente com os elementos do Absoluto(3: Pai, Filho e Espírito), realidade transcendente. Ao multiplicarmos os algarismos, obteremos o 12, sinal de aliança com Deus no Antigo e no Novo Testamentos. Com Santo Tomás de Aquino podemos também comparar os sacramentos a momentos importantes da vida humana. L. Boff chama essas etapas de “eixos existenciais”. São momentos onde se manifesta mais a dependência e a relação com o Absoluto. No nascimento, o Batismo, recebe o dom gratuito de uma nova vida. No crescimento, a pessoa livre e madura decide e se insere na sociedade religiosa dos adultos: é a Confirmação. Na vida nascida, crescida e maturada, o alimento é necessário. Alimentar-se é participar da vida de outras pessoas: a Eucaristia. Na doença, na vida enfraquecida e ameaçada o ser humano torna-se mais dependente. É a Unção dos Enfermos que expressa a aproximação da presença e do poder salvífico de Deus. Na vida humana ocorre, muitas vezes, o pecado, ou seja, a ruptura e a divisão do próprio ser humano, com os outros e com Deus. A Reconciliação leva a fazer a experiência do perdão e da conversão.
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O homem chamado exclusivamente a servir e construir a comunidade humana escolhe trabalhar para uma sociedade mais justa, assistindo aos doentes, reconciliando pessoas entre si e com Deus e aí descobre o sentido da vida. A Ordem leva pessoas a serem ungidas para o serviço da humanidade, presença libertadora no Reino de Deus. O amor une vidas e depende da liberdade consciente de dois “sins”. É a presença de Deus no amor humano entre duas pessoas que se escolhem e se doam mutuamente: o Matrimônio. Portanto, os sete sacramentos não são momentos separados, mas se entrelaçam e se expressam na plenitude da salvação, comunicada a humanidade através dos gestos de Cristo, presentes na história da humanidade. Alguns deles são caracterizantes ou irrepetíveis, pois imprimem caráter. São eles: o Batismo, a Confirmação e a Ordem. Desde Santo Agostinho, a Igreja ensina que o caráter é uma marca indelével que assinala a existência cristã como exigência de pertença a Cristo. Para a Escolástica, o caráter é um sinal impresso na alma. Os sacramentos caracterizantes têm o seu aspecto eclesiológico, pois exige um compromisso pessoal de seguimento a Cristo e um relacionamento visível e permanente com a Igreja. O caráter sacramental exige que se viva o acontecimento que os marcou. Conclusão Cada um dos sete sacramentos exige pela sua própria natureza um compromisso sagrado da Igreja. Exige conversão e novas atitudes de quem os recebem. Exige um comprometimento com a causa da liberdade, da promoção integral da pessoa e da sua salvação. Não se recebe um sacramento para obtenção de status, por pertença, tradição ou superstição, mas sim para se tornar testemunhas do plano original de Deus, em favor do Reino. Hoje os sacramentos devem engajar as pessoas que os recebem, na comunidade local e mais ainda, na Igreja Universal, pois são eles, sinais e instrumentos proféticos, e toda sua ação é integral e libertadora. Quem recebe um sacramento é ungido/a com Cristo para proclamar a Boa Nova: “libertar o cativo, o pobre, instituir um ano de graça do Senhor” (Cf Is 61). Nessa perspectiva se torna participante da santidade de Deus, configurando-se a Jesus Cristo na dinâmica da libertação integral da pessoa, presente na história. Os sacramentos são dons de Deus e por seu filho Jesus Cristo no Espírito Santo, a Igreja sinal visível na história, se compromete a anunciar e realizar as propostas dos evangelhos para a construção do Reino.
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