A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA EM MINAS GERAIS (1960-2005)
TAVARES, Adriana Gomes – UFMG
Os livros didáticos exercem um importante papel no ensino-aprendizagem de história, facilitando a compreensão dos alunos nos conteúdos curriculares. A linguagem utilizada, as fontes históricas como documentos escritos e iconográficos e os recursos didáticos empregados, variam de acordo com a série que se destina, desta forma, auxiliam o professor nas temáticas abordadas em sala de aula. Os livros didáticos variam de acordo com as mudanças ocorridas na sociedade, as reformas curriculares do sistema educacional brasileiro, as mudanças sociais, econômicas e políticas, e o próprio desenvolvimento nas pesquisas históricas são fatores que trazem variações e atualização nos conteúdos das temáticas destes livros. Analisamos como os livros didáticos de editoras mineiras (editora do Brasil em Minas Gerais, editora Lê, editora Dimensão) abordam questões referentes à temática cultura e história da África e do negro no Brasil. Nosso recorte temporal se estende da década de 60 até as últimas publicações feitas por editoras de livros didáticos em Minas Gerais (2005). A análise destas obras não contempla uma série específica do ensino fundamental ou médio, procuramos focar exclusivamente os conteúdos dos textos presentes nos livros didáticos de história. A análise crítica destas leituras mostra como diversos autores em diferentes épocas descreviam a tradição e história da África. Mostramos como o negro era apresentado como um dos elementos integrantes na formação do povo brasileiro. Dentre estes autores podemos destacar: MONTANDON (1962); GOMES (1975 e 1979); FARIA (1988); FIGUEIREDO (1998); ALVES e BELISÁRIO (2001); ANASTASIA e PAIVA (2005), dentre outros. Outro ponto importante deste trabalho é a análise dos livros didáticos que foram impressos em Minas Gerais após a lei 10639/03. Esta lei estabelece as diretrizes básicas para incluir, no currículo oficial das redes de ensino a obrigatoriedade da temática História da África e cultura afro-brasileira. Deste modo, fizemos uma comparação com os livros didáticos das décadas anteriores, procurando mostrar como atualmente está sendo abordada nos livros a temática História da África e dos Africanos, quais foram as mudanças e permanência ocorridas desde a década de sessenta e descrevemos como as concepções historiográficas foram sendo transformadas de acordo com a época em que os livros foram adotados. Concluímos que a linguagem utilizada nos livros didáticos mudou substancialmente ao longo deste período, transformando e delineando outras interpretações e concepções no que diz respeito à cultura e história da África.
2 A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA EM MINAS GERAIS (1960-2005)
TAVARES, Adriana Gomes – UFMG
APRESENTAÇÃO
Este artigo pretende analisar o conteúdo de alguns livros didáticos de história editados em Minas Gerais, ao serem abordadas as temáticas referentes à cultura e à história da África e do negro no Brasil; como eram representados os africanos, suas tradições, seu continente; e como o negro se integra na sociedade brasileira. Nosso recorte temporal se estende da década de 60 até as publicações mais recentes feitas por editoras de livros didáticos em Minas Gerais, (Editora do Brasil em Minas Gerais, Editora Lê, Editora Dimensão). A análise crítica destas leituras mostra como diversos autores em diferentes épocas descreviam a tradição e história da África. Os livros que iremos analisar são: Vamos conhecer nossa história?, na 5º edição, de Leonilda Montandon, Editora do Brasil em Minas Gerais (1962); História do Brasil, Editora Lê, Paulo Miranda Gomes e outros, (1975 em sua 2º edição e 1979 na 6º edição , respectivamente para os cursos do ensino médio e para a 5º série do ensino fundamental); Construindo a História. De Ricardo de Moura Faria e outros, 4º volume, Editora Lê, 1988; Construindo o Brasil, de Rejane Figueiredo, Editora Lê, 1998;: Nas trilhas da história, Kátia Corrêa Alves e Regina Célia Belisário, Editora Dimensão, (4 volumes, ensino fundamental), 2001 e Histórias, imagens & textos, de Carla Maria Anastasia e Eduardo França Paiva, Editora Dimensão (4 volumes, ensino fundamental), 2004. As obras não contemplam séries específicas dos ensinos fundamental e médio, procuramos nesta análise, focar exclusivamente o conteúdo dos textos destes livros didáticos de história, compreendendo como eram descritas as temáticas africanas nas décadas referentes à sua publicação. Outro ponto importante deste trabalho é a análise dos livros didáticos que foram impressos em Minas Gerais após a lei 10639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira, e estabeleceu as diretrizes básicas para inclusão desta temática nos currículos oficiais das redes de ensino. Deste modo, fizemos uma comparação com os livros didáticos das décadas anteriores, procurando mostrar como atualmente estão sendo abordadas nos livros as temáticas Histórias da África e dos Africanos, quais foram as mudanças e
3 permanências nas concepções historiográficas, e como foram sendo transformadas pelos autores de acordo com a época em que os livros foram escritos.
OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA Os livros didáticos exercem um importante papel no ensino-aprendizagem de história, facilitando a compreensão dos alunos do que é prescrito nos conteúdos curriculares. A linguagem utilizada, as fontes históricas como documentos escritos e iconográficos e os recursos didáticos empregados, variam de acordo com a série que se destina e, desta forma, auxiliam o professor nas temáticas abordadas em sala de aula. Os primeiros livros didáticos de história no Brasil foram publicados em forma de compêndios, em meados do século XIX, no Rio de Janeiro. Eram inspirados nos autores ses e traziam em seu conteúdo temas ligados à História Universal. Desta forma, estavam imbuídos do pensamento europeu e cristão da época. Estes manuais eram utilizados em escolas freqüentadas pela elite local, e muitos destes alunos chegaram a estudar nas edições sas destes livros. No final deste mesmo século tornou-se recorrente nestas publicações o conceito europeu de “civilização”. Lembremos que neste período o imperialismo europeu se expandia sobre a Ásia e a África. Um aparato ideológico que justificasse esta política tornou-se imprescindível, pois enfatizava a missão de levar a “civilização” aos povos “bárbaros” e “selvagens”. Portanto, as publicações deste período são fortemente influenciadas por este discurso, que tratava os povos dominados como inferiores e com indiferença, tratando-os como uma “curiosidade teratológica”. Devemos lembrar que o contexto histórico em que estavam inseridos os primeiros autores de livros didáticos a tratar desses temas influenciou sobremaneira seus atos e pensamentos e que, portanto, revelaram muitas vezes um racismo inconsciente, decorrente de uma concepção de mundo que acreditavam correta: “... É evidente que um inconsciente racismo penetra nos textos escolares, mesmo quando a finalidade aparente da estória e da poesia é a de apresentar à criança a realidade de diferenças étnicas, através de uma compreensão e uma simpatia um pouco vagas...” (ECO: 1980, 53). Na segunda metade do séc XIX, a disciplina história do Brasil tornou-se independente da história universal nos liceus do Rio de Janeiro, por isso, os livros editados a partir deste período tiveram um conteúdo mais específico. Quem elaborava estes compêndios eram os intelectuais do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico
4 Brasileiro), e estes manuais didáticos propunham uma abordagem cronológica da história, incentivavam a memorização dos fatos históricos e seguiam uma abordagem de teor positivista, em que eram exaltados os “grandes personagens” e os “grandes feitos” de nossa história. Durante o século XX, algumas inovações importantes ocorreram nos manuais didáticos de história, como novas unidades temáticas, em que eram abordadas histórias ligadas ao cotidiano local e a inserção mais rotineira e ilustrações mais elaboradas de cunho didático. Estas publicações tiveram tanto sucesso nos colégios do Brasil que foram reeditadas por várias décadas chegando até aos meados da década de 60.
OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA E A TEMÁTICA AFRICANA
Mesmo com as inovações metodológicas e teóricas que os livros de história receberam neste período, através deles continuou-se propagando discursos preconceituosos e errôneos no que diz respeito aos temas ligados à história da África e dos africanos. Desta forma, precisamos considerar dois aspectos: o primeiro que reproduz um pensamento genérico que trata os negros e outros povos como uma raça inferiorizada, desprezando sua cultura e considerando-os como povos a-históricos. A outra diz respeito à própria história do Brasil: a escravidão dos africanos durou mais de 300 anos, e a liberdade dada posteriormente aos negros pode ser considerada somente uma “liberdade jurídica”, pois não houve uma integração efetiva dos negros na sociedade. Não seria possível que os livros didáticos de história não fossem imbuídos deste contexto, portanto, a utilização de diversos livros com aspectos preconceituosos sobre a história da África e dos africanos continuou por longo tempo: “... Podemos dizer, então, que o raciocínio não depende tanto de uma escolha ideológica, quanto de uma carência cultural. O uso preguiçoso e continuado de modelos ultraados leva, de texto para texto, através de uma longa cadeia de empréstimos e citações, à utilização de uma matéria que, no mínimo, precede a constituição das Nações Unidas...” (ECO: 1980, 53)
Esta afirmação evidencia-se ao analisarmos o livro de Leonilda Montandon, Vamos conhecer nossa história?, na sua 5º edição, de 1962. O texto se inicia com
5 graves desacertos ao descrever os primeiros habitantes do Brasil, nos dizeres da autora: “Não podendo contar com os índios para os trabalhos da lavoura, os portugueses lançaram mão de escravos vindos da África os quais eram mais dóceis e submissos que os índios e muito mais resistentes." “Os pretos vindos do continente africano, constituíram o terceiro elemento para a formação do povo brasileiro”. (MONTANDON: 1962, 31). O primeiro deslize do livro é cometido ao narrar que os portugueses não puderam contar com o trabalho dos índios para as lavouras, restando aos portugueses a opção de trazer os escravos vindos da África, pois os africanos “eram mais dóceis e submissos que os índios e muito mais resistentes”. Desta forma, com um prévio e negativo juízo de valor, os negros são inseridos na história do Brasil. A impressão que causa a leitura deste trecho é que os africanos não possuíam uma origem definida, apenas são originários de um vasto continente, que os mesmos constituem um povo subordinado, dócil e pacato, (comparados aos índios, que já eram considerados incapazes), e que eram “muito mais resistentes” ao exercer o trabalho na lavoura. Outro aspecto a ser analisado, é a maneira de descrever a raça africana: “Os pretos vindos do continente africano, constituíram o terceiro elemento para a formação do povo brasileiro” (p. 31). A autora continua: “Da mestiçagem dos europeus com os silvícolas surgiu o caboclo, tipo espalhado por todo o Brasil. Do cruzamento entre brancos e pretos, surgiu o mulato. Os caboclos, por sua vez, uniram-se aos índios formando uma raça mais pura, a dos caribocas sem mescla de sangue africano...”. (p.31) A autora deixa transparecer claramente que a mestiçagem que envolve o sangue africano não é pura. O preconceito neste trecho é nítido. É interessante pontuar que o livro de Leonilda Montandon é destinado às crianças da 4º série do ensino primário. A leitura errônea de interpretações pode trazer prejuízos à formação dos alunos, deste modo tais interpretações estariam promovendo a desigualdade, possibilitando formas de racismo e discriminações de origem étnica, cultural e religiosa, de acordo com Eco (1980): “... é preciso lembrar que a criança não lê apenas esses trechos, mas lê o livro todo e o lê frase por frase e certas frases imprimem-se na sua mente com a nitidez das recordações indeléveis. E isto nós o sabemos muito bem por experiência própria, pois também nós temos nossas recordações dos dias da escola...” (ECO: 1980, 17). No que diz respeito à abolição da escravatura a autora escreve: “Um dos fatos mais importantes do govêrno de Pedro ll foi a extinção da escravatura no Brasil. Você não pode imaginar, nem de longe, o que foi o comércio de negros trazidos da África e sua escravidão por quase três séculos!" (p. 74)
6 "A descoberta das minas e os serviços da lavoura exigiam trabalhadores e ó os pretos ofereciam a necessária resistência para tais trabalhos. Por esta razão, começou o tráfico de negros os quais eram caçados e presos nas selvas africanas como se fôssem animais. Para cá eles eram trazidos nos porões dos navios e vendidos nos leilões públicos. Nos engenhos, nas minas, nas fazendas, os pobres pretos nem sempre encontravam senhores bons, justos e amigos. Muitas vêzes caíam em poder de patrões que eram verdadeiros verdugos..." (p. 74). Para este trecho é necessário fazer algumas considerações: Aqui mais uma vez a autora descreve que “os pretos ofereciam a necessária resistência para tais trabalhos”, e que “por esta razão” iniciou-se o tráfico de negros. Notamos que a maneira com que a autora descreve deixa transparecer que o tráfico negreiro teve início porque na época não existiam trabalhadores que pudessem exercer as funções para tais trabalhos, e o pior, que somente “os pretos” possuíam propriedades físicas para tais funções. Outro trecho que vale a pena ressaltar é a expressão “pobres pretos”, onde fica evidente que, mais uma vez, os negros são caracterizados com inferioridade e desigualdade. A partir desta leitura a criança pode ter a impressão de que na história não houve escravidão com outros povos, e que os africanos foram os únicos a serem escravizados, justamente por serem inferiores e serem resistentes para os trabalhos das minas e para os serviços da lavoura. Outro livro a ser analisado é História do Brasil, em sua 2º edição, editora Lê, 1975, escritos por Paulo Miranda Gomes, Alaíde Inah González, Nelson de Moura. A linguagem utilizada neste livro é mais elaborada, por se tratar de um manual didático destinado aos alunos do 2º grau (atual ensino médio) e para concursos vestibulares. Os autores, ao escrever sobre a formação inicial do povo brasileiro definem: “...foi um longo e lento processo, em que intervieram os três grandes grupos étnicos de que se constitui a humanidade: o branco, o amarelo e o negro...nenhum dos três grupos...pode ser lembrado como etnicamente homogêneo. Assim, os próprios portugueses, elementos que menos diferenciações apresentaram nesse campo, concorreram com tipos físicos acentuadamente diversos, resultado da secular miscigenação havida na Península Ibérica.” (p. 59)
Para explicitar o surgimento da cultura brasileira os autores assim expõem: “...É certo que a base do processo constitutivo da cultura nacional foi o transplante da cultura portuguesa, feito pelo povo dominador, deliberadamente preocupado em
impô-la ao indígena e ao
7 negro...das três culturas aqui presentes, em nossos primeiros tempos, a portuguesa era, exatamente, a menos equipada para facilitar a vida das circunstâncias coloniais, donde a larga margem de implantação de padrões das duas outras." (p. 60).
Ao explicar a formação dos nossos padrões culturais os autores definem: “...de origem portuguesa: a língua; o catolicismo; a forma de organização familiar e social; a forma de organização municipal; o gosto do tradicional; o tipo de cultura intelectual, marcado pelo valor atribuído ao bacharel; os ofícios e as técnicas, sobretudo as do setor agrícola; a utilização de plantas e animais alienígenas, e as bases do folclore, da arte, da culinária, da indumentária, do mobiliário, da tradição arquitetônica e da urbanística" (p. 61).
“...de origem negra: Influências na Língua Portuguesa do Brasil; rituais religiosos, entre os quais o candomblé, a umbanda, a quimbanda e a macumba; o costume de praticar os ditos rituais de permeio com os do catolicismo e do espiritismo; elementos do folclore (as estórias de bichos, os congados, o maracatu, e o batuque, de que procede o samba); uso de certos utensílios (bateia, figa, patuá, moringa, colher de pau), instrumentos musicais (atabaque, agogô, cuíca e berimbau), aspectos da indumentária (traje de baiana e roupas vistosas), hábitos culinários (consumo de verduras, legumes e azeite de dendê; excessos de gorduras, condimentos e açúcar; pratos típicos, como o vatapá, o acarajé e o abará, etc.); influências no surgimento do mocambo e de formas associativas, como as rodas de capoeira e o mutirão.” (p. 61).
Sobre as classes e vida social: “...Já se tornou tradição dizer-se que, no Brasil Colonial, existiam unicamente duas classes, a dos senhores e a dos escravos, ao lado de grupos menores, de importância diminuta. Estudos recentes, no entanto, permitindo aquilatar melhor o significado sócio-econômico de tais grupos, justificam a afirmação de que eram as seguintes classes brasileiras coloniais... rural... intermediária... trabalhadora livre... trabalhadora escrava rural e urbana..." (p. 61, 62).
8 "...a sociedade se apresentava rigidamente estratificada, sendo o senho-de-engenho
a
figura
preeminente
e
o
padrão
de
comportamento por excelência. Rico em dinheiro e em bens de toda ordem, vivendo na vastidão de seus domínios , a salvo da concorrência, da lei e da autoridade, ele era um autêntico patriarca, dispondo, em termos inquestionáveis, da vida e da vontade de seus familiares, empregados e escravos. Esse poder, transcendendo os limites do engenho, atingia, ainda, a parentela e os vizinhos de menores posses. Tão grandes arregimentações de pessoal deram origem aos clãs eleitorais, que, então como nos séculos posteriores, garantiam o domínio do senhor sobre a vida política da região. Sua família vivia na ociosidade e na abastança das casas-grandes, cabendo às mulheres pequenos afazeres domésticos e a supervisão dos serviços da casa." (p. 62).
“O escravo, nessa sociedade, estava presente no eito, no engenho, na casa-grande e na senzala. No eito e no engenho, executava trabalhos necessários à produção do açúcar; na casa-grande, prestava serviços gerais, exercendo, entre outras, as funções de mucamas,
mães
pretas,
cozinheiras,
costureiras,
lavadeiras,
carregadores, moleques de recados, etc. Essa onipresença do escravo, morador da senzala, habitação coletiva, promíscua e insalubre, foi responsável pela intensa mestiçagem e interpenetração cultural havidas nas áreas do Nordeste açucareiro” (p. 62, 63).
Nestas citações podemos notar que os autores descrevem
a cultura do
português com certa iração e excelência. Ao explicitar a cultura negra não consideram o sincretismo religioso, e expõem alguns "excessos" da cultura africana. A mestiçagem é explicada a partir de análise vaga e mais uma vez preconceituosa. Os autores deste livro ao relatarem sobre a vida intelectual no período colonial brasileiro citam brevemente algumas contribuições que certos “mulatos” deram à nossa arquitetura e esculturas: “...o mulato Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho) destacou-se entre os maiores arquitetos do período colonial, sendo responsável por alguns dos aspectos originais do barroco brasileiro...podemos citar seu pai, Manoel Francisco Lisboa, ambos de Minas Gerais ...” (p. 66). O autor Paulo Miranda no livro História do Brasil, destinado aos alunos da 5º série e editado em 1979 informa com algumas inovações no que diz respeito aos africanos:
9 “os negros trazidos para o Brasil se originavam de diferentes povos africanos. Muitos desses povos já tinham governos organizados, com reis, ministros, governantes territoriais, pagamentos de impostos, etc. As classes sociais eram diferenciadas, e a população, em grande parte, habitava cidades e aldeias. Conheciam a lavoura, a criação de gado e o comércio...dominavam as técnicas de fiação, tecelagem, mineração e trabalho com vários metais, inclusive o ferro e o ouro. Alguns conheciam a escrita." (p.75).
O autor considera aspectos importantes dos ofícios e da vida política exercida pelos africanos em sua sociedade: “...São
conhecidos
os
horrores
das
viagens
nos
navios
negreiros...mais grave do que isso era a desorientação em que viviam estes escravos...eles eram bruscamente afastados de sua cultura; não eram aceitos na sociedade na qual eram obrigados a viver; os negreiros e colonos separavam pais e filhos, mulheres e maridos,
e
misturavam
negros
de
nações
diferentes.
Essa
desorientação foi causa do desinteresse do negro pela vida e pelas coisas em geral. Tal atitude lhe dava aparência de incapaz e indolente, sendo, por isso, considerado inferior.” (p. 75)
Neste livro, o autor já descreve o sincretismo religioso as variações das religiões africanas: “...apesar de sua situação, o negro contribuiu grandemente para a formação étnica de nosso povo; constitui a maior parte da força de trabalho brasileira até 1888 e ofereceu elementos para a formação da cultura brasileira...grande número de palavras....crenças religiosas, como o candomblé e a macumba; o costume de praticar essas crenças juntamente com o catolicismo e o espiritismo (sincretismo religioso)... (p. 75).
Para
descrever
a
sociedade
colonial
faz
algumas
inovações
nas
interpretações, alocando o negro em uma posição mais justa, descrevendo sua possibilidade de mobilidade social: “os escravos eram a maioria da população...levavam a vida dura e praticamente sem direitos...existiam, no entanto, outros grupos
10 sociais que não chegavam a constituir classes: altos funcionários civis e militares; funcionários públicos e oficiais militares em geral; comerciantes; trabalhadores livres (empregados dos engenhos e fazendas, vaqueiros, artesãos, mineradores e soldados)." (p. 76).
Ricardo de Moura, Adhemar Marques e Flávio Berutti fazem uma série de inovações metodológicas no livro Construindo a História, editado em 1988, iniciando o capítulo que trabalha o continente africano com alguns documentos e tratando a questão da desigualdade na África. Fazem algumas adaptações de livros sobre a temática africana, por exemplo: Formação da África Contemporânea, escrito por José Flavio Sombra; Moçambique: de Licínio de Azevedo; Apartheid, poder e falsificação histórica: de Marianne Cornevin; revista Cadernos do Terceiro Mundo, e ainda, uma poesia de Agostinho Neto: “ Do povo buscamos a força”. Traz neste capítulo uma entrevista do presidente do Senegal Leopoldo Senghor, feita em 31/01/1968, para o jornal francês Le Monde, em que este presidente critica a situação em que se encontram os países subdesenvolvidos: “... na hora atual, 700 milhões de homens, habitantes dos países ricos, dispõem de 80% da produção mundial, enquanto 2.300 milhões, ou seja, dois terços da população do globo, vivendo nos países subdesenvolvidos, devem partilhar (somente) 15% dessa produção." (p. 166). No livro escrito por Rejane Figueiredo, Ailton Moreira e Gleuso Damasceno, Descobrindo & Construindo o Brasil, os autores afirmam que existiram duas classes no período colonial: senhores e escravos. Escrevem os autores: “...a grande maioria da população era composta de escravos. Em todas as atividades da produção de açúcar e nos trabalhos das roças e atividades domésticas, eram utilizados os negros...até as famílias mais pobres tinham em casa algum escravo negro...os escravos eram necessários para tudo. Nada se fazia sem eles. Até para ir às ruas, muitos senhores exigiam a companhia dos escravos. Muitas pessoas (os senhores e seus familiares) eram carregadas por escravos...os senhores agiam como se fossem donos até da vida de seus escravos...faziam os escravos trabalharem até não poder mais..." (p.80).
"... Durante o período colonial e o Império, foram freqüentes as revoltas dos negros. Muitos preferiam morrer lutando, a continuar naquela vida de sofrimentos. Outros fugiam e se escondiam no mato
11 ou em aldeamentos distantes chamados quilombos. O mais famoso deles foi o Quilombo dos Palmares, no atual estado do Alagoas.Este quilombo foi massacrado pelos brancos, apesar da resistência dos negros, comandados pelo seu chefe Zumbi." (p. 81)
Os autores deixam aparecer que naquele período o escravo era imprescindível, "nada se fazia sem eles", até as famílias mais pobres possuíam um escravo. Em todas as atividades, da produção de açúcar aos trabalhos das roças e até nas atividades domésticas. Um livro mais recente, Nas trilhas da história, escrito por Kátia Corrêa Alves e Regina Gomide Belisário (2001) e editado em Minas Gerais pela editora Dimensão para os alunos do ensino fundamental traz algumas novidades no que diz respeito às fontes iconográficas. As imagens demonstram outro aspecto da cotidianidade dos negros, como as negras quitandeiras, ofícios exercidos pelos negros e a coroação de uma rainha negra na festa de reis. Possui documentos que descrevem sobre outros aspectos do cotidiano do negro no Brasil. A linguagem utilizada segue a mesma vertente, pois complementa as informações contidas nestas documentações. Desta forma, os autores criaram um manual didático preocupado com a igualdade étnica e racial na sociedade: "...Por mais de 300 anos, o Brasil foi um país de torturadores e torturados. Castigar o escravo era direito reconhecido pelas leis dos homens e da Igreja. Esse "direito" trouxe consigo a cultura do desrespeito sistemático ao trabalho manual e braçal, e por tabela, o desrespeito aos trabalhadores que a ele se dedicam". (Vol. 2, p. 189).
Finalmente, abordaremos os 4 volumes do livro escrito por Carla Anastasia e Eduardo França Paiva, Histórias, Imagens & Textos (2005), destinado aos alunos do ensino fundamental, editora Dimensão, coleção editada posteriormente à lei 10639/03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afrobrasileira. Em todos os volumes percebemos a preocupação de ilustrar de forma positiva a integração dos negros na sociedade. Esta característica está presente não somente nas temáticas referentes à história e cultura africana, assim como os autores tiveram o cuidado de tornar positiva a imagem do negro constantemente nas várias temáticas abordadas. Como o título sugere, a coleção trabalha amplamente as fontes iconográficas. Estas, são muito variadas, mesclando imagens mais antigas e outras produzidas especialmente para o manual. Os capítulos que trabalham a temática
12 africana possuem uma excelente e atualizada interpretação para a formação da sociedade brasileira. O título já define bem esta colocação: "Brasil, um país mestiço". Nos dizeres dos autores: "Na história da humanidade, em todos os tempos, nunca existiu um povo ou uma cultura que não tenha se misturado. Não existem, historicamente, nada puro, nem existem culturas acabadas ou paradas no tempo...a grande riqueza da humanidade é a sua diversidade, seja na formação biológica dos homens, seja nas culturas que eles criaram e transformaram." (p. 47)
O capítulo que trata sobre a temática africana sugere que o país possui "muitas caras", e a partir deste título os autores explicam a atual desigualdade social existente no país. Explicam o processo de industrialização e modernização do país. A partir de temas atuais os alunos são aos poucos transportados para contextos históricos mais distantes, permitindo assim uma ligação mais real entre ado e presente. Deste modo entendem mais claramente quais as causas das desigualdades sociais existentes no país. Ao tratar o tema ligado à África os autores explicam: " A escravidão existe desde a pré-história (...) Na verdade, existiu ao longo de toda a história...em todas as colônias hispânicas do Novo Mundo
e
mesmo
nos
países
da
Península
Ibérica
existiu
escravidão...quase 400 anos de escravidão marcaram profundamente a história de nosso país e para compreender seu ado é preciso conhecer melhor essa forma de trabalho que escravizou milhões de africanos e seus descendentes". (p. 40-41).
Percebemos que Anastasia e Paiva preocuparam-se em focar a temática africana sobre outra perspectiva. Este tipo de análise leva à promoção da igualdade racial, pois valoriza a diversidade cultural e, no que diz respeito às questões africanas, amplia este conhecimento que dá visibilidade à cultura negro-africana, a qual foi mal interpretada durante muitas décadas nos manuais didáticos de história editados em Minas Gerais. CONCLUSÃO
Os materiais didáticos variam de acordo com as mudanças ocorridas na sociedade. As reformas curriculares do sistema educacional brasileiro, as mudanças
13 sociais, econômicas e políticas, e o próprio desenvolvimento nas pesquisas históricas são fatores que trazem variações e atualização nos conteúdos das temáticas destes livros. A linguagem utilizada nos livros didáticos também mudou substancialmente ao longo deste período, acompanhando concepções de época e superando diversos entendimentos preconceituosos, transformando e delineando outras interpretações e concepções no que diz respeito à cultura e história da África. "No que tange ao livro didático, denunciaram-se a sedimentação de papéis sociais subalternos e a reificação de estereótipos racistas, protagonizados pelas personagens negras. Apontou-se a medida em que essas práticas afetavam crianças e adolescentes negros/as e brancos/as em sua formação, destruindo a auto-estima do primeiro grupo e cristalizando, no segundo, imagens negativas e inferiorizadas da pessoa negra, empobrecendo em ambos o relacionamento humano e limitando as possibilidades exploratórias da diversidade étnico-racial e cultural" (SILVA: 2001, p. 65, 66).
Os professores atuam como filtros destes manuais de apoio didático em sala de aula, ele deve estar atento a estas interpretações. Um profissional capacitado deve reverter de maneira positiva as informações contidas em um material didático mal elaborado. Muitos profissionais apesar de identificar aspectos estereotipados dos negros continuam dando prosseguimento com o conteúdo, sem que se faça uma única leitura crítica em conjunto com seus alunos. Para Maria Aparecida da Silva (2001, 66): "Todo esse esforço teórico e prático tem como objetivo que o professorado compreenda a particularidade da condição racial dos/as alunos/as e assim dê um o para promover a igualdade. É preciso compreender que a exclusão escolar é o início da exclusão social das crianças negras". Percebemos que as interpretações históricas dadas às temáticas africanas variam de acordo com a época em que estes manuais foram impressos. Como vimos, estas interpretações estiveram presentes durante anos em várias edições nos livros didáticos de história, desta forma, podemos pensar que os africanos foram entendidos e analisados através de discursos preconceituosos e racistas. Mas não podemos ignorar o tempo em que foram produzidas estas afirmações, pois também estão imbuídas de uma atmosfera cultural, além de seu próprio contexto histórico.
14 REFERËNCIAS
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